3. O Diabo e seu companheiro passeavam durante o casamento do cavaleiro Portugal com a Princesa Lusitânia, filha de Lisboa, esposa do Sol. Muito curiosamente, observavam a conversa entre dois distintos cavalheiros, um nobre mercador chamado “ Todo-Mundo ”, e um pobre João-Ninguém, chamado, justamente, “ Ninguém” . Todo-Mundo chegou procurando por algo, então Ninguém lhe perguntou: “ O que anda procurando, meu amigo?”, no que Todo-Mundo lhe responde: “ busco coisas que nunca consigo encontrar, mas continuo procurando, pois um homem teimoso é honroso em sempre teimar.” “ E qual seu nome, meu amigo?” “Meu nome é Todo Mundo, passos os dias do ano inteiro correndo atrás do imundo cheiro bom que tem o dinheiro.” “ Já meu nome é Ninguém. Apenas espero por aqui com paciência, pois tudo que anseio é por minha consciência .” http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 02 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
4. Achando isso divertido, disse o Diabo a seu companheiro: “Tome nota disso, meu companheiro” “ O que devo escrever?” “ Que Ninguém busca a consciência, mas Todo Mundo busca o dinheiro”. Ninguém volta então a perguntar: “ Se nada aí encontra, porque continua a procurar?” “Porque talvez aqui Honra muito grande eu possa encontrar.” “ Então irei lhe acompanhar, mas eu procurarei por virtudes que me acompanhem por onde quer que eu andar ! “Outra coisa interessante ”, disse o Diabo, “ escreva aí, carrancudo, veja que a nós não se ilude, pois busca as honras Todo Mundo, enquanto Ninguém busca a virtude .” http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 03 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
5. Incomodado, perguntou Ninguém ao outro cavalheiro: “ Busca por acaso algum outro bem maior que esse?” “ Sim”, respondeu, “ busco quem me louvasse em cada coisa que eu fizesse”. “ E eu ”, disse Ninguém,” quem me repreendesse em cada coisa que eu errasse”. Animado, disse o Diabo: “Escreve mais.” “ E agora, o que me passou despercebido?” “ Oras, que quer em extremo grado Todo Mundo ser louvado e Ninguém em ser repreendido.” “ Também quero o Paraíso”, disse Todo Mundo,” mas sem ter quem me chatear”. “ E eu, por minha falta de juízo, suando para minhas faltas pagar!” E disse sorrindo o Diabo: “Pra que sirva de aviso, mais uma sentença se escreve: Todo Mundo agora quer o Paraíso, mas Ninguém paga o que deve.” http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 04 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
6. Continuou Todo Mundo: “Eu sou vidrado em tapear, e mentir nasceu comigo”. “Sem nunca chantagear, a verdade eu sempre digo”, emendou Ninguém. O Diabo pediu a seu companheiro, com muito bom-humor e um sorriso malicioso: “Bote anúncio na cidade, deste fato curioso: Aqui Ninguém fala a verdade e Todo Mundo é mentiroso!” Então voltaram ás bodas para brindar aos noivos, deixando de lado os distintos cavalheiros, visto que notaram a conclusão que se confirmara: Dali, realmente Ninguém se importava e Todo Mundo só queria mesmo era saber de nada. http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 05 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
7. “ Todo-Mundo e Ninguém” Texto original de Gil Vicente, em “ O Auto da Lusitânia ”, de 1531 Texto adaptado e Ilustrações por Marcio Batista 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados http://cronicas-imaginarias.blogspot.com | 06 Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados