1. GRAFISMO INDÍGENA
UM PROJETO ENVOLVENTE DO INÍCIO AO FIM
Trabalho desenvolvido em duas classes de 3º ano de Ensino Fundamental I,
turmas da manhã e tarde.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS CLASSES:
Nº DE ALUNOS: 40
MENINOS: 16
MENINAS: 24
FAIXA ETÁRIA: 8 ANOS
TODOS ALFABETIZADOS
JUSTIFICATIVA:
O presente projeto traz abordagens antropológicas relacionadas às origens dos
povos, das civilizações, da disseminação cultural, da evolução deste “ser” cultural
e de seu espaço na sociedade.
Segundo a Doutora em Educação, Sônia Kramer a escola hoje tem um papel
fundamental que nos deixa um questionamento reflexivo: “O que é básico na
escola básica?”. Para ela, a riqueza da escola está em sua heterogeneidade e que
esta não pode ser vista como um obstáculo. Proporcionar ao aluno, o acesso ao
conhecimento científico, cultural, artístico é vital e “básico”. Assim, o indivíduo
toma consciência de quem ele é, de onde ele veio, para onde vai e de que forma
vai.
Se os sujeitos têm uma estrutura de identidade social e cultural bem definida, pode
de fato ser um agente transformador do meio em que vive.
2. É importante que o educador auxilie e favoreça a criação de “ambientes”
propagadores de cultura, identidade social, étnica e de convivência integrada entre
diferentes formas de pensamento e costumes, onde possa haver possibilidade de
coexistência entre grupos sociais, religiosos, políticos e dando aos sujeitos o que é
seu de direito.
A prática da cidadania tem suas bases no respeito à diversidade e na auto-afirmação
como povo multi-étnico que somos.
Para Kramer, a escola é o espaço adequado e ideal para a construção dos seres
que farão parte de uma sociedade com atitudes éticas que sabem de onde vêm e
o que querem. Assim sendo, têm condições de caminhar em direção à busca de
justiça social de forma ativa.
Com relação aos aspectos artísticos, surgem diálogos com relação à produção
cultural. A criança manifesta-se através da produção artística, transmitindo seu
universo, seu conhecimento, sua visão de mundo, suas interpretações e portanto,
produtora de cultura. Somos seres produtores de cultura.
Lux Vidal em seu livro, “Grafismo Indígena”, aborda questões antropológicas do
índio brasileiro, através de estudos sobre a linguagem, expressão artística e
estrutura social destes povos. Trata da formação cultural indígena desde a pré-história
e sua evolução até hoje.
Embora o enfoque do livro seja a apresentação da produção artística indígena em
suas diversas modalidades e destaca então o grafismo, o trabalho é permeado por
discussões antropológicas que dão significado à linguagem artística e auxiliam na
sua interpretação.
Rico em ilustrações e textos explicativos, Vidal proporciona ao leitor, uma
extraordinária viagem pelo Brasil indígena.
Como base do trabalho, estão as orientações metodológicas do material didático
utilizado para as aulas de artes.
Maristher Motta Bello, autora do material de artes da Editora Positivo, traz uma
proposta abrangente sobre o conceito de arte e sua relação com o cotidiano da
criança de forma a situá-la no tempo e no espaço, associando-a às suas origens e
evolução.
As abordagens de Grafismo iniciam pela pré-história e o início da linguagem
gráfica humana como forma e necessidade de comunicar-se, deixar suas
impressões registradas para as futuras gerações. De modo contextualizado,
mostra à criança que temos uma origem e que em cada parte do mundo, temos
diferentes comportamentos e crenças e por isso, tantas formas de expressões
artísticas.
Bello, quando abre o capítulo de Grafismo Indígena, situa a criança no universo
cultural do povo indígena. A criança tem a possibilidade de descobrir como eram e
são as estruturas familiares deste povo, como os costumes se perpetuaram
através dos tempos e que as ações cotidianas estão diretamente ligadas a esta
visão cultural.
Desta forma, a criança é capaz de mobilizar seus conhecimentos acerca de sua
própria história e contexto familiar, de modo a perceber que existem diferentes
modos de viver e que influenciam também a nossa cultura. A criança elabora
questionamentos e comparações de sua realidade hoje, com a realidade de
gerações passadas e de outros povos.
Este contexto de debate se faz necessário na contemporaneidade, uma vez que
há necessidade de reflexão que promova a ação dos sujeitos em direção à
construção da sua identidade social, cultural, étnica e principalmente de sua auto-estima.
3. OBJETIVOS GERAIS:
Promover uma discussão acerca da diversidade étnica, social e cultural no Brasil e
no mundo.
Estabelecer uma relação entre a produção cultural, expressão, linguagem e a arte.
Perceber a formação social de um grupo, seus hábitos e sua integração com o
mundo que o cerca. A relação do homem com o seu habitat, com seu grupo,
utilizando dos recursos de que dispõe para a sua sobrevivência.
Compreender as relações de tempo, espaço e cultura e sua influência na
identidade social do povo brasileiro.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
Trazer o grupo para uma reflexão sobre o “diferente” e o “igual”.
Levantar questões comportamentais pertinentes à diversidade social e cultural no
Brasil.
Levar a criança a perceber que faz parte deste contexto social e que carrega
heranças desta diversidade.
Promover debate sobre a importância de se cultivar a própria história a fim de
construir identidade cultural e respeito às diferentes manifestações e hábitos de
uma comunidade ou grupo social.
Estabelecer um vínculo entre a cultura e a produção artística de um povo.
Mostrar como os povos indígenas viviam, vivem e como produzem sua arte.
Dar a criança, a possibilidade de vivenciar e experimentar empiricamente, as
etapas de construção do grafismo indígena de forma a concretizar o estudo e
contextualizar a produção artística.
Levar à uma mudança atitudinal em relação ao grupo/classe, grupo familiar, grupo
social em que vive, de modo com ética e respeito ao que é “diferente” dela.
FATOR DE MOTIVAÇÃO/MOBILIZAÇÃO:
Múltiplas possibilidades de desenvolvimento do tema, importância das abordagens
antropológicas, históricas, sociais, culturais e a experimentação artística
concretizando a vivência do processo de criação dos grafismos.
Exercício da linguagem gráfica como modo de expressão e de manifestação
cultural.
DESENVOLVIMENTO:
O tema inicial surgiu a partir da arte e dos estudos relacionados à arte indígena
brasileira.
Com base no livro de Lux Vidal e no material de apoio das apostilas utilizadas para
o ensino de artes, o processo se deu de forma a integrar o grupo de crianças ao
universo cultural e social das comunidades indígenas brasileiras, desde os
períodos mais remotos da história.
4. A classe já havia trabalhado em seus conteúdos, com as suas respectivas
professoras titulares, as características das diversas famílias em diferentes tempos
históricos. Tanto famílias urbanas, quanto residentes na área rural. Usos e
costumes, hierarquia familiar, comportamentos sociais e hábitos cotidianos. O que
foi de estrema importância para o projeto, uma vez que as crianças já acrescidas
de alguns conhecimentos prévios puderam exercer com propriedade comentários
relativos à vida das famílias indígenas.
Num primeiro momento, as crianças foram levadas ao campus da escola, num dia
ensolarado e agradável. Sentamos embaixo das árvores, numa roda e começamos
a “investigar” o que os livros trariam de novidades. As ilustrações dos objetos, dos
grafismos, das crianças desenhando, das crianças brincando, das mamães
preparando os alimentos e pintando a pele de seus pequenos causou curiosidade
e provocou um dominó de questionamentos.
As crianças perguntavam a todo instante sobre a ausência de vestes nos povos
indígenas. Algo inconcebível no ponto de vista das crianças.
“-Como pode isso? Eles não sentiam vergonha? Não sentiam frio? Olha só, os
peitos das mulheres... estão de fora, ui, ui, ui!”
Os cochichos constantes, comentários insistentes e ares de indignação visíveis
possibilitaram uma conversa mais abrangente sobre os hábitos culturais deste
povo.
Observavam atentamente as fotos comparando à sua realidade. Curiosamente
apareceu uma foto onde meninas brincavam com suas bonecas, assim como
também nossas crianças o fazem naturalmente. O detalhe observado, além das
meninas estarem sem roupas, foi o fato de as bonecas terem pinturas semelhantes
às pinturas corporais utilizadas pelo grupo indígena. Então fizemos o exercício de
saber como nossas meninas brincam com suas bonecas. A descoberta do grupo
rumou para o que em geral se considera a imitação do mundo adulto. As meninas
disseram que cortam os cabelos de suas bonecas, algumas até relataram em alto
e bom tom:
“-Fiz chapinha na minha boneca, mas o cabelo dela grudou todinho.”
Confessaram já ter passado batom e esmalte em suas bonecas novinhas... Mas, o
que é isso senão a transformação de comportamentos, imitação dom universo
5. cultural ao qual estamos atrelados e inseridos como sujeitos ativos. As crianças
ainda mais, por seu estado de busca constante de respostas.
Conversamos também sobre hábitos alimentares e sua influência na nossa
alimentação, o enriquecimento de nosso vocabulário em função da derivação de
palavras indígenas. Abordagem das diversas povoações indígenas brasileiras,
espalhadas em todo o território nacional e suas reminiscências hoje.
Ficaram evidentes as heranças culturais percebidas pelas crianças. Surgiram
depoimentos sobre as descendências das crianças e sobre como em uma sala de
aula existem tantas diferenças, tantas origens, tantos sotaques, ao passo que
somos todos brasileiros.
Sempre com olhares atentos, opinavam e formulavam suas hipóteses com
segurança, pois estavam à vontade com o tema. Possuíam um repertório próprio e
condições plenas de argumentação, uma vez que já haviam estudado diferentes
famílias anteriormente nos conteúdos de história.
Em seguida, focamos a arte propriamente dita, com suas particularidades e
significados.
As crianças puderam perceber as diferenças e semelhanças entre suas produções
artísticas e as das crianças indígenas e admiraram-se ao descobrir que lá, os
pequenos começam a desenhar desde a mais tenra idade. Outro fator importante a
destacar é o fato de que as crianças são ensinadas e conduzidas pelos membros
mais velhos das tribos e que estes são respeitados em sua hierarquia como forma
de valorização da sabedoria da experiência, preservação da cultura do povo,
organização social das comunidades e como indivíduos “cuidadores” das crianças.
Todos são responsáveis pelas crianças da comunidade. As crianças são
protegidas e a mulher é respeitada em seu papel de mãe, genitora, guerreira e
alicerce do lar.
Tantas informações, tanta curiosidade proporcionaram um aprendizado gostoso e
integral sobre o assunto.
Descobrir que aqueles desenhos têm seu significado e que não são apenas
simples desenhos, mas são uma forma de comunicação foi radiante. Sabendo
disto já das aulas sobre a pré-história, ficavam atônitos em saber o que significaria
isso ou aquilo, tentando a todo instante, formular suas hipóteses sobre o formato
dos grafismos. O olho de águia, as asas das borboletas, a pele dos animais, as
texturas das folhas, a imersão no mundo natural. É poético? Sim, é. Mas é mais do
que isso. As crianças foram percebendo o imenso apreço e respeito pela natureza.
Perceberam que os índios cuidam, valorizam aquela que lhes dá o sustento da
vida e que é dela a origem dos seus grafismos de sua arte, como uma reverência à
“mãe natureza”. Olhem a importância deste discurso. Principalmente nos dias
atuais, sobretudo nas urgências em preservar a água e todos os demais elementos
da natureza.
Não é necessário dizer que o grupo, diante de tanta informação substancial,
transformou suas fisionomias de curiosidade a espanto em segundos. Não é
necessário ressaltar que toda esta informação foi questionada à exaustão pelas
crianças, ávidas por saber, por saciar sua curiosidade e sede de conhecimento.
Este processo de conversa foi gradativo e na medida que surgiam novas
perguntas, novos diálogos eram estabelecidos e maturados.
Em meio à natureza, buscaram objetos como folhas, pinhas, galhos secos, cascas
secas ou qualquer tipo de elemento natural que encontrassem. Com uma regra
primordial: não valiam objetos arrancados da natureza, só os que já estavam pelo
chão e trazidos pelo vendo ou derrubados pelas árvores.
7. Cada criança juntou o que podia e o que mais lhe chamou atenção. Já na coleta,
procuravam traços e desenhos em seus objetos. Alguns enchiam suas blusas e
seus bolsos de folhinhas, pedrinhas e pinhas, temendo perder tudo pelo caminho.
Tudo foi acomodado em uma caixa e guardado no atelier para a próxima aula...
A semana demorava a passar, pelos corredores me perguntavam o tempo todo:
“-Quando teremos aula de novo?”
E quando chegava o dia, os olhares atentos, silenciosos, mas muito curiosos
aguardavam a ordem do dia.
A primeira fase do trabalho prático fora recolher os objetos. Na segunda fase, a
tarefa foi observar atentamente cada objeto e buscar neles as expressões das
linhas, das texturas, relevos, superfícies, desenhos, possíveis formas geométricas
e suas cores. Num papel, deveriam esboçar seus primeiros traços de grafismo,
sem preocupação de espaço, tamanho, nem com relação ao uso do papel. Cada
um em sua mesa olhava bem de perto seu objeto e tentava arrancar-lhe
expressões. No papel, os traços surgiam. Foi maravilhoso observar o nascimento
do grafismo, genuíno, puro e em sua essência pelas crianças.
9. materiais diversos
associação com elementos primitivos, busca de formas de animais
pinha
Esta primeira etapa do desenho, ainda sugeria certa insegurança e aos poucos, o
grupo foi exercitando a abstração. Este conceito não é facilmente assimilado por
eles. Mas o exercício contínuo e as seguidas visualizações e consultas aos livros
foi o trampolim da criação magna, O GRAFISMO de cada um.
Quando terminavam de rabiscar a folha, imediatamente iniciavam mais
experimentos no verso desta. Utilizei duas aulas inteirinhas para esta prática.
10. Mais adiante, de posse de um papel mais resistente e sofisticado, o grupo iniciou a
atividade de criação de puro abastracionismo. Cada um, deveria criar suas barras
de grafismo, baseados nos exercícios anteriores, nos objetos coletados e em tudo
o que já havíamos estudado sobre o assunto. Desta vez, os desenhos seriam
coloridos. Optamos por usar duas cores, o preto e o vermelho.
12. Tive a oportunidade de levar algumas amostras de “urucum” para a sala e explicar-lhes
os usos da planta.
Todos os trabalhos foram tomando forma e cores. Quanto mais desenhavam, mais
se admiravam com a própria produção.
Este processo é de suma importância nas práticas artísticas, pois a criança passa
de sujeito observador a sujeito autor, criador de sua própria obra. Fortalece sua
auto-estima e auto-confiança. Neste momento, a criança se encaixa em seu grupo
como produtora de arte, de cultura, de “textos” que embora não literários, são a
mais pura expressão de suas vivências anteriores. Discurso que é literalmente
reforçado pela Doutora em Educação, Sônia Kramer.
Cada etapa do desenvolvimento deste trabalho foi cuidadosamente elaboraço e
vivenciado pelo grupo, provando que quanto mais o tema se aproximar da
realidade da criança, de sua experiência cotidiana, mais lhe fará sentido, mais
despertará seu interesse e avidez pelo conhecimento. A teoria se transforma em
realidade significativa.
Com o projeto chegando ao final, pois a data da mostra se aproximava como que
“a passos largos” e nós dispúnhamos de apenas 1 aula semanal de 50 minutos,
não houve a possibilidade e o tempo hábil para a produção de peças de cerâmica,
assim como os índios o faziam. Então optei por peças prontas e já existentes na
escola. Para a turma da manhã, arranjei vasinhos de cerâmica e para a tarde,
telhas – estas que cobrem as casas mesmo! Lavei as peças e distribuí aos grupos
solicitando que desenhassem os grafismos criados por eles. E sempre tem aquela
perguntinha básica:
13. “-Mas se eu quiser, posso mudar o desenho professora?” ou ainda, “-Posso fazer
do meu jeito?”
Claro que eles sempre têm voz ativa e como não ceder aos insistentes apelos à
criatividade e as mudanças?
E durante alguns dias, iam e vinham com estas peças – pé por pé – da sala de
aula para o atelier e do atelier para a sala de aula. Os objetos não podiam quebrar.
Quando finalmente chegou o momento de inserir a tinta... ah... a tinta! Esta que é a
razão de ser das crianças. Sonho de consumo nas aulas de artes... risos.
14. Foi para mim, uma experiência imensamente prazerosa, pois me preparei
bastante, li muito, estudei todos os aspectos e pensei muito sobre os trabalhos
práticos. Emocionava-me a cada etapa vencida e mais ainda, quando via aqueles
processos de criação nascendo da alma deles, não contive as expressões
admiradas e extasiadas.
O grupo me surpreendia a cada momento com novidades e novas conclusões.
17. Tudo foi registrado em fotos. Tudo foi registrado no coração.
Sensação indescritível.
Por fim, a exposição aconteceu juntamente com a apresentação teatral do
Fundamental, exatamente no dia 27 de setembro de 2008, para coroar com louvor
todo o trabalho das crianças.
Depois, em outra data, aconteceu o Evento Cultural do Colégio e mais uma vez os
trabalhos estiveram em exposição para o deleite de todos.
19. Não posso esquecer de mencionar que todas as produções de cerâmica, ainda
foram expostas na Escola Japonesa durante duas semanas, retornando para o
berço de criação com muitos elogios às crianças.
Dentre todos os trabalhos desenvolvidos em sala de aula com estas classes de 3º
ano, tenho a certeza de que este projeto foi o mais marcante, vivenciado e
emocionante que tiveram neste ano.
21. MATERIAIS UTILIZADOS:
Para estes dois meses de trabalho intenso, o material usado foi simples, de fácil
acesso e proporcionou aproveitamento excelente do grupo.
Usamos folhas de papel sulfite para o rascunho, papel canson para as etapas mais
elaboradas, lápis de cor, peças de cerâmica e tinta guache.
AVALIAÇÃO:
A disciplina de Artes não vem carregada de provas com questões e relatórios
sobre cada atividade realizada.
A avaliação se dá pela observação constante da participação individual do aluno,
das manifestações do grupo, da concentração e absorção deles durante a
realização das atividades práticas e pelo nível qualitativo de sua produção.
Os processos de criação foram observados atentamente. Os níveis de diálogo
estabelecidos entre o grupo/classe e também entre eles e eu, foi o “termômetro” do
aproveitamento dos conteúdos discutidos informalmente, mas absorvidos de forma
concreta e envolvente.
O grupo aproveitou 100% do projeto.
22. Isso se deu pelo fato de o tema estar relacionado a conteúdos anteriores que
deram subsídios prévios e condições às crianças de opinarem, argumentarem e
formularem suas conclusões. O fato de abordarmos constantemente os hábitos da
criança indígena despertou muito interesse. Foi como se observassem a vida de
outros iguais a eles, de mesma faixa etária, ou seja, fez parte do universo real da
criança.
O saldo foi positivo em todos os aspectos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Um projeto traz em si, compartimentos “secretos” que muitas vezes só são
descobertos no meio do processo ou quase no final. Em algumas situações, o
educador é forçado a mudar a rota dos “vagões” para que o trem não descarrile.
Pode ser uma “caixinha de surpresas” e a todo instante, as descobertas coletivas
se fazem presentes, trazendo novas informações sobre os rumos que este deve
seguir.
No caso deste Projeto sobre Grafismo Indígena, embora o ponto de partida tenha
sido um conteúdo apresentado dentro do material didático adotado pelo Colégio,
deu margem a desdobramentos que possibilitaram discussões pertinentes,
importantes, prementes e significativas.
É importante ressaltar que este projeto foi idealizado antes de iniciar, não foi
crescendo e sendo acrescentado com etapas na medida em que o grupo
avançava. O que deu vazão aos constantes diálogos e que possibilitou uma “cara”
diferente aos estudos foi o viés social e cultural claramente apresentado pelo
próprio tema abordado.
À medida que as crianças percebiam as semelhanças e as diferenças entre as
comunidades indígenas e eles, foram sendo criadas correntes de perguntas e
respostas que resultaram em conhecimento.
Por se tratar de uma abordagem inicialmente artística, a curiosidade primeira das
crianças é:
“Tia, o que nós vamos fazer hoje?”
Como o assunto foi sendo revelado aos poucos, a aura de mistério envolveu e
prendeu a atenção deles até o fim.
Instigar o oculto, o diferente, o mistério, as descobertas, a fantasia contraposta à
realidade. O mito e o real. Um “prato cheio” para a fome de conhecimento natural
das crianças.
Conteúdo que se preso somente às questões artísticas, teria um fim em si mesmo
e seria mais uma produção artesanal. Tornou-se Arte pura quando teve agregado
a ele, significados culturais, temas humanos, temas reais, vida real, vida social,
identidade cultural.
Trabalhos como este que amarram todas as possibilidades de discussão, trazendo
à tona os anseios dos alunos e atendendo às suas necessidades auxiliam em
mudanças de atitude frente ao outro, frente à família e ao grupo social onde está
inserida.
Pois a criança se dá conta de que é única, é diferente das outras, ao mesmo
tempo é igual, mas suas origens são diferentes, no entanto nasceu no mesmo país
que as demais. Percebido sob este olhar, podemos afirmar que é “louco” pensar
sobre todos estes aspectos ao mesmo tempo.
Mas esquecemos da imensa capacidade da criança de absorver o todo, antes de
“fatiar” para deglutir. A criança observa o doce inteiro, ela o deseja inteiro, só para
ela. E somente quando o tem em suas mãos é capaz de perceber que pode e deve
dividi-lo com os demais.
23. Porque compartimentar tudo antes de dar a ela a possibilidade de fazê-lo sozinha?
Seria subestimá-la.
Como educadora, participar desta construção com este grupo especificamente foi
uma experiência inusitada. Embora eu tenha planejado as etapas de
desenvolvimento artístico, com seus materiais e tempo hábil para a realização de
tudo, não esperava tamanha cooperação e envolvimento. Do mesmo modo que
me preparei para o conteúdo artístico, fui impelida a vasculhar todas as áreas do
conhecimento para atender à demanda que surgia a cada encontro na aula.
Levei conhecimento ao grupo e recebi conhecimento deles. Motivei-os ao trabalho
e eles me instigaram à pesquisa.
Senti falta de tempo para poder explorar mais os recursos tecnológicos disponíveis
e em algumas etapas do trabalho, fiquei “na mão” com a bateria de minha máquina
fotográfica. Senti vontade de registrar cada instante, cada suspiro, cada
exclamação, como que num desejo impetuoso de perpetuar e “congelar” aqueles
olhares sedentos e cheios de brilho próprio. É como se eu precisasse guardar tudo
dentro da câmera, para não perder nenhum segundo diante de tanta beleza.
São experiências como estas que nos pegam de “calças curtas” e nos mostram o
quanto somos pequenos diante da grandiosidade do mundo e de todo o
conhecimento produzido pelo homem desde a pré-história.
Posso dizer que as produções das crianças neste projeto viraram meus objetos de
apego (risos).
Há algum tempo li um texto sobre gostos musicais e sua construção desde a
infância e da importância deste processo. Pois bem, não me recordo no momento
de quem é o dito, mas se encontrava numa publicação da educadora Luciana
Ostetto e era mais ou menos assim:
Para quem nunca tomou chá, qualquer erva serve. Mas se tomamos chá todos os
dias, com o tempo desenvolvemos a capacidade de discernir o aroma, o sabor e
as propriedades de cada planta.
Parece primário e óbvio, mas é de uma sabedoria profunda e verdadeira. Sem
falar, no direito da criança, a saber, sobre o mundo em que vive o direito da
criança de ver tudo e o dever do educador de mostrar-lhe este leque. Nós somos
os olhos dos pequenos. Nós somos, muitas vezes, a voz destes pequenos. Nós
somos construtores, eles são tijolinhos.
Dar a criança o direito de exercer a sua cidadania, de ser sujeito ativo em sua
existência, dar a ela condições de decidir, ter iniciativa, discernir, escolher...
escolher. O direito de escolher seu caminho no futuro é construído no jardim de
infância.
Funções importantes, direitos adquiridos, deveres firmados, um papel importante,
o de ajudar a criança a elaborar e construir sua identidade enquanto brasileira.
Não importando sua origem, sua raça, sua cor, sua condição social e sua crença
religiosa. A criança é antes disso tudo um ser digno de respeito, um semelhante,
um indivíduo que se desenvolve e que nunca pára de aprender e que apesar de
todas as diferenças existentes entre os grupos sociais, são todos cidadão
brasileiros.
Uma nação multiétnica que precisa urgentemente aprender a construir sua
identidade nacional.
Por
Dagmar Amsberg
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
24. Apostila de Arte do Positivo 2008
1º ano do Ensino Fundamental.
Apostila de Arte do Positivo 2008
3º ano do Ensino Fundamental.
VIDAL, Lux (org.). Grafismo Indígena.
EDUSP, São Paulo
KRAMER, Sônia e Maria Leite (orgs.). Infância e produção cultural.
Papirus. Campinas/SP, 1998.