O documento discute os conceitos de processo e procedimento, distinguindo-os. Processo é o método pelo qual se opera a jurisdição, enquanto procedimento é o modo como o processo se desenvolve. Também aborda os pressupostos processuais de existência, que incluem a capacidade de ser parte e a existência de um órgão investido de jurisdição, e os requisitos de validade, como a competência do órgão jurisdicional e a imparcialidade do juízo.
Direito Processual Civil - Pressupostos e Requisitos Processuais
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FACULDADE FASAM
Direito Processual Civil – I
Prof. Ms. Natália S. Canedo
1. PROCESSO E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1.1 Processo e procedimento
Etimologicamente, processo significa “marcha avante”, “caminhada” (do
latim, procedere = seguir adiante). Por isso, em um primeiro momento, o processo
foi confundido com a simples sucessão de atos processuais (procedimento). Não se
trata, aqui, de verdadeira teoria sobre o processo, mas uma mera visão do
fenômeno, concepção esta que predominou durante a fase imanentista do Direito
Processual, na qual a ação era vista como o próprio direito material em estado de
reação.
Nesse contexto, durante muito tempo, os estudiosos do processo se
limitavam a estudar suas formas e atos. Como bem observa Freitas Câmara, “foi a
época dos praxistas, juristas que em suas obras não tiveram grandes preocupações
teóricas, tendo se dedicado ao estudo do que hoje denominaríamos prática forense”
.Os conceitos de processo e procedimento, no entanto, são distintos.
Processo é o método pelo qual se opera a jurisdição, com vistas à
composição dos litígios. E instrumento de realização da justiça; é relação jurídica,
portanto, é abstrato e finalístico.
Procedimento é o modus faciendi, o rito, o caminho trilhado pelos sujeitos do
processo. Enquanto o processo constitui o instrumento para a realização da justiça,
o procedimento constitui o instrumento do processo, a sua exteriorização.
Segundo Humberto Theodoro Júnior, “o processo, outrossim, não se
submete à única forma. Exterioriza-se de várias maneiras diferentes, conforme as
particularidades da pretensão do autor e da defesa do réu. Uma ação de cobrança
não se desenvolve, obviamente, como uma de usucapião e nem muito menos como
uma possessória. O modo próprio de desenvolver-se o processo, conforme as
exigências de cada caso, é exatamente o procedimento do feito, isto é, o seu rito”.
Processo também não se confunde com autos, uma vez que estes
constituem a representação, o registro dos atos processuais - não necessariamente
gráfico, em virtude do advento do processo eletrônico e, por conseguinte, dos autos
virtuais.
Tal como a ação, o processo é autônomo. A sua instauração independe do
direito material controvertido. Uma vez provocada, a jurisdição atua, pelo processo,
para afirmar se o autor tem ou não o direito pleiteado.
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2. Pressupostos Processuais
2.1 Pressupostos processuais de existência
Divide-se em subjetivos e objetivos.
Subjetivos: capacidade de ser parte e existência de órgão
investido de jurisdição.
Objetivos: existência de uma demanda.
2.2 Pressupostos processuais subjetivos
No plano subjetivo, há no processo quem pede e contra quem é pedida uma
tutela jurisdicional, bem como um órgão ao qual é dirigida a pretensão (juízo). Os
pressupostos processuais subjetivos, portanto, dirão respeito às pessoas/agentes
que deverão estar presentes para que exista processo.
2.2.1 Capacidade de ser parte
Para que o processo exista, é necessária a prévia existência de alguém
capaz de pedir o provimento jurisdicional, ou seja, alguém dotado de capacidade de
ser parte.
A capacidade de ser parte nada mais é do que a personalidade judiciária, ou
seja, a aptidão conferida por lei para adquirir direitos e contrair obrigações. A
capacidade de ser parte é uma noção absoluta: ou se é ou não se é capaz. Não se
cogita em incapacidade relativa de ser parte.
De um modo geral, naqueles direitos de primeira geração (de cunho
eminentemente
patrimonial) a capacidade de ser parte é conferida às pessoas (naturais e
jurídicas), detentoras de personalidade jurídica. Não se concebe processo movido
por Santo Antônio, por um animal, ou por um defunto (com o falecimento, o indivíduo
perde a aptidão para ser titular de direitos e seus bens transmitem-se, de imediato,
aos seus herdeiros).
Com o tempo, esse conceito de capacidade de ser parte foi se alargando:
alguns entes despersonalizados foram contemplados com personalidade judiciária: o
espólio (massa de direitos e obrigações do acervo hereditário, que se inicia com a
abertura do inventário e se encerra com a homologação da partilha), o condomínio,
a massa falida e a herança jacente. Essas entidades não são pessoas (porque não
são previstas em lei como tal), mas, não obstante, por meio de uma ficção legal, lhes
foi atribuída a capacidade de ser parte no processo. A jurisprudência também
reconhece personalidade jurídica às Câmaras Municipais, órgãos
despersonalizados, “cuja capacidade processual é limitada para demandar em juízo,
com o intuito único de defender direitos institucionais próprios e vinculados à sua
independência e funcionamento”.
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Também ao nascituro se reconhece capacidade de ser parte, ou
personalidade judiciária. Aliás, em novembro de 2008, foi publicada a Lei n.
11.804/2008, que conferiu aos nascituros direito ao que se denominou “alimentos
gravídicos” .
Com a coletivização dos direitos, ampliou-se sobremaneira o rol dos
capazes de serem parte. Assim, também se reconhece a capacidade de ser parte e
legitimidade ad causam do Ministério Público (autor por excelência das ações
coletivas), da Defensoria Pública e do PROCON, órgãos públicos
despersonalizados, para atuarem em juízo na defesa do meio ambiente, do
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, da ordem urbanística
e econômica e economia popular, entre outros direitos difusos (coletivos lato sensu).
Em regra, a personalidade judiciária há de ser perquirida tanto com relação
ao autor como ao réu. Da mesma forma que não se pode conceber processo
instaurado por Santo Antônio, não se pode imaginar processo movido contra Buda.
Destaque-se que a simples propositura da demanda já dá azo à prática de vários
atos processuais (recebimento da inicial, deferimento de medidas de urgência,
citação, entre outros). O processo, portanto, existirá antes de o réu integrar a relação
processual pela citação, mas não sem a presença (ou indicação) de uma pessoa ou
ente despersonalizado detentor de personalidade judiciária contra a qual é
formulado o pedido.
2.2.2 Existência de um órgão investido de jurisdição
A petição proposta por quem detém capacidade de ser parte é dirigida a um
órgão, ao qual a Constituição ou a lei outorga o exercício da função jurisdicional.
Petição inicial dirigida ao presidente da República, a um padre ou a um pai
de santo, por exemplo, não tem o condão de instaurar processo, porquanto tais
agentes não são investidos de jurisdição.
A existência de um órgão investido de jurisdição, previsto na Constituição ou
na lei, é imprescindível para que exista o processo. Processo instaurado perante um
não juiz é um não processo e a decisão nele prolatada é uma não decisão.
Lembre-se de que, embora o art. 1 do CPC fale que a jurisdição é exercida
por juizes, o termo correto é juízo, órgão jurisdicional composto, no mínimo, pelo juiz,
escrivão e demais auxiliares da justiça.
Especificamente com relação à figura do juiz, são exemplos de não juízes o
magistrado aposentado ou em indisponibilidade e aquele aprovado em concurso
público para juiz, mas ainda não empossado. O que se exige é que esteja investido
de jurisdição, pouco importa a competência do órgão. A competência constitui
requisito de validade, e não pressuposto de existência.
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A decisão prolatada em um processo instaurado perante órgão não
investidode jurisdição configura vício transrescisório, que pode ser desconstituído
independentemente de ação rescisória, via impugnação ao cumprimento de
sentença (art. 475-L, I), embargos à execução (art. 7 4 1 ,1) ou a qualquer tempo em
ação declaratória autônoma de nulidade absoluta (querella nullitatis)
2.2.3 Pressuposto processual objetivo: a existência de uma demanda
O pressuposto objetivo de existência processual é a demanda, que se
consubstancia na apresentação da petição inicial em juízo. Como vimos, a jurisdição
só age se provocada. Nos termos do art. 2º do CPC, “nenhum juiz prestará a tutela
jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas
legais” .
Não se questiona, nesta seara, a validade ou invalidade da petição inicial, se
o ato preenche ou não os requisitos dos arts. 282 e 283. Para que o processo exista,
basta que aquele capaz de ser parte apresente uma petição inicial a órgão investido
de jurisdição.
Já vimos, não obstante, que a própria lei prevê exceções ao princípio da
demanda. Com efeito, a execução trabalhista (art. 872 da CLT), a abertura de
inventário (art. 989) e a decretação de falência de empresa sob regime de
recuperação judicial (arts. 73 e 74 da Lei nQ 11.101/2005) são medidas que podem
ser adotadas de ofício pelo magistrado. As exceções, no entanto, não desnaturam a
regra, tampouco permitem afirmar que existência da demanda não constitui
pressuposto processual. Como afirma Tesheiner, “nesses casos, a atividade
exercida pelo juiz, pelo menos ao desencadear o processo, tem natureza
administrativa, e não jurisdicional; autor não é quem pede, mas aquele que será
beneficiado pela sentença proferida contra ou em face do réu”.
2.3 Requisitos ou pressupostos processuais de validade
Os requisitos de validade dividem-se em subjetivos e objetivos.
São requisitos subjetivos: competência do órgão jurisdicional,
imparcialidade do juízo, capacidade processual e capacidade postulatória.
Os requisitos objetivos dividem-se em: intrínsecos e extrínsecos
Intrínsecos: respeito ao formalismo processual
Extrínsecos (negativos): litispendência, coisa julgada,
perempção, convenção de arbitragem.
2.3.1 Requisitos processuais subjetivos de validade
2.3.2 Competência do órgão jurisdicional
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A apresentação de uma petição inicial a órgão investido de jurisdição por
agente capaz de ser parte dá existência ao processo. Existente o processo, cumpre
discorrer acerca dos requisitos que lhe darão validade.
O primeiro deles é a competência do juízo, isto é, a atribuição legal para
julgar a causa. Por questão organizacional, o constituinte originário e o legislador
ordinário optaram por distribuir a função jurisdicional (que, lembre-se, é una) entre
vários órgãos, levando em conta diversos critérios (valor da causa, matéria e
pessoas envolvidas no processo, critérios de funcionalidade e territorialidade).
Assim é que a Constituição previu que ao STF caberá o julgamento da ADI
em face de lei federal e o CPC prevê que, em regra, a ação que verse sobre direito
pessoal deve ser proposta no domicílio do réu (art. 94) e a ação de direito real, sobre
imóveis, no foro da situação da coisa (art. 95).
A essa limitação da atuação de cada órgão jurisdicional, foro, vara, tribunal,
dá-se o nome de competência. Competência é a demarcação dos limites em que
cada juízo pode atuar; é a medida da jurisdição.
Para que seja válido o processo, portanto, é necessário que o órgão
jurisdicional que o presidirá e proferirá o julgamento seja competente para tanto.
Aliás, o julgamento por órgão competente é direito fundamental do indivíduo e
decorre da garantia ao juízo natural.
Vale observar que apenas a competência absoluta (de regra fixada em razão
da matéria, da pessoa e do critério funcional) é que constitui requisito processual de
validade. Com efeito, “a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício
pelo magistrado. Cabe, pois, à parte opor os casos e formas legais, a devida
exceção para o seu reconhecimento, sob pena de, não o fazendo, ter-se por
prorrogada a competência (art. 114)”, exceto quando se tratar de demanda que
verse sobre contrato de adesão no qual se elege foro em detrimento do aderente,
hipótese na qual o magistrado, de ofício, poderá declarar a nulidade da respectiva
cláusula contratual (art. 112, parágrafo único).
Competência, dessa forma, não se confunde com investidura. Como vimos,
petição inicial dirigida ao Presidente da República não dá azo a um processo
jurisdicional, porquanto o agente não é investido de jurisdição. A falta de investidura,
por constituir pressuposto processual, leva à inexistência do processo. Já a
incompetência, requisito de validade, conduz ao deslocamento do processo ao
órgão competente.
2.3.3 Imparcialidade do juízo
Além da competência para julgar a causa, é necessário que alguns agentes
que integram o juízo (juiz, promotor, escrivão, perito,...) sejam imparciais. A exceção
fica por conta dos advogados, parciais por excelência.
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Tal qual a competência, a imparcialidade do juízo deriva da garantia
constitucional ao juízo natural. A exigência de que o juízo seja imparcial visa
assegurar não apenas a probidade da atividade jurisdicional, mas notadamente a
segurança dos provimentos que resultarão do processo.
O juízo ao qual distribuída a causa deve oferecer às partes garantia de
imparcialidade. Não basta que o juiz seja imparcial. É preciso que inexistam dúvidas
sobre essa imparcialidade. Havendo motivos que levem a dúvidas, deve o
magistrado abster-se de conhecer e julgar a causa, sob pena de ser recusado pelas
partes (art.137). Observe que a parcialidade do juiz não acarretará a extinção do
processo, mas a remessa dos autos ao substituto legal (art. 313).
Os motivos que podem caracterizar a parcialidade do juízo são de duas
ordens: os impedimentos (art. 134), de cunho objetivo, peremptório, e a
suspeição (art. 135), de cunho subjetivo e cujo reconhecimento demanda
prova, se não declarado de ofício pelo juiz.
Apenas a inexistência de impedimento é que constitui requisito processual
de validade. Os impedimentos taxativamente obstaculizam o exercício da jurisdição
contenciosa ou voluntária, podendo ser arguidos no processo a qualquer tempo (art.
267, IV e § 3º), com reflexos, inclusive, na coisa julgada, vez que, mesmo após o
trânsito em julgado da sentença, pode a parte prejudicada rescindir a decisão (art.
485, II).
A suspeição, ao contrário, se não arguida no momento oportuno, restará
acobertada pela preclusão e, por isso, não pode ser considerada requisito de
validade processual.
2.3.4 Capacidade processual (= legitimatio ad processum = capacidade
para estar em juízo)
A capacidade processual é requisito processual de validade que se relaciona
com a capacidade de estar em juízo, quer dizer, com a aptidão para praticar atos
processuais independentemente de assistência ou representação. A capacidade
processual pressupõe a capacidade de ser parte (personalidade judiciária), mas a
recíproca não é verdadeira. Nem todos aqueles que detêm personalidade
judiciária gozarão de capacidade processual.
O exemplo clássico é o das pessoas absolutamente incapazes (art. 3º do
CC), detentoras de capacidade de ser parte, mas que, em juízo (e em todos os atos
da vida civil), devem estar representadas por seus pais, tutores ou curadores (art.8º).
O incapaz pode figurar como autor ou réu em uma demanda, mas se não tiver
representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele, o juiz
deverá nomear-lhe curador especial (art. 9°, I).
Há, ainda, incapacidade puramente para o processo. É o caso do réu preso,
bem como do revel citado por edital ou com hora certa. Conquanto materialmente
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capazes, entendeu o legislador que, para o processo, a capacidade dessas pessoas
necessita ser complementada, em razão da posição de fragilidade em que se
encontram. Por isso, exige-se a nomeação de curador especial a elas, sob pena de
nulidade do feito (art. 9º, II).
As pessoas casadas têm capacidade de ser parte e, em regra, capacidade
processual plena. No entanto, em algumas hipóteses, a lei mitiga esta capacidade
processual.
Assim é que, para ajuizar ações que versem sobre direitos reais imobiliários
(ação reivindicatória, de usucapião, divisória, entre outras), o cônjuge necessita do
consentimento do outro consorte (art. 10, caput), exceto se casados sob o regime de
separação absoluta (legal ou convencional) de bens, nos termos do art. 1.647, caput
e inc. II, do CC/02. Apesar de o art. 10 do CPC não fazer qualquer distinção quanto
ao regime de bens, a regra do Novo Código Civil (lei posterior) é de indubitável
aplicação, conforme entendimento doutrinário dominante Também para propor ação
possessória imobiliária, nas quais haja situação de composse ou ato praticado por
ambos os cônjuges, o marido ou a mulher dependemdo consentimento do outro
consorte (art. 12).
Observe que se o cônjuge figurar no polo passivo da demanda real
imobiliária (art. 10, § l ô, I e IV) ou possessória imobiliária, o caso será de
litisconsórcio passivo necessário. A citação do cônjuge será obrigatória para a
validade do processo. O requisito processual de validade, na hipótese de
litisconsórcio passivo necessário, é objetivo (citação válida), e não subjetivo.
Em ambas as hipóteses, o cônjuge preterido poderá ingressar no processo e
pedir a anulação dos atos até então praticados. Se já houver trânsito em julgado da
sentença de mérito, poderá ajuizar ação rescisória, fundada na violação à literal
disposição de lei (art. 485, V). Se a hipótese era de litisconsórcio passivo
necessário, a ausência de citação configura vício transrescisório, que pode ser
decretado independentemente de ação rescisória, via impugnação ao cumprimento
de sentença (art. 475-L, I), embargos à execução (art. 74 1,1), ou em ação
autônoma (querella nullitatis).
Com relação à capacidade processual das pessoas jurídicas,
estabelece o art.12 que tais entes serão “representados” em juízo. O caso, no
entanto, não é de representação, mas de “presentação”. Com efeito, os atos dos
órgãos e agentes da pessoa jurídica são atos da própria pessoa jurídica. Não há,
como na representação, uma pessoa agindo em nome de outra. O órgão é a própria
pessoa jurídica, instrumento que a faz presente. É incorreta, portanto, a afirmação
de que as pessoas jurídicas são processualmente incapazes. A respeito, vale citar a
lição de Pontes de Miranda:
(...) na comparência da parte por um órgão, não se trata de
representação, mas de presentação.
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O órgão presenta a pessoa jurídica: os atos processuais do
órgão são atos dela, e não de representante. [...].
As pessoas jurídicas precisam de órgãos, tanto quanto as pessoas físicas
precisam ter boca, ou, se não podem falar, mãos, ou outro órgão pelo qual
exprimam o pensamento ou o sentimento. [...]. Os diretores das pessoas jurídicas
que assinam a declaração unilateral de vontade, ou a declaração bilateral ou
multilateral de vontade, não estão a praticar ato seu, pelo qual representem a
pessoa jurídica. Estão a presentá-las, a fazê-las presentes.
O defeito na capacidade processual é sanável, em qualquer tempo e grau de
jurisdição (arts. 13 e 515, § 4Q). Constatado o vício, o juiz deve suspender o
processo concedendo prazo razoável para que seja reparado o defeito. Permane-
cendo a incapacidade, se a providência couber ao autor, o juiz decretará a nulidade
do processo (inc. I ); se ao réu, reputar-se-á revel (inc. II); se ao terceiro,será
excluído do processo (inc. III).
Todavia, se nem as partes nem o juiz se atentarem para o vício de
incapacidade (lembre-se que a ausência de pressuposto ou requisito processual é
cognoscível de ofício, nos termos do art. 267, § 3º), e a sentença transitar em
julgado, admite-se a propositura de ação rescisória para desconstituição da decisão
definitiva de mérito, por violação à literal disposição de lei (art. 485, V).
2.3.5 Capacidade postulatória
O último dos pressupostos processuais ( lato sensu) referente às partes é a
capacidade postulatória, ou seja, a aptidão para intervir no processo, praticando atos
postulatórios, seja na condição de autor ou réu.
Como vimos, a capacidade processual permite que a parte figure sozinha
em juízo, sem necessidade de assistência ou representação. No entanto, para a
prática de alguns atos processuais (os postulatórios), a lei exige aptidão técnica
especial do sujeito, sem a qual o ato é inválido. Essa aptidão técnica é a capacidade
postulatória.
Deve-se frisar que apenas para a prática de atos postulatórios (de pedir ou
responder) exige-se capacidade postulatória. Há, portanto, atos processuais que
podem ser praticados pela própria parte, como o de indicar bens à penhora e
testemunhar.
Os advogados regularmente inscritos na OAB (e aqui nos referimos aos
advogados privados e aos vinculados a entidades públicas, como os integrantes da
Advocacia Geral da União, das Defensorias Públicas e das Procuradorias Estaduais
e Municipais) e os integrantes do Ministério Público são os que gozam de
capacidade postulatória.
Em alguns casos, no entanto, a lei confere capacidade postulatória a
pessoas que não são advogadas e nem integram o Ministério Público. É o caso do
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art. 36 do CPC, que admite a postulação pela própria parte “no caso de falta de
advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver” ; do art. 27 da Lei
n.11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que permite que a mulher vítima de violência
doméstica formule diretamente medidas protetivas de urgência contra o ofensor; e
do art. 9 da Lei n 9.099/95, que dispensa a representação por advogado nas causas
de até 20 salários-mínimos perante os Juizados Especiais.
A capacidade para postular em nome de outrem é comprovada pelo
advogado mediante a apresentação de mandato, instrumento contratual por meio do
qual o agente capaz outorga ao advogado poderes para representá-lo em juízo,
praticando os atos postulatórios. Sem instrumento de mandato, o advogado não será
admitido em juízo, podendo apenas praticar, em nome da parte, atos urgentes, como
a propositura de ação para evitar a consumação da prescrição ou decadência.
Nesses casos, o advogado estará obrigado a apresentar o instrumento de
mandato no prazo de 15 dias, prorrogáveis por igual período mediante despacho do
juiz (art. 37). Observe que o parágrafo único do art. 37 fala em “ inexistência” do ato
não ratificado praticado por advogado sem procuração, mesma expressão adotada
na Súmula 115 do STJ. A hipótese, no entanto, não é de inexistência, tampouco de
invalidade, mas de ineficácia do ato em relação ao supostamente representado.
O ato foi praticado por quem detinha capacidade postulatória, logo existe e é
válido. No entanto, só produzirá efeito se posteriormente ratificado pelo
representado. A posterior ratificação, portanto, é condição de eficácia, e não
pressuposto de existência do ato, até porque não há como se cogitar em ratificação
de algo que sequer existe.
Outra situação é o ato praticado por não advogado. Aqui, o caso é de
invalidade do ato, por ausência de requisito de validade, o que, aliás, encontra
expressa previsão legal (art. 4° do Estatuto da OAB).
Vale destacar que o art. 662 do CC corrige o equívoco terminológico do
parágrafo único do art. 37 do CPC, ao estabelecer que os atos praticados por quem
não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, “são ineficazes em relação
àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar” .
A ausência de capacidade postulatória é passível de saneamento, no prazo
a ser fixado pelo juiz (art. 13). Tal qual a incapacidade processual, se não sanado o
vício relativo à incapacidade postulatória, o juiz declarará a nulidade do processo, se
a providência couber ao autor; se ao réu, reputá-lo-á revel; se ao terceiro, o excluirá
da lide.
2.4 Requisitos processuais objetivos positivos (ou intrínsecos):
respeito ao formalismo processual
Embora os atos processuais não sejam solenes, a validade deles pressupõe
observância de uma série de requisitos formais. Esse conjunto de formas e ritos é
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que compõe o que se denomina de formalismo processual, requisito objetivo
intrínseco de validade do processo.
A demanda, pressuposto processual de existência do processo, se
exterioriza via petição inicial. Para que o processo que passou a existir com a
demanda seja válido, é mister preencha a petição inicial os requisitos
previstos nos arts. 282 e 283. Diz-se apta a petição inicial regular, capaz de
possibilitar o válido desenvolvimento do processo. Por outro lado, reputa-se inepta
a petição inicial quando lhe faltar pedido ou causa de pedir; da narração dos
fatos não decorrer logicamente a conclusão; o pedido for juridicamente
impossível; contiver pedidos incompatíveis entre si (art. 295, parágrafo único).
A petição inepta impede o desenvolvimento válido e regular do processo,
ensejando a extinção do feito sem resolução do mérito. Observe que a inépcia da
inicial não é a única causa a ensejar seu indeferimento e a consequente extinção do
processo. Nos termos do art. 295, a inicial também será indeferida no caso de
ilegitimidade de parte ou falta de interesse de agir (condições da ação) e quando
verificada de plano a prescrição ou decadência.
Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos legais,
deverá facultar ao autor a possibilidade de emendá-la, no prazo de dez dias (art.
284), nos casos em que possível for a emenda. Somente se não cumprida a
diligência é que o magistrado poderá indeferir a exordial, extinguindo o feito.
Estando em termos a petição inicial, o juiz a despachará, ordenando a
citação do réu. Lembre-se que, antes de deferir a citação, pode o magistrado
conceder medidas de urgência ou antecipatórias de tutela, se houver
requerimento do autor nesse sentido e desde que demonstrada a
verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação (art. 273).
A citação é o meio pelo qual o réu é integrado ao processo e
cientificado da demanda que contra si é movida. A citação válida é requisito
essencial para a instauração regular do processo. Constitui, portanto, outra
das exigências formais de validade. Destaque-se que o comparecimento
espontâneo do réu supre a necessidade de citação, nos termos do § 1º do art.
214.
A ausência de citação ou a citação inválida é tratada como vício
transrescisório, que pode ser reconhecido independentemente ou mesmo após o
prazo da ação rescisória, via impugnação de sentença (art. 475-L, I), embargos à
execução (art. 741,I), ou em ação declaratória autônoma de nulidade absoluta
(querella nullitatis).
Além da citação válida e da petição apta, também constitui requisito de
validade do processo a adequação do procedimento. Este requisito decorre da
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regra do art. 295, Y do CPC, que determina o indeferimento da petição inicial
quando o tipo de procedimento escolhido “não corresponder à natureza da causa, ou
ao valor da ação; caso em que só não será indeferida se puder adaptar-se ao tipo de
procedimento legal” A escolha do rito inadequado à pretensão formulada, portanto, “
leva à invalidade do processo, uma vez que o juiz não pode prestar a tutela senão
nos casos e formas legais”.
Outro requisito é “o atendimento de exigências legalmente previstas,
de forma genérica ou específica, para a validade do processo”. Entre essas
exigências encontra-se o recolhimento das despesas processuais (art. 19), a
observância ao contraditório e ampla defesa, a intimação das partes e a
intervenção do Ministério Público quando a lei o exigir (art. 82). O desrespeito
a tais exigências acarreta a invalidade de todo o feito.
OBS: Vale observar que o formalismo processual de que ora se trata não
pode ser levado a extremo. Os atos processuais não podem ser encarados apenas
sob o prisma da regularidade formal. O que realmente importa para o processo é
que os atos atinjam o escopo almejado, pelo que a nulidade ou invalidade de um ato
ou de todo o procedimento só deverá ser decretada quando for substancial o
prejuízo para o direito das partes, em face de ter se realizado em descumprimento
de forma essencial prevista em lei. Trata-se da adoção do princípio da
instrumentalidade das formas. Assim, o fato de o processo ter seguido o rito
ordinário em vez do sumário nas causas elencadas no art. 275 não acarreta
nulidade, porquanto alcança o fim previsto sem representar qualquer prejuízo ao réu.
2.4.1 Requisitos processuais objetivos negativos (ou extrínsecos)
Os requisitos processuais negativos ou extrínsecos referem-se a fatos ou
situações que não podem ocorrer para que o processo se instaure validamente.
Apesar de serem circunstâncias externas ou extrínsecas, têm a aptidão de tomar
inválido processo que, em um primeiro momento, era válido e eficaz.
Em princípio, a presença de um desses fatos constitui vício insanável, que
enseja a extinção do processo sem resolução do mérito. Tal circunstância justifica o
tratamento especial dispensado aos requisitos processuais negativos, que são
tratados em incisos específicos do art. 267 (inc. V e VII).
Os requisitos negativos aos quais faz menção o art. 267 são a
litispendência, perempção, coisa julgada e convenção da arbitragem.
A litispendência e coisa julgada ocorrem, em regra, quando se repete
demanda idêntica à anteriormente proposta, isto é, ações com as mesmas partes,
mesma causa de pedir e mesmo pedido (art. 301, §§ 1° e 2°). Diz-se em regra,
porquanto, não obstante a disposição legal, pela teoria da unidade da relação
jurídica deve-se reconhecer a ocorrência de coisa julgada quando coincidirem as
partes e a causa de pedir.
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Ocorre a perempção quando o autor, por três vezes consecutivas, dá causa
à extinção do processo pelo fundamento previsto no inc. III do art. 267.
Caracterizada,
portanto, por três vezes seguidas a inércia do autor, estará ele
impossibilitado de intentar idêntica ação pela quarta vez. Sem embargo da previsão
legal, creio que a proibição de se intentar demanda afronta o princípio da ação, do
acesso à Justiça e da inafastabilidade da jurisdição.
A arbitragem, por sua vez, constitui meio alternativo de solução dos
conflitos por juízo particular ou instituição particular especializada, fora do âmbito
jurisdicional. A convenção de arbitragem, requisito negativo de validade processual,
é justamente o negócio jurídico pelo qual se convenciona a adoção da arbitragem
como forma de solução dos conflitos oriundos de uma determinada relação de direito
material. Lembre-se que, ao contrário dos demais pressupostos processuais ( lato
sensu), a existência de convenção de arbitragem não poderá ser reconhecida de
ofício pelo julgador, devendo ser alegada pela parte a quem aproveita (art.301, § 4 °
).
Os requisitos negativos de validade do processo constantes no art. 267
aplicam-se indistintamente a todo e qualquer procedimento. O rol, no entanto, é
meramente exemplificativo. O art. 923 do CPC, por exemplo, estabelece como
requisito para a ação petitória (aquela em que se busca o reconhecimento do
domínio) a inexistência de demanda possessória.
Presentes, portanto, um dos requisitos negativos de validade, o processo
não se instaurará validamente e deverá ser extinto sem resolução do mérito.
Concluindo o estudo dos pressupostos processuais, cumpre reiterar que a
inexistência de um desses elementos acarretará diferentes consequências para a
demanda. Apenas para lembrar, a falta de uma das condições da ação conduz à
extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, VI), não havendo
possibilidade de emenda da inicial, uma vez que não se trata de defeito da peça
processual, mas sim da ausência de um requisito que legitima o direito de ação.
A inexistência de pressuposto processual, a seu turno, às vezes apenas
desloca o processo para outro juízo, como se dá no caso de incompetência; às
vezes nulifica o processo, como na hipótese de incapacidade processual do autor ou
irregularidade de sua representação, não sanadas no prazo estabelecido (art. 13,I);
e às vezes conduz à extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267,IV),
como nas hipóteses de litispendência e coisa julgada.
Lembre-se que o reconhecimento de nulidades ou invalidades será
norteado pelo princípio da instrumentalidade das formas, que permite se
considere válido ato praticado de forma diversa da prescrita em lei, mas que
tenha atingido seus objetivos sem causar prejuízo substancial à parte. A
inobservância das prescrições relativas ao ato citatório acarreta a nulidade absoluta
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do feito. No entanto, se o réu comparece e contesta, não há por que se declarar a
nulidade, porquanto o ato atingiu a finalidade. Em algumas hipóteses, o prejuízo é
presumido, como se dá no caso de decisão proferida por juiz impedido ou
absolutamente incompetente.
A nulidade só poderá ser decretada a requerimento da parte prejudicada e
nunca por aquela que foi a sua causadora, nos termos do art. 243. É preceito básico
não só do direito processual, mas de qualquer ramo do direito, que a ninguém é
dado valer-se da própria torpeza.