A Ecologia Profunda é simultaneamente uma ética ambiental radical e uma ontologia – uma filosofia de vida centrada na ecosfera, preocupada, cuidada e respeitosa. Adota a igualdade biocêntrica e atribui valor intrínseco aos seres não-humanos, elementos abióticos e ecossistemas. A palavra radical associada a este movimento refere-se à necessidade de ir à raiz do problema. Isto é, refletir profundamente a nossa relação com a Terra, que deve ser acompanhada de mudanças progressivas, mas radicais das nossas atitudes e comportamentos, desligando-se do paradigma insustentável, consumista e cruel da nossa sociedade atual, para uma vivência centrada na bondade, na liberdade, no respeito e na riqueza interior. Ela reúne ciência, tradição, religião, filosofia, arte e espiritualidade...
A Ciência (que) quer salvar a Humanidade – porque em breve será tarde demais
Ecologia Profunda como Devir da Esperança
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A influência das religiões abraâmicas, com
a imagem que estabelecerem de domínio
e subjugação da Natureza, conjuntamente
como o aparecimento do mecanicismo
cartesiano no Ocidente, que originou
uma tecnociência arrogante e sem alma,
causaram uma ruptura com a sabedoria
ancestral, onde a espiritualidade era peça
fundamental na relação de equilíbrio entre o
ser humano, os outros seres e a Natureza.
Era o fim da sacralidade do mundo natural
e o início da visão distorcida que separava o
Homem da Natureza, passando o primeiro a
olhar para o segundo unicamente de forma
utilitária, egoísta e antropocentrada. Estes
factos contribuíram para o aparecimento
de todas as dicotomias da racionalidade
moderna, precursora das crises social e
ecológica da atualidade. Em oposição a
esta realidade surgiu uma nova plataforma
de reflexão e ação, intitulada ecologia pro-
funda – uma corrente não-antropocêntrica
da ética ambiental, que pretende encorajar
um novo diálogo entre o saber hegemónico
e o ancestral, a prática e a ética, o indivíduo
e o todo, a sustentabilidade e a qualidade
de vida, a ação e a não-violência. Trata-se
de uma nova atitude, ao olhar os fenóme-
nos de forma holística e (re)colocar o ser
humano em harmonia consigo próprio,
com os outros seres e os sistemas ecoló-
gicos naturais.
A Ecologia Profunda
A Ecologia Profunda é simultaneamente uma
ética ambiental radical e uma ontologia – uma
filosofia de vida centrada na ecosfera, preocu-
pada, cuidada e respeitosa. Adota a igualdade
biocêntrica e atribui valor intrínseco aos seres
não-humanos, elementos abióticos e ecos-
sistemas. A palavra radical associada a este
movimento refere-se à necessidade de ir à raiz
do problema. Isto é, refletir profundamente
a nossa relação com a Terra, que deve ser
acompanhada de mudanças progressivas,
mas radicais das nossas atitudes e com-
portamentos, desligando-se do paradigma
insustentável, consumista e cruel da nossa
Ecologia Profunda como Devir
da Esperança – A Inevitável
Consciência Espiritual
Texto e Fotos_Jorge Moreira [Ambientalista]
«A ciência não só é compatível com a
espiritualidade mas também é uma fonte de
espiritualidade profunda»
Carl Sagan, 1996
Opinião
AMBIENTE E ENERGIAS RENOVÁVEIS
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sociedade atual, para uma vivência centrada
na bondade, na liberdade, no respeito e na
riqueza interior. Ela reúne ciência, tradição, re-
ligião, filosofia, arte e espiritualidade. Embora
a Ecologia Profunda inspira alguns princípios
fundamentais, esta filosofia não possui dog-
mas que têm de ser seguidos cegamente.
Cada indivíduo deve construir e desenvolver
a sua própria ecosofia, uma filosofia prática,
fundada no autoconhecimento, fruto da sua
vivência em comunhão com a Natureza e de
uma reflexão constante sobre os mistérios da
vida. Um questionar cada vez mais penetrante
sobre as relações ecológicas, capaz de levar
o indivíduo a expandir a sua consciência até
conseguir identificar-se como parte do todo.
Isto é, à sua Autorrealização – a compreensão
da teia da vida, interconectividade e interde-
pendência ecológica, longe da dualidade
sujeito e objeto ou da separação entre o Ser
Humano e a Terra. A Natureza é compreendi-
da como uma unidade indivisível, que inclui o
Ser Humano. Assim, a proteção da Natureza
é apercebida como a ‘minha proteção’ e a
maturidade do indivíduo dá-se quando o
círculo de identificação é o mais alargado
possível, o que leva inevitavelmente à espiri-
tualidade. Um termo mal compreendido, tanto
nos meios académicos como nos religiosos,
que devemos tentar perceber melhor.
A Espiritualidade
A espiritualidade não é nenhum dogma
religioso ou qualquer tipo de organização
humana. O seu conceito é complexo, mas
podemos resumi-lo com a capacidade
do indivíduo penetrar nos mistérios mais
profundos do universo e despertar para
uma Realidade maior onde subjaz a unida-
de da vida, descrita por místicos como a
consciência divina e por investigadores con-
temporâneos como consciência quântica
não local. O acesso do indivíduo a insights
dessa Realidade no seu interior é transfor-
madora, ao ponto de transmutar a ação no
mundo exterior e na relação com os outros.
A Espiritualidade e a Ecologia
Profunda
Fritjof Capra afirma que a ecologia e a espi-
ritualidade encontram-se fundamentalmente
ligadas porque a consciência ecológica pro-
funda é em última análise uma consciência
espiritual. Assim, a Ecologia Profunda ao
estimular a investigação aberta, pertinente e
conectada, bem como uma prática de vida
esclarecida, cuidada, ligada e harmoniosa
com toda a vida, encerra o caminho para a
espiritualidade. Caminho este que advém
da emoção e da perceção da unidade que
subjaz na ecosfera e na inter-relação de todos
os elementos cósmicos. Assim se explica
o altruísmo, a compaixão, a fraternidade, a
solidariedade, a justiça e a honestidade, que
alimentam uma ética abrangente, sustentada
pela pertença de todos os indivíduos (huma-
nos e não-humanos) e comunidades bióticas,
à mesma consciência não local. A análise que
Einstein faz numa carta publicada no New
York Post é bem elucidativa: um ser humano
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é uma parte do todo, a que chamamos "Uni-
verso", uma parte limitada no tempo e no
espaço. Ele experimenta-se a si próprio, aos
seus pensamentos e sentimentos, como algo
separado do resto - uma espécie de ilusão
óptica da sua consciência. Esta ilusão é uma
espécie de prisão para nós, restringindo-nos
aos nossos desejos pessoais e ao afeto por
algumas pessoas que nos são chegadas. A
nossa tarefa é libertarmo-nos desta prisão,
alargando o nosso círculo de compaixão até
ao ponto de abraçar todas as criaturas vivas e
toda a natureza na sua beleza.
A Ciência como a Grande
Aliada da Espiritualidade
Tal como Einstein, muitos outros conseguiram
vislumbrar uma Realidade maior, que se
encontra para além da esfera pessoal e do
evidente palpável. Com instrumentos de
perceção tão limitados que os seres humanos
possuem, será irreal pensar que podemos
compreender tudo com esses mesmos
instrumentos. Necessitamos de outros meios
cognitivos para percecionar outras dimensões
humanas e cósmicas. A ciência, depois de
um período ‘medieval’ em que reduziu a
Natureza a uma máquina, negando qualquer
outro elemento preponderante na análise dos
sistemas complexos, não resistiu às questões
inquietantes dos fenómenos da vida, nem
das propriedades emergentes dos conjuntos,
que não se manifestam nos seus elementos
isolados. A visão elementar do racionalismo
materialista, não se coaduna com a nova
ciência transdisciplinar e holística, mais em
consonância com a complexa teia da vida.
Muitas evidências científicas apontam para a
interligação e inter-relação entre tudo o que
existe. O ser humano, tal como os outros
seres, são elos dessa enorme cadeia de vida.
É verdade, que dadas as nossas limitações
atuais, muitas das evidências científicas que
suportam teorias sólidas, dificilmente terão
uma apreensão total do fenómeno ou serão
amplamente confirmações pela perspetiva
tradicional. Mas isso não invalida a sua exis-
tência. Deixo alguns exemplos para serem
mais aprofundados: o princípio de vida
intrínseco – que existe em a todos os seres
vivos e que os diferencia da matéria morta.
Os constituintes de uma árvore e a madeira
são os mesmos, mas a árvore tem algo que
a anima e que é capaz de se renovar. Da
mesma maneira, os campos mórficos ou
morfogenéticos de Rupert Sheldrake – são
uma espécie de memória coletiva, que está
por detrás das formas de todos os seres e tem
efeito organizativo sobre o seu comportamen-
to. Esta teoria tem repercussões na nooes-
fera de Teilhard de Chardin – uma rede
formada pelos pensamentos interconectados
dos todos seres humanos, com repercussões
à cibernética e à internet. A teoria Gaia de
James Lovelock – em que todo o planeta
Terra se comporta como um superorganismo,
num complexo sistema biogeoquímico que
regula o clima e mantém as condições ho-
meostáticas indispensáveis à vida. Esta teoria
também está ligada àquilo que a Ecologia nos
mostra – uma teia de vida que tudo une, biota
e abiota, patente no fluxo de matéria e energia
nos ecossistemas. Nada consegue sobreviver
sozinho, quanto mais evoluir. Curiosamente,
descobriu-se recentemente que as árvores
conseguem comunicar entre si através de
uma internet radicular constituída por fungos.
As Leis da Física – dão-nos a entender um
Princípio organizador subjacente a toda a
matéria. Também, a teoria da ordem implí-
cita de David Bohm – uma teoria quântica
que revela a interconectividade de tudo o que
existe e que cada elemento individual pode
revelar informação sobre cada outro elemento
no universo. Esta teoria que prova o papel
da intuição e da meditação como chaves
para percecionar realidades mais profundas,
cruza-se com a estrutura do cosmos – reve-
lada por supercomputadores, que expõem a
união da matéria a nível macro pela influência
da matéria escura. Tudo está ligado, enxames
de galáxias por elos invisíveis. Resumindo, há
uma ligação subjacente a tudo o que existe,
do ínfimo ao macro, do pó à vida. A separativi-
dade apreendida pela nossa mente não passa
de uma ilusão. Assim, a crise que vivemos é
também uma crise de perceção e, a forma
distorcida como vemos e sentimos o mundo
é, provavelmente, a grande promotora da
destruição maciça do nosso planeta, a casa
que simultaneamente habitamos e somos.
A Esperança de um Futuro
Melhor
A Deep Ecology, como também é conhecida,
não tem a intenção em destruir a vida das
pessoas, seus empregos, etc. Pelo contrário,
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ela incentiva à mudança de paradigma para
uma sociedade mais saudável, aberta às
economias solidárias, atenta à equidade, à
justiça, à fraternidade e, ao mesmo tempo,
ao cuidado para com os animais, as florestas,
os rios, as montanhas e os ecossistemas. Ela
não pretende destruir cidades, mas torná-las
mais ecológicas e humanizadas. Tampouco
quer voltar atrás no tempo à procura de um ro-
mantismo perdido, mas ajudar a construir um
mundo novo, com as virtudes e a sabedoria
ancestral, utilizando também os conhecimen-
tos tecnológicos limpos e sustentáveis.
Pessoas ligadas à Ecologia Profunda e
inspiradas na sua filosofia estiveram na base
da criação de instituições internacionalmente
reconhecidas, como os Verdes (partido políti-
co alemão) ou associações de defesa do am-
biente, como a Greenpeace. É verdade que al-
gumas ações provenientes destes grupos não
foram tão pacíficas como seriam previstas,
mas entre alguns erros, conseguiram vitórias
importantíssimas para a humanidade e para a
preservação da natureza, contra corporações
poderosas e políticas insustentáveis e cruéis.
Facilmente identificamos pessoas ligadas
a Deep Ecology em ações de defesa do
ambiente, dos ecossistemas e dos animais;
em frentes de combate contra políticas
e empresas que promovem organismos
geneticamente modificados ou às patentes
ligadas à vida, bem como a usurpação de
tecnologias utilizadas por comunidades
tradicionais e indígenas; na proteção da
biodiversidade e da natureza em geral; na
promoção da simplicidade voluntária e dos
vários movimentos slow ou das técnicas
de cultivo biológica e permacultura; no
incentivo às economias justas e locais; na
implementação de comunidades ecológicas
(ecovilas, ecoaldeias, etc.) e no regresso ao
campo; em práticas de alimentação vegeta-
riana, vegana e saudável; na sensibilização
pública contra ecocídios e em alternativas
educativas que favoreçam o florescimento
da humanidade.
A vida simples que a Deep Ecology promove
tem a ver com a diminuição do consumo
e a aquisição geral de bens materiais,
relacionados com a submissão a estilos
de vida que promovem a desigualdade e a
insustentabilidade. O abandono de uma vida
presa à ilusão do egoísmo e à busca de uma
felicidade fugaz, para uma vida ligada e rica
interiormente, preenchida por escolhas livres
e eticamente cuidadas e com tempo para a
fruição da beleza contida no espírito humano
e na Natureza silvestre.
Alguém dizia: se queres mudar a sociedade,
muda-te a ti próprio. É este o caminho da Eco-
logia Profunda e da sua ecosofia. Um trabalho
interior, espiritual, de perceção da Realidade
e um constante autoaperfeiçoamento. Uma
emoção transformadora capaz de alterar o
ADN do comportamento do indivíduo e uma
atitude mais ligada à diversidade contida na
Natureza. Paralelamente, que o exemplo
da sua vida seja uma força inspiradora para
outros indivíduos e, assim, por osmose,
contribuir para uma reflexão cívica sobre as
causas dos problemas que a humanidade
enfrenta. Que seja uma chama que alimenta
a esperança de um futuro melhor, capaz de
produzir uma efetiva e incontornável mudança
na sociedade.