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O RACIONALISMO DE DESCARTES
        René Descartes nasceu em uma cidadezinha francesa perto de Tours, hoje chamada
La Haye-Descartes. Depois de se formar em Direito, em Poitiers, Descartes decidiu viajar
pela Europa e fazer como Sócrates, que conversava com as pessoas nas praças e mercados
de Atenas. Em 1619, entrou para o exército do duque de Bavária e foi para a guerra, o que
fez com que percorresse diferentes partes da Europa Central.
        Na noite de 10 de novembro de 1619, Descartes teve uma inspiração de como
poderia construir um sistema preciso de entendimento que abrangesse todas as áreas do
conhecimento humano. Desse projeto ele se ocupou pelo resto da vida.
        Depois de viver alguns anos em Paris, Descartes mudou-se em 1629, para a Holanda,
onde permaneceu durante quase vinte anos trabalhando em escritos matemáticos e
filosóficos.
        Em 1649, Descartes foi convidado pela rainha Cristina para viver na Suécia. Mas a
estada no lugar que ele qualificou de “terra de ursos, gelo e rochas” trouxe-lhe um acesso
de pneumonia que o acabou matando no inverno de 1650.

A Razão

      Há uma linha direta de descendência que nasce em Sócrates e Platão, passa por
Santo Agostinho e chega a Descartes. Todos eram racionalistas típicos, convictos de que a
razão é o único caminho para o conhecimento. Depois de muito estudar, Descartes concluiu
que o conhecimento herdado da Idade Média não era necessariamente confiável. Tal como
Sócrates decidiu criar uma filosofia própria.
      Descartes foi o fundador da filosofia moderna. Após a impetuosa redescoberta do
homem e da Natureza, no Renascimento, a necessidade de reunir o pensamento
contemporâneo em um sistema filosófico coerente voltou a se apresentar. Descartes foi o
primeiro arquiteto importante de um sistema desses. A ele se seguiram Spinoza e Leibniz,
Locke e Berkeley, Hume e Kant.

O sistema

       A principal preocupação de Descartes era com aquilo que podemos saber, ou, em
outras palavras, o conhecimento verdadeiro. Quando se tratava da aquisição do
conhecimento verdadeiro, muitos dos contemporâneos de Descartes expressavam um total
ceticismo filosófico. Achavam que o homem deveria aceitar o fato de que nada sabe. Mas
Descartes não o aceitava.
       Foi na época de Descartes que as novas ciências naturais elaboravam um método que
propiciaria descrições precisas dos processos naturais. Descartes se perguntou se haveria
um método igualmente confiável de reflexão filosófica. Concluiu que sim.
       Um sistema é uma filosofia construída de modo a incluir todos os aspectos e buscar
as explicações para todas as questões centrais da filosofia. A Antigüidade teve grandes
construtores de sistemas, nas figuras de Platão e Aristóteles. A Idade Média teve são Tomás
de Aquino, que tentou erigir uma ponte entre a filosofia de Aristóteles e a teologia cristã.
Em seguida veio o Renascimento, com a fusão de novas e velhas crenças sobre a Natureza
e a ciência, Deus e o homem. Mas foi somente no século XVII que os filósofos passaram a
tentar reunir novas idéias em sistemas filosóficos claros e o primeiro a fazê-lo foi Descartes.

Penso logo existo.
Descartes era matemático, e pretendia usar o “método matemático” até mesmo para
filosofar. Estava disposto a provar verdades filosóficas da mesma forma que se demonstra
um teorema matemático – ou seja, pelo uso da razão, uma vez que apenas a razão pode
nos dar a certeza. Não é certo que podemos confiar em nossos sentidos.
        O objetivo de Descartes era chegar a uma certeza sobre a natureza da vida. Ele
começou por afirmar que, em primeiro lugar, devemos duvidar de tudo. Isso porque
ele buscava um fundamento para seu sistema que fosse absolutamente sólido, acima de
qualquer dúvida. Era importante para Descartes liberta-se de todo o conhecimento herdado
antes de construir um sistema filosófico. Mas ele logo se deu conta de que pouca coisa resta
além da dúvida. Mesmo o que vemos com nossos próprios olhos está longe da certeza.
Sabemos que, às vezes, nossos sentidos nos iludem. Como ter certeza, então, de que não
estamos sendo iludidos o tempo todo? Descartes chegou a pensar que poderia ser bastante
possível que nossa vida inteira não passasse de um sonho.
        O antigo sábio chinês Chuang-Tsu sonhou que era uma borboleta; a partir desse
momento, viu-se atormentado pela dúvida. Não conseguia decidir se era um homem que
sonhara ser uma borboleta, ou uma borboleta que sonhara ser um homem. Descartes tinha
temores semelhantes. “Quando penso bem sobre isso, não encontro uma única
característica que marque com certeza a diferença entre o estar acordado e o sonho”,
escreveu ele. E prosseguiu: “Como podemos ser certos de que toda a nossa vida não passa
de um sonho?”.
        Parecia não haver nada de que pudesse estar certo. Mas Descartes tentou avançar a
partir desse ponto zero. Duvidava de tudo e essa era a única coisa de que tinha certeza.
Mas então lhe ocorreu uma idéia: Havia afinal algo verdadeiro, o fato de que duvidava.
Quando duvidava, estava pensando, e porque estava pensando tinha de ser verdadeiro que
existia. Ou, como ele mesmo expressou: Cogito ergo sum, que significa “Penso, logo
existo”.
        Descartes compreendeu que podia estar enganado em pensar que possuía um corpo.
Um demônio poderia ter-lhe dado a experiência de possuir um corpo. Mas nenhum demônio
poderia força-lo a pensar quando não pensava. E então chegou à conclusão de que possuir
um corpo não faria parte da natureza absoluta. Sua essência seria a de ser algo pensante,
ou como ele mesmo expressou: sum res cogitans, que significa: “Sou um ser
pensante”.
        Em seguida Descartes perguntou-se se haveria algo mais que pudesse perceber com
a mesma certeza intuitiva. Concluiu que tinha em mente uma idéia clara e distinta de um
ser perfeito. Era uma idéia que Descartes sempre tivera, e era, por conseguinte, evidente
que tal noção não poderia ter vindo dele próprio. A noção de um ser perfeito não teria
vindo de alguém que fosse por sua vez imperfeito, afirmou Descartes. No entanto, a noção
de um ser perfeito deveria ter vindo de um outro ser perfeito, ou, em outras palavras, de
Deus. A existência de Deus, portanto era tão evidente para Descartes quanto a existência
de um ser pensante.
        Descartes acreditava que todos teríamos a idéia do que seja um ser perfeito, e que,
inerente a essa idéia, estaria o fato da existência desse ser perfeito. Pois um ser perfeito
não seria perfeito se não existisse. Nem poderíamos ter a idéia de um ser perfeito se tal ser
não existisse. Por sermos imperfeitos, a idéia de perfeição não poderia vir de nós.
        Esta idéia é geralmente tida como o ponto fraco do argumento de Descartes.
Podemos ter uma idéia em nossa mente de um jogador de futebol, mas isso realmente
significa que existe de fato um jogador perfeito? A maioria das pessoas pensaria que não.
        Apesar disso, Descartes prosseguiu com o argumento. Do mesmo modo que Sócrates
e Platão, ele acreditava que existiria uma ligação entre a razão e a existência. Quanto mais
evidente uma coisa fosse para a razão, tanto mais certo seria o fato de ela existir. Quanto
às idéias que temos sobre a realidade exterior, por exemplo, o Sol e a Lua, haveria a
possibilidade de elas serem fantasias. Mas a realidade exterior também possuiria certas
características perceptíveis por meio de nossa razão: as propriedades matemáticas, ou, em
outras palavras, grandezas que podem ser medidas, como comprimento, largura e
profundidade. Tais propriedades “quantitativas” seriam tão claras e distintas para a nossa
razão como o fato de que somos seres pensantes. As propriedades “qualitativas”, como cor,
odor e sabor, por outro lado, são ligadas a nossa percepção sensorial e, como tais, não
descreveriam a realidade exterior.
      Nesse ponto, Descartes mais uma vez retomava nossa idéia do ser perfeito. Quando
nossa razão reconhece alguma coisa com clareza e distinção – como é o caso das
propriedades matemáticas da realidade exterior – é porque a coisa reconhecida teria a
forma com que a percebemos. Pois um Deus perfeito não nos iludira. Descartes alegava que
teríamos a “garantia de Deus”para o fato de que tudo o que reconhecemos por meio de
nossa razão também corresponderia a uma realidade.

Corpo e alma
       Descartes concluiu ser um ente pensante, que Deus existiria e que haveria uma
realidade exterior. Mas para ele essa realidade exterior seria muito diferente da realidade do
pensamento.
       Descartes era um dualista. Ele afirmava que haveria duas formas diferentes de
realidade – ou duas “substâncias”. Uma substância seria o pensamento, ou a “mente”, e a
outra a extensão, ou matéria. A mente seria consciência pura não ocuparia lugar no espaço
e, portanto, não poderia ser subdividida em partes menores. A matéria, no entanto, seria só
extensão e, por ocupar lugar no espaço, poderia ser subdividida em partes menores – mas a
matéria não poderia possuir consciência. Descartes sustentava que as duas substâncias
viriam de Deus, porque somente Deus poderia existir independentemente de qualquer outra
coisa. Mas ainda que pensamento e extensão proviessem de Deus, as duas substâncias não
teriam contato entre si.
       A nova física que se desenvolvia na época de Descartes também levantava a questão
da natureza da matéria e, assim o que determinaria os processos físicos da Natureza. Cada
vez mais as pessoas argumentavam a favor de uma visão mecanicista da Natureza. No
entanto, ao pensarem nas ações humanas em termos de processos mecânicos, tornou-se
necessário explicar de que forma algo “espiritual” – a mente – poderia dar início a um
processo mecânico. Que relação há entre se pensar “Vou correr agora” e as pernas
começarem a correr?
       Mesmo Descartes não poderia negar que há uma interação constante entre a mente e
o corpo. Para ele, uma vez que a mente habita o corpo, estaria ligada a ele por meio de um
órgão especial, no cérebro chamado glândula pineal, onde ocorreria uma interação
constante entre o “espírito” e a “matéria”. Por conseguinte, a mente poderia ser
constantemente influenciada por sentimentos e paixões relacionados às necessidades do
corpo. Mas para Descartes a mente poderia também ser separar de tais impulsos “básico” e
operar independentemente do corpo.
       Descartes achava que a mente e as idéias não teriam realidade física. O inglês
Thomas Hobbes, contemporâneo de Descartes, discordava completamente. Enquanto
Descartes pensava que o corpo humano seria mais ou menos como uma máquina, mas a
mente não Hobbes – sintetizando o ponto de vista mecanicista da época – acreditava que
todas as coisas no Universo seriam mecânicas, mesmo a mente humana. Hoje em dia
muitos cientistas e filósofos compartilham a perspectiva materialista de Hobbes. Eles
afirmam que a mente e o cérebro são a mesma coisa, e que o cérebro é quase como um
computador extremamente complexo – um ponto de vista mecanicista. Os cientistas da
computação tentam criar máquinas com inteligência artificial, que realizem tarefas de
maneira semelhante ao homem. Com isso, surge a questão: os computadores podem ou
não “pensar” de fato como o homem?
Centenas de anos após Descartes, o debate em torno da relação entre mente e corpo
continua sendo um problema central da filosofia. É a mente humana algo puramente físico?
E, caso não seja, como pode ela interagir com o corpo físico?

                          EXCERTO – O DISCURSO DO MÉTODO



“E, como a grande quantidade de leis fornece com freqüência justificativas aos
vícios, de forma que um Estado é mais bem dirigido quando, apesar de possuir
muito poucas delas, são estritamente cumpridas; portanto, em lugar desse grande
número de preceitos de que se compõe a lógica, achei que me seriam suficientes os
quatro seguintes, uma vez que tornasse a firme e inalterável resolução de não
deixar uma só vez de observá-los.
O primeiro era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse
claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e
de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e
distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. O
segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas
parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las. O
terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais
simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando
degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma
ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, o
de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais
nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir.”

     DESCARTES, René. O Discurso do Método. Hemus. São Paulo. (páginas 38-41)

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Reformas religiosas
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Descartes

  • 1. O RACIONALISMO DE DESCARTES René Descartes nasceu em uma cidadezinha francesa perto de Tours, hoje chamada La Haye-Descartes. Depois de se formar em Direito, em Poitiers, Descartes decidiu viajar pela Europa e fazer como Sócrates, que conversava com as pessoas nas praças e mercados de Atenas. Em 1619, entrou para o exército do duque de Bavária e foi para a guerra, o que fez com que percorresse diferentes partes da Europa Central. Na noite de 10 de novembro de 1619, Descartes teve uma inspiração de como poderia construir um sistema preciso de entendimento que abrangesse todas as áreas do conhecimento humano. Desse projeto ele se ocupou pelo resto da vida. Depois de viver alguns anos em Paris, Descartes mudou-se em 1629, para a Holanda, onde permaneceu durante quase vinte anos trabalhando em escritos matemáticos e filosóficos. Em 1649, Descartes foi convidado pela rainha Cristina para viver na Suécia. Mas a estada no lugar que ele qualificou de “terra de ursos, gelo e rochas” trouxe-lhe um acesso de pneumonia que o acabou matando no inverno de 1650. A Razão Há uma linha direta de descendência que nasce em Sócrates e Platão, passa por Santo Agostinho e chega a Descartes. Todos eram racionalistas típicos, convictos de que a razão é o único caminho para o conhecimento. Depois de muito estudar, Descartes concluiu que o conhecimento herdado da Idade Média não era necessariamente confiável. Tal como Sócrates decidiu criar uma filosofia própria. Descartes foi o fundador da filosofia moderna. Após a impetuosa redescoberta do homem e da Natureza, no Renascimento, a necessidade de reunir o pensamento contemporâneo em um sistema filosófico coerente voltou a se apresentar. Descartes foi o primeiro arquiteto importante de um sistema desses. A ele se seguiram Spinoza e Leibniz, Locke e Berkeley, Hume e Kant. O sistema A principal preocupação de Descartes era com aquilo que podemos saber, ou, em outras palavras, o conhecimento verdadeiro. Quando se tratava da aquisição do conhecimento verdadeiro, muitos dos contemporâneos de Descartes expressavam um total ceticismo filosófico. Achavam que o homem deveria aceitar o fato de que nada sabe. Mas Descartes não o aceitava. Foi na época de Descartes que as novas ciências naturais elaboravam um método que propiciaria descrições precisas dos processos naturais. Descartes se perguntou se haveria um método igualmente confiável de reflexão filosófica. Concluiu que sim. Um sistema é uma filosofia construída de modo a incluir todos os aspectos e buscar as explicações para todas as questões centrais da filosofia. A Antigüidade teve grandes construtores de sistemas, nas figuras de Platão e Aristóteles. A Idade Média teve são Tomás de Aquino, que tentou erigir uma ponte entre a filosofia de Aristóteles e a teologia cristã. Em seguida veio o Renascimento, com a fusão de novas e velhas crenças sobre a Natureza e a ciência, Deus e o homem. Mas foi somente no século XVII que os filósofos passaram a tentar reunir novas idéias em sistemas filosóficos claros e o primeiro a fazê-lo foi Descartes. Penso logo existo.
  • 2. Descartes era matemático, e pretendia usar o “método matemático” até mesmo para filosofar. Estava disposto a provar verdades filosóficas da mesma forma que se demonstra um teorema matemático – ou seja, pelo uso da razão, uma vez que apenas a razão pode nos dar a certeza. Não é certo que podemos confiar em nossos sentidos. O objetivo de Descartes era chegar a uma certeza sobre a natureza da vida. Ele começou por afirmar que, em primeiro lugar, devemos duvidar de tudo. Isso porque ele buscava um fundamento para seu sistema que fosse absolutamente sólido, acima de qualquer dúvida. Era importante para Descartes liberta-se de todo o conhecimento herdado antes de construir um sistema filosófico. Mas ele logo se deu conta de que pouca coisa resta além da dúvida. Mesmo o que vemos com nossos próprios olhos está longe da certeza. Sabemos que, às vezes, nossos sentidos nos iludem. Como ter certeza, então, de que não estamos sendo iludidos o tempo todo? Descartes chegou a pensar que poderia ser bastante possível que nossa vida inteira não passasse de um sonho. O antigo sábio chinês Chuang-Tsu sonhou que era uma borboleta; a partir desse momento, viu-se atormentado pela dúvida. Não conseguia decidir se era um homem que sonhara ser uma borboleta, ou uma borboleta que sonhara ser um homem. Descartes tinha temores semelhantes. “Quando penso bem sobre isso, não encontro uma única característica que marque com certeza a diferença entre o estar acordado e o sonho”, escreveu ele. E prosseguiu: “Como podemos ser certos de que toda a nossa vida não passa de um sonho?”. Parecia não haver nada de que pudesse estar certo. Mas Descartes tentou avançar a partir desse ponto zero. Duvidava de tudo e essa era a única coisa de que tinha certeza. Mas então lhe ocorreu uma idéia: Havia afinal algo verdadeiro, o fato de que duvidava. Quando duvidava, estava pensando, e porque estava pensando tinha de ser verdadeiro que existia. Ou, como ele mesmo expressou: Cogito ergo sum, que significa “Penso, logo existo”. Descartes compreendeu que podia estar enganado em pensar que possuía um corpo. Um demônio poderia ter-lhe dado a experiência de possuir um corpo. Mas nenhum demônio poderia força-lo a pensar quando não pensava. E então chegou à conclusão de que possuir um corpo não faria parte da natureza absoluta. Sua essência seria a de ser algo pensante, ou como ele mesmo expressou: sum res cogitans, que significa: “Sou um ser pensante”. Em seguida Descartes perguntou-se se haveria algo mais que pudesse perceber com a mesma certeza intuitiva. Concluiu que tinha em mente uma idéia clara e distinta de um ser perfeito. Era uma idéia que Descartes sempre tivera, e era, por conseguinte, evidente que tal noção não poderia ter vindo dele próprio. A noção de um ser perfeito não teria vindo de alguém que fosse por sua vez imperfeito, afirmou Descartes. No entanto, a noção de um ser perfeito deveria ter vindo de um outro ser perfeito, ou, em outras palavras, de Deus. A existência de Deus, portanto era tão evidente para Descartes quanto a existência de um ser pensante. Descartes acreditava que todos teríamos a idéia do que seja um ser perfeito, e que, inerente a essa idéia, estaria o fato da existência desse ser perfeito. Pois um ser perfeito não seria perfeito se não existisse. Nem poderíamos ter a idéia de um ser perfeito se tal ser não existisse. Por sermos imperfeitos, a idéia de perfeição não poderia vir de nós. Esta idéia é geralmente tida como o ponto fraco do argumento de Descartes. Podemos ter uma idéia em nossa mente de um jogador de futebol, mas isso realmente significa que existe de fato um jogador perfeito? A maioria das pessoas pensaria que não. Apesar disso, Descartes prosseguiu com o argumento. Do mesmo modo que Sócrates e Platão, ele acreditava que existiria uma ligação entre a razão e a existência. Quanto mais evidente uma coisa fosse para a razão, tanto mais certo seria o fato de ela existir. Quanto às idéias que temos sobre a realidade exterior, por exemplo, o Sol e a Lua, haveria a possibilidade de elas serem fantasias. Mas a realidade exterior também possuiria certas
  • 3. características perceptíveis por meio de nossa razão: as propriedades matemáticas, ou, em outras palavras, grandezas que podem ser medidas, como comprimento, largura e profundidade. Tais propriedades “quantitativas” seriam tão claras e distintas para a nossa razão como o fato de que somos seres pensantes. As propriedades “qualitativas”, como cor, odor e sabor, por outro lado, são ligadas a nossa percepção sensorial e, como tais, não descreveriam a realidade exterior. Nesse ponto, Descartes mais uma vez retomava nossa idéia do ser perfeito. Quando nossa razão reconhece alguma coisa com clareza e distinção – como é o caso das propriedades matemáticas da realidade exterior – é porque a coisa reconhecida teria a forma com que a percebemos. Pois um Deus perfeito não nos iludira. Descartes alegava que teríamos a “garantia de Deus”para o fato de que tudo o que reconhecemos por meio de nossa razão também corresponderia a uma realidade. Corpo e alma Descartes concluiu ser um ente pensante, que Deus existiria e que haveria uma realidade exterior. Mas para ele essa realidade exterior seria muito diferente da realidade do pensamento. Descartes era um dualista. Ele afirmava que haveria duas formas diferentes de realidade – ou duas “substâncias”. Uma substância seria o pensamento, ou a “mente”, e a outra a extensão, ou matéria. A mente seria consciência pura não ocuparia lugar no espaço e, portanto, não poderia ser subdividida em partes menores. A matéria, no entanto, seria só extensão e, por ocupar lugar no espaço, poderia ser subdividida em partes menores – mas a matéria não poderia possuir consciência. Descartes sustentava que as duas substâncias viriam de Deus, porque somente Deus poderia existir independentemente de qualquer outra coisa. Mas ainda que pensamento e extensão proviessem de Deus, as duas substâncias não teriam contato entre si. A nova física que se desenvolvia na época de Descartes também levantava a questão da natureza da matéria e, assim o que determinaria os processos físicos da Natureza. Cada vez mais as pessoas argumentavam a favor de uma visão mecanicista da Natureza. No entanto, ao pensarem nas ações humanas em termos de processos mecânicos, tornou-se necessário explicar de que forma algo “espiritual” – a mente – poderia dar início a um processo mecânico. Que relação há entre se pensar “Vou correr agora” e as pernas começarem a correr? Mesmo Descartes não poderia negar que há uma interação constante entre a mente e o corpo. Para ele, uma vez que a mente habita o corpo, estaria ligada a ele por meio de um órgão especial, no cérebro chamado glândula pineal, onde ocorreria uma interação constante entre o “espírito” e a “matéria”. Por conseguinte, a mente poderia ser constantemente influenciada por sentimentos e paixões relacionados às necessidades do corpo. Mas para Descartes a mente poderia também ser separar de tais impulsos “básico” e operar independentemente do corpo. Descartes achava que a mente e as idéias não teriam realidade física. O inglês Thomas Hobbes, contemporâneo de Descartes, discordava completamente. Enquanto Descartes pensava que o corpo humano seria mais ou menos como uma máquina, mas a mente não Hobbes – sintetizando o ponto de vista mecanicista da época – acreditava que todas as coisas no Universo seriam mecânicas, mesmo a mente humana. Hoje em dia muitos cientistas e filósofos compartilham a perspectiva materialista de Hobbes. Eles afirmam que a mente e o cérebro são a mesma coisa, e que o cérebro é quase como um computador extremamente complexo – um ponto de vista mecanicista. Os cientistas da computação tentam criar máquinas com inteligência artificial, que realizem tarefas de maneira semelhante ao homem. Com isso, surge a questão: os computadores podem ou não “pensar” de fato como o homem?
  • 4. Centenas de anos após Descartes, o debate em torno da relação entre mente e corpo continua sendo um problema central da filosofia. É a mente humana algo puramente físico? E, caso não seja, como pode ela interagir com o corpo físico? EXCERTO – O DISCURSO DO MÉTODO “E, como a grande quantidade de leis fornece com freqüência justificativas aos vícios, de forma que um Estado é mais bem dirigido quando, apesar de possuir muito poucas delas, são estritamente cumpridas; portanto, em lugar desse grande número de preceitos de que se compõe a lógica, achei que me seriam suficientes os quatro seguintes, uma vez que tornasse a firme e inalterável resolução de não deixar uma só vez de observá-los. O primeiro era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, o de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir.” DESCARTES, René. O Discurso do Método. Hemus. São Paulo. (páginas 38-41)