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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
     FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL



                 Gustavo Dore Rodrigues




         Redes Sociais e Interatividade no Celular:
Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano.




                      Juiz de Fora
                    Novembro de 2008
Gustavo Dore Rodrigues




         Redes Sociais e Interatividade no Celular:
Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano.




                             Trabalho de Conclusão de Curso
                             Apresentado como requisito para a obtenção de
                             grau de Bacharel em Comunicação Social
                             na Faculdade de Comunicação Social da UFJF

                             Orientador: Prof. Dr. Potiguara Mendes da
                             Silveira Jr.




                      Juiz de Fora
                    Novembro de 2008
Gustavo Dore Rodrigues



                        Redes Sociais e Interatividade no Celular:
                Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano.



Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção de grau de
Bacharel em Comunicação Social na Faculdade de Comunicação Social da UFJF.



Orientador: Prof. Dr. Potiguara Mendes da Silveira Jr.




Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em 27/11/2008
pela banca composta pelos seguintes membros:



____________________________________________________
Prof. Dr. Potiguara Mendes da Silveira Jr. (UFJF) - Orientador



____________________________________________________
Profa. Dra. Francisco José Paoliello Pimenta (UFJF) - Convidado



____________________________________________________
Prof. Dr. Nilson Assunção Alvarenga (UFJF) – Convidado



Conceito obtido _______________




                                       Juiz de Fora
                                     Novembro de 2008
Dedico esse trabalho a todos que, como eu,
são apaixonados pelas novas gadgets e acham
que podem fazer dessa paixão algo
interessante e divertido.
AGRADECIMENTOS




                 Agradeço primeiramente aos meus pais, Vertulino e Rita, que
                 sempre me incentivaram e por me proporcionarem um ambiente de
                 estudo muito agradável, além de terem cedido todo o espaço de
                 todas as prateleiras para os meus livros e quadrinhos. Ao meu irmão
                 Bruno por sempre me dar atenção quando foi preciso. Peço
                 desculpas por não ter-lhes dedicado maior atenção.


                 Agradeço a todos os professores da Facom, que ajudaram a
                 construir minhas bases de pensamento. Em especial, à professora
                 Marta Pinheiro, que me deu um pontapé incial.


                 Agradeço ao governo japonês por ter me dado suporte durante um
                 ano em seu país. Algo que mudou o rumo e o ritmo da minha vida.
                 Ao Kazuo Sato Sensei, que me convidou para suas aulas e fez da
                 minha visita ao Japão algo muito mais prazeroso e profundo.


                 Agradeço a todos os amigos do PET que estavam sempre abertos
                 para o debate de idéias. É um lugar muito especial para mim pois só
                 ali me sentia “em casa” dentro da Facom. Um grande abraço para o
                 nosso tutor, Francisco Pimenta, que me mostrou que para sermos
                 sérios não precisamos ser chatos.

                 Agradeço, principalmente, ao amigo e professor Potiguara Mendes
                 da Silvera Jr., que me mostrou que havia espaço para pensar
                 diferente. Obrigado por todo o apoio e incentivo. Foi um grande
                 prazer ter sido seu orientando.




                 Por último, à Nintedo, à Shonen Jump, ao Foo Fighters, aos
                 Beatles, à Sony, à Marvel, ao Bill Waterson, ao Charles Schultz, à
                 JK Rowling, ao Isaac Asimov, ao Tarantino, ao Laerte, ao 10
                 pãezinhos e muitos outros, que por meio de seus produtos culturais
                 moldaram não só a minha personalidade, mas meu senso estético e
                 me proporcionam horas infinitas de prazer.
RESUMO


         Estudo sobre a convergência de mídia com base nas teorias de rede e emergência.
Utilizando como referência teórica os estudos já feitos sobre celular no Brasil, Estados Unidos
e Japão, pretendemos discutir mudanças tecnológicas e socias dele advindas. A comparação
entre os modos de utilização nos três países pode contribuir para mostrar novas possibilidades
de seu uso no Brasil. Uma pesquisa de campo com universitários de Juiz de Fora completa o
trabalho.




        Palavras chave: telefone celular; keitai; redes; interatividade; interface
SUMÁRIO



1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 1
2 EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE TELEFONIA CELULAR.......................................... 3
2.1 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO.................................................................................... 3
2.2 TRÊS GERAÇÕES DE APARELHOS............................................................................. 6
3 O CELULAR COMO CAMPO DE ESTUDOS.............................................................. 8
3.1 PESSOAL, PORTÁTEIS E PEDESTRES – POR QUE O JAPÃO?................................ 9
3.2 CONSIDERANDO O AMBIENTE.................................................................................. 11
3.3 RELEVÂNCIA DO TEMA E METODOLOGIA EMPREGADA................................... 14
4 CONVERGÊNCIA DE MÍDIA: CELULAR COMO CULTURA POP........................ 16
4.1 EVOLUÇÃO E NÃO LINEARIDADE............................................................................ 16
4.2 A PRÓTESE DO LEITOR IMERSIVO............................................................................ 18
5 INTERATIVIDADE E IMERSÃO................................................................................... 20
5.1 INTERAÇÃO: CARACTERÍSTICAS DE EMERGÊNCIA............................................ 22
5.2 POSSIBILIDADES DE IMERSÃO................................................................................. 26
6 INTERFACE: UNINDO INTERATIVIDADE E IMERSÃO........................................ 29
6.1 A TV PARA CELULAR.................................................................................................... 32
6.2 INTERNET PARA CELULAR......................................................................................... 33
7 TEORIA DE REDES E CELULAR................................................................................. 37
7.1 REDES ALEATÓRIAS..................................................................................................... 40
7.2 SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO E A TEORIA DO MUNDO-PEQUENO.................... 41
7.3 REDES SEM ESCALA..................................................................................................... 43
7.4 REDES SOCIAIS ON-LINE E OFF-LINE: UMA BARREIRA QUE SE DISSOLVE... 44
8 LINGUAGENS E EXPRESSÃO INDIVIDUAL............................................................. 47
8.1 POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO............................................................................. 49
8.2 VOZ OU MENSAGEM.................................................................................................... 50
9 FETICHE E CONSUMO.................................................................................................. 52
9.1 MARKETING E PUBLICIDADE.................................................................................... 54
9.2 NOVOS MODELOS E A 3G............................................................................................. 56
10 PESQUISA........................................................................................................................ 58
10.1 CONSUMO: MERCADO, DESIGN, FUNCIONALIDADE E PERSONALIZAÇÃO.59
10.2 AS REDES SOCIAIS...................................................................................................... 62
11 REALITY MINING E OUTRAS TENDÊNCIAS......................................................... 67
11.1 GARIMPANDO A REALIDADE................................................................................... 67
11.2 OUTRAS POSSIBILIDADES........................................................................................ 70
12 CONCLUSÃO.................................................................................................................. 73
13 REFERÊNCIAS............................................................................................................... 77
1



1 INTRODUÇÃO

         Este trabalho inicia as pesquisas sobre telefones celulares no campo da comunicação


em Juiz de Fora. Durante os próximos capítulos serão apresentados estudos sobre redes


sociais, design, comportamento, interface e consumo. Por toda a pesquisa, comparações com


estudos norte-americanos e, principalmente, japoneses serão realizados a fim de apontar


diferenças e similaridades culturais para proporcionar o entendimento de possibilidades


futuras no uso dos telefones celulares pelos brasileiros.


         O capítulo 2 mostra uma breve história do desenvolvimento dos sistemas de


transmissão e dos aparelhos celulares. Dados estatíticos com relação às tecnologias de


transmissão, ao número de usuários, e às gerações de telefonia celular são discutidos com


bases histórico-econômicas


         O capítulo 3 apresenta o campo de estudos, considerando as especificidades do


telefone celular, a relevância do Japão para a pesquisa, a importância do tema e a metodologia


empregada. O capítulo 4 discute as novas tendências com relação a convergência de mídias, a

evolução dos formatos e conteúdos, e à mudança do próprio receptor, trazendo as bases para


as discussões nos próximos capítulos.

         Na 5ª parte deste trabalho, a interatividade e imersão para o celular são analisadas por


meio de comparações com jogos eletrônicos, internet, e interfaces de realidade virtual. O 6º

capítulo complementa o 5º, trazendo a interface como elemento unificador entre as discussões
2



de formatos e interação. Neste capítulo também são levantadas discussões sobre a adaptação


de formatos para uma nova TV e internet pelos aparelhos portáteis.


        No capítulo 7 está a principal parte do trabalho. As teorias de redes são apresentadas


como base para as discussões sobre redes sociais on-line e off-line. A teoria de redes sem


escala, de László Barabási, em complento à teoria de MD Magno, é utilizada como


fundamentação teórica para a pesquisa.


        O 8º capítulo levanta questões sobre mudanças de linguagem, comportamento e


expressão individual. Possibilidades ligadas à educação também são debatidas. A 9ª parte da


pesquisa considera o consumo e as implicações da evolução da telefonia celular no marketing


e na publicidade, já considerando a tecnologia 3G.


        A pesquisa de campo é o foco do 10º capítulo. O método de pesquisa é descrito


detalhadamente e são abordadas questões relativas a consumo e à formação de redes sociais e


localização de pólos de contatos. O 11º capítulo mostra tendências para a utilização do


telefone celular nos próximos anos e no futuro. O capítulo 12 apresenta a conclusão do

trabalho e caminhos para novas pesquisas.


        Divirtam-se.
3



2 EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE TELEFONIA CELULAR

         Em 1959 foi criado o primeiro aparelho de telefonia móvel. Foi desenvolvido pela


Ericson e pesava cerca de 40 quilos. Era chamado de sistema automático de telefonia móvel, e


não passava de um emissor de freqüências de rádio. Foi utilizado por navios e automóveis.


Em 1973, a Motorola faz a primeira chamada de um telefone celular. Porém, só em 1983 ele


passa ser comercializado nos Estados Unidos. No Brasil, as políticas públicas de telefonia


celular foram decididas em 1984, com o sistema americano sendo adotado. Em 1990 dez mil


linhas são implantadas no Rio de Janeiro, mas apenas em 1993 o telefone celular passa a ser


comercializado em grande escala no país. No Japão, começou a ser comercializado em 1987,


mas não atingiu popularidade até 1993.


         A partir do começo da década de 90, o telefone celular passa a evoluir em formatos,


duração da bateria, qualidade de som, interface. As mensagens de texto, SMS (Short Mesage


Service), foram inventadas no fim da década de 80 e em 1992 começam a ser utilizadas na


Inglaterra. Em 1999 a empresa japonesa NTT DoCoMo lança o i-mode, que possibilita o

acesso à internet. Ele passa a possuir três formas básicas de comunicação: por voz, mensagem


de texto e e-mail.




2.1 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO

         Ao mesmo tempo em que os aparelhos evoluem, os sistemas de transmissão de dados
4



estão constantemente sendo aprimorados. A Europa, no começo da década de 80, tinha


sistemas diferenciados de telefonia móvel para cada país. Em 1981, os estudos


franco-germânicos ganham destaque e se denominam GSM, Groupe Spécial Mobile. Com a


adesão de outros países, o grupo vai crescendo até ser implantado, em 1989, no Instituto


Europeu de Normas de Telecomunicações, que muda a sigla GSM para Global Special Mobile.


Os Estados Unidos apresentaram grande resistência ao sistema europeu adotando o TDMA1, e,


mais tarde, o CDMA2. Atualmente, algumas empresas americanas já adotam o GSM para


oferecer serviços de comunicação globais. Abaixo, temos um quadro comparativo entre os




1 TDMA: Time Division Multiple Acess. Tradução livre: Acesso Múltiplo por Divisão de Tempo.
2 CDMA: Code Division Multiple Acess. Tradução livre: Acesso Múltiplo por Divisão de Código.
5



sistemas de telefonia celular pelo mundo. Repare que em três bilhões e seiscentos milhões de


linhas, a tecnologia GSM engloba quase três bilhões.


         O Japão também utilizou durante muito tempo somente o próprio sistema. Apenas


com a evolução do GSM para a utilização de internet banda larga é que as empresas japonesas


resolveram adotá-lo. Com a estagnação do mercado de telefonia celular japonês, as empresas


que desenvolvem os aparelhos prometem investir em mercados globais, sendo a adoção do


GSM uma medida interessante para negócios.


         O Brasil adota o sistema GSM, TDMA e CDMA, sendo o GSM o principal deles.


Segundo o site Open Handset Allience3, temos 1,5 bilhões de televisores no mundo enquanto


o número de celulares já ultrapassa três bilhões. Dados da Anatel estimam que até o fim de


2008 o número de linhas de celular no Brasil chegue a 147 milhões. A última contagem feita


em setembro registrou 138,3 milhões de usuários4. Segundo dados do IBGE de dezembro de


2007, a população brasileira atual é de 183,9 milhões de habitantes. A média atual brasileira

deve girar em torno de 0,75 linhas por habitante. Esse dado não é preciso pois consideramos


que uma pessoa pode ter mais do que uma linha. Mas ele serve para deixar claro o sucesso

desse produto. A Anatel projeta que até 2018 o Brasil chegue à marca de um celular por


habitante, estimando a população brasileira em torno de 250 milhões.




3 Dados disponíveis em www.openhandsetallience.com Acessado em: 01/11/2008
4 Fonte: G1 http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL760613-9356,00.html Acessado em:
   30/10/2008.
6



2.2 TRÊS GERAÇÕES DE APARELHOS


         Os aparelhos celulares apresentam, até o momento, quatro fases de evolução. A


primeira geração de celulares utilizava tecnologia analógica AMPS (Advanced Mobile Phone


Service). Foi desativada no Brasil em junho de 2008. A segunda geração de telefones


celulares utiliza as tecnologias TDMA, CDMA e GSM. A segunda geração é marcada pela


evolução da interface dos aparelhos, com telas coloridas e toques polifônicos. Nesta geração


também foi possível a utilização de chips de memória, com informações sobre o usuário, que


podem ser trocados de aparelho (tecnologia GSM). Existe uma fase transitória chamada de


geração 2.5. Telefones celulares que utilizam essa tecnologia, os smartphones5, já possuem


acesso à internet em baixa velocidade.


         A grande vantagem dos celulares de terceira geração, 3G, é a possibilidade da internet


em banda larga. Existem várias tecnologias ainda em desenvolvimento. Como o Brasil adota


prioritariamente a tecnologia GSM, a UMTS6, que é uma evolução do GSM, deve ser a mais

utilizada nos próximos anos. Já estão sendo feitos testes para uma quarta geração de telefonia


celular, com inovações que vão desde internet 10 vezes mais rápida que dos aparelhos 3G, até

a possibilidade de conexão à internet de qualquer aparelho eletrônico por meio de um cartão




5 UMTS: Universal Mobile Telecommunications Service. Tradução livre: Serviço de Telecomunicação Móvel
   Universal.
6 Smartphones são celulares baseados em sistemas operacionais complexos que concorrem diretamente com os
   palmtops. Exemplo: Blackberry e MotoQ.
7



específico7.


         Os smartphones são, em sua maioria, baseados no Windows, em uma versão especial


para telefones celulares. No fim de setembro de 2008, o Google lançou seu sistema


operacional para aparelhos celulares, o Android, para não só facilitar a produção de software


para celular, mas também para entrar no mercado de portáteis. O Google propõe uma


padronização de sistemas operacionais. Atualmente, para se fazer um simples joguinho, ele


deve ser testado em cerca de 120 a 140 modelos de aparelhos diferentes. Além das milhares


de pequenas adaptações que devem ser feitas com relação ao tamanho da tela e interação com


o teclado de cada modelo especifico. Linguagens de programação simples, como Java, tentam


facilitar o processo. Porém, nem todo aparelho possui a linguagem Java por ser uma licença


paga para telefones celulares.


         A mudança constante desses sistemas são apenas sinais de que ainda não atingimos a


maturidade dos telefones celulares e que ainda teremos muito a acrescentar nos próximos anos.


No Japão, Daisuke Okabe (2006) fala sobre uma maturidade do sistema japonês de telefonia.

Essa maturidade representa mudanças graduais de tecnologia, e não saltos. Ela também


explica a forma como o japonês lida com o telefone celular, tanto no espaço privado como no

espaço público, como veremos mais adiante neste trabalho.




7 Informações retiradas de http://www.4gmobile.com/   Acessado em 03/11/2008.
8



3 O CELULAR COMO CAMPO DE ESTUDOS

        Assim como a internet é estuda por Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web,


como um organismo vivo, o telefone celular parece outra formação “viva” que, aos poucos,


está entrando em simbiose com a internet. O nome célula, derivado da organização por torres


de transmissão e antenas de uma região, é muito propício para brincar com a proposta de um


organismo vivo.


        Zygmunt Bauman (2005) sugere que, hoje, a relação entre os valores sociais,


estéticos e tecnológicos são líquidos, e devem ser compreendidos dentro de uma sociedade


capitalista. Ser líquido significa que as mudanças na sociedade são tão rápidas que não há


tempo para a consolidação. Essa identidade líquida permite a troca, a mudança, o status de


permanente renovação. Ao mesmo tempo, esse ambiente de liquidez parece corroborar a


teoria de Steven Johnson (2005), na qual a cultura pop está criando pessoas mais inteligentes e


sobrecarregadas de informação. A cultura pop está sempre mudando para dar conta das

alterações da nova audiência que surge a cada dia. A cultura pop parece conseguir trazer o


novo sem chocar demais a audiência.

        O telefone celular é cultura pop. Algo que pode ser visto não só pela identidade


visual das marcas ligadas a astros de cinema, mas por sua grande aceitação em todas as

camadas sociais. O discurso de que, no Brasil, tecnologia é para ricos, é defasado pelos


telefones celulares. Além de quase três quartos da população possuir um telefone celular, é
9



comum que pessoas de baixa renda, pelo status e valor agregado às marcas, tenham aparelhos


de alto custo. Com base nesse fato, algumas novas questões surgem: Colocar internet de


banda larga acessível a esses celulares pode trazer inclusão digital? E a alfabetização digital,


não poderia estar sendo pensada a partir do celular?


         Devemos começar a procurar novos caminhos a partir das possibilidades


tecnológicas. Pensar que o primeiro contato de alguém com a internet tem que ser via


computador é algo que será ultrapassado em pouco tempo. Da mesma forma que estudamos e


analisamos o conteúdo da televisão, proponho que façamos uma pesquisa também sobre os


celulares e incluir nessa discussão o conteúdo de softwares, games e mesmo páginas da


internet específicas para o acesso portátil.


         No Japão, já existe uma geração que não teve contato com o computador em casa.


Japoneses que nasceram a partir de 1984-85 correm o risco de não terem desenvolvido


habilidade com computadores. Os aparelhos celulares japoneses, os keitais, unem à


mobilidade às principais funções do computador: edição de texto, conexão com a internet e

tratamento de fotos. O jovem japonês não vê necessidade de comprar um computador.




3.1 PESSOAL, PORTÁTEIS E PEDESTRES – POR QUE O JAPÃO?


         A formação japonesa de uma sociedade com valores identitários de alta tecnologia,
10



com robôs e kawaii8 como valores estéticos, pode ser referido ao período que se inicia com o


fim da II Guerra Mundial. Durante a ocupação do Japão pelos Estados Unidos, os americanos


tiveram que lidar com o nihonjiron (singularidade da identidade Japonesa), mudanças na


economia, na educação, no sistema militar e principalmente na constituição. Takashi


Murakami (2005) sugere que, com o artigo 9 da constituição japonesa, os Estados Unidos


“forçaram o povo japonês dentro de uma mentalidade de dependência sobre a proteção da


poderosa força militar americana.” Após esse período, a assimilação de tecnologia estrangeira


e os grandes investimentos governamentais em desenvolvimento tecnológico nas últimas


décadas criaram a identidade de “um país para o futuro.” No campo cultural, a domesticação


(TOBIN, 1992) da cultura ocidental e a manutenção de velhos costumes reforçaram o


nihonjiron.


          Atualmente, o ambiente japonês de alto consumo e alta tecnologia disponível para a


maior parte da população, aliado a uma comunicação interpessoal cuidadosamente elaborada,


é um lugar propício para o aparecimento de novas mídias, inovativas e de longo alcance em

poder de persuasão e no número de pessoas atingidas. Pela perspectiva proposta por Mcluhan


(2003) – na qual, influenciados pelas novas tecnologias, a produção e a percepção do

conteúdo vêm sendo alterada – serão feitos apontamentos sobre as possibilidades de utilização


do celular como mídia e expressão individual.


8 Kawaii é uma estética na qual o fofo, o infantil e o inocente são os elementos de valor de um objeto ou pessoa.
Como exemplo, temos a Hello Kitty, da empresa Sanrio. (DORE, 2008)
11



         Em um mundo globalizado, o modo de vida japonês, com um aparelho celular que


converge todas as mídias disponíveis e está conectado 24 horas por dia, parece o futuro


próximo para os países em desenvolvimento como o Brasil. Mas mesmo assim, o Japão tem


sua paixão especial pelos portáteis. Os longos períodos gastos com transporte, os


apartamentos pequenos, a customização, o grande mercado consumidor de livros, jogos


eletrônicos, música, gadgets em geral e, principalmente, TV, favorecem a cultura keitai no


Japão.


         Neste trabalho iremos nos referir aos telefones celulares japoneses como keitai, que


significa telefone portátil em japonês, como sugere Shin Mizukoshi. O uso de terminologias


diferenciadas irá facilitar a comparação com o telefone celular brasileiro e ressaltar


características únicas que representam certa maturidade das mídias portáteis no modelo


japonês. Mizuko Ito explica o significado do termo baseado na cultura japonesa:

         “Um keitai não é tanto sobre uma nova capacidade técnica ou liberdade de movimento, mas é sobre
         uma confortável e íntima ligação tecnosocial, um aparelho pessoal para o suporte de comunicações
         que são constantes, leves, e presença comum no dia a dia.” (ITO, 2005).




3.2 CONSIDERANDO O AMBIENTE


         Como explicado por Étienne Barral (1999), o modo de vida do japonês é geralmente

marcado pelo transporte, trabalho e sono, com poucas horas de lazer. Paul Gravett (2004)


também fala sobre os grandes períodos dos japoneses dentro do transporte público e dentro de

casa, e como isso influencia as formas de diversão. Com o recente crescimento econômico
12



brasileiro, a sensação é de que nos aproximamos mais dessa dinâmica do que de uma Europa


que busca reduzir as horas de trabalho individual e utilizar mais o espaço público.


         Esse tipo de rotina é um terreno fértil para os portáteis. Muitos querem aproveitar o


tempo do transporte, considerado um não-lugar (AUGÉ, 1994), para momentos de lazer,


estudo, trabalho ou relacionamentos. Quem utiliza um mecanismo portátil fica blindado9,


protegido contra outros que queiram conversar. Ele fica suspenso das interferências do local.


As relações de presença física se tornam menos importantes do que as relações sociais por


interesses individuais.


         É muito atraente para aqueles que passam longos períodos no transporte público


poderem utilizar desse tempo para, por exemplo, a manutenção dos laços sociais. Ligar para


um amigo ou mandar uma mensagem para a namorada pode ser uma boa maneira de gastar o


tempo. Com a internet para celular se popularizando no Brasil, espera-se um aumento do


isolamento dentro do transporte público, assim como aconteceu no Japão no começo dos anos


2000 (OKABE, 2006).

         Para o estudo dos portáteis de uma forma geral, temos que levar em consideração o


ambiente em que a ação está acontecendo. O aparelho fica em estado de latência, e apesar de

sua presença ser importante, ela só é notada quando entra em ação, quando toca ou quando o




9 Kanashiro, Marta. Corpos Blindados. Disponível em:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252005000100005&script=sci_arttext   Acessado em:
04/11/2008.
13



tiramos do bolso para usar. Esse uso pode ser tanto para fazer uma ligação, quanto para olhar


hora ou jogar um game.


         Mizukoshi Shin fez uma pesquisa internacional comparando o modo de uso dos


celulares no Japão com o uso na Finlândia. Ele comparou as diferenças entre a utilização do


aparelho por grupos de universitários (MIZUKOSHI 2006). Em sua metodologia de pesquisa,


o ambiente no qual a ação era concebida alterava radicalmente os resultados. Entre os países


ficou fácil verificar que em ambientes parecidos o comportamento é diferente.


         Mizukoshi reuniu um grupo de dezoito estudantes do mestrado em Socio-Informação


e Estudos da Comunicação da Universidade de Tókio e os separou em cinco grupos. Cada


grupo apresentou duas situações cotidianas de utilização do aparelho celular. Baseado em um


método etnográfico que analisa a simulação da situação, cada grupo fingiu estar em um


determinado ambiente e representou como utilizam o celular de acordo com a situação.


         O mesmo experimento foi repetido em Helsink, mas apenas com duas equipes.


Quando colocados numa situação parecida, com um grupo de amigos em um bar, os japoneses

levantavam da mesa ou viravam de lado para falar ao telefone. No entanto os finlandeses


falavam ao telefone sem desviar a posição frente aos amigos da mesa. O experimento

comprovava que a operação “falar ao telefone celular” varia de acordo com o ambiente e a


cultura, ou seja, é socialmente construída.

         Jonathan Franzen, escritor americano, teve um texto sobre como o celular alterou os
14



espaços públicos em Nova York publicado pela Folha de São Paulo10. Ele comenta, de forma


pessimista, como as conversas dos outros são invasivas de nosso espaço e de como o uso do


telefone celular aumenta a invisibilidade social dos caixas de mercado e lojas de convêniencia,


quando o cliente está passando suas compras com o aparelho no ouvido. Frazen atribui ao 11


de setembro a liberdade americana de expressar seus sentimentos em público e que isso, na


Nova York de hoje, faz com as emoções dos outros cheguem até nós.




3.3 RELEVÂNCIA DO TEMA E METODOLOGIA EMPREGADA


         Toda tecnologia nova passa por um período de adaptação até sua domesticação.


Relata-se que, até bem pouco tempo, quando viajavam de avião, todos vestiam roupas finas e


trajes de festa. Hoje, cada um procura uma maneira de se sentir confortável, com adoção do


jeans ou mesmo bermudas. Com o celular, o processo foi parecido. Ele surge como objeto de


homens de negócios com grande adoção de empresas de construção que não teriam redes de


telefone fixo ainda instaladas. Porém, com o barateamento do custo e a redução do tamanho

do aparelho, atualmente o celular é comum e todos entendem facilmente como operá-lo. Foi


domesticado (BARON, 2006). A domesticação da tecnologia portátil e a grande penetração

devido ao baixo custo e às vantagens de comunicação fazem do telefone celular um tema de


estudo relevante.




10 “Só chamei porque te amo”. Folha de São Paulo - Caderno +Mais!.   Publicado em 16/11/2008
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         A metodologia que foi utilizada neste trabalho considera dois aspectos: (1) leituras e


pesquisa bibliográficas, sobre teoria de redes sociais, psicanálise, estética, mídia, cibercultura


e estudos socioculturais. (2) Realizamos uma análise qualitativa a partir de entrevistas com


alunos universitários de Juiz de Fora. A pesquisa de campo adotou uma amostragem de 101


alunos de quatro instituições de ensino superior de Juiz de Fora, sendo uma pública e três


particulares. Foram entrevistadas 54 mulheres e 47 homens. Apenas uma pessoa não possuía,


caracterizando que 99% dos universitários em Juiz de Fora têm telefone celular. A pequena


amostragem serve apenas para indicar as tendências de comportamento, não podendo ser


utilizada como verdade absoluta.


         O público jovem foi escolhido pela aparente desenvoltura no uso do aparelho celular


nesta faixa etária. Este público também foi escolhido para fins de comparação com estudos já


feitos no Japão e nos Estados Unidos. Estas pesquisas apontam mudanças comportamentais,


de sociabilização e linguagem, advindas da domesticação do aparelho celular em seus países.


         Este trabalho tem como foco as redes sociais, portanto, a sociabilização será motivo

de comparação. A análise apresenta como novidade a discussão sobre a influência das redes


sociais on-line nas redes off-line, o que pode facilitar a localização de pólos, que são pessoas

com alto grau de concentração de contatos.
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4 CONVERGÊNCIA DE MÍDIA: CELULAR COMO CULTURA POP

          As pressões de marketing e do e-biz criam imagens apocalípticas de transformação


com o claro objetivo de valorizar o produto. Entramos em “um estranho estado de expectativa


de um pós-futuro que nunca chega, mas que se promete a milhões e milhões de potenciais


usuários globais” (BEIGUELMAN, 2003). Televisão, computador, videogame, livro, mp3,


telefone, tudo isso em um único aparelho, mas de uma forma diferente.




4.1 EVOLUÇÃO E NÃO LINEARIDADE


          Apesar de o celular de terceira geração parecer ser “tudo o que a gente sempre quis”


em um único aparelho, ele não passa de uma interface ainda pobre, com conexões de baixo


potencial imersivo e grandes limitações técnicas. No entanto, os três bilhões de celulares


existentes no mundo são potencializadores de uma “democratização estética”, uma vez que


virtualmente11 possibilitam o acesso de todos à reprodução de uma obra de arte.


          O telefone celular, como cultura pop, possui a interessante característica, ressaltada


por Steven Johnson, de, pela constante exigência do público, evoluir constantemente. Ele

apresenta cada vez mais complexidade, não só tecnológica mas de conteúdo. As empresas, ao


direcionar seu conteúdo para celular, estão desenvolvendo formatos mais complexos de mídia




11 No sentido adotado por Pierre Levy em O que é virtual?, de 1996. Em resumo, Pierre Levy não contrapõe o
   real ao virtual, mas considera virtual como o conhecimento das possibilidades a partir de uma formação. “A
   árvore está virtualmente na semente”, mas ela pode não vir a existir.
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interativa. E nós, sem nada ter que fazer, dormindo, evoluímos.

         “Algo ocorreu com a cultura pop - as coisas que pensávamos ser lixo, no sentido da cognição e da
         inteligência, na realidade se mostraram saudáveis, intelectualmente falando O que eu chamo de Curva
         do Dorminhoco seria, então, a tendência da cultura pop, nos últimos 30 anos, a ficar mais e mais
         complexa e a exigir mais da inteligência das pessoas.” (JOHNSON, 2005)




         Uma outra tendência é a não-linearidade, por ser esta a marca da Internet e do


cérebro humano. Em alguns anos, com a convergência midiática e a transformação de


televisão e internet em uma coisa só, a não linearidade de pensamento tende a predominar.


José Luis Cébrian fala sobre a geração que nasceu em meados da década de oitenta, no


começo da popularização das mídias digitais.

         “Eles (jovens de zero a vinte anos) são a primeira geração que chegará à maioridade na era digital.
         Estão imersos em bytes. Para essa população cada vez mais numerosa com acesso à rede, as
         ferramentas digitais não são tecnologia mais complicada do que a televisão ou a geladeira”
         (CEBRIÁN, 1999)




         Considerando o celular com internet, a lógica não-linear da World Wide Web poderá

ser percebida no aparelho portátil. O usuário de um telefone celular pode jogar um


MMORPG12 e ficar estabelecendo contatos sociais, matando monstros, ou mesmo divagando

pelo cenário. Esse tipo de ação é não-linear, com muitas possibilidades de narrativa ou até a

construção da própria história. A dificuldade para a comunicação está em se criar novas




12 MMORPG. Massive Multiplayer On-line Role Playing Game. Nesse tipo de plataforma, o jogador
  geralmente comanda um personagem e pode ele mesmo, decidir em que ordem cumprir as tarefas, não
  cumpri-las, vagar pelo cenário, estabelecer relações sociais, caracterizando uma narrativa não-linear.
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formas de conteúdo dinâmico, além do jogo on-line, que desperte o interesse desse espectador


cada vez mais exigente. Como criar uma televisão para celular, com narrativas não-lineares, e


ainda fazer disso algo lucrativo para as empresas? Em pouco tempo acharemos a resposta.




4.2 A PRÓTESE DO LEITOR IMERSIVO


        O Homem não compreende a si mesmo e, na busca de compreender-se, cria próteses


para se representar. Com o aprimoramento das técnicas de projeção do sistema nervoso


central, sua relação com a tecnologia aumenta, a interação é cada vez maior. Como exemplo,


já existe um chip que, implantado no cérebro, é capaz de identificar estímulos neurais e trocar


o canal da TV, ligar aparelhos domésticos e até programar o forno de microondas. Esse


processo de tecnologização, de robotização do homem, uma vez iniciado é impossível ser


paralisado. O celular é um elo desse processo evolutivo.


        O contato com o celular foi indiferenciado a tal ponto que possuir um aparelho não é


sinal de modernidade. Talvez por sua aproximação com o telefone comum, o celular, de

maneira geral, não ganha status de “aparelho eletrônico moderno” como um Palmtop, um


Ipod ou mesmo um computador. Mostrar habilidade no manuseio do celular não chega a ser

uma característica que ressalte a capacidade tecnológica de uma pessoa.


        Mas não podemos nos esquecer que estamos lidando com algo completamente novo,

distinto do antigo telefone e também do computador. Lúcia Santaella, em 2004, traça o perfil
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do cognitivo do leitor imersivo na internet. O que ela não leva em consideração é a


potencialidade do celular em transformar seus usuários em leitores imersivos. No caso do


computador, o custo financeiro é alto e exige certo esforço por parte do usuário. A interface


simples do celular e a familiaridade das pessoas com o telefone comum diminuem as barreiras


para que isso aconteça. Para atualizar o texto de Santaella, basta trocar o “clique” do mouse


pela tela touchscreen de um telefone celular.

        “Trata-se, na verdade, de um leitor implodido cuja subjetividade se mescla na hipersubjetividade de
        infinitos textos num grande caleidoscópio tridimensional onde cada novo nó e nexo pode conter uma
        outra grande rede numa outra dimensão. Enfim, o que se tem aí é um universo novo que parece
        realizar o sonho ou alucinação alucinógena borgiana da biblioteca de Babel, uma biblioteca virtual,
        mas que funciona como uma promessa eterna de se tornar real a cada “clique” do mouse.”
        (SANTAELLA, 2004)
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5 INTERATIVIDADE E IMERSÃO

          O celular pressupõe um alto nível de interação a partir do fato que quem possui um


aparelho está interagindo com ele 24 horas por dia, 7 dias por semana. Até o fim da década de


90, muitas pessoas ainda desligavam o celular à noite ou quando estavam em casa para não


serem incomodadas ou economizar bateria. No entanto, a necessidade de se manter acessível


fora do ambiente de trabalho e de privacidade individual, aliada ao aumento do tempo das


baterias, mantém o celular ligado e perto de você. A presença dele no bolso já se mostra como


uma forma de interação. Ele faz parte de você.

          "Vídeo, tela interativa, multimídia, Internet, realidade virtual: a interatividade nos ameaça por toda
          parte. (...) Num certo nível maquinal, de imersão na maquinária virtual, não há mais distinção entre
          homem/máquina: a máquina situa-se nos dois lados da interface. Talvez não sejamos mais do que
          espaços pertencentes a ela." (BAUDRILARD, 1997)




          O que é interatividade? Temos a sensação de que tocar é interatividade, o que não é


verdade. Livros envolventes como o Retrato de Dorian Gray 13 podem ser muito mais

interativos do que mídias digitais como aqueles CD-Roms enciclopédicos do meio da década


de 90. Interatividade deve ser avaliada como uma relação no nível da consciência que

consegue envolver quem interage. Um controle remoto não deve ser considerado como


interativo. Os celulares buscam essa interatividade utilizando de várias ferramentas, algumas

delas sim, tocáveis.




13 Livro mais famoso de Oscar Wilde, autor inglês do século XVIII.
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           Em 2008, a Apple utilizou como carro chefe de desenvolvimento o seu Iphone com


tela sensível ao toque. Unindo o toque à estética moderna, em um design de interface com


animações e ícones bonitinhos, podemos sugerir uma relação de feedback positivo entre


interatividade, imersão e prazer. Quanto mais interativo, maior a imersão e consequentemente,


o prazer. É a imersão proporcionada pelos jogos eletrônicos uma das bases de seu sucesso, ela


estimula o divertimento.


           Interatividade é um dos focos de desenvolvimento das mídias. Tanto para as mídias


portáteis ou não portáteis, o videogame têm sido o grande inovador na interação com o


usuário. A Nintendo desenvolveu o Nintendo Wii, que além do controle com sensor de


movimento e pequenas outras funções, têm uma “balança” que permite jogos como


snowboard ou exercícios como Yoga. As três grandes empresas de jogos, Sony, Nintendo e


Microsoft, adotaram uma guitarra, bateria e até mesmo microfone como acessório dos seus


jogos de ritmo. Outro caso é o Nintendo DS, videogame portátil que conta com duas telas e


duas câmeras de vídeo, o que modifica não só o controle do jogador sobre o jogo como sua

imersão.


           O nível de interatividade que o hardware permite altera a relação do usuário com o

game, modifica a linguagem utilizada nos jogos para se tornarem atraentes através da


dinâmica interatividade-imersão-prazer. Dessa forma, o Iphone, da Apple trouxe a tela

touchscreen para celular com uma interface interativa e interessante. O telefone celular da
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Apple não é o primeiro aparelho com touchscreen, mas foi o primeiro que conseguiu agregar


essa função com uma interface atrativa. A linguagem do Iphone prioriza entretenimento, com


acesso fácil à internet, softwares e games ao invés de priorizar a ligação telefônica.




5.1 INTERAÇÃO: CARACTERÍSTICAS DE EMERGÊNCIA


         Alex Primo define interatividade como diversas formas criativas de trabalhar usando


várias maneiras de interação em uma apresentação, em que o emissor consiga transmitir a


mensagem     para   o   receptor.   Através    de   uma    interatividade   bem    planejada,    o


emissor/criador/designer pode alcançar um maior controle sobre o receptor. O designer define


se é mais importante que o usuário tenha um acesso prioritário à internet ou à agenda de


contatos. Isso pode ser notado pela disposição e acessibilidade dos botões, por exemplo.


Existe uma mensagem transmitida pela interface. Com esse raciocínio em mente podemos não


só direcionar estratégias de utilização de software como podemos criar alternativas para que o


usuário customize seu aparelho e sua interface.

         A customização entra como fator de emergência dentro da tecnologia. Por um


incentivo tecnológico da empresa, que abre uma possibilidade (muitas vezes sem essa

pretensão), o aparelho tem sua interatividade alterada pelos próprios consumidores. No Brasil,


as ligações de 3 segundos são uma ação, um movimento, considerado emergente, bottom-up.

Mesmo sem o planejamento da empresa, os jovens, principalmente adolescentes em idade de
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Ensino Médio passaram a utilizar essa função para reduzir o preço das suas faturas no fim do


mês.


         Alex Primo analisa duas formas básicas de interação nos meios eletrônicos: Interação


Reativa e Interação Mútua. A primeira é considerada fraca e limitada, já a segunda se


apresenta como completa. O tempo todo se lida com as duas formas dentro do celular.


Prioritariamente, trabalhamos com Interação Reativa, que é o tipo de interação com meios


eletrônicos que já fornece padrões preestabelecidos de interatividade. Assim, as ações do


usuário seguem determinadas regras existentes no programa. Podemos observar esse padrão


em celulares de primeira geração e as primeiras linhas de segunda geração, que não permite a


troca, dentro da interface, de informações que já não tenham sido pré-estabelecidas. A partir


do momento que o telefone celular passa a fornecer conexão com a internet, esta conexão


altera a interação.


         A Interação Reativa se caracteriza por sistemas fechados, os quais apresentam


relações unilaterais e lineares, que ficam presas aos pares estímulo–resposta, ação e reação. A

pessoa que está com o telefone apenas reage aos estímulos dados, não tendo possibilidade de


alterar os agentes daqueles estímulos. O sistema não evolui, pois não efetua trocas com o

ambiente, além de serem presos à sua fase inicial: se uma situação não foi prevista, ela não irá


produzir o mesmo resultado que outra situação anteriormente planejada, e pode até não

produzir efeito algum. A interpretação das mensagens não depende da capacidade cognitiva
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do receptor, criando um processo de automatismo. Se aparece na tela um ícone de uma carta,


é porque devemos abri-la, a possiblidade de não abertura também é levada em consideração.


Se o telefone toca, ou vibra, é porque devemos olhar para a tela ou colocar o aparelho


próximo do ouvido.


        Por outro lado, a interação on-line em redes sociais pode ser considerada de Interação


Mútua, pois permite trocas de informações reais com outras pessoas, resultando em maior


imersão na interface e em uma possibilidade evolutiva do programa. A internet oscila entre


momentos de Interação Mútua e Interação Reativa. Para fins didáticos, podemos imaginar que


quando lemos um jornal na internet a interação é reativa, mas quando editamos a Wikipedia a


interação é mútua.


       Como sistema aberto, entendemos que é possível a troca de informações entre os


jogadores dentro da rede, com limitações de acordo com a configuração de seu aparelho


portátil. Os sistemas interativos mútuos estão direcionados, de maneira geral, para a evolução


e desenvolvimento, já que esse fluxo de informação faz com que a evolução aconteça segundo

um processo de negociação entre as partes. A partir das trocas de informações que vão além


da emissão da voz, as ações dos aparelhos portáteis conectados à rede têm a possibilidade de

ocorrer de maneira interdependente, de modo que cada link, cada pólo, pode influenciar a


ação dos outros e também ser influenciado. Cada mensagem depende da capacidade cognitiva

do receptor para ser compreendida pelo aparelho, e, como isso varia de pessoa para pessoa,
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não se pode prever todas as movimentações. Alex Primo explica esse processo:

         “Enfim, por ser um sistema aberto e por pressupor processos interpretativos (entre outros fatores), não
         se pode jamais pré-determinar que uma certa ação gerará determinado efeito. Logo a interação mútua
         é um processo emergente, isto é, ela vai sendo definida durante o processo. Portanto, as correlações
         existem, mas não determinam necessariamente relações de causalidade. Enfim, podemos dizer que os
         sistemas reativos se baseiam no objetivismo, enquanto os sistemas de interação mútua se calcam no
         relativismo.” (PRIMO, 1998)




         Steven Johnson escreve sobre isso no último capítulo de seu livro Emergência - a


dinâmica de redes em formigas, cérebros, cidades e softwares, ao citar alguns jogos on-line e


a capacidade de customização como representantes das características de organização em


bottom-up. Em uma plataforma com Interação Mútua, as pessoas alteram seu ambiente, seus


softwares e podem fazer parte de um ambiente que foi, em sua maioria, criado e alterado por


outros usuários, sem ser necessária a interferência da companhia que desenvolveu o software.


         Mas a empresa não deixa de fazer parte. Ela incentiva os usuários a continuar


desenvolvendo seus softwares, sua interação com outros usuários por meio de concessões,


patrocínios e mesmo reconhecimento em sites oficiais como a Apple Store, que publica os

softwares mais interessantes feitos de forma independente. Desse modo, há um crescimento


em bottom-up e administração em top-down², que é como funciona a rede de celulares. O

sistema operacional para celulares Android, do Google, promete ser aberto a essas novas


possibilidades de alterações feitas pelos próprios usuários.
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5.2 POSSIBILIDADES DE IMERSÃO


        Lúcia Santaella traça um panorama da imersão em cinco níveis³. Qual o nível que


pode ser atingido nos telefones celulares? Em geral, os aparelhos portáteis atingem apenas o


primeiro, chamado por ela de imersão por conexão. Nesse caso, o corpo fica ligado ao


aparelho pelo teclado e, através do acionamento dos sentidos, visão e tato principalmente, a


mente mergulha naquele universo. Alguns aparelhos elevam a imersão a seu grau máximo,


que é o da simulação quase perfeita da realidade. É o que projetos como o CAVE, sala de


realidade virtual, tentam atingir. O nível 5 seria, basicamente, a Matrix. No filme Matrix, de


1999, os irmãos Wachowski reuniram mitologias gregas e orientais em um cenário cyberpunk


para criar um mundo em que os humanos entram, por meio de conexões entre cabos e o


cérebro, em um ambiente virtual, controlado pela máquina. Eles imergem de forma tão


completa que não distiguem que estão em um mundo paralelo. O filme trouxe reflexões sobre


a relação entre homens e robôs e os limites da realidade virtual.


        Para melhorar a imersão e, conseqüentemente, o prazer do usuário de celular,

projetos de óculos pequenos, que consigam projetar imagens, (como o de Tom Cruise no


início de Missão Impossível 2), parecem ser o próximo passo. McLuhan entende a tecnologia

como extensão do homem, nossa consciência é apoiada o tempo todo em cima de objetos


externos como se eles fizessem parte do nosso corpo. Amplificar essa característica tem sido a

função da pesquisa de hardware para imersão.
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        O Iphone eleva a imersão a um outro nível dentro dos celulares. Com sua interface


priorizando a tela em touchscreen, um nível de intermediação é retirado. A própria pessoa


poder trocar a tela sem passar pelo intermédio do teclado. O mediador existe, a tela transmite


as informações e só assim o ícone embaixo do seu dedo é acessado. Mas a sensação é de que


esse meio não existe.


        A imersão por avatar, considerada de nível 2 por Santaella, também é possível dentro


do celular. Até o momento foi utilizada apenas nas redes sociais e nos jogos on-line. Algo


ainda não explorado nos aparelhos para funções de telefonia.


        Os avatares podem ainda apresentar formas distantes da realidade, atingindo um


número maior de pessoas por identificação ou escolhas de características físicas. Depois do


personagem criado somos jogados em um mundo virtual on-line, em que o realismo não é


necessariamente a meta. À medida que seu mundo parece se comportar de modo consistente e


que o usuário entenda, ele terá menos dificuldade de imergir no ambiente e suspender sua


descrença.

        Existem pesquisas que sugerem que os ambientes de interação por avatares seriam


uma possibilidade para a internet, com aplicações na publicidade e aproximação do mundo

real do virtual (PIMENTA e LORENA, 2007). No entanto, a necessidade de um hardware


com alta capacidade de processamento e internet banda larga ainda impossibilita a

popularização desta tecnologia no Brasil. Para o celular, os avatares como principal
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possibilidade ficam ainda mais limitados devido a características específicas de internet e


modelo do aparelho. Já existe uma versão do Second Life14 para celular que pode ser baixada


no site http://www.vollee.com/secondlife para portadores de telefones com internet 3G.


           Mas nem sempre imersão e interatividade são o melhor caminho. O computador Mac


demorou muito tempo para entrar nos escritórios, exceto nos de designers e empresas de


áudiovisual, por parecer mais um brinquedo do que uma ferramenta de trabalho. (JOHNSON,


2001)




14 Software para interação de pessoas on-line que tem como a base a utilização de avatares.
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6 INTERFACE: UNINDO INTERATIVIDADE E IMERSÃO

        O que é Interface? Podemos simplificar com: é o que faz a comunicação com um


aparelho eletrônico. Steven Johnson (2001) leva o conceito além e explica que, em nossa


cultura da interface, essa troca de informações com a máquina é uma poderosa ferramenta de


comunicação. Ele afirma que o desenvolvimento de uma interface não deixa de ser uma obra


de arte, assim como um projeto arquitetônico. Sua teoria parece se apoiar na cultura da


imagem, de Walter Benjamim, ligada à capacidade de uma interface gráfica nos


computadores.


        Para exemplificar o poder da interface, Johnson recorre a um caso de 1995, quando a


Microsoft foi acusada de truste por colocar um ícone que direcionava o acesso à internet


direto de sua área de trabalho. As outras empresas do ramo acusavam que, com aquela medida,


a Microsoft conseguiria nove milhões de novos assinantes de internet em um ano. Na época, a


America On-line era a maior empresa no setor e possuía três milhões de assinantes. “Quanta


confusão por causa de um ícone”, explica Johnson.

        Assim como, em um projeto arquitetônico ou de urbanização, “cada decisão do


projeto ecoa e amplifica um conjunto de valores, um pressuposto acerca da sociedade mais

ampla que a emoldura”, explica Steven Johnson. O design de interfaces pode ser considerado


uma junção da arte com a tecnologia de nossa época. Ela concentra vários tipos de arte

diferentes, como cinema, quadrinhos, música e relaciona tudo isso ao uso de computação
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gráfica de alta qualidade e diferentes formas de interação. “Não há artistas que trabalhem no


meio da comunicação de interface que não sejam também engenheiros” (JOHNSON, 1997).


        Aprimorando o conceito, podemos dizer, então, que Interface é o meio pelo qual o


computador representa-se a si mesmo para o usuário, de modo que a interação entre usuário e


computador seja facilitada.


        Para o designer de interfaces, o desafio é balancear a interatividade e o nível de


imersão possibilitada pelo hardware de acordo com um pressuposto usuário. Assim como o


jornalista pressupõe um leitor para adaptar sua linguagem, o designer de interface cria em


função de um usuário. Os jovens representam um perfil específico pois já nasceram em um


mundo multisensorial que vai muito além de controles verbais ou simplesmente gráficos.


        É importante estudar essas diferenças de interação para aumentar a capacidade de


evolução do aparelho e, conseqüentemente, esperar um crescimento no interesse do usuário.


Utilizamos “esperar” porque essa evolução aleatória pode gerar um desinteresse, algo que


venha atrapalhar a evolução em algum nível. Teoricamente, quanto maior a interação mútua,

maior as chances de seu produto/aparelho/software ter melhor aceitação e propiciar prazer.


        Para evitar que a troca de informação gere problemas como a dificuldade de

navegabilidade da interface, que pode gerar desinteresse, as empresas criam mecanismos


reguladores de interação. O YouTube é um exemplo de uma interação mútua em que um

usuário pode postar seu vídeo, dar opinião sobre outros, sugerir melhoras para a empresa,
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discutir e interagir com vídeos de outras pessoas, criar conexões dos vídeos entre si. No


entanto, mecanismos reguladores em top-down e auto-reguladores em bottom-up foram


adicionados para que regras de conduta não possam ser violadas.


        Para exemplificar o sistema Top-down, a empresa coloca pessoas responsáveis por


verificar se o conteúdo postado está de acordo com as normas de transmissão. Mas a interação


possui tantos links e pólos de conteúdo que é inviável para a empresa possuir funcionários


suficientes para regular todo o sistema. Para isso eles criam, na interface, um link que


denuncia os vídeos que violam as regras. Eles incentivam um sistema de vigilância


emergencial feita pelos próprios usuários.


        No Brasil, os telefones celulares desenvolveram certo padrão de interface que


privilegia as funções ligadas à telefonia comum, como discagem e agenda de contatos.


Seguindo a teoria de Mizuko Ito, de que a tecnologia varia de acordo com os padrões


sócio-culturais, podemos entender por que o Iphone, da Apple, coloca o entretenimento, como


ouvir música e usar aplicativos, em primeiro lugar. A interface de entretenimento nada mais é

do que uma metáfora de como os americanos se vêem. Os japoneses, por sua vez, criam


interfaces com muitas animações e ícones bonitinhos, beirando o infantil. Steven Johnson nos

chama a atenção para como o Windows faz referência ao escritório, com pastas e arquivos


para organização. Para ele, a interface é essa auto-representação.
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6.1 A TV PARA CELULAR


        Apesar de todas as possibilidades de novas funções no celular, a TV no celular tem


recebido considerável destaque. Isto porque as pessoas costumam trazer resquícios das


formações antigas para entender as novas. Mcluhan nos chama a atenção para o híbrido:

        “O híbrido, ou encontro de dois meios, constitui um momento de verdade e revelação, do
        qual nasce a forma nova. Isto porque o paralelo de dois meios nos mantém nas fronteiras
        entre formas que nos despertam da narcose narcísica. O momento do encontro dos meios é
        um momento de libertação do entorpecimento e do transe que eles impõem aos nossos
        sentidos.” (MCLUHAN, 2003)




        Na mistura entre os meios temos a possibilidade de ir além do que estamos


acostumados. Se a programação na TV é baseada em programas de 30 minutos ou 1 hora,


agora, para a televisão no celular, não precisamos seguir esse padrão, podemos criar novos.


Outro ponto importante que Mcluhan explica é que as pessoas alteradas pelo meio vêem o

conteúdo de forma diferente. À medida que domesticamos o telefone celular, as linguagens


vão sendo alteradas.

        No Japão, os novos celulares possuem dois sistemas de TV: o de recepção analógica


e o One-seg, que tem recepção digital e é específico para portáteis, celulares e videogames.

Este sistema acompanha sempre um link embaixo da tela sobre o programa que está sendo


transmitido. Se estiver passando o jornal, clica-se no link e a interface muda para o site do

jornal. Outra vantagem do sistema One-seg é que, em alguns celulares, é possível gravar uma


programação de até 30 minutos com a memória do próprio aparelho.
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        E como colocar toda a possibilidade de canais e acesso dentro do celular que, por ser


pequeno, tem a navegabilidade e usabilidade tão comprometida? Novas maneiras de


organização e classificação precisam ser criadas, o que demonstra mais uma vez o caráter


efêmero dos celulares como temos agora.




6.2 INTERNET PARA CELULAR


        As aproximações culturais entre Brasil e Estados Unidos colocam a internet como a


nova tendência para o telefone celular. Conectar-se à internet ganhou bastante destaque no


Iphone. Apesar de já ser possível conectar em qualidade razoável pelos smartphones, a


interface da tela touchscreen com possibilidade de zoom trouxe vantagens razoáveis para o


aparelho da Apple. O Brasil ainda enfrenta grandes barreiras político-econômicas para o


desenvolvimento dos celulares de terceira geração. Ainda não existe visibilidade por parte dos


criadores de políticas públicas brasileiros para as possibilidades de inclusão digital advindas


da popularização da internet no celular.

        No Japão, a internet para celular foi implantada em 1999 pela empresa NTT


DoCoMo. A partir do i-mode, a interface foi reconfigurada para se adaptar à nova função. Em

alguns aparelhos um novo botão para abertura de um navegador foi adicionado. A maioria dos


aparelhos teve apenas um ícone acrescentado em seu sistema operacional.

        É interessante constatar certa “regressão” no webdesign japonês. Para se adaptar a
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um número maior de pessoas conectadas à internet pelo keitai do que pelo computador, as


empresas sentiram a necessidade de desenvolver plataformas mais simples para serem


acessadas adequadamente pelo keitai. Os keitais, em geral, possuem tela de tamanho reduzido


e navegação por botões (alguns poucos modelos apresentam touchscreen), e não pelo mouse


como estamos acostumados no computador. Além da velocidade da conexão ser


sensivelmente mais lenta do que a conexão por computador. Para se adaptar a essas


características, os sites ficaram mais simples e seguem, em sua maioria, um padrão vertical,


com informação e links formados majoritariamente por texto e pequenas imagens.




        Acima temos o screenshot de um site de uma empresa de táxi. Repare que apenas

imagens pequenas são utilizadas. A fonte de texto é pequena e as informações simplificadas.


Adaptações que priorizam o acesso pelo keitai.

        Algumas empresas, para não perder a funcionalidade de seus websites, lançam duas
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versões, uma para Internet e outra para o celular. Existem, no Japão, servidores especializados


em internet para keitai. Muitos destes só conseguem ser acessados através do celular.


        Outra consideração importante no design de interface para keitai no Japão foi a


criação do QR Code, o código de barras para celular. Aproveitando da capacidade de câmera


na maioria dos keitais, foi criado um sistema em que o keitai reconhece aquele código e o


transforma em um link para uma página de internet. Com essa função, não é necessário digitar


no campo de endereço do navegador do keitai o caminho para a página desejada. Ao invés de


digitar http://www.mcdonalds.co.jp, é necessário apenas que a pessoa procure em qualquer


anúncio do Mcdonalds o QR Code. Esse código, lido pela câmera do keitai irá direcionar o


navegador direto para http://w.mdj.jp.


        Quando um site é acessado pelo keitai, um reconhecimento é feito e caso a empresa


possua site para acesso portátil, o usuário é automaticamente redirecionado. Em muitos casos


o site só pode ser visto pelo keitai e o acesso através do computador é negado. No caso acima,

o site do Mcdonalds para keitai tem acesso restrito. Esse acesso restrito para keitais, mesmo


dentro da World Wide Web, evidencia uma influência sociocultural na utilização da tecnologia,

como defende Mizuko Ito.


        Como os celulares também dispõem de um sistema operacional limitado, a única

tecnologia de boa qualidade gráfica disponível em larga escala que pode ser utilizada para


internet é a linguagem Java. Ao contrário das linguagens convencionais, que são compiladas
36



para um código nativo do sistema operacional, a linguagem Java é compilada por um


bytecode que é lido por uma máquina virtual. Isso significa que, uma vez instalada a máquina


virtual Java, qualquer aparelho é capaz de rodar os aplicativos.


           A interface que prioriza o acesso à internet não é só uma demanda do consumidor. As


empresas têm o interesse que se use o celular para se conectar, pois além de pagar uma taxa


extra, ainda direciona o acesso para os sites das próprias empresas para a compra de produtos


para personalização do seu aparelho, como toques de celular, papéis de parede, e jogos.


           A Adobe, responsável pelo conteúdo Flash15, já fez acordos com empresas de chips


para capacitar a utilização de seus recursos nos portáteis. Se a evolução dos aparelhos chegar


no Brasil antes da evolução da internet, vamos ter que pensar na internet para telefone celular


no país de outra forma, sem a potência da internet, mas com grande posibilidade de recursos.




15 Software utilizado em grande escala na internet que permite recursos gráficos e interativos, como vídeos e jogos, com
   arquivos pequenos, mas que exigem determinada potência do processador.
37



7 TEORIA DE REDES E CELULAR

         Albert Lásló Barabási cita em seus estudos que a teoria de redes só pôde ser


analisada atualmente devido ao desenvolvimento de técnicas de mapeamento dos processos.


Ele explica que, na Europa medieval, lugares que eram desconhecidos tinham um dragão


desenhado no mapa. A partir das explorações de lugares de difícil acesso pelo


desenvolvimento da sociedade, o número de dragões foi diminuindo. É assim que funciona o


nosso estudo. A partir dos mecanismos de mapeamento da Internet e dos telefones celulares


pode-se analisar esses sistemas que se portam como organismos vivos e apagar os dragões dos


nossos mapas.


         O telefone celular em rede nos remete à proposição de uma inteligência coletiva, pois,


com o celular, podemos falar sobre esta inteligência mediada por uma prótese. Qualquer um


que tenha um telefone celular está virtualmente conectado a todos os aparelhos celulares e


computadores do mundo. Uma novamente coletiva agora criada artificialmente. Por este


motivo, ser artificial, pode ser mapeada e estudada. Podemos entender um pouco mais sobre

essa mente a partir da teoria de redes.


         Partimos do princípio de que a internet foi desenvolvida por pessoas. Quando

interagimos com um software, podemos inferir que em última instância estamos interagindo


com o criador daquele programa. Não é um diálogo entre humano e máquina, mas sim entre

cérebro e prótese, não diferenciando sujeito e objeto. Quando o homem inventa os robôs,
38



nossas formações contaminam a produção (MAGNO, 2005). Seguindo este raciocínio, os


primeiros celulares tinham que parecer com os telefones que existiam em casa para fazer


sentido como telefone. Hoje, eles se parecem mais com videogames portáteis porque a


mentalidade mudou.


        Ao considerar, tanto a internet, o celular, quanto o ser humano, como formação,


deixa claro que não consideramos a idéia de pessoa como indivíduo, ou separação entre


sujeito e objeto. Tudo são formações que existem independentes da existência do homem.


        Aplicando esse conceito a teoria de redes proposta pela nova psicanálise, essas


formações tornam-se necessariamente Pólos, que por sua vez são constituídas por Foco e


Franja. Abaixo uma representação gráfica da teoria. O centro das esferas são Pólos. As esferas


caracterizam a zona focal. As linhas caracterizam as franjas.
39



        Uma pessoa é um pólo. O aparelho celular pode ser um dos focos da formação


pessoa. A Franja se configura como possibilidade de alcance indeterminado a outras


formações, a tudo, não necessariamente outros telefones celulares. Mas isso só é possível se


considerarmos o aparelho celular como uma formação, ao invés de objeto, e as pessoas como


um aglomerado complexo de formações, e não como sujeito. O celular seria uma extensão


tecnológica para o foco comunicação, o que coincide com os ideais Mcluhianos.


        Como Magno sugere, o ganho dessa teoria sobre outras teorias dos sistemas é o


acréscimo da Hiperdeterminação. O homem, como formação hiperdeterminada, considera a


chance do novo, da criação, como parte do processo. Existe um empuxo, uma pulsão, que


direciona o movimento para o desejo de sua própria extinção. Como não conseguimos


extinguir, vamos ao limite e voltamos. Esse limite é o ponto de criação. A partir desse lugar


suspenso, observa-se melhor as formações e tudo se indiferencia. O oposto também é levado


em consideração como uma das muitas possibilidades.


        Essa teoria também considera um quarto elemento: o tempo. Tudo o que há é

temporalizado e tem uma duração. Se pensarmos que possuir telefone celular em algum


momento foi motivo de status, hoje isso virou, é indiferente. Da mesma forma que um dia o

aparelho celular virá a ser substituído por outro meio de comunicação mais eficiente para dar


conta dessa busca por uma conexão plena. Com um telefone celular em nossas mãos estamos

(re)conectados tecnologicamente, por uma prótese, a todos os aparelhos, e consequentemente
40



às pessoas, no planeta terra, criando um mundo pequeno16, uma aldeia global.


7.1 REDES ALEATÓRIAS


          Os estudos de redes começaram dos estudos de grafos, feitos por matemáticos, e só


depois de muito tempo foram adotados pelas ciências sociais a fim de estudar a formação de


redes sociais. Um grafo é um conjunto de nós conectados por arestas que, em conjunto,


formam uma rede.


          O modelo de redes sociais proposto pelos matemáticos Paul Erdös e Alfred Rényl,


em 1959, considerava que todos os nós de uma mesma rede teriam uma média comum de


conexões. Seu experimento social consistia em considerar que, ao fim de uma festa, todos os


participantes teriam conhecido mais ou menos o mesmo número de pessoas. Pela teoria de


redes aleatórias, todas as pessoas daquela festa sairiam conectadas de alguma forma pela


interação aleatória. João tem um link com Maria porque conheceu José, que conheceu Pedro,


que conheceu Maria.


          A teoria de Erdös e Rényl se mostra muito democrática por considerar que todos na

festa tiveram a mesma chance de conhecer pessoas. Ela não avalia o motivo pelo qual as


pessoas procuraram umas as outras. Se uma pessoa na festa tivesse uma grande habilidade de

fazer amigos, ou fosse muito bonita e atraísse a atenção para si, ela teria um número muito


superior de links do que as outras, retirando o fator aleatório da rede e criando um padrão de




16 Referente à teoria small-world network, desenvolvida por Duncan Watts e Steven Strogatz
41



conexão relativo à habilidade de interação social.


         Em uma simples análise da Internet é fácil perceber que as páginas não contêm o


mesmo número de links, nem tem a mesma chance de serem encontradas. Raquel Recuero


critica a teoria de redes aleatórias:




         “Entretanto, as relações entre os indivíduos na comunicação mediada por computador não
         são aleatórias. As pessoas levam em conta diversos fatores ao escolher conectar-se ou não a
         alguém. Os laços sociais, portanto, são estabelecidos sob prismas muito específicos de
         interesses comuns de cada nó.” (RECUERO, 2004)




7.2 SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO E A TEORIA DO MUNDO-PEQUENO


         Stanley Milgram ficou famoso por sua experiência social em que sugere comprovar a


teoria dos seis graus de separação entre as pessoas. Ele enviou cartas a indivíduos aleatórios

pedindo que essas cartas chegassem a um alvo específico. Pediu também que quando uma


carta fosse passada para a próxima pessoa, uma outra fosse enviada a ele para monitoração do

processo. Ao fim do experimento o número médio foi de 6 graus de separação. Pela sensação


de proximidade que a apenas 6 graus de separação todos estamos conectados, a teoria foi

chamada de mundo-pequeno.


         No entanto, Judith S. Kleinfeld (2002) faz uma dura crítica a aceitação do

experimento de Milgram. Ela discute a validade dos documentos que não explicam o que


havia sido escrito nas cartas que Milgram enviou, e que apenas 5% das cartas enviadas
42



chegaram ao seu destino. Kleinfeld, que vem do ramo da psicologia, também coloca em


discussão a fácil aceitação dos acadêmicos ao pobre resultado mostrado por Milgram. Para ela,


as pessoas gostariam de viver em um mundo pequeno, pois essa imagem nos parece mais


aconchegante.


        A teoria do mundo-pequeno voltou a chamar atenção em 1998 com um artigo de


Duncan Watts e Steven Strogatz em que eles tentam explicar matematicamente os seis graus


de separação. O modelo de Watts e Strogatz mostra que em redes altamente conectadas os


graus de separação tendem a ser cada vez menores. Com isso eles constatam a formação de


cluster. Um cluster seria uma rede com muitas ligações. Voltando ao exemplo da festa, os


participantes formam um cluster, um mundo-pequeno, altamente conectado, em que os nós


têm um grau muito pequeno de separação. Considerar o cluster é importante para


entendermos que esferas sociais diferentes formam seus próprios mundos-pequenos, que


interagem entre si por meio de pessoas que pertencem a mais de um grupo social.


        Essa teoria falha em ainda considerar os links de forma aleatória, dizendo, mais uma

vez, que as possibilidades de conexão de todas as pessoas são iguais. Se assim fosse, a chance


de uma pessoa entrar na minha página pessoal e no google seriam as mesmas. Isso acontece

porque a teoria de Watts e Strogatz não leva em consideração os fatores que motivam essa


conexão. A teoria de mundos-pequenos não releva o teor das interações e laços sociais e sua

influência na rede.
43



         Duncan Watts e Steven Strogatz chegaram a tentar repetir o experimento das cartas


de Milgram por correio eletrônico. Só que não foram bem sucedidos. A maioria das pessoas


não via vantagem em repassar o e-mail. Pequenos incentivos foram acrescentados, o que


surgiu efeito.


         De certa forma, a teoria de Watts e Strogatz remete à teoria de Mark Granovetter, que


diz os laços fracos seriam mais importantes para a criação das redes sociais do que os laços


fortes. Granovetter considera os níveis de interação social e explica que os laços fortes, com


relação à família e amigos próximos, reduzem a possibilidade de novas conexões. Para ele, as


pessoas que mantém muitos laços fracos são os responsáveis pela manutenção das redes


altamente conectadas e, por isso, responsáveis pela manutenção dos mundos-pequenos.




7.3 REDES SEM ESCALA


         A teoria de “redes sem escala”, proposta por László Barabási em 2003, resolve


alguns problemas das teorias anteriores. Por considerar a conexão em hubs, em pólos, o

modelo é melhor aplicável à dinâmica da internet. Ao invés de redes aleatórias com número


de conexões semelhantes a todos os nós, temos alguns pólos de maior convergência que

tendem a crescer exponencialmente, comparado a um nó de poucas conexões.


         No caso da Internet, Barabási cita o Yahoo e o Google como os maiores hubs.

Segundo análises estatísticas de monitoração das conexões na internet, ele supõe que quando
44



mais conexões um pólo recebe, maior as chances de mais pessoas se conectarem a ele.


Seguindo essa linha de pensamento, Barabási resume sua teoria em: “os ricos ficam mais


ricos.”


          A principal falha dessa proposta é não analisar os motivos pelos quais alguns sites se


tornam pólos. László Barabási apenas ressalta que sendo pólo, as chances de crescer são


maiores. Raquel Recuero também ressalta que esta teoria não considera o custo para a


manutenção dos laços sociais. Os pólos das redes sem escala simplesmente acumulariam links,


sem considerar nenhuma interação de troca de informação entre eles.


          No entanto, a teoria de redes sem escala é interessante para que possamos pensar nas


pessoas que funcionam como pólos das relações sociais. Barabási sugere o exemplo das


eleições. A cada eleição escolhemos pessoas que irão se transformar em pólos, em nível


nacional ou regional. A eleição ainda corrobora a idéia de que “os ricos ficam mais ricos” se


supormos que para uma pessoa ser eleita ela já deve ser um pólo dentro de sua comunidade ou


de sua região.




7.4 REDES SOCIAIS ON-LINE E OFF-LINE: UMA BARREIRA QUE SE DISSOLVE

          Os telefones celulares vêm como potencializadores dessas relações. Uma pessoa que


utiliza muito o aparelho celular é provavelmente um pólo de sua rede social. Misa Matsuda

(2006) apresenta um período no Japão, em meados da década de 90, em que algumas pessoas
45



criticavam quem utilizava o celular em áreas públicas, como no trem, por exemplo, por


acharem que quem falava no celular negava a importância do contato com as pessoas


próximas fisicamente. A pesquisa de campo de Matsuda, de caráter antropológico, mostrava


que jovens com alto uso de celular diziam utilizá-lo por não ter interesse nas pessoas fora do


seu ciclo de amigos. No entanto, outras pesquisas, que avaliavam o conteúdo das ligações,


logo revelaram que a maioria dos telefonemas eram feitos para pessoas com laços fortes,


família e amigos, ou seja, relativamente próximas fisicamente. Grande parte das ligações


tinham o objetivo de marcar encontros. Quanto mais a pessoa utilizava o celular, mais


sociável parecia ser.


         No Japão, as redes sociais on-line são majoritariamente acessadas pelo telefone


celular. O que representa uma pequena fusão entre a lista de contatos do aparelho e a lista de


amigos da rede social. Isso indica uma dissolução da suposta barreira on-line / off-line.


Atualmente, o principal site de relacionamentos no Japão é chamado MIXI. Ele apresenta


algumas diferenças com relação ao Orkut. Assim como a rede mais utilizada no Brasil, o

MIXI é baseado em comunidades que se conectam para fazer amigos com interesses em


comum. Porém, ele tem como principal função a manutenção de um diário, um blog, que vai

por e-mail para todos da sua lista de contatos. A parte direcionada para as fotos é colocada em


segundo plano. Com o acesso aos contatos das redes sociais on-line com a mesma facilidade

da agenda de telefone podemos inferir que quem possui muitos contatos nas redes on-line é
46



um possível pólo nas redes off-line.


        No Brasil a tecnologia ainda apresenta barreiras a essa afirmação. No entanto, o


acesso à internet vem crescendo no país e a mentalidade vem sendo alterada. Antes, existia o


estereótipo do nerd, que tinha muitos amigos on-line e poucos off-line. Porém, com o sucesso


do Orkut isso mudou. Olhando rapidamente, temos a sensação de que as pessoas com muitos


contatos on-line são também pólos de redes sociais off-line.


        Kakuko Miyata (2005), ao contrário, defende que essa barreira ainda é perceptível no


Japão. Ele discute que as redes formadas pelo computador tendem a ser muito mais ricas em


variedade do que as formadas pelo telefone. Mesmo que a pessoa possa acessar a internet pelo


keitai, Miyata argumenta que o comportamento nas duas é muito diferente. Para ele, o keitai


seria ruim para chat, por exemplo, o que implica que a conversa ficaria reduzida a duas


pessoas, enquanto com o PC teríamos muito mais possibilidades.


        As discussões do autor ficam reduzidas à evolução do keitai. Em pouco tempo os


aparelhos poderão ser tão eficientes quanto um computador, e para muitas funções já o são.

Ele também não leva em consideração que cada aparelho tem que ser visto de acordo com


seus próprios conceitos e teorias. Devemos resistir à tentação de olhar para o celular como um

computador de mão, mesmo que em alguns momentos ele se porte dessa forma. Myata


também nos remete à discussão de Granovetter sobre laços fracos sendo responsáveis por

redes mais ricas.
47



8 LINGUAGENS E EXPRESSÃO INDIVIDUAL

        Os celulares prometem ser uma grande fonte de informação e de expressão pessoal


nos próximos anos. Shin Muzukoshi (2004) trabalha com o estudo de redes de fotologs e


outras comunidades sociais que só pode ser acessados e postados através de celular. Por ser


um objeto de uso individual, ser portátil e apresentar as possibilidades técnicas necessárias,


ele se mostra ideal para esse tipo de mídia. Mizukoshi aponta o celular como a grande


promessa para a expressão individual de jovens para os próximos anos.


        A Rede Bandeirantes tem no jornal da manhã um “repórter celular”, que vai para


algum ponto estratégico e enquanto filma o fato, fala a notícia, sem a sua presença na tela.


Uma inovação no jornalismo que ainda está em fase de teste. No entanto, é interessante como


possibilidade de renovação das linguagens jornalísticas.


        Uma preocupação referente ao uso dos celulares remete às discussões sobre a


influência da internet entre os jovens. Os jovens estariam escrevendo errado, ignorando regras


gramaticais, utilizando de abreviações, sem paciência para pensamentos longos e complexos

por meio da escrita. Com o celular, isso fica evidente pela velocidade com que a informação é


trocada. Supõe-se que o usuário esteja constantemente atento ao seu celular, e por isso

espera-se uma resposta instantânea.


        No Japão, como os keitais recebem diretamente e-mails, espera-se que a resposta aos

e-mails também seja imediata. Não só a velocidade, mas o desconforto de uma tela pequena
48



para leitura e de um teclado numérico para digitação fazem com que essa alteração da escrita


seja potencializada. É o que Naomi Baron comenta no começo de seu livro, Always On,


quando discute se a linguagem escrita na internet fez com que a “escrita ruim” superasse a


“escrita boa”. Ela, como pesquisadora de lingüística, discute com parâmetros em utilização do


formal e do informal. Baron chega à conclusão que, na era da internet e das mensagens


instantâneas, importa muito pouco se a escrita é ruim, desde que haja comunicação. A


mentalidade foi alterada.


           Os livros para celular no Japão são uma demonstração clara da adaptação das


linguagens. Chamados de Keitai Shosetsu, (literalmente “novela para celular”), os livros para


celular no Japão têm algumas características próprias do meio. O público alvo desses


romances costuma ser estudantes do ensino médio e mulheres na faixa dos 20 anos de idade.


Seus autores são também formados pelo próprio grupo. Os romances geralmente têm muitos


diálogos e parágrafos pequenos para se adaptar à tela do celular. As histórias são curtas e


geralmente tem entre 200 e 500 páginas, sendo que cada página apresenta cerca de 500

caracteres japoneses (algo em torno de meia página A4 em fonte Times New Roman, tamanho


12). Os críticos de livros tentavam utilizar as mesmas regras que utilizavam para os livros

impressos para o novo material. Pois que o livro de celular foi considerado superficial e mal


escrito.

           Ishihara Chiaki, especialista em literatura japonesa na universidade de Waseda,
49



explica que os jovens começaram a escrever a partir da grande afinidade com escrever e-mails


pelo celular. Ishihara sugere que eles não eram escritores antes e muitos nem passaram pela


cultura do computador e sempre utilizaram apenas celulares, a tecnologia criou os novos


escritores. A cultura foi modificada pelo próprio aparelho.




8.1 POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO


        Uma possibilidade latente do celular é a sua utilização na educação. O uso simples da


tecnologia por um professor, que envia a matéria ou conteúdos complementares para o celular


dos alunos, pode trazer um novo ânimo para os estudos e manter o aluno com o conteúdo


acessível para estudo em qualquer lugar. No Japão isso é possível, mas os professores, em


geral, não o fazem. Padrões culturais que incentivam a utilização de sistemas antigos de


ensino inibem essa possibilidade.


        No entanto, os alunos não deixam a tecnologia inutilizada. Os estudantes japoneses


aproveitam seus celulares com câmeras de boa qualidade e, frequentemente, tiram fotos do

quadro negro após a aula. No fim dos anos 90, com o crescimento do uso de celulares no


Japão, eles chegaram a ser proibidos em sala de aula. Hoje, com o aumento do número de

estudantes com celular ele é aceito no modo silencioso. Até mesmo porque muitos celulares


apresentam softwares específicos para estudo, como tradutores lingüísticos e dicionário,

muito além da simples calculadora.
50



        Podemos dizer que houve uma indiferenciação com relação ao uso do aparelho. Os


parâmetros de “faz bem ou mau” deixaram de ser considerados. Encara-se o fato de o celular


estar presente e como devemos trabalhar com isso. Não utilizá-los como ferramenta, como faz


o sistema de educação básica japonês, é apenas uma das alternativas.


        Uma mudança de hábito causada pelo telefone celular é uma olhada no aparelho logo


que a aula termina. Fato muito comum entre os japoneses devido ao hábito de resonder


prontamente os e-mails, já pode ser constatado entre os estudantes brasileiros, mas não na


mesma proporção.


        Existem também experiências de professores que, no ensino da língua, já utilizam os


emoticons como parte do aprendizado. Kanda University, uma faculdade no Japão, possui um


curso específico para o ensino da língua japonesa para estrangeiros. Algumas aulas eram


específicas para o aprendizado da comunicação de símbolos via internet. No caso, a


comunicação foi considerada mais importante do que a linguagem formal. Se Naomi Baron


(2006) reclama que a linguagem “ruim” superou a linguagem “boa”, é porque os usuários de

celular priorizam a comunicação rápida em detrimento das normas formais.




8.2 VOZ OU MENSAGEM


        Uma grande diferença cultural ressaltada por muitos estudiosos da telefonia celular é

o modo como o Japão adotou a utilização de mensagens de texto e e-mail como principal
51



forma de comunicação. Tomoyuki Okada, baseado em pesquisas do Mobile Communication


Research Group, descobriu que japoneses, entre o 15 e 24 anos, costumam escrever cerca de


10 mensagens por dia, entre SMS e e-mails. Enquanto 23 por cento declarou fazer uma a duas


ligações por dia e 27 por cento declarou realizar duas a seis ligações por semana. Mizuko Ito


também explica que muitos japoneses usam mais mensagens pois alegam que há assuntos em


que o texto é a melhor forma de se comunicar.


        Nos Estados Unidos, Naomi Baron perguntou aos estudantes se das últimas dez


utilizações do celular, tanto para falar como para receber, quantas haviam sido mensagens. Ela


chegou a uma média de 3 mensagens de texto para cada 7 ligações por voz. A mesma


pergunta foi feita aos universitários de Juiz de Fora. O resultado foi igual ao dos americanos.


Na pesquisa em Juiz de Fora, 75% dos estudantes ainda declararam utilizar mais a ligação por


voz do que mensagem de texto.
52



9 FETICHE E CONSUMO

        Considerando o celular como fetiche. Como uma formação capaz de gerar gozo, no


sentido de gozar de uma boa capacidade de comunicação. Não é difícil encontrar na internet


cenas de sexo com o celular; pessoas falando ao celular durante o ato sexual, celular como


brinquedo erótico ou, transmissões ao vivo da câmera de celular de anônimos. Na concepção


de Freud, o fetiche ocorre quando o objeto passa a ser a referência de gozo do órgão sexual.


Nessa concepção, o celular se encaixa como fetiche a partir do momento que se torna objeto


do desejo do consumo para atingir um prazer.


        Assim como no Brasil, no Japão, a venda de celulares supera a venda de


computadores pessoais por motivos óbvios. Preço, portabilidade e funcionalidade. A edição


especial da revista Veja de setembro de 2008 tem como matéria de capa a venda de


computadores no Brasil. Se compararmos com o Japão, essa seria uma etapa da evolução


digital. Primeiro um grande aumento no consumo de computadores pessoais para acesso à


internet. Com a possibilidade de acesso à internet via celular e a funcionalidade do 3G, a

redução da venda dos computadores é inevitável, considerando que o celular é mais barato,


portátil e de fácil manuseio. Atualmente, os jovens são os grandes consumidores nesse setor.

Como projeção espera-se que no futuro o uso seja mantido por essas pessoas, o que colocará


todas as faixas etárias como usuários.

        Uma outra mudança relativa a consumo foi com relação ao dinheiro. A Sony inovou
53



em criar o sistema FeliCa, que utiliza um chip que transmite informações seguras por


proximidade, sem contato. Em parceria com a empresa NTT DoCoMo, lançaram o primeiro


“celular carteira”, que, por possuir o chip, serve para fazer compras utilizando serviços de


crédito e débito. O sistema se espalhou para todas as empresas de telecomunicações no Japão


e atualmente cerca de 50 milhões de pessoas, metade dos usuários no país, utilizam o telefone


celular para esses serviços.


         Os usuários desses telefones não precisam sacar dinheiro ou se preocupar com trocos


pequenos, como explica o comercial do sistema FeliCa. Quase todas as lojas já aceitam a


compra por telefone celular. Muitos computadores já possuem o chip para que compras feitas


pela internet possam ser discontadas direto pelo seu aparelho. As empresas ainda cadastram os


usuários em um sistema de pontos pelo uso do crédito que incentivam cada vez mais o


consumo desse serviço. No Japão o sistema também foi adotado no transporte público para


pagar as passagens direto na roleta, evitando filas e agilizando o acesso a trens e ônibus. O


FeliCa ainda traz a possibilidade de ser utilizado como identificação apenas, podendo ser

utilizado como cartão de ponto em empresas.


         A demanda por esse sistema em nível global existe, mas ainda há muitas barreiras

culturais e de proximidade entre as empresas de crédito e comunicação. Esse sistema


corrobora mais uma vez linha teórica adotada por Mizuko Ito que considera a utilização da

tecnologia algo dependente das relações socioculturais de um país. A tecnologia existe, mas
54



nem todos podem adotá-la.




9.1 MARKETING E PUBLICIDADE


         Os celulares trazem também grandes mudanças no marketing. Com essa nova


tecnologia disponível as operadoras deixaram de ser apenas intermediadores de chamadas


telefônicas para se transformarem em provedoras de conteúdo e serviços que envolvam a


transmissão de dados. Desse modo elas não só aumentam suas receitas como criam novos


mercados. Hoje, 33% do faturamento das operadoras de celular coreanas e japonesas vêm de


mensagens de texto e dos serviços multimídia, como download de músicas. No Brasil, a


proporção é de apenas 8,5%17.


         Além das possibilidades de propaganda por e-mail, como já se faz no computador, o


celular ainda trás a vantagem, aos anunciantes, de ser mais limitado do que o computador com


recursos para fugir da publicidade indesejada. Na maioria dos celulares que conectam na

internet, não dá para abrir muitas janelas de navegação, impedindo que se troque de conteúdo


enquanto outro está carregando. A Nokia anunciou em setembro um celular que possui

downloads gratuitos de música. Nesse caso o celular está alterando também o mercado


musical, mudando sistemas de distribuição e de recepção das músicas. Pensando na mudança

do mercado, algumas distribuidoras já anunciaram que irão começar a vender músicas em




17 Revista Exame: http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0918/mundo/m0159328.htm
55



cartões microSD18 para substituir em certa proporção o CD.


          Pelo mundo, menos de 1% de todo conteúdo consumido pelo Ipod, na Apple Store, é


vídeo. Isso é pouco em volume mas é bastante em dinheiro. O mercado de vídeos para celular


também está em expansão e promete alterar o formato das grandes produções de cinema. O


microvídeo, com menos de 5 minutos, já se mostra como a alternativa mais viável à


velocidade de transmissão e ao nível de atenção do usuário.


          O mercado editorial de livros no Japão também vem sofrendo alterações. O jornal


New York Times publicou que em 2007, entre os 10 livros mais vendidos no Japão, 5 haviam


sido escritos para celular19. Estes livros geralmente são de autores na faixa dos 20-25 anos e


são escritos diretamente no celular. Além de serem vendidos on-line, muitos conseguem


ultrapassar a pequena tela e viram livros impressos. Como o Brasil não é um país de tradição


no mercado editorial de romances, as chances deste mercado se expandir por essa via são


pequenas. Porém, adaptando essa possibilidade ao mercado brasileiro, poderemos ver em

alguns anos o crescimento desse setor para livros de humor, com pequenas piadas.


          Um outro exemplo de modificação de estratégias de marketing é a do cereal

Sucrilhos, da Kellogs, que para atingir o público infantil e adolescente. Ao invés de oferecer


brinquedos colecionáveis, como de costume, fez uma edição em que oferece jogos para




18 Os cartões MicroSD são uma linha compacta de memória portátil. Patenteada pela San Disk, muitos celulares
   já vem com a entrada para leitura desse tipo de cartão de memória.
19 Disponível em http://www.nytimes.com/2008/01/20/world/asia/20japan.html
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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL Gustavo Dore Rodrigues Redes Sociais e Interatividade no Celular: Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano. Juiz de Fora Novembro de 2008
  • 2. Gustavo Dore Rodrigues Redes Sociais e Interatividade no Celular: Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano. Trabalho de Conclusão de Curso Apresentado como requisito para a obtenção de grau de Bacharel em Comunicação Social na Faculdade de Comunicação Social da UFJF Orientador: Prof. Dr. Potiguara Mendes da Silveira Jr. Juiz de Fora Novembro de 2008
  • 3. Gustavo Dore Rodrigues Redes Sociais e Interatividade no Celular: Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção de grau de Bacharel em Comunicação Social na Faculdade de Comunicação Social da UFJF. Orientador: Prof. Dr. Potiguara Mendes da Silveira Jr. Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em 27/11/2008 pela banca composta pelos seguintes membros: ____________________________________________________ Prof. Dr. Potiguara Mendes da Silveira Jr. (UFJF) - Orientador ____________________________________________________ Profa. Dra. Francisco José Paoliello Pimenta (UFJF) - Convidado ____________________________________________________ Prof. Dr. Nilson Assunção Alvarenga (UFJF) – Convidado Conceito obtido _______________ Juiz de Fora Novembro de 2008
  • 4. Dedico esse trabalho a todos que, como eu, são apaixonados pelas novas gadgets e acham que podem fazer dessa paixão algo interessante e divertido.
  • 5. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente aos meus pais, Vertulino e Rita, que sempre me incentivaram e por me proporcionarem um ambiente de estudo muito agradável, além de terem cedido todo o espaço de todas as prateleiras para os meus livros e quadrinhos. Ao meu irmão Bruno por sempre me dar atenção quando foi preciso. Peço desculpas por não ter-lhes dedicado maior atenção. Agradeço a todos os professores da Facom, que ajudaram a construir minhas bases de pensamento. Em especial, à professora Marta Pinheiro, que me deu um pontapé incial. Agradeço ao governo japonês por ter me dado suporte durante um ano em seu país. Algo que mudou o rumo e o ritmo da minha vida. Ao Kazuo Sato Sensei, que me convidou para suas aulas e fez da minha visita ao Japão algo muito mais prazeroso e profundo. Agradeço a todos os amigos do PET que estavam sempre abertos para o debate de idéias. É um lugar muito especial para mim pois só ali me sentia “em casa” dentro da Facom. Um grande abraço para o nosso tutor, Francisco Pimenta, que me mostrou que para sermos sérios não precisamos ser chatos. Agradeço, principalmente, ao amigo e professor Potiguara Mendes da Silvera Jr., que me mostrou que havia espaço para pensar diferente. Obrigado por todo o apoio e incentivo. Foi um grande prazer ter sido seu orientando. Por último, à Nintedo, à Shonen Jump, ao Foo Fighters, aos Beatles, à Sony, à Marvel, ao Bill Waterson, ao Charles Schultz, à JK Rowling, ao Isaac Asimov, ao Tarantino, ao Laerte, ao 10 pãezinhos e muitos outros, que por meio de seus produtos culturais moldaram não só a minha personalidade, mas meu senso estético e me proporcionam horas infinitas de prazer.
  • 6. RESUMO Estudo sobre a convergência de mídia com base nas teorias de rede e emergência. Utilizando como referência teórica os estudos já feitos sobre celular no Brasil, Estados Unidos e Japão, pretendemos discutir mudanças tecnológicas e socias dele advindas. A comparação entre os modos de utilização nos três países pode contribuir para mostrar novas possibilidades de seu uso no Brasil. Uma pesquisa de campo com universitários de Juiz de Fora completa o trabalho. Palavras chave: telefone celular; keitai; redes; interatividade; interface
  • 7. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 1 2 EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE TELEFONIA CELULAR.......................................... 3 2.1 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO.................................................................................... 3 2.2 TRÊS GERAÇÕES DE APARELHOS............................................................................. 6 3 O CELULAR COMO CAMPO DE ESTUDOS.............................................................. 8 3.1 PESSOAL, PORTÁTEIS E PEDESTRES – POR QUE O JAPÃO?................................ 9 3.2 CONSIDERANDO O AMBIENTE.................................................................................. 11 3.3 RELEVÂNCIA DO TEMA E METODOLOGIA EMPREGADA................................... 14 4 CONVERGÊNCIA DE MÍDIA: CELULAR COMO CULTURA POP........................ 16 4.1 EVOLUÇÃO E NÃO LINEARIDADE............................................................................ 16 4.2 A PRÓTESE DO LEITOR IMERSIVO............................................................................ 18 5 INTERATIVIDADE E IMERSÃO................................................................................... 20 5.1 INTERAÇÃO: CARACTERÍSTICAS DE EMERGÊNCIA............................................ 22 5.2 POSSIBILIDADES DE IMERSÃO................................................................................. 26 6 INTERFACE: UNINDO INTERATIVIDADE E IMERSÃO........................................ 29 6.1 A TV PARA CELULAR.................................................................................................... 32 6.2 INTERNET PARA CELULAR......................................................................................... 33 7 TEORIA DE REDES E CELULAR................................................................................. 37 7.1 REDES ALEATÓRIAS..................................................................................................... 40 7.2 SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO E A TEORIA DO MUNDO-PEQUENO.................... 41 7.3 REDES SEM ESCALA..................................................................................................... 43 7.4 REDES SOCIAIS ON-LINE E OFF-LINE: UMA BARREIRA QUE SE DISSOLVE... 44 8 LINGUAGENS E EXPRESSÃO INDIVIDUAL............................................................. 47 8.1 POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO............................................................................. 49 8.2 VOZ OU MENSAGEM.................................................................................................... 50 9 FETICHE E CONSUMO.................................................................................................. 52 9.1 MARKETING E PUBLICIDADE.................................................................................... 54 9.2 NOVOS MODELOS E A 3G............................................................................................. 56 10 PESQUISA........................................................................................................................ 58 10.1 CONSUMO: MERCADO, DESIGN, FUNCIONALIDADE E PERSONALIZAÇÃO.59 10.2 AS REDES SOCIAIS...................................................................................................... 62 11 REALITY MINING E OUTRAS TENDÊNCIAS......................................................... 67 11.1 GARIMPANDO A REALIDADE................................................................................... 67 11.2 OUTRAS POSSIBILIDADES........................................................................................ 70 12 CONCLUSÃO.................................................................................................................. 73 13 REFERÊNCIAS............................................................................................................... 77
  • 8. 1 1 INTRODUÇÃO Este trabalho inicia as pesquisas sobre telefones celulares no campo da comunicação em Juiz de Fora. Durante os próximos capítulos serão apresentados estudos sobre redes sociais, design, comportamento, interface e consumo. Por toda a pesquisa, comparações com estudos norte-americanos e, principalmente, japoneses serão realizados a fim de apontar diferenças e similaridades culturais para proporcionar o entendimento de possibilidades futuras no uso dos telefones celulares pelos brasileiros. O capítulo 2 mostra uma breve história do desenvolvimento dos sistemas de transmissão e dos aparelhos celulares. Dados estatíticos com relação às tecnologias de transmissão, ao número de usuários, e às gerações de telefonia celular são discutidos com bases histórico-econômicas O capítulo 3 apresenta o campo de estudos, considerando as especificidades do telefone celular, a relevância do Japão para a pesquisa, a importância do tema e a metodologia empregada. O capítulo 4 discute as novas tendências com relação a convergência de mídias, a evolução dos formatos e conteúdos, e à mudança do próprio receptor, trazendo as bases para as discussões nos próximos capítulos. Na 5ª parte deste trabalho, a interatividade e imersão para o celular são analisadas por meio de comparações com jogos eletrônicos, internet, e interfaces de realidade virtual. O 6º capítulo complementa o 5º, trazendo a interface como elemento unificador entre as discussões
  • 9. 2 de formatos e interação. Neste capítulo também são levantadas discussões sobre a adaptação de formatos para uma nova TV e internet pelos aparelhos portáteis. No capítulo 7 está a principal parte do trabalho. As teorias de redes são apresentadas como base para as discussões sobre redes sociais on-line e off-line. A teoria de redes sem escala, de László Barabási, em complento à teoria de MD Magno, é utilizada como fundamentação teórica para a pesquisa. O 8º capítulo levanta questões sobre mudanças de linguagem, comportamento e expressão individual. Possibilidades ligadas à educação também são debatidas. A 9ª parte da pesquisa considera o consumo e as implicações da evolução da telefonia celular no marketing e na publicidade, já considerando a tecnologia 3G. A pesquisa de campo é o foco do 10º capítulo. O método de pesquisa é descrito detalhadamente e são abordadas questões relativas a consumo e à formação de redes sociais e localização de pólos de contatos. O 11º capítulo mostra tendências para a utilização do telefone celular nos próximos anos e no futuro. O capítulo 12 apresenta a conclusão do trabalho e caminhos para novas pesquisas. Divirtam-se.
  • 10. 3 2 EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE TELEFONIA CELULAR Em 1959 foi criado o primeiro aparelho de telefonia móvel. Foi desenvolvido pela Ericson e pesava cerca de 40 quilos. Era chamado de sistema automático de telefonia móvel, e não passava de um emissor de freqüências de rádio. Foi utilizado por navios e automóveis. Em 1973, a Motorola faz a primeira chamada de um telefone celular. Porém, só em 1983 ele passa ser comercializado nos Estados Unidos. No Brasil, as políticas públicas de telefonia celular foram decididas em 1984, com o sistema americano sendo adotado. Em 1990 dez mil linhas são implantadas no Rio de Janeiro, mas apenas em 1993 o telefone celular passa a ser comercializado em grande escala no país. No Japão, começou a ser comercializado em 1987, mas não atingiu popularidade até 1993. A partir do começo da década de 90, o telefone celular passa a evoluir em formatos, duração da bateria, qualidade de som, interface. As mensagens de texto, SMS (Short Mesage Service), foram inventadas no fim da década de 80 e em 1992 começam a ser utilizadas na Inglaterra. Em 1999 a empresa japonesa NTT DoCoMo lança o i-mode, que possibilita o acesso à internet. Ele passa a possuir três formas básicas de comunicação: por voz, mensagem de texto e e-mail. 2.1 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO Ao mesmo tempo em que os aparelhos evoluem, os sistemas de transmissão de dados
  • 11. 4 estão constantemente sendo aprimorados. A Europa, no começo da década de 80, tinha sistemas diferenciados de telefonia móvel para cada país. Em 1981, os estudos franco-germânicos ganham destaque e se denominam GSM, Groupe Spécial Mobile. Com a adesão de outros países, o grupo vai crescendo até ser implantado, em 1989, no Instituto Europeu de Normas de Telecomunicações, que muda a sigla GSM para Global Special Mobile. Os Estados Unidos apresentaram grande resistência ao sistema europeu adotando o TDMA1, e, mais tarde, o CDMA2. Atualmente, algumas empresas americanas já adotam o GSM para oferecer serviços de comunicação globais. Abaixo, temos um quadro comparativo entre os 1 TDMA: Time Division Multiple Acess. Tradução livre: Acesso Múltiplo por Divisão de Tempo. 2 CDMA: Code Division Multiple Acess. Tradução livre: Acesso Múltiplo por Divisão de Código.
  • 12. 5 sistemas de telefonia celular pelo mundo. Repare que em três bilhões e seiscentos milhões de linhas, a tecnologia GSM engloba quase três bilhões. O Japão também utilizou durante muito tempo somente o próprio sistema. Apenas com a evolução do GSM para a utilização de internet banda larga é que as empresas japonesas resolveram adotá-lo. Com a estagnação do mercado de telefonia celular japonês, as empresas que desenvolvem os aparelhos prometem investir em mercados globais, sendo a adoção do GSM uma medida interessante para negócios. O Brasil adota o sistema GSM, TDMA e CDMA, sendo o GSM o principal deles. Segundo o site Open Handset Allience3, temos 1,5 bilhões de televisores no mundo enquanto o número de celulares já ultrapassa três bilhões. Dados da Anatel estimam que até o fim de 2008 o número de linhas de celular no Brasil chegue a 147 milhões. A última contagem feita em setembro registrou 138,3 milhões de usuários4. Segundo dados do IBGE de dezembro de 2007, a população brasileira atual é de 183,9 milhões de habitantes. A média atual brasileira deve girar em torno de 0,75 linhas por habitante. Esse dado não é preciso pois consideramos que uma pessoa pode ter mais do que uma linha. Mas ele serve para deixar claro o sucesso desse produto. A Anatel projeta que até 2018 o Brasil chegue à marca de um celular por habitante, estimando a população brasileira em torno de 250 milhões. 3 Dados disponíveis em www.openhandsetallience.com Acessado em: 01/11/2008 4 Fonte: G1 http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL760613-9356,00.html Acessado em: 30/10/2008.
  • 13. 6 2.2 TRÊS GERAÇÕES DE APARELHOS Os aparelhos celulares apresentam, até o momento, quatro fases de evolução. A primeira geração de celulares utilizava tecnologia analógica AMPS (Advanced Mobile Phone Service). Foi desativada no Brasil em junho de 2008. A segunda geração de telefones celulares utiliza as tecnologias TDMA, CDMA e GSM. A segunda geração é marcada pela evolução da interface dos aparelhos, com telas coloridas e toques polifônicos. Nesta geração também foi possível a utilização de chips de memória, com informações sobre o usuário, que podem ser trocados de aparelho (tecnologia GSM). Existe uma fase transitória chamada de geração 2.5. Telefones celulares que utilizam essa tecnologia, os smartphones5, já possuem acesso à internet em baixa velocidade. A grande vantagem dos celulares de terceira geração, 3G, é a possibilidade da internet em banda larga. Existem várias tecnologias ainda em desenvolvimento. Como o Brasil adota prioritariamente a tecnologia GSM, a UMTS6, que é uma evolução do GSM, deve ser a mais utilizada nos próximos anos. Já estão sendo feitos testes para uma quarta geração de telefonia celular, com inovações que vão desde internet 10 vezes mais rápida que dos aparelhos 3G, até a possibilidade de conexão à internet de qualquer aparelho eletrônico por meio de um cartão 5 UMTS: Universal Mobile Telecommunications Service. Tradução livre: Serviço de Telecomunicação Móvel Universal. 6 Smartphones são celulares baseados em sistemas operacionais complexos que concorrem diretamente com os palmtops. Exemplo: Blackberry e MotoQ.
  • 14. 7 específico7. Os smartphones são, em sua maioria, baseados no Windows, em uma versão especial para telefones celulares. No fim de setembro de 2008, o Google lançou seu sistema operacional para aparelhos celulares, o Android, para não só facilitar a produção de software para celular, mas também para entrar no mercado de portáteis. O Google propõe uma padronização de sistemas operacionais. Atualmente, para se fazer um simples joguinho, ele deve ser testado em cerca de 120 a 140 modelos de aparelhos diferentes. Além das milhares de pequenas adaptações que devem ser feitas com relação ao tamanho da tela e interação com o teclado de cada modelo especifico. Linguagens de programação simples, como Java, tentam facilitar o processo. Porém, nem todo aparelho possui a linguagem Java por ser uma licença paga para telefones celulares. A mudança constante desses sistemas são apenas sinais de que ainda não atingimos a maturidade dos telefones celulares e que ainda teremos muito a acrescentar nos próximos anos. No Japão, Daisuke Okabe (2006) fala sobre uma maturidade do sistema japonês de telefonia. Essa maturidade representa mudanças graduais de tecnologia, e não saltos. Ela também explica a forma como o japonês lida com o telefone celular, tanto no espaço privado como no espaço público, como veremos mais adiante neste trabalho. 7 Informações retiradas de http://www.4gmobile.com/ Acessado em 03/11/2008.
  • 15. 8 3 O CELULAR COMO CAMPO DE ESTUDOS Assim como a internet é estuda por Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, como um organismo vivo, o telefone celular parece outra formação “viva” que, aos poucos, está entrando em simbiose com a internet. O nome célula, derivado da organização por torres de transmissão e antenas de uma região, é muito propício para brincar com a proposta de um organismo vivo. Zygmunt Bauman (2005) sugere que, hoje, a relação entre os valores sociais, estéticos e tecnológicos são líquidos, e devem ser compreendidos dentro de uma sociedade capitalista. Ser líquido significa que as mudanças na sociedade são tão rápidas que não há tempo para a consolidação. Essa identidade líquida permite a troca, a mudança, o status de permanente renovação. Ao mesmo tempo, esse ambiente de liquidez parece corroborar a teoria de Steven Johnson (2005), na qual a cultura pop está criando pessoas mais inteligentes e sobrecarregadas de informação. A cultura pop está sempre mudando para dar conta das alterações da nova audiência que surge a cada dia. A cultura pop parece conseguir trazer o novo sem chocar demais a audiência. O telefone celular é cultura pop. Algo que pode ser visto não só pela identidade visual das marcas ligadas a astros de cinema, mas por sua grande aceitação em todas as camadas sociais. O discurso de que, no Brasil, tecnologia é para ricos, é defasado pelos telefones celulares. Além de quase três quartos da população possuir um telefone celular, é
  • 16. 9 comum que pessoas de baixa renda, pelo status e valor agregado às marcas, tenham aparelhos de alto custo. Com base nesse fato, algumas novas questões surgem: Colocar internet de banda larga acessível a esses celulares pode trazer inclusão digital? E a alfabetização digital, não poderia estar sendo pensada a partir do celular? Devemos começar a procurar novos caminhos a partir das possibilidades tecnológicas. Pensar que o primeiro contato de alguém com a internet tem que ser via computador é algo que será ultrapassado em pouco tempo. Da mesma forma que estudamos e analisamos o conteúdo da televisão, proponho que façamos uma pesquisa também sobre os celulares e incluir nessa discussão o conteúdo de softwares, games e mesmo páginas da internet específicas para o acesso portátil. No Japão, já existe uma geração que não teve contato com o computador em casa. Japoneses que nasceram a partir de 1984-85 correm o risco de não terem desenvolvido habilidade com computadores. Os aparelhos celulares japoneses, os keitais, unem à mobilidade às principais funções do computador: edição de texto, conexão com a internet e tratamento de fotos. O jovem japonês não vê necessidade de comprar um computador. 3.1 PESSOAL, PORTÁTEIS E PEDESTRES – POR QUE O JAPÃO? A formação japonesa de uma sociedade com valores identitários de alta tecnologia,
  • 17. 10 com robôs e kawaii8 como valores estéticos, pode ser referido ao período que se inicia com o fim da II Guerra Mundial. Durante a ocupação do Japão pelos Estados Unidos, os americanos tiveram que lidar com o nihonjiron (singularidade da identidade Japonesa), mudanças na economia, na educação, no sistema militar e principalmente na constituição. Takashi Murakami (2005) sugere que, com o artigo 9 da constituição japonesa, os Estados Unidos “forçaram o povo japonês dentro de uma mentalidade de dependência sobre a proteção da poderosa força militar americana.” Após esse período, a assimilação de tecnologia estrangeira e os grandes investimentos governamentais em desenvolvimento tecnológico nas últimas décadas criaram a identidade de “um país para o futuro.” No campo cultural, a domesticação (TOBIN, 1992) da cultura ocidental e a manutenção de velhos costumes reforçaram o nihonjiron. Atualmente, o ambiente japonês de alto consumo e alta tecnologia disponível para a maior parte da população, aliado a uma comunicação interpessoal cuidadosamente elaborada, é um lugar propício para o aparecimento de novas mídias, inovativas e de longo alcance em poder de persuasão e no número de pessoas atingidas. Pela perspectiva proposta por Mcluhan (2003) – na qual, influenciados pelas novas tecnologias, a produção e a percepção do conteúdo vêm sendo alterada – serão feitos apontamentos sobre as possibilidades de utilização do celular como mídia e expressão individual. 8 Kawaii é uma estética na qual o fofo, o infantil e o inocente são os elementos de valor de um objeto ou pessoa. Como exemplo, temos a Hello Kitty, da empresa Sanrio. (DORE, 2008)
  • 18. 11 Em um mundo globalizado, o modo de vida japonês, com um aparelho celular que converge todas as mídias disponíveis e está conectado 24 horas por dia, parece o futuro próximo para os países em desenvolvimento como o Brasil. Mas mesmo assim, o Japão tem sua paixão especial pelos portáteis. Os longos períodos gastos com transporte, os apartamentos pequenos, a customização, o grande mercado consumidor de livros, jogos eletrônicos, música, gadgets em geral e, principalmente, TV, favorecem a cultura keitai no Japão. Neste trabalho iremos nos referir aos telefones celulares japoneses como keitai, que significa telefone portátil em japonês, como sugere Shin Mizukoshi. O uso de terminologias diferenciadas irá facilitar a comparação com o telefone celular brasileiro e ressaltar características únicas que representam certa maturidade das mídias portáteis no modelo japonês. Mizuko Ito explica o significado do termo baseado na cultura japonesa: “Um keitai não é tanto sobre uma nova capacidade técnica ou liberdade de movimento, mas é sobre uma confortável e íntima ligação tecnosocial, um aparelho pessoal para o suporte de comunicações que são constantes, leves, e presença comum no dia a dia.” (ITO, 2005). 3.2 CONSIDERANDO O AMBIENTE Como explicado por Étienne Barral (1999), o modo de vida do japonês é geralmente marcado pelo transporte, trabalho e sono, com poucas horas de lazer. Paul Gravett (2004) também fala sobre os grandes períodos dos japoneses dentro do transporte público e dentro de casa, e como isso influencia as formas de diversão. Com o recente crescimento econômico
  • 19. 12 brasileiro, a sensação é de que nos aproximamos mais dessa dinâmica do que de uma Europa que busca reduzir as horas de trabalho individual e utilizar mais o espaço público. Esse tipo de rotina é um terreno fértil para os portáteis. Muitos querem aproveitar o tempo do transporte, considerado um não-lugar (AUGÉ, 1994), para momentos de lazer, estudo, trabalho ou relacionamentos. Quem utiliza um mecanismo portátil fica blindado9, protegido contra outros que queiram conversar. Ele fica suspenso das interferências do local. As relações de presença física se tornam menos importantes do que as relações sociais por interesses individuais. É muito atraente para aqueles que passam longos períodos no transporte público poderem utilizar desse tempo para, por exemplo, a manutenção dos laços sociais. Ligar para um amigo ou mandar uma mensagem para a namorada pode ser uma boa maneira de gastar o tempo. Com a internet para celular se popularizando no Brasil, espera-se um aumento do isolamento dentro do transporte público, assim como aconteceu no Japão no começo dos anos 2000 (OKABE, 2006). Para o estudo dos portáteis de uma forma geral, temos que levar em consideração o ambiente em que a ação está acontecendo. O aparelho fica em estado de latência, e apesar de sua presença ser importante, ela só é notada quando entra em ação, quando toca ou quando o 9 Kanashiro, Marta. Corpos Blindados. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252005000100005&script=sci_arttext Acessado em: 04/11/2008.
  • 20. 13 tiramos do bolso para usar. Esse uso pode ser tanto para fazer uma ligação, quanto para olhar hora ou jogar um game. Mizukoshi Shin fez uma pesquisa internacional comparando o modo de uso dos celulares no Japão com o uso na Finlândia. Ele comparou as diferenças entre a utilização do aparelho por grupos de universitários (MIZUKOSHI 2006). Em sua metodologia de pesquisa, o ambiente no qual a ação era concebida alterava radicalmente os resultados. Entre os países ficou fácil verificar que em ambientes parecidos o comportamento é diferente. Mizukoshi reuniu um grupo de dezoito estudantes do mestrado em Socio-Informação e Estudos da Comunicação da Universidade de Tókio e os separou em cinco grupos. Cada grupo apresentou duas situações cotidianas de utilização do aparelho celular. Baseado em um método etnográfico que analisa a simulação da situação, cada grupo fingiu estar em um determinado ambiente e representou como utilizam o celular de acordo com a situação. O mesmo experimento foi repetido em Helsink, mas apenas com duas equipes. Quando colocados numa situação parecida, com um grupo de amigos em um bar, os japoneses levantavam da mesa ou viravam de lado para falar ao telefone. No entanto os finlandeses falavam ao telefone sem desviar a posição frente aos amigos da mesa. O experimento comprovava que a operação “falar ao telefone celular” varia de acordo com o ambiente e a cultura, ou seja, é socialmente construída. Jonathan Franzen, escritor americano, teve um texto sobre como o celular alterou os
  • 21. 14 espaços públicos em Nova York publicado pela Folha de São Paulo10. Ele comenta, de forma pessimista, como as conversas dos outros são invasivas de nosso espaço e de como o uso do telefone celular aumenta a invisibilidade social dos caixas de mercado e lojas de convêniencia, quando o cliente está passando suas compras com o aparelho no ouvido. Frazen atribui ao 11 de setembro a liberdade americana de expressar seus sentimentos em público e que isso, na Nova York de hoje, faz com as emoções dos outros cheguem até nós. 3.3 RELEVÂNCIA DO TEMA E METODOLOGIA EMPREGADA Toda tecnologia nova passa por um período de adaptação até sua domesticação. Relata-se que, até bem pouco tempo, quando viajavam de avião, todos vestiam roupas finas e trajes de festa. Hoje, cada um procura uma maneira de se sentir confortável, com adoção do jeans ou mesmo bermudas. Com o celular, o processo foi parecido. Ele surge como objeto de homens de negócios com grande adoção de empresas de construção que não teriam redes de telefone fixo ainda instaladas. Porém, com o barateamento do custo e a redução do tamanho do aparelho, atualmente o celular é comum e todos entendem facilmente como operá-lo. Foi domesticado (BARON, 2006). A domesticação da tecnologia portátil e a grande penetração devido ao baixo custo e às vantagens de comunicação fazem do telefone celular um tema de estudo relevante. 10 “Só chamei porque te amo”. Folha de São Paulo - Caderno +Mais!. Publicado em 16/11/2008
  • 22. 15 A metodologia que foi utilizada neste trabalho considera dois aspectos: (1) leituras e pesquisa bibliográficas, sobre teoria de redes sociais, psicanálise, estética, mídia, cibercultura e estudos socioculturais. (2) Realizamos uma análise qualitativa a partir de entrevistas com alunos universitários de Juiz de Fora. A pesquisa de campo adotou uma amostragem de 101 alunos de quatro instituições de ensino superior de Juiz de Fora, sendo uma pública e três particulares. Foram entrevistadas 54 mulheres e 47 homens. Apenas uma pessoa não possuía, caracterizando que 99% dos universitários em Juiz de Fora têm telefone celular. A pequena amostragem serve apenas para indicar as tendências de comportamento, não podendo ser utilizada como verdade absoluta. O público jovem foi escolhido pela aparente desenvoltura no uso do aparelho celular nesta faixa etária. Este público também foi escolhido para fins de comparação com estudos já feitos no Japão e nos Estados Unidos. Estas pesquisas apontam mudanças comportamentais, de sociabilização e linguagem, advindas da domesticação do aparelho celular em seus países. Este trabalho tem como foco as redes sociais, portanto, a sociabilização será motivo de comparação. A análise apresenta como novidade a discussão sobre a influência das redes sociais on-line nas redes off-line, o que pode facilitar a localização de pólos, que são pessoas com alto grau de concentração de contatos.
  • 23. 16 4 CONVERGÊNCIA DE MÍDIA: CELULAR COMO CULTURA POP As pressões de marketing e do e-biz criam imagens apocalípticas de transformação com o claro objetivo de valorizar o produto. Entramos em “um estranho estado de expectativa de um pós-futuro que nunca chega, mas que se promete a milhões e milhões de potenciais usuários globais” (BEIGUELMAN, 2003). Televisão, computador, videogame, livro, mp3, telefone, tudo isso em um único aparelho, mas de uma forma diferente. 4.1 EVOLUÇÃO E NÃO LINEARIDADE Apesar de o celular de terceira geração parecer ser “tudo o que a gente sempre quis” em um único aparelho, ele não passa de uma interface ainda pobre, com conexões de baixo potencial imersivo e grandes limitações técnicas. No entanto, os três bilhões de celulares existentes no mundo são potencializadores de uma “democratização estética”, uma vez que virtualmente11 possibilitam o acesso de todos à reprodução de uma obra de arte. O telefone celular, como cultura pop, possui a interessante característica, ressaltada por Steven Johnson, de, pela constante exigência do público, evoluir constantemente. Ele apresenta cada vez mais complexidade, não só tecnológica mas de conteúdo. As empresas, ao direcionar seu conteúdo para celular, estão desenvolvendo formatos mais complexos de mídia 11 No sentido adotado por Pierre Levy em O que é virtual?, de 1996. Em resumo, Pierre Levy não contrapõe o real ao virtual, mas considera virtual como o conhecimento das possibilidades a partir de uma formação. “A árvore está virtualmente na semente”, mas ela pode não vir a existir.
  • 24. 17 interativa. E nós, sem nada ter que fazer, dormindo, evoluímos. “Algo ocorreu com a cultura pop - as coisas que pensávamos ser lixo, no sentido da cognição e da inteligência, na realidade se mostraram saudáveis, intelectualmente falando O que eu chamo de Curva do Dorminhoco seria, então, a tendência da cultura pop, nos últimos 30 anos, a ficar mais e mais complexa e a exigir mais da inteligência das pessoas.” (JOHNSON, 2005) Uma outra tendência é a não-linearidade, por ser esta a marca da Internet e do cérebro humano. Em alguns anos, com a convergência midiática e a transformação de televisão e internet em uma coisa só, a não linearidade de pensamento tende a predominar. José Luis Cébrian fala sobre a geração que nasceu em meados da década de oitenta, no começo da popularização das mídias digitais. “Eles (jovens de zero a vinte anos) são a primeira geração que chegará à maioridade na era digital. Estão imersos em bytes. Para essa população cada vez mais numerosa com acesso à rede, as ferramentas digitais não são tecnologia mais complicada do que a televisão ou a geladeira” (CEBRIÁN, 1999) Considerando o celular com internet, a lógica não-linear da World Wide Web poderá ser percebida no aparelho portátil. O usuário de um telefone celular pode jogar um MMORPG12 e ficar estabelecendo contatos sociais, matando monstros, ou mesmo divagando pelo cenário. Esse tipo de ação é não-linear, com muitas possibilidades de narrativa ou até a construção da própria história. A dificuldade para a comunicação está em se criar novas 12 MMORPG. Massive Multiplayer On-line Role Playing Game. Nesse tipo de plataforma, o jogador geralmente comanda um personagem e pode ele mesmo, decidir em que ordem cumprir as tarefas, não cumpri-las, vagar pelo cenário, estabelecer relações sociais, caracterizando uma narrativa não-linear.
  • 25. 18 formas de conteúdo dinâmico, além do jogo on-line, que desperte o interesse desse espectador cada vez mais exigente. Como criar uma televisão para celular, com narrativas não-lineares, e ainda fazer disso algo lucrativo para as empresas? Em pouco tempo acharemos a resposta. 4.2 A PRÓTESE DO LEITOR IMERSIVO O Homem não compreende a si mesmo e, na busca de compreender-se, cria próteses para se representar. Com o aprimoramento das técnicas de projeção do sistema nervoso central, sua relação com a tecnologia aumenta, a interação é cada vez maior. Como exemplo, já existe um chip que, implantado no cérebro, é capaz de identificar estímulos neurais e trocar o canal da TV, ligar aparelhos domésticos e até programar o forno de microondas. Esse processo de tecnologização, de robotização do homem, uma vez iniciado é impossível ser paralisado. O celular é um elo desse processo evolutivo. O contato com o celular foi indiferenciado a tal ponto que possuir um aparelho não é sinal de modernidade. Talvez por sua aproximação com o telefone comum, o celular, de maneira geral, não ganha status de “aparelho eletrônico moderno” como um Palmtop, um Ipod ou mesmo um computador. Mostrar habilidade no manuseio do celular não chega a ser uma característica que ressalte a capacidade tecnológica de uma pessoa. Mas não podemos nos esquecer que estamos lidando com algo completamente novo, distinto do antigo telefone e também do computador. Lúcia Santaella, em 2004, traça o perfil
  • 26. 19 do cognitivo do leitor imersivo na internet. O que ela não leva em consideração é a potencialidade do celular em transformar seus usuários em leitores imersivos. No caso do computador, o custo financeiro é alto e exige certo esforço por parte do usuário. A interface simples do celular e a familiaridade das pessoas com o telefone comum diminuem as barreiras para que isso aconteça. Para atualizar o texto de Santaella, basta trocar o “clique” do mouse pela tela touchscreen de um telefone celular. “Trata-se, na verdade, de um leitor implodido cuja subjetividade se mescla na hipersubjetividade de infinitos textos num grande caleidoscópio tridimensional onde cada novo nó e nexo pode conter uma outra grande rede numa outra dimensão. Enfim, o que se tem aí é um universo novo que parece realizar o sonho ou alucinação alucinógena borgiana da biblioteca de Babel, uma biblioteca virtual, mas que funciona como uma promessa eterna de se tornar real a cada “clique” do mouse.” (SANTAELLA, 2004)
  • 27. 20 5 INTERATIVIDADE E IMERSÃO O celular pressupõe um alto nível de interação a partir do fato que quem possui um aparelho está interagindo com ele 24 horas por dia, 7 dias por semana. Até o fim da década de 90, muitas pessoas ainda desligavam o celular à noite ou quando estavam em casa para não serem incomodadas ou economizar bateria. No entanto, a necessidade de se manter acessível fora do ambiente de trabalho e de privacidade individual, aliada ao aumento do tempo das baterias, mantém o celular ligado e perto de você. A presença dele no bolso já se mostra como uma forma de interação. Ele faz parte de você. "Vídeo, tela interativa, multimídia, Internet, realidade virtual: a interatividade nos ameaça por toda parte. (...) Num certo nível maquinal, de imersão na maquinária virtual, não há mais distinção entre homem/máquina: a máquina situa-se nos dois lados da interface. Talvez não sejamos mais do que espaços pertencentes a ela." (BAUDRILARD, 1997) O que é interatividade? Temos a sensação de que tocar é interatividade, o que não é verdade. Livros envolventes como o Retrato de Dorian Gray 13 podem ser muito mais interativos do que mídias digitais como aqueles CD-Roms enciclopédicos do meio da década de 90. Interatividade deve ser avaliada como uma relação no nível da consciência que consegue envolver quem interage. Um controle remoto não deve ser considerado como interativo. Os celulares buscam essa interatividade utilizando de várias ferramentas, algumas delas sim, tocáveis. 13 Livro mais famoso de Oscar Wilde, autor inglês do século XVIII.
  • 28. 21 Em 2008, a Apple utilizou como carro chefe de desenvolvimento o seu Iphone com tela sensível ao toque. Unindo o toque à estética moderna, em um design de interface com animações e ícones bonitinhos, podemos sugerir uma relação de feedback positivo entre interatividade, imersão e prazer. Quanto mais interativo, maior a imersão e consequentemente, o prazer. É a imersão proporcionada pelos jogos eletrônicos uma das bases de seu sucesso, ela estimula o divertimento. Interatividade é um dos focos de desenvolvimento das mídias. Tanto para as mídias portáteis ou não portáteis, o videogame têm sido o grande inovador na interação com o usuário. A Nintendo desenvolveu o Nintendo Wii, que além do controle com sensor de movimento e pequenas outras funções, têm uma “balança” que permite jogos como snowboard ou exercícios como Yoga. As três grandes empresas de jogos, Sony, Nintendo e Microsoft, adotaram uma guitarra, bateria e até mesmo microfone como acessório dos seus jogos de ritmo. Outro caso é o Nintendo DS, videogame portátil que conta com duas telas e duas câmeras de vídeo, o que modifica não só o controle do jogador sobre o jogo como sua imersão. O nível de interatividade que o hardware permite altera a relação do usuário com o game, modifica a linguagem utilizada nos jogos para se tornarem atraentes através da dinâmica interatividade-imersão-prazer. Dessa forma, o Iphone, da Apple trouxe a tela touchscreen para celular com uma interface interativa e interessante. O telefone celular da
  • 29. 22 Apple não é o primeiro aparelho com touchscreen, mas foi o primeiro que conseguiu agregar essa função com uma interface atrativa. A linguagem do Iphone prioriza entretenimento, com acesso fácil à internet, softwares e games ao invés de priorizar a ligação telefônica. 5.1 INTERAÇÃO: CARACTERÍSTICAS DE EMERGÊNCIA Alex Primo define interatividade como diversas formas criativas de trabalhar usando várias maneiras de interação em uma apresentação, em que o emissor consiga transmitir a mensagem para o receptor. Através de uma interatividade bem planejada, o emissor/criador/designer pode alcançar um maior controle sobre o receptor. O designer define se é mais importante que o usuário tenha um acesso prioritário à internet ou à agenda de contatos. Isso pode ser notado pela disposição e acessibilidade dos botões, por exemplo. Existe uma mensagem transmitida pela interface. Com esse raciocínio em mente podemos não só direcionar estratégias de utilização de software como podemos criar alternativas para que o usuário customize seu aparelho e sua interface. A customização entra como fator de emergência dentro da tecnologia. Por um incentivo tecnológico da empresa, que abre uma possibilidade (muitas vezes sem essa pretensão), o aparelho tem sua interatividade alterada pelos próprios consumidores. No Brasil, as ligações de 3 segundos são uma ação, um movimento, considerado emergente, bottom-up. Mesmo sem o planejamento da empresa, os jovens, principalmente adolescentes em idade de
  • 30. 23 Ensino Médio passaram a utilizar essa função para reduzir o preço das suas faturas no fim do mês. Alex Primo analisa duas formas básicas de interação nos meios eletrônicos: Interação Reativa e Interação Mútua. A primeira é considerada fraca e limitada, já a segunda se apresenta como completa. O tempo todo se lida com as duas formas dentro do celular. Prioritariamente, trabalhamos com Interação Reativa, que é o tipo de interação com meios eletrônicos que já fornece padrões preestabelecidos de interatividade. Assim, as ações do usuário seguem determinadas regras existentes no programa. Podemos observar esse padrão em celulares de primeira geração e as primeiras linhas de segunda geração, que não permite a troca, dentro da interface, de informações que já não tenham sido pré-estabelecidas. A partir do momento que o telefone celular passa a fornecer conexão com a internet, esta conexão altera a interação. A Interação Reativa se caracteriza por sistemas fechados, os quais apresentam relações unilaterais e lineares, que ficam presas aos pares estímulo–resposta, ação e reação. A pessoa que está com o telefone apenas reage aos estímulos dados, não tendo possibilidade de alterar os agentes daqueles estímulos. O sistema não evolui, pois não efetua trocas com o ambiente, além de serem presos à sua fase inicial: se uma situação não foi prevista, ela não irá produzir o mesmo resultado que outra situação anteriormente planejada, e pode até não produzir efeito algum. A interpretação das mensagens não depende da capacidade cognitiva
  • 31. 24 do receptor, criando um processo de automatismo. Se aparece na tela um ícone de uma carta, é porque devemos abri-la, a possiblidade de não abertura também é levada em consideração. Se o telefone toca, ou vibra, é porque devemos olhar para a tela ou colocar o aparelho próximo do ouvido. Por outro lado, a interação on-line em redes sociais pode ser considerada de Interação Mútua, pois permite trocas de informações reais com outras pessoas, resultando em maior imersão na interface e em uma possibilidade evolutiva do programa. A internet oscila entre momentos de Interação Mútua e Interação Reativa. Para fins didáticos, podemos imaginar que quando lemos um jornal na internet a interação é reativa, mas quando editamos a Wikipedia a interação é mútua. Como sistema aberto, entendemos que é possível a troca de informações entre os jogadores dentro da rede, com limitações de acordo com a configuração de seu aparelho portátil. Os sistemas interativos mútuos estão direcionados, de maneira geral, para a evolução e desenvolvimento, já que esse fluxo de informação faz com que a evolução aconteça segundo um processo de negociação entre as partes. A partir das trocas de informações que vão além da emissão da voz, as ações dos aparelhos portáteis conectados à rede têm a possibilidade de ocorrer de maneira interdependente, de modo que cada link, cada pólo, pode influenciar a ação dos outros e também ser influenciado. Cada mensagem depende da capacidade cognitiva do receptor para ser compreendida pelo aparelho, e, como isso varia de pessoa para pessoa,
  • 32. 25 não se pode prever todas as movimentações. Alex Primo explica esse processo: “Enfim, por ser um sistema aberto e por pressupor processos interpretativos (entre outros fatores), não se pode jamais pré-determinar que uma certa ação gerará determinado efeito. Logo a interação mútua é um processo emergente, isto é, ela vai sendo definida durante o processo. Portanto, as correlações existem, mas não determinam necessariamente relações de causalidade. Enfim, podemos dizer que os sistemas reativos se baseiam no objetivismo, enquanto os sistemas de interação mútua se calcam no relativismo.” (PRIMO, 1998) Steven Johnson escreve sobre isso no último capítulo de seu livro Emergência - a dinâmica de redes em formigas, cérebros, cidades e softwares, ao citar alguns jogos on-line e a capacidade de customização como representantes das características de organização em bottom-up. Em uma plataforma com Interação Mútua, as pessoas alteram seu ambiente, seus softwares e podem fazer parte de um ambiente que foi, em sua maioria, criado e alterado por outros usuários, sem ser necessária a interferência da companhia que desenvolveu o software. Mas a empresa não deixa de fazer parte. Ela incentiva os usuários a continuar desenvolvendo seus softwares, sua interação com outros usuários por meio de concessões, patrocínios e mesmo reconhecimento em sites oficiais como a Apple Store, que publica os softwares mais interessantes feitos de forma independente. Desse modo, há um crescimento em bottom-up e administração em top-down², que é como funciona a rede de celulares. O sistema operacional para celulares Android, do Google, promete ser aberto a essas novas possibilidades de alterações feitas pelos próprios usuários.
  • 33. 26 5.2 POSSIBILIDADES DE IMERSÃO Lúcia Santaella traça um panorama da imersão em cinco níveis³. Qual o nível que pode ser atingido nos telefones celulares? Em geral, os aparelhos portáteis atingem apenas o primeiro, chamado por ela de imersão por conexão. Nesse caso, o corpo fica ligado ao aparelho pelo teclado e, através do acionamento dos sentidos, visão e tato principalmente, a mente mergulha naquele universo. Alguns aparelhos elevam a imersão a seu grau máximo, que é o da simulação quase perfeita da realidade. É o que projetos como o CAVE, sala de realidade virtual, tentam atingir. O nível 5 seria, basicamente, a Matrix. No filme Matrix, de 1999, os irmãos Wachowski reuniram mitologias gregas e orientais em um cenário cyberpunk para criar um mundo em que os humanos entram, por meio de conexões entre cabos e o cérebro, em um ambiente virtual, controlado pela máquina. Eles imergem de forma tão completa que não distiguem que estão em um mundo paralelo. O filme trouxe reflexões sobre a relação entre homens e robôs e os limites da realidade virtual. Para melhorar a imersão e, conseqüentemente, o prazer do usuário de celular, projetos de óculos pequenos, que consigam projetar imagens, (como o de Tom Cruise no início de Missão Impossível 2), parecem ser o próximo passo. McLuhan entende a tecnologia como extensão do homem, nossa consciência é apoiada o tempo todo em cima de objetos externos como se eles fizessem parte do nosso corpo. Amplificar essa característica tem sido a função da pesquisa de hardware para imersão.
  • 34. 27 O Iphone eleva a imersão a um outro nível dentro dos celulares. Com sua interface priorizando a tela em touchscreen, um nível de intermediação é retirado. A própria pessoa poder trocar a tela sem passar pelo intermédio do teclado. O mediador existe, a tela transmite as informações e só assim o ícone embaixo do seu dedo é acessado. Mas a sensação é de que esse meio não existe. A imersão por avatar, considerada de nível 2 por Santaella, também é possível dentro do celular. Até o momento foi utilizada apenas nas redes sociais e nos jogos on-line. Algo ainda não explorado nos aparelhos para funções de telefonia. Os avatares podem ainda apresentar formas distantes da realidade, atingindo um número maior de pessoas por identificação ou escolhas de características físicas. Depois do personagem criado somos jogados em um mundo virtual on-line, em que o realismo não é necessariamente a meta. À medida que seu mundo parece se comportar de modo consistente e que o usuário entenda, ele terá menos dificuldade de imergir no ambiente e suspender sua descrença. Existem pesquisas que sugerem que os ambientes de interação por avatares seriam uma possibilidade para a internet, com aplicações na publicidade e aproximação do mundo real do virtual (PIMENTA e LORENA, 2007). No entanto, a necessidade de um hardware com alta capacidade de processamento e internet banda larga ainda impossibilita a popularização desta tecnologia no Brasil. Para o celular, os avatares como principal
  • 35. 28 possibilidade ficam ainda mais limitados devido a características específicas de internet e modelo do aparelho. Já existe uma versão do Second Life14 para celular que pode ser baixada no site http://www.vollee.com/secondlife para portadores de telefones com internet 3G. Mas nem sempre imersão e interatividade são o melhor caminho. O computador Mac demorou muito tempo para entrar nos escritórios, exceto nos de designers e empresas de áudiovisual, por parecer mais um brinquedo do que uma ferramenta de trabalho. (JOHNSON, 2001) 14 Software para interação de pessoas on-line que tem como a base a utilização de avatares.
  • 36. 29 6 INTERFACE: UNINDO INTERATIVIDADE E IMERSÃO O que é Interface? Podemos simplificar com: é o que faz a comunicação com um aparelho eletrônico. Steven Johnson (2001) leva o conceito além e explica que, em nossa cultura da interface, essa troca de informações com a máquina é uma poderosa ferramenta de comunicação. Ele afirma que o desenvolvimento de uma interface não deixa de ser uma obra de arte, assim como um projeto arquitetônico. Sua teoria parece se apoiar na cultura da imagem, de Walter Benjamim, ligada à capacidade de uma interface gráfica nos computadores. Para exemplificar o poder da interface, Johnson recorre a um caso de 1995, quando a Microsoft foi acusada de truste por colocar um ícone que direcionava o acesso à internet direto de sua área de trabalho. As outras empresas do ramo acusavam que, com aquela medida, a Microsoft conseguiria nove milhões de novos assinantes de internet em um ano. Na época, a America On-line era a maior empresa no setor e possuía três milhões de assinantes. “Quanta confusão por causa de um ícone”, explica Johnson. Assim como, em um projeto arquitetônico ou de urbanização, “cada decisão do projeto ecoa e amplifica um conjunto de valores, um pressuposto acerca da sociedade mais ampla que a emoldura”, explica Steven Johnson. O design de interfaces pode ser considerado uma junção da arte com a tecnologia de nossa época. Ela concentra vários tipos de arte diferentes, como cinema, quadrinhos, música e relaciona tudo isso ao uso de computação
  • 37. 30 gráfica de alta qualidade e diferentes formas de interação. “Não há artistas que trabalhem no meio da comunicação de interface que não sejam também engenheiros” (JOHNSON, 1997). Aprimorando o conceito, podemos dizer, então, que Interface é o meio pelo qual o computador representa-se a si mesmo para o usuário, de modo que a interação entre usuário e computador seja facilitada. Para o designer de interfaces, o desafio é balancear a interatividade e o nível de imersão possibilitada pelo hardware de acordo com um pressuposto usuário. Assim como o jornalista pressupõe um leitor para adaptar sua linguagem, o designer de interface cria em função de um usuário. Os jovens representam um perfil específico pois já nasceram em um mundo multisensorial que vai muito além de controles verbais ou simplesmente gráficos. É importante estudar essas diferenças de interação para aumentar a capacidade de evolução do aparelho e, conseqüentemente, esperar um crescimento no interesse do usuário. Utilizamos “esperar” porque essa evolução aleatória pode gerar um desinteresse, algo que venha atrapalhar a evolução em algum nível. Teoricamente, quanto maior a interação mútua, maior as chances de seu produto/aparelho/software ter melhor aceitação e propiciar prazer. Para evitar que a troca de informação gere problemas como a dificuldade de navegabilidade da interface, que pode gerar desinteresse, as empresas criam mecanismos reguladores de interação. O YouTube é um exemplo de uma interação mútua em que um usuário pode postar seu vídeo, dar opinião sobre outros, sugerir melhoras para a empresa,
  • 38. 31 discutir e interagir com vídeos de outras pessoas, criar conexões dos vídeos entre si. No entanto, mecanismos reguladores em top-down e auto-reguladores em bottom-up foram adicionados para que regras de conduta não possam ser violadas. Para exemplificar o sistema Top-down, a empresa coloca pessoas responsáveis por verificar se o conteúdo postado está de acordo com as normas de transmissão. Mas a interação possui tantos links e pólos de conteúdo que é inviável para a empresa possuir funcionários suficientes para regular todo o sistema. Para isso eles criam, na interface, um link que denuncia os vídeos que violam as regras. Eles incentivam um sistema de vigilância emergencial feita pelos próprios usuários. No Brasil, os telefones celulares desenvolveram certo padrão de interface que privilegia as funções ligadas à telefonia comum, como discagem e agenda de contatos. Seguindo a teoria de Mizuko Ito, de que a tecnologia varia de acordo com os padrões sócio-culturais, podemos entender por que o Iphone, da Apple, coloca o entretenimento, como ouvir música e usar aplicativos, em primeiro lugar. A interface de entretenimento nada mais é do que uma metáfora de como os americanos se vêem. Os japoneses, por sua vez, criam interfaces com muitas animações e ícones bonitinhos, beirando o infantil. Steven Johnson nos chama a atenção para como o Windows faz referência ao escritório, com pastas e arquivos para organização. Para ele, a interface é essa auto-representação.
  • 39. 32 6.1 A TV PARA CELULAR Apesar de todas as possibilidades de novas funções no celular, a TV no celular tem recebido considerável destaque. Isto porque as pessoas costumam trazer resquícios das formações antigas para entender as novas. Mcluhan nos chama a atenção para o híbrido: “O híbrido, ou encontro de dois meios, constitui um momento de verdade e revelação, do qual nasce a forma nova. Isto porque o paralelo de dois meios nos mantém nas fronteiras entre formas que nos despertam da narcose narcísica. O momento do encontro dos meios é um momento de libertação do entorpecimento e do transe que eles impõem aos nossos sentidos.” (MCLUHAN, 2003) Na mistura entre os meios temos a possibilidade de ir além do que estamos acostumados. Se a programação na TV é baseada em programas de 30 minutos ou 1 hora, agora, para a televisão no celular, não precisamos seguir esse padrão, podemos criar novos. Outro ponto importante que Mcluhan explica é que as pessoas alteradas pelo meio vêem o conteúdo de forma diferente. À medida que domesticamos o telefone celular, as linguagens vão sendo alteradas. No Japão, os novos celulares possuem dois sistemas de TV: o de recepção analógica e o One-seg, que tem recepção digital e é específico para portáteis, celulares e videogames. Este sistema acompanha sempre um link embaixo da tela sobre o programa que está sendo transmitido. Se estiver passando o jornal, clica-se no link e a interface muda para o site do jornal. Outra vantagem do sistema One-seg é que, em alguns celulares, é possível gravar uma programação de até 30 minutos com a memória do próprio aparelho.
  • 40. 33 E como colocar toda a possibilidade de canais e acesso dentro do celular que, por ser pequeno, tem a navegabilidade e usabilidade tão comprometida? Novas maneiras de organização e classificação precisam ser criadas, o que demonstra mais uma vez o caráter efêmero dos celulares como temos agora. 6.2 INTERNET PARA CELULAR As aproximações culturais entre Brasil e Estados Unidos colocam a internet como a nova tendência para o telefone celular. Conectar-se à internet ganhou bastante destaque no Iphone. Apesar de já ser possível conectar em qualidade razoável pelos smartphones, a interface da tela touchscreen com possibilidade de zoom trouxe vantagens razoáveis para o aparelho da Apple. O Brasil ainda enfrenta grandes barreiras político-econômicas para o desenvolvimento dos celulares de terceira geração. Ainda não existe visibilidade por parte dos criadores de políticas públicas brasileiros para as possibilidades de inclusão digital advindas da popularização da internet no celular. No Japão, a internet para celular foi implantada em 1999 pela empresa NTT DoCoMo. A partir do i-mode, a interface foi reconfigurada para se adaptar à nova função. Em alguns aparelhos um novo botão para abertura de um navegador foi adicionado. A maioria dos aparelhos teve apenas um ícone acrescentado em seu sistema operacional. É interessante constatar certa “regressão” no webdesign japonês. Para se adaptar a
  • 41. 34 um número maior de pessoas conectadas à internet pelo keitai do que pelo computador, as empresas sentiram a necessidade de desenvolver plataformas mais simples para serem acessadas adequadamente pelo keitai. Os keitais, em geral, possuem tela de tamanho reduzido e navegação por botões (alguns poucos modelos apresentam touchscreen), e não pelo mouse como estamos acostumados no computador. Além da velocidade da conexão ser sensivelmente mais lenta do que a conexão por computador. Para se adaptar a essas características, os sites ficaram mais simples e seguem, em sua maioria, um padrão vertical, com informação e links formados majoritariamente por texto e pequenas imagens. Acima temos o screenshot de um site de uma empresa de táxi. Repare que apenas imagens pequenas são utilizadas. A fonte de texto é pequena e as informações simplificadas. Adaptações que priorizam o acesso pelo keitai. Algumas empresas, para não perder a funcionalidade de seus websites, lançam duas
  • 42. 35 versões, uma para Internet e outra para o celular. Existem, no Japão, servidores especializados em internet para keitai. Muitos destes só conseguem ser acessados através do celular. Outra consideração importante no design de interface para keitai no Japão foi a criação do QR Code, o código de barras para celular. Aproveitando da capacidade de câmera na maioria dos keitais, foi criado um sistema em que o keitai reconhece aquele código e o transforma em um link para uma página de internet. Com essa função, não é necessário digitar no campo de endereço do navegador do keitai o caminho para a página desejada. Ao invés de digitar http://www.mcdonalds.co.jp, é necessário apenas que a pessoa procure em qualquer anúncio do Mcdonalds o QR Code. Esse código, lido pela câmera do keitai irá direcionar o navegador direto para http://w.mdj.jp. Quando um site é acessado pelo keitai, um reconhecimento é feito e caso a empresa possua site para acesso portátil, o usuário é automaticamente redirecionado. Em muitos casos o site só pode ser visto pelo keitai e o acesso através do computador é negado. No caso acima, o site do Mcdonalds para keitai tem acesso restrito. Esse acesso restrito para keitais, mesmo dentro da World Wide Web, evidencia uma influência sociocultural na utilização da tecnologia, como defende Mizuko Ito. Como os celulares também dispõem de um sistema operacional limitado, a única tecnologia de boa qualidade gráfica disponível em larga escala que pode ser utilizada para internet é a linguagem Java. Ao contrário das linguagens convencionais, que são compiladas
  • 43. 36 para um código nativo do sistema operacional, a linguagem Java é compilada por um bytecode que é lido por uma máquina virtual. Isso significa que, uma vez instalada a máquina virtual Java, qualquer aparelho é capaz de rodar os aplicativos. A interface que prioriza o acesso à internet não é só uma demanda do consumidor. As empresas têm o interesse que se use o celular para se conectar, pois além de pagar uma taxa extra, ainda direciona o acesso para os sites das próprias empresas para a compra de produtos para personalização do seu aparelho, como toques de celular, papéis de parede, e jogos. A Adobe, responsável pelo conteúdo Flash15, já fez acordos com empresas de chips para capacitar a utilização de seus recursos nos portáteis. Se a evolução dos aparelhos chegar no Brasil antes da evolução da internet, vamos ter que pensar na internet para telefone celular no país de outra forma, sem a potência da internet, mas com grande posibilidade de recursos. 15 Software utilizado em grande escala na internet que permite recursos gráficos e interativos, como vídeos e jogos, com arquivos pequenos, mas que exigem determinada potência do processador.
  • 44. 37 7 TEORIA DE REDES E CELULAR Albert Lásló Barabási cita em seus estudos que a teoria de redes só pôde ser analisada atualmente devido ao desenvolvimento de técnicas de mapeamento dos processos. Ele explica que, na Europa medieval, lugares que eram desconhecidos tinham um dragão desenhado no mapa. A partir das explorações de lugares de difícil acesso pelo desenvolvimento da sociedade, o número de dragões foi diminuindo. É assim que funciona o nosso estudo. A partir dos mecanismos de mapeamento da Internet e dos telefones celulares pode-se analisar esses sistemas que se portam como organismos vivos e apagar os dragões dos nossos mapas. O telefone celular em rede nos remete à proposição de uma inteligência coletiva, pois, com o celular, podemos falar sobre esta inteligência mediada por uma prótese. Qualquer um que tenha um telefone celular está virtualmente conectado a todos os aparelhos celulares e computadores do mundo. Uma novamente coletiva agora criada artificialmente. Por este motivo, ser artificial, pode ser mapeada e estudada. Podemos entender um pouco mais sobre essa mente a partir da teoria de redes. Partimos do princípio de que a internet foi desenvolvida por pessoas. Quando interagimos com um software, podemos inferir que em última instância estamos interagindo com o criador daquele programa. Não é um diálogo entre humano e máquina, mas sim entre cérebro e prótese, não diferenciando sujeito e objeto. Quando o homem inventa os robôs,
  • 45. 38 nossas formações contaminam a produção (MAGNO, 2005). Seguindo este raciocínio, os primeiros celulares tinham que parecer com os telefones que existiam em casa para fazer sentido como telefone. Hoje, eles se parecem mais com videogames portáteis porque a mentalidade mudou. Ao considerar, tanto a internet, o celular, quanto o ser humano, como formação, deixa claro que não consideramos a idéia de pessoa como indivíduo, ou separação entre sujeito e objeto. Tudo são formações que existem independentes da existência do homem. Aplicando esse conceito a teoria de redes proposta pela nova psicanálise, essas formações tornam-se necessariamente Pólos, que por sua vez são constituídas por Foco e Franja. Abaixo uma representação gráfica da teoria. O centro das esferas são Pólos. As esferas caracterizam a zona focal. As linhas caracterizam as franjas.
  • 46. 39 Uma pessoa é um pólo. O aparelho celular pode ser um dos focos da formação pessoa. A Franja se configura como possibilidade de alcance indeterminado a outras formações, a tudo, não necessariamente outros telefones celulares. Mas isso só é possível se considerarmos o aparelho celular como uma formação, ao invés de objeto, e as pessoas como um aglomerado complexo de formações, e não como sujeito. O celular seria uma extensão tecnológica para o foco comunicação, o que coincide com os ideais Mcluhianos. Como Magno sugere, o ganho dessa teoria sobre outras teorias dos sistemas é o acréscimo da Hiperdeterminação. O homem, como formação hiperdeterminada, considera a chance do novo, da criação, como parte do processo. Existe um empuxo, uma pulsão, que direciona o movimento para o desejo de sua própria extinção. Como não conseguimos extinguir, vamos ao limite e voltamos. Esse limite é o ponto de criação. A partir desse lugar suspenso, observa-se melhor as formações e tudo se indiferencia. O oposto também é levado em consideração como uma das muitas possibilidades. Essa teoria também considera um quarto elemento: o tempo. Tudo o que há é temporalizado e tem uma duração. Se pensarmos que possuir telefone celular em algum momento foi motivo de status, hoje isso virou, é indiferente. Da mesma forma que um dia o aparelho celular virá a ser substituído por outro meio de comunicação mais eficiente para dar conta dessa busca por uma conexão plena. Com um telefone celular em nossas mãos estamos (re)conectados tecnologicamente, por uma prótese, a todos os aparelhos, e consequentemente
  • 47. 40 às pessoas, no planeta terra, criando um mundo pequeno16, uma aldeia global. 7.1 REDES ALEATÓRIAS Os estudos de redes começaram dos estudos de grafos, feitos por matemáticos, e só depois de muito tempo foram adotados pelas ciências sociais a fim de estudar a formação de redes sociais. Um grafo é um conjunto de nós conectados por arestas que, em conjunto, formam uma rede. O modelo de redes sociais proposto pelos matemáticos Paul Erdös e Alfred Rényl, em 1959, considerava que todos os nós de uma mesma rede teriam uma média comum de conexões. Seu experimento social consistia em considerar que, ao fim de uma festa, todos os participantes teriam conhecido mais ou menos o mesmo número de pessoas. Pela teoria de redes aleatórias, todas as pessoas daquela festa sairiam conectadas de alguma forma pela interação aleatória. João tem um link com Maria porque conheceu José, que conheceu Pedro, que conheceu Maria. A teoria de Erdös e Rényl se mostra muito democrática por considerar que todos na festa tiveram a mesma chance de conhecer pessoas. Ela não avalia o motivo pelo qual as pessoas procuraram umas as outras. Se uma pessoa na festa tivesse uma grande habilidade de fazer amigos, ou fosse muito bonita e atraísse a atenção para si, ela teria um número muito superior de links do que as outras, retirando o fator aleatório da rede e criando um padrão de 16 Referente à teoria small-world network, desenvolvida por Duncan Watts e Steven Strogatz
  • 48. 41 conexão relativo à habilidade de interação social. Em uma simples análise da Internet é fácil perceber que as páginas não contêm o mesmo número de links, nem tem a mesma chance de serem encontradas. Raquel Recuero critica a teoria de redes aleatórias: “Entretanto, as relações entre os indivíduos na comunicação mediada por computador não são aleatórias. As pessoas levam em conta diversos fatores ao escolher conectar-se ou não a alguém. Os laços sociais, portanto, são estabelecidos sob prismas muito específicos de interesses comuns de cada nó.” (RECUERO, 2004) 7.2 SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO E A TEORIA DO MUNDO-PEQUENO Stanley Milgram ficou famoso por sua experiência social em que sugere comprovar a teoria dos seis graus de separação entre as pessoas. Ele enviou cartas a indivíduos aleatórios pedindo que essas cartas chegassem a um alvo específico. Pediu também que quando uma carta fosse passada para a próxima pessoa, uma outra fosse enviada a ele para monitoração do processo. Ao fim do experimento o número médio foi de 6 graus de separação. Pela sensação de proximidade que a apenas 6 graus de separação todos estamos conectados, a teoria foi chamada de mundo-pequeno. No entanto, Judith S. Kleinfeld (2002) faz uma dura crítica a aceitação do experimento de Milgram. Ela discute a validade dos documentos que não explicam o que havia sido escrito nas cartas que Milgram enviou, e que apenas 5% das cartas enviadas
  • 49. 42 chegaram ao seu destino. Kleinfeld, que vem do ramo da psicologia, também coloca em discussão a fácil aceitação dos acadêmicos ao pobre resultado mostrado por Milgram. Para ela, as pessoas gostariam de viver em um mundo pequeno, pois essa imagem nos parece mais aconchegante. A teoria do mundo-pequeno voltou a chamar atenção em 1998 com um artigo de Duncan Watts e Steven Strogatz em que eles tentam explicar matematicamente os seis graus de separação. O modelo de Watts e Strogatz mostra que em redes altamente conectadas os graus de separação tendem a ser cada vez menores. Com isso eles constatam a formação de cluster. Um cluster seria uma rede com muitas ligações. Voltando ao exemplo da festa, os participantes formam um cluster, um mundo-pequeno, altamente conectado, em que os nós têm um grau muito pequeno de separação. Considerar o cluster é importante para entendermos que esferas sociais diferentes formam seus próprios mundos-pequenos, que interagem entre si por meio de pessoas que pertencem a mais de um grupo social. Essa teoria falha em ainda considerar os links de forma aleatória, dizendo, mais uma vez, que as possibilidades de conexão de todas as pessoas são iguais. Se assim fosse, a chance de uma pessoa entrar na minha página pessoal e no google seriam as mesmas. Isso acontece porque a teoria de Watts e Strogatz não leva em consideração os fatores que motivam essa conexão. A teoria de mundos-pequenos não releva o teor das interações e laços sociais e sua influência na rede.
  • 50. 43 Duncan Watts e Steven Strogatz chegaram a tentar repetir o experimento das cartas de Milgram por correio eletrônico. Só que não foram bem sucedidos. A maioria das pessoas não via vantagem em repassar o e-mail. Pequenos incentivos foram acrescentados, o que surgiu efeito. De certa forma, a teoria de Watts e Strogatz remete à teoria de Mark Granovetter, que diz os laços fracos seriam mais importantes para a criação das redes sociais do que os laços fortes. Granovetter considera os níveis de interação social e explica que os laços fortes, com relação à família e amigos próximos, reduzem a possibilidade de novas conexões. Para ele, as pessoas que mantém muitos laços fracos são os responsáveis pela manutenção das redes altamente conectadas e, por isso, responsáveis pela manutenção dos mundos-pequenos. 7.3 REDES SEM ESCALA A teoria de “redes sem escala”, proposta por László Barabási em 2003, resolve alguns problemas das teorias anteriores. Por considerar a conexão em hubs, em pólos, o modelo é melhor aplicável à dinâmica da internet. Ao invés de redes aleatórias com número de conexões semelhantes a todos os nós, temos alguns pólos de maior convergência que tendem a crescer exponencialmente, comparado a um nó de poucas conexões. No caso da Internet, Barabási cita o Yahoo e o Google como os maiores hubs. Segundo análises estatísticas de monitoração das conexões na internet, ele supõe que quando
  • 51. 44 mais conexões um pólo recebe, maior as chances de mais pessoas se conectarem a ele. Seguindo essa linha de pensamento, Barabási resume sua teoria em: “os ricos ficam mais ricos.” A principal falha dessa proposta é não analisar os motivos pelos quais alguns sites se tornam pólos. László Barabási apenas ressalta que sendo pólo, as chances de crescer são maiores. Raquel Recuero também ressalta que esta teoria não considera o custo para a manutenção dos laços sociais. Os pólos das redes sem escala simplesmente acumulariam links, sem considerar nenhuma interação de troca de informação entre eles. No entanto, a teoria de redes sem escala é interessante para que possamos pensar nas pessoas que funcionam como pólos das relações sociais. Barabási sugere o exemplo das eleições. A cada eleição escolhemos pessoas que irão se transformar em pólos, em nível nacional ou regional. A eleição ainda corrobora a idéia de que “os ricos ficam mais ricos” se supormos que para uma pessoa ser eleita ela já deve ser um pólo dentro de sua comunidade ou de sua região. 7.4 REDES SOCIAIS ON-LINE E OFF-LINE: UMA BARREIRA QUE SE DISSOLVE Os telefones celulares vêm como potencializadores dessas relações. Uma pessoa que utiliza muito o aparelho celular é provavelmente um pólo de sua rede social. Misa Matsuda (2006) apresenta um período no Japão, em meados da década de 90, em que algumas pessoas
  • 52. 45 criticavam quem utilizava o celular em áreas públicas, como no trem, por exemplo, por acharem que quem falava no celular negava a importância do contato com as pessoas próximas fisicamente. A pesquisa de campo de Matsuda, de caráter antropológico, mostrava que jovens com alto uso de celular diziam utilizá-lo por não ter interesse nas pessoas fora do seu ciclo de amigos. No entanto, outras pesquisas, que avaliavam o conteúdo das ligações, logo revelaram que a maioria dos telefonemas eram feitos para pessoas com laços fortes, família e amigos, ou seja, relativamente próximas fisicamente. Grande parte das ligações tinham o objetivo de marcar encontros. Quanto mais a pessoa utilizava o celular, mais sociável parecia ser. No Japão, as redes sociais on-line são majoritariamente acessadas pelo telefone celular. O que representa uma pequena fusão entre a lista de contatos do aparelho e a lista de amigos da rede social. Isso indica uma dissolução da suposta barreira on-line / off-line. Atualmente, o principal site de relacionamentos no Japão é chamado MIXI. Ele apresenta algumas diferenças com relação ao Orkut. Assim como a rede mais utilizada no Brasil, o MIXI é baseado em comunidades que se conectam para fazer amigos com interesses em comum. Porém, ele tem como principal função a manutenção de um diário, um blog, que vai por e-mail para todos da sua lista de contatos. A parte direcionada para as fotos é colocada em segundo plano. Com o acesso aos contatos das redes sociais on-line com a mesma facilidade da agenda de telefone podemos inferir que quem possui muitos contatos nas redes on-line é
  • 53. 46 um possível pólo nas redes off-line. No Brasil a tecnologia ainda apresenta barreiras a essa afirmação. No entanto, o acesso à internet vem crescendo no país e a mentalidade vem sendo alterada. Antes, existia o estereótipo do nerd, que tinha muitos amigos on-line e poucos off-line. Porém, com o sucesso do Orkut isso mudou. Olhando rapidamente, temos a sensação de que as pessoas com muitos contatos on-line são também pólos de redes sociais off-line. Kakuko Miyata (2005), ao contrário, defende que essa barreira ainda é perceptível no Japão. Ele discute que as redes formadas pelo computador tendem a ser muito mais ricas em variedade do que as formadas pelo telefone. Mesmo que a pessoa possa acessar a internet pelo keitai, Miyata argumenta que o comportamento nas duas é muito diferente. Para ele, o keitai seria ruim para chat, por exemplo, o que implica que a conversa ficaria reduzida a duas pessoas, enquanto com o PC teríamos muito mais possibilidades. As discussões do autor ficam reduzidas à evolução do keitai. Em pouco tempo os aparelhos poderão ser tão eficientes quanto um computador, e para muitas funções já o são. Ele também não leva em consideração que cada aparelho tem que ser visto de acordo com seus próprios conceitos e teorias. Devemos resistir à tentação de olhar para o celular como um computador de mão, mesmo que em alguns momentos ele se porte dessa forma. Myata também nos remete à discussão de Granovetter sobre laços fracos sendo responsáveis por redes mais ricas.
  • 54. 47 8 LINGUAGENS E EXPRESSÃO INDIVIDUAL Os celulares prometem ser uma grande fonte de informação e de expressão pessoal nos próximos anos. Shin Muzukoshi (2004) trabalha com o estudo de redes de fotologs e outras comunidades sociais que só pode ser acessados e postados através de celular. Por ser um objeto de uso individual, ser portátil e apresentar as possibilidades técnicas necessárias, ele se mostra ideal para esse tipo de mídia. Mizukoshi aponta o celular como a grande promessa para a expressão individual de jovens para os próximos anos. A Rede Bandeirantes tem no jornal da manhã um “repórter celular”, que vai para algum ponto estratégico e enquanto filma o fato, fala a notícia, sem a sua presença na tela. Uma inovação no jornalismo que ainda está em fase de teste. No entanto, é interessante como possibilidade de renovação das linguagens jornalísticas. Uma preocupação referente ao uso dos celulares remete às discussões sobre a influência da internet entre os jovens. Os jovens estariam escrevendo errado, ignorando regras gramaticais, utilizando de abreviações, sem paciência para pensamentos longos e complexos por meio da escrita. Com o celular, isso fica evidente pela velocidade com que a informação é trocada. Supõe-se que o usuário esteja constantemente atento ao seu celular, e por isso espera-se uma resposta instantânea. No Japão, como os keitais recebem diretamente e-mails, espera-se que a resposta aos e-mails também seja imediata. Não só a velocidade, mas o desconforto de uma tela pequena
  • 55. 48 para leitura e de um teclado numérico para digitação fazem com que essa alteração da escrita seja potencializada. É o que Naomi Baron comenta no começo de seu livro, Always On, quando discute se a linguagem escrita na internet fez com que a “escrita ruim” superasse a “escrita boa”. Ela, como pesquisadora de lingüística, discute com parâmetros em utilização do formal e do informal. Baron chega à conclusão que, na era da internet e das mensagens instantâneas, importa muito pouco se a escrita é ruim, desde que haja comunicação. A mentalidade foi alterada. Os livros para celular no Japão são uma demonstração clara da adaptação das linguagens. Chamados de Keitai Shosetsu, (literalmente “novela para celular”), os livros para celular no Japão têm algumas características próprias do meio. O público alvo desses romances costuma ser estudantes do ensino médio e mulheres na faixa dos 20 anos de idade. Seus autores são também formados pelo próprio grupo. Os romances geralmente têm muitos diálogos e parágrafos pequenos para se adaptar à tela do celular. As histórias são curtas e geralmente tem entre 200 e 500 páginas, sendo que cada página apresenta cerca de 500 caracteres japoneses (algo em torno de meia página A4 em fonte Times New Roman, tamanho 12). Os críticos de livros tentavam utilizar as mesmas regras que utilizavam para os livros impressos para o novo material. Pois que o livro de celular foi considerado superficial e mal escrito. Ishihara Chiaki, especialista em literatura japonesa na universidade de Waseda,
  • 56. 49 explica que os jovens começaram a escrever a partir da grande afinidade com escrever e-mails pelo celular. Ishihara sugere que eles não eram escritores antes e muitos nem passaram pela cultura do computador e sempre utilizaram apenas celulares, a tecnologia criou os novos escritores. A cultura foi modificada pelo próprio aparelho. 8.1 POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO Uma possibilidade latente do celular é a sua utilização na educação. O uso simples da tecnologia por um professor, que envia a matéria ou conteúdos complementares para o celular dos alunos, pode trazer um novo ânimo para os estudos e manter o aluno com o conteúdo acessível para estudo em qualquer lugar. No Japão isso é possível, mas os professores, em geral, não o fazem. Padrões culturais que incentivam a utilização de sistemas antigos de ensino inibem essa possibilidade. No entanto, os alunos não deixam a tecnologia inutilizada. Os estudantes japoneses aproveitam seus celulares com câmeras de boa qualidade e, frequentemente, tiram fotos do quadro negro após a aula. No fim dos anos 90, com o crescimento do uso de celulares no Japão, eles chegaram a ser proibidos em sala de aula. Hoje, com o aumento do número de estudantes com celular ele é aceito no modo silencioso. Até mesmo porque muitos celulares apresentam softwares específicos para estudo, como tradutores lingüísticos e dicionário, muito além da simples calculadora.
  • 57. 50 Podemos dizer que houve uma indiferenciação com relação ao uso do aparelho. Os parâmetros de “faz bem ou mau” deixaram de ser considerados. Encara-se o fato de o celular estar presente e como devemos trabalhar com isso. Não utilizá-los como ferramenta, como faz o sistema de educação básica japonês, é apenas uma das alternativas. Uma mudança de hábito causada pelo telefone celular é uma olhada no aparelho logo que a aula termina. Fato muito comum entre os japoneses devido ao hábito de resonder prontamente os e-mails, já pode ser constatado entre os estudantes brasileiros, mas não na mesma proporção. Existem também experiências de professores que, no ensino da língua, já utilizam os emoticons como parte do aprendizado. Kanda University, uma faculdade no Japão, possui um curso específico para o ensino da língua japonesa para estrangeiros. Algumas aulas eram específicas para o aprendizado da comunicação de símbolos via internet. No caso, a comunicação foi considerada mais importante do que a linguagem formal. Se Naomi Baron (2006) reclama que a linguagem “ruim” superou a linguagem “boa”, é porque os usuários de celular priorizam a comunicação rápida em detrimento das normas formais. 8.2 VOZ OU MENSAGEM Uma grande diferença cultural ressaltada por muitos estudiosos da telefonia celular é o modo como o Japão adotou a utilização de mensagens de texto e e-mail como principal
  • 58. 51 forma de comunicação. Tomoyuki Okada, baseado em pesquisas do Mobile Communication Research Group, descobriu que japoneses, entre o 15 e 24 anos, costumam escrever cerca de 10 mensagens por dia, entre SMS e e-mails. Enquanto 23 por cento declarou fazer uma a duas ligações por dia e 27 por cento declarou realizar duas a seis ligações por semana. Mizuko Ito também explica que muitos japoneses usam mais mensagens pois alegam que há assuntos em que o texto é a melhor forma de se comunicar. Nos Estados Unidos, Naomi Baron perguntou aos estudantes se das últimas dez utilizações do celular, tanto para falar como para receber, quantas haviam sido mensagens. Ela chegou a uma média de 3 mensagens de texto para cada 7 ligações por voz. A mesma pergunta foi feita aos universitários de Juiz de Fora. O resultado foi igual ao dos americanos. Na pesquisa em Juiz de Fora, 75% dos estudantes ainda declararam utilizar mais a ligação por voz do que mensagem de texto.
  • 59. 52 9 FETICHE E CONSUMO Considerando o celular como fetiche. Como uma formação capaz de gerar gozo, no sentido de gozar de uma boa capacidade de comunicação. Não é difícil encontrar na internet cenas de sexo com o celular; pessoas falando ao celular durante o ato sexual, celular como brinquedo erótico ou, transmissões ao vivo da câmera de celular de anônimos. Na concepção de Freud, o fetiche ocorre quando o objeto passa a ser a referência de gozo do órgão sexual. Nessa concepção, o celular se encaixa como fetiche a partir do momento que se torna objeto do desejo do consumo para atingir um prazer. Assim como no Brasil, no Japão, a venda de celulares supera a venda de computadores pessoais por motivos óbvios. Preço, portabilidade e funcionalidade. A edição especial da revista Veja de setembro de 2008 tem como matéria de capa a venda de computadores no Brasil. Se compararmos com o Japão, essa seria uma etapa da evolução digital. Primeiro um grande aumento no consumo de computadores pessoais para acesso à internet. Com a possibilidade de acesso à internet via celular e a funcionalidade do 3G, a redução da venda dos computadores é inevitável, considerando que o celular é mais barato, portátil e de fácil manuseio. Atualmente, os jovens são os grandes consumidores nesse setor. Como projeção espera-se que no futuro o uso seja mantido por essas pessoas, o que colocará todas as faixas etárias como usuários. Uma outra mudança relativa a consumo foi com relação ao dinheiro. A Sony inovou
  • 60. 53 em criar o sistema FeliCa, que utiliza um chip que transmite informações seguras por proximidade, sem contato. Em parceria com a empresa NTT DoCoMo, lançaram o primeiro “celular carteira”, que, por possuir o chip, serve para fazer compras utilizando serviços de crédito e débito. O sistema se espalhou para todas as empresas de telecomunicações no Japão e atualmente cerca de 50 milhões de pessoas, metade dos usuários no país, utilizam o telefone celular para esses serviços. Os usuários desses telefones não precisam sacar dinheiro ou se preocupar com trocos pequenos, como explica o comercial do sistema FeliCa. Quase todas as lojas já aceitam a compra por telefone celular. Muitos computadores já possuem o chip para que compras feitas pela internet possam ser discontadas direto pelo seu aparelho. As empresas ainda cadastram os usuários em um sistema de pontos pelo uso do crédito que incentivam cada vez mais o consumo desse serviço. No Japão o sistema também foi adotado no transporte público para pagar as passagens direto na roleta, evitando filas e agilizando o acesso a trens e ônibus. O FeliCa ainda traz a possibilidade de ser utilizado como identificação apenas, podendo ser utilizado como cartão de ponto em empresas. A demanda por esse sistema em nível global existe, mas ainda há muitas barreiras culturais e de proximidade entre as empresas de crédito e comunicação. Esse sistema corrobora mais uma vez linha teórica adotada por Mizuko Ito que considera a utilização da tecnologia algo dependente das relações socioculturais de um país. A tecnologia existe, mas
  • 61. 54 nem todos podem adotá-la. 9.1 MARKETING E PUBLICIDADE Os celulares trazem também grandes mudanças no marketing. Com essa nova tecnologia disponível as operadoras deixaram de ser apenas intermediadores de chamadas telefônicas para se transformarem em provedoras de conteúdo e serviços que envolvam a transmissão de dados. Desse modo elas não só aumentam suas receitas como criam novos mercados. Hoje, 33% do faturamento das operadoras de celular coreanas e japonesas vêm de mensagens de texto e dos serviços multimídia, como download de músicas. No Brasil, a proporção é de apenas 8,5%17. Além das possibilidades de propaganda por e-mail, como já se faz no computador, o celular ainda trás a vantagem, aos anunciantes, de ser mais limitado do que o computador com recursos para fugir da publicidade indesejada. Na maioria dos celulares que conectam na internet, não dá para abrir muitas janelas de navegação, impedindo que se troque de conteúdo enquanto outro está carregando. A Nokia anunciou em setembro um celular que possui downloads gratuitos de música. Nesse caso o celular está alterando também o mercado musical, mudando sistemas de distribuição e de recepção das músicas. Pensando na mudança do mercado, algumas distribuidoras já anunciaram que irão começar a vender músicas em 17 Revista Exame: http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0918/mundo/m0159328.htm
  • 62. 55 cartões microSD18 para substituir em certa proporção o CD. Pelo mundo, menos de 1% de todo conteúdo consumido pelo Ipod, na Apple Store, é vídeo. Isso é pouco em volume mas é bastante em dinheiro. O mercado de vídeos para celular também está em expansão e promete alterar o formato das grandes produções de cinema. O microvídeo, com menos de 5 minutos, já se mostra como a alternativa mais viável à velocidade de transmissão e ao nível de atenção do usuário. O mercado editorial de livros no Japão também vem sofrendo alterações. O jornal New York Times publicou que em 2007, entre os 10 livros mais vendidos no Japão, 5 haviam sido escritos para celular19. Estes livros geralmente são de autores na faixa dos 20-25 anos e são escritos diretamente no celular. Além de serem vendidos on-line, muitos conseguem ultrapassar a pequena tela e viram livros impressos. Como o Brasil não é um país de tradição no mercado editorial de romances, as chances deste mercado se expandir por essa via são pequenas. Porém, adaptando essa possibilidade ao mercado brasileiro, poderemos ver em alguns anos o crescimento desse setor para livros de humor, com pequenas piadas. Um outro exemplo de modificação de estratégias de marketing é a do cereal Sucrilhos, da Kellogs, que para atingir o público infantil e adolescente. Ao invés de oferecer brinquedos colecionáveis, como de costume, fez uma edição em que oferece jogos para 18 Os cartões MicroSD são uma linha compacta de memória portátil. Patenteada pela San Disk, muitos celulares já vem com a entrada para leitura desse tipo de cartão de memória. 19 Disponível em http://www.nytimes.com/2008/01/20/world/asia/20japan.html