O documento discute os processos de fermentação e atividade enzimática na produção de alimentos. Explica que a fermentação resulta do metabolismo de microrganismos e envolve reações catalisadas por enzimas. Também descreve os fatores que afetam a atividade enzimática, como temperatura e pH, e os diferentes tipos de fermentação como a láctica e alcoólica.
1. Unidade 4: “Produção de alimentos e
sustentabilidade”
1.Microrganismos e indústria alimentar
1.1 Fermentação e actividade enzimática
A fermentação, que tem como resultado a transformação e produção de alimentos,
resulta do metabolismo dos organismos que a realizam. Isto é, resulta do conjunto de
reacções químicas realizadas pelo organismo nas quais existem transferências de
energia.
Assim podem ser considerados dois tipos de processos metabólicos:
Anabolismo – reacções que consistem em transformar moléculas mais simples
em moléculas mais complexas com consumo de energia.
Catabolismo - reacções que conduzem à degradação de moléculas mais
complexas em moléculas simples, com libertação de energia.
As reacções metabólicas envolvem a quebra e formação de ligações. No entanto nem
todas as moléculas têm energia cinética necessária para iniciar uma reacção química,
daí ser necessária, na maior parte das vezes fornecer energia ao sistema para que a
mesma se inicie, energia de activação.
Algumas moléculas podem permanecer inalteradas durante vários anos se não lhes
forem adicionados ácidos ou bases fortes ou se a temperatura não for muito elevada.
Contudo as células necessitam da energia resultante da degradação dessas moléculas
e não podem aguardar décadas nem que as condições sejam propícias, por isso,
recorrem a catalisadores. Estes têm como função acelerar a reacção química sem
serem consumidos. Os catalisadores mais eficazes, também designados por
biocatalisadores, são as enzimas.
As enzimas:
Diminuem a energia de activação necessária para que a reacção seja iniciada.
Permite acelerar a velocidade da reacção permitindo também a ocorrência de
mais reacções num intervalo de tempo.
2. Permitem que as reacções aconteçam sem alteração das condições de
temperatura.
As enzimas revelam um grau muito elevado de especificidade, apenas catalisam um
determinado tipo de reacções químicas.
Especificidade
Absoluta Relativa
Actuam apenas sobre um Actuam sobre um grupo
tipo de substrato de substratos cujas
(Substância sobre a qual moléculas são
actuam as enzimas) semelhantes do ponto
de vista químico.
As enzimas são proteínas globulares de estrutura terciária e possuem uma região
designada centro activo que se vai ligar ao substrato. Quando esta ligação é
estabelecida forma-se o complexo enzima - substrato.
Quando o substrato é activado (a sua estabilidade é alterada) inicia-se a reacção que
irá originar o produto a partir da transformação do substrato. Uma vez formado os
produtos a enzima fica livre para catalisar outras reacções.
À medida que se estabelecem ligações entre a enzima e o substrato:
Diminui a concentração da enzima livre;
Aumenta a concentração do complexo enzima - substrato até ao ponto de
estabilização (velocidade de formação do complexo é igual à velocidade de
dissociação da enzima e do produto).
À medida que as enzimas catalisam a reacção:
Diminui a concentração do substrato;
Aumenta a concentração do produto (inversamente proporcional).
Apesar de serem constituídas por material de origem proteica, algumas enzimas
necessitam de se associar a substâncias designadas de cofactores para conseguirem
catalisar reacções. As enzimas são então formadas por:
3. Apoenzima – molécula de natureza proteica;
Cofactor – substância de natureza não proteica.
Cofactor
Iões metálicos Coenzimas
Compostos orgânicos de natureza
Por exemplo:
não proteica. Muitas vitaminas
magnésio, cálcio,
funcionam como coenzimas ou
ferro, cobre.
como componentes destas.
A apoenzima associada ao cofactor forma uma enzima activa designada de
holoenzima.
Factores que afectam a actividade enzimática:
A actividade enzimática é influenciada por quatro factores:
Temperatura;
pH;
Concentração da enzima;
Concentração do substrato.
Temperatura:
As enzimas ficam inactivadas quando sujeitas a temperaturas baixas e a temperaturas
elevadas. Quando são sujeitas a temperaturas baixas, a inactivação das enzimas é
reversível, por outro lado, quando são sujeitas a temperaturas muito elevadas a sua
inactivação é irreversível.
A temperatura interfere com as ligações das moléculas da enzima, que têm a seu cargo
a estrutura da mesma.
Temperaturas elevadas provocam o rompimento das ligações que alteram a
conformação da enzima e do seu centro activo, perde a actividade biológica, é
desnaturada. Se posteriormente a temperatura diminuir as ligações químicas não são
restituídas tornando a enzima permanentemente inactiva.
4. Temperaturas baixas provocam a compactação da molécula que dificulta a ligação com
o substrato. Contudo as ligações não são quebradas e a enzima retoma a sua
funcionalidade mal a temperatura seja adequada.
pH:
Pode alterar a distribuição de cargas eléctricas da enzima e interfere com a
conformação do centro activo. Em casos extremos podem conduzir a desnaturação da
enzima, tornando-a permanentemente inactiva.
Nota: Diferentes enzimas podem exigir diferentes intervalos de temperatura e pH para
serem capazes de actuar.
Concentração da enzima:
A velocidade da reacção aumente com o aumento da concentração da enzima,
enquanto houver substrato disponível.
Concentração do substrato:
A velocidade das reacções aumenta à medida que a concentração do substrato
também aumenta, atingindo um valor máximo e a velocidade se mantém constante.
Quanto maior a quantidade de substrato, maior a velocidade da reacção até que todas
as enzimas estejam ocupadas. Atinge-se um ponto de saturação no qual todos os
centros activos estão ocupados e a velocidade se mantém constante, mesmo que a
concentração de substrato aumente.
Inibição enzimática:
Existem moléculas que inibem reversível ou irreversivelmente a actividade das
enzimas, os inibidores.
Quando os inibidores se ligam de forma temporária à enzima e, após a sua dissociação
a enzima permanece funcional provocam uma inibição enzimática reversível. Isto
acontece devido às fracas ligações que existem entre a enzima e o inibidor.
A inibição enzimática irreversível acontece quando os inibidores se combinam com a
enzima de forma permanente, inactivando-a ou destruindo-a.
5. Inibição enzimática reversível
Competitiva Não competitiva.
Inibição competitiva:
O inibidor, estruturalmente semelhante ao substrato, compete com o mesmo ligando-
se ao centro activo. No entanto a semelhança não é total e a enzima não catalisa
nenhuma reacção.
O inibidor ocupa temporariamente o centro activo que tanto pode estar ocupado pelo
inibidor, como pelo substrato. Esta inibição depende da relação entre a concentração
do inibidor e do verdadeiro substrato (concentração superior à do inibidor aumenta a
probabilidade do centro activo ser ocupado pelo substrato).
Inibição não competitiva:
O inibidor é estruturalmente diferente do substrato e por isso se liga à enzima num
local diferente do centro activo.
A inactivação é provocada pela alteração da forma do centro activo que o impede de
se ligar ao substrato.
Controlo das vias metabólicas:
Via metabólica é uma cadeia de reacções catalisadas por uma cadeia enzimática. As
reacções são sequenciais uma vez que o produto de uma reacção é utilizado como
substrato da reacção seguinte e assim sucessivamente até se obter o produto.
As vias metabólicas são reguladas pela ligação de substâncias a uma região da enzima
que não o centro activo, o centro alostérico. Esta ligação modifica a conformação da
enzima. (inibição não competitiva)
Quando o produto das vias metabólicas atinge concentrações elevadas as moléculas
do produto ligam-se ao centro alostérico da primeira enzima da cadeia inibindo as
reacções, contribuindo para a economia da célula – feedback.
Quando a concentração do produto começa a diminuir as moléculas ligadas ao centro
alostérico da primeira enzima da cadeia libertam-se, permitindo que a enzima fique de
novo activa.
Fermentações:
6. Consiste num conjunto de reacções de oxidação e redução catalisadas por enzimas na
ausência de oxigénio. Os compostos orgânicos servem tanto de aceptores finais como
dadores de electrões, sendo produzido ATP por fosforilação a nível do substrato.
Os microrganismos que realizam a fermentação utilizam a glicose e para a degradar
recorrem à glicólise.
Quando ocorre na ausência de oxigénio a glicólise compreende três fases:
1. Formação do glicaraldeído-3-fosfato – ocorrem reacções que conduzem à
formação do gliceraldeído-3-fosfato sem que ocorram oxidações ou reduções,
nem produção de energia.
2. Formação do ácido pirúvico – ocorrem reacções de oxidação e redução que
conduzem à libertação de energia (ATP) formando-se duas moléculas de ácido
pirúvico.
3. Redução do ácido pirúvico – ocorrem reacções de oxidação e redução que
conduzem à formação de produtos de fermentação.
Nota: todas as etapas envolvem uma cadeia de reacções catalisadas por enzimas.
O mesmo microrganismo pode realizar diferentes tipos de fermentações de acordo
com as condições do meio em que se encontram.
Tipos de fermentações:
Láctica;
Alcoólica;
Butírica;
Propiónica.
Fermentação láctica:
Fermentação láctica
Homoláctica Heteroláctica
Ocorre formação de outros produtos além
O principal produto obtido é
do ácido láctico: Etanol, ácido acético e
o ácido láctico. É utilizada no
dióxido de carbono. É utilizada na produção
fabrico de iogurtes e queijos.
de certos queijos e leites fermentados.
Fermentação alcoólica:
7. Caracteriza-se pela produção de grandes quantidades de etanol e dióxido de carbono.
Na produção de pão o CO2 formando pela fermentação alcoólica fica aprisionado na
massa conferindo a estrutura alveolar ao miolo do pão. O álcool evapora no momento
do cozimento.
Na produção de bebidas alcoólicas é o CO2 que evapora enquanto o álcool se acumula
juntamente com outros compostos orgânicos.
Nota: a “fermentação” acética consiste na oxidação do etanol que conduz à formação
de ácido acético.
8. 1.2 Conservação, melhoramento e produção de novos
alimentos
Os aditivos alimentares – substâncias que se adicionam aos alimentos – permitem
melhorar algumas das propriedades dos alimentos como a textura, a cor, o cheiro, o
sabor, etc.
Os deferentes métodos e conservação actuam de maneira diferente:
Destroem parcial ou totalmente os microrganismos que alteram os produtos
alimentares – Métodos térmicos como a Pasteurização e Irradiação;
Retardam o crescimento dos microrganismos responsáveis pela alteração –
Conservação a frio, Adição de agentes químicos, Conservantes, Adição de sal
ou açúcar, Secagem e Embalagem em atmosferas modificadas.
Eliminam parcial ou totalmente os microrganismos que se encontram à
superfície ou no interior dos alimentos – Lavagem e Filtração esterilizante.
Esterilização:
Método térmico que consiste em submeter o alimento a uma temperatura igual ou
superior a 100oC.
Deve ser realizado num recipiente fechado para reduzir a presença de oxigénio e
impedir a contaminação do produto.
Desvantagens:
Destroem vitaminas;
Alteram nutrientes;
Modificam o valor nutritivo, a cor, o sabor e a consistência.
Pasteurização:
Método de conservação térmico mais sofisticado que a esterilização. A temperatura
utilizada é inferior a 100oC e o tratamento pode durar apenas alguns segundos ou
vários minutos, dependendo do alimento a pasteurizar.
Baseia – se na probabilidade de um número de microrganismos que permanecem
viáveis após o tratamento ser demasiado baixo para provocar a alteração do alimento.
9. Refrigeração e congelação:
Refrigeração consiste na colocação dos alimentos a uma temperatura ligeiramente
superior à do ponto de congelação da água. A maior parte dos microrganismos
interrompem o seu crescimento e a produção de toxinas com temperaturas inferiores
a 4o C. No entanto existem alguns que são tolerantes a estas temperaturas e
continuam o seu desenvolvimento.
Congelação é a conservação dos produtos em temperaturas iguais ou inferiores a -
18oC. Ao contrário da refrigeração garante a interrupção total do crescimento dos
microrganismos.
Vantagens:
Preserva a maior parte do valor nutricional.
Desvantagens:
Provoca a formação de cristais de gelo que modificam a textura dos alimentos –
Congelação;
Não elimina os microrganismos por isso, estes podem continuar o seu
desenvolvimento mal o alimento deixe de estar sujeito ao frio;
Podem ocorrer, muito lentamente, processos de autólise (não desnatura as
proteínas).
Aditivos alimentares conservantes:
Actualmente os conservantes químicos são agrupados em:
Antioxidantes;
Ácidos orgânicos e sais derivados;
Açúcares e álcoois;
Sais inorgânicos;
Gases esterilizantes;
Antibióticos.
Irradiação:
Sujeição dos alimentos a uma fonte de radiação, geralmente ultravioleta ou ionizante.
Permite destruir os microrganismos, retardar a germinação e maturação de alguns
frutos e legumes, destruir insectos e parasitas.
10. Os raios UV podem provocar a desnaturação das proteínas, assim induzem mutações
letais e inactivação das enzimas que provocam a morte dos microrganismos.
A radiação ionizante é mais penetrante e energética que a UV. O efeito germicida
resulta das modificações no DNA e RNA que bloqueia a síntese proteica e a divisão
celular dos microrganismos.
Liofilização:
Consiste na secagem dos alimentos a frio. Procede-se à desidratação dos produtos
congelados por evaporação da água congelada sem que passe ao estado líquido.
Depois disto são embalados em vácuo ou numa atmosfera de azoto, impedindo
reacções de oxidação.
Fumagem:
Impregnação de fumo da madeira na superfície dos alimentos. Assim, os
microrganismos vão ser destruídos quer por acção do calor, quer por desidratação da
superfície do produto.
Filtração esterilizante:
Passagem do líquido ou gás por um filtro muito fino capaz de reter os microrganismos.
Atmosfera modificada:
Armazenamento em atmosfera controlada – aumenta o tempo de conservação de
frutas e legumes por aumento de CO2 e diminuição de oxigénio.
Embalagem em atmosfera modificada – semelhante ao anterior mas aplica-se a
embalagens nas quais o ar atmosférico é substituído por outros gases mais favoráveis.
Embalagem a vácuo – remoção do ar da embalagem reduzindo a actividade
microbiana e os processos de oxidação.