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MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENVOLVENDO
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION INVOLVING THE PUBLIC
ADMINISTRATION
Delton R. S. Meirelles
Fernando Gama de Miranda Netto
RESUMO
A Administração Pública brasileira, sob os argumentos da indispo-nibilidade e da
supremacia do interesse público, é beneficiada com um sistema de privilégios
processuais, frustrando-se as expectativas dos particulares em obter a tutela jurisdicional
efetiva, revelando-se incompatível com o cenário atual de concretização de direitos
fundamentais e o reconhecimento do direito ao processo justo. Diante disto, o presente
artigo busca analisar a possibilidade da utilização de métodos alternativos em conflitos
envolvendo a Administração Pública, avaliando cada uma de suas vertentes (tutela
jurisdicional diferenciada, justiça coexistencial e resolução extrajudicial). Conclui-se
que há uma tendência legal e jurisprudencial favorável à utilização de tais mecanismos,
mas que esbarra na tradição patrimonialista de nosso Estado.
PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS CHAVES: MEIOS ALTERNATIVOS –
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA –
JUSTIÇA CO-EXISTENCIAL – ARBITRAGEM.
ABSTRACT
The Public Brazilian Administration, under the arguments of the supremacy of the
public interest, is benefited by a system of procedural privi-leges, frustrating the
expectations of the individuals in obtaining an effective judicial protection, turning out
to be incompatible with the current scenery of realization of basic rights and the
recognition of the due process of law. There-fore, the present text looks to analyze the
possibility of the use of alternative dispute resolution in administrative law conflicts,
valuing each one of its meanings (alternative judicial proceeding, coexistential justice
and arbitration). It is ended that there is a legal and jurisprudential tendency favorable to
the use of such mechanisms, but that it comes up against into the patrimonialist tradition
of our country.
KEYWORDS: KEYWORDS: ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION – PUBLIC
AD-MINISTRATION - ALTERNATIVE JUDICIAL PROCEEDING - COEXIS-
TENTIAL JUSTICE – ARBITRATION.
6386
1. CONFLITOS ENTRE PARTICULARES E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A doutrina hodierna tem escrito muitos trabalhos na linha da efetividade, esforçando-se
para a construção do processo justo, embora ainda seja pequena a literatura processual
brasileira voltada especificamente para a composição dos litígios de Direito Público. De
fato, o direito pátrio padece do mal da inefetividade do processo nesta área, porque há
um desequilíbrio de forças patente entre particulares e Administração Pública, em razão
dos privilégios processuais fazendários.
Um breve exame da legislação processual pátria explica o porquê do défice garantista
do processo em face da pessoa jurídica de direito público, figurando esta como
superparte em juízo. É possível identificar, de acordo com a doutrina, as seguintes
prerrogativas do Poder Público no âmbito do processo judicial: 1) inversão do ônus da
prova, em decorrência da presunção de legalidade dos atos administrativos; 2) intimação
pessoal de seus advogados (art. 222, alínea “c” do CPC; art. 25 da L. 6.830/1980 c/c art.
38 da LC 73/1993); 3) prazos dilatados (art. 188, CPC); 4) reexame necessário (art. 475,
CPC); 5) dispensa de preparo ou depósito prévio (art. 488, parágrafo único c/c 511, §1º,
CPC); 6) restrição ao deferimento de medidas liminares contra o Poder Público (Lei
8.437/92 e Lei 9.494/97); 7) possibilidade de condenação do Poder Público abaixo do
mínimo legal de 10% sobre a condenação (art. 20, § 4º, CPC); 8) dispensa do ônus da
impugnação específica na contestação (art. 302 c/c 320, II do CPC); 9) deferimento de
arresto sem necessidade de justificação prévia (art. 816, I, CPC); 10) imposição da
execução de créditos por precatórios ao adversário (art. 100, CRFB); 11) suspensão da
execução de medida liminar (art. 4º, caput e §§1º e 2º da L. 4.348/1964 c/c art. 4º, caput
e §§ da L.8.437/1992).
O moderno Direito Processual exige, contudo, que toda parte deve ter a possibilidade de
resolver o seu litígio em condições que não a inferiorizem perante a outra. É o
mandamento da isonomia entre litigantes e que também deve ser observado no âmbito
do Direito Processual Público. Afinal, é o processo judicial o último meio posto à
disposição dos cidadãos não só para frear o arbítrio estatal, mas também para assegurar
a eficácia imediata e concreta dos direitos no Estado Democrático de Direito (art. 5º, §
1º da Constituição brasileira de 1988).
Podem-se reconhecer, felizmente, alguns avanços rumo à efetividade do processo em
face da Fazenda Pública dentro do contexto dos meios alternativos de resolução de
conflitos. Cabe agora precisar o significado desta expressão.
2. MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS:
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
É corrente a idéia da crise do Judiciário a partir da segunda metade do século XX,
determinada, entre outros motivos, pela conscientização dos direitos, pela facilidade de
acesso à Justiça e pela explosão da litigiosidade. Tal crise, exposta principalmente com
6387
a morosidade da prestação judicial, revela-se patente na realidade dos países periféricos
e torna a busca pela constitucionalização e efetivação de direitos fundamentais um
permanente desafio.
Paralelamente, agigantou-se a complexidade do trabalho forense em virtude da
crescente judicialização da política e das relações sociais, da dificuldade de
interpretação jurídica dos novos conflitos e os conseqüentes questionamentos dirigidos
à legitimidade judicial estatal para dirimi-los. Mas as objeções à legitimidade não se
restringem às deficiências interpretativas nesta reconfiguração dos conflitos sociais,
merecendo destaque a luta de diversos movimentos sociais para a derrubada de barreiras
à tutela jurisdicional plena, pressionando os Estados a pensarem em políticas públicas
inclusivas, conhecidas como movimentos de Acesso à Justiça, analisadas por MAURO
CAPPELLETTI e BRYANT GARTH, no revolucionário projeto de Florença. Assim, há
vários obstáculos que não se esgotam nos limites econômicos, como questões técnicas
referentes à proteção de interesses coletivos, questões sociais e culturais.
Uma das soluções apresentadas é o estímulo aos chamados meios alternativos de
resolução de conflitos (doravante chamados de MARCs em vez do seu equivalente
inglês ADR – Alternative Dispute Resolution), cujo conceito não é muito preciso na
literatura sócio-jurídica. Nesta linha de raciocínio, é possível encontrar três
interpretações dos MARCs, começando pela composição dos litígios a partir de uma
resolução estatal imperativa (item 2.1), passando pela resolução estatal negociada com
as partes (item 2.2) e culminando com a resolução privada dos conflitos (item 2.3).
Tais interpretações serão examinadas nos próximos tópicos.
2.1. TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA
A expressão tutela jurisdicional diferenciada foi cunhada, em 1973, por ANDREA
PROTO PISANI, no estudo “Tutela Giurisdizionale Differenziata e Nuovo Processo del
Lavoro”, e significa a proteção jurídica de um interesse ou direito substancial por meio
de modelos processuais alternativos ao procedimento judicial ordinário.
MAURO CAPPELLETTI, em relatório apresentado em simpósio sobre a Justiça Civil e
suas alternativas (1992), oferece um conceito bem amplo, incluindo “expedientes –
judiciais ou não – que tem emergido como alternativas aos tipos ordinários, ou
tradicionais, de procedimento”, como as class actions e o acesso à informação.
É possível incluir no conceito, ainda, na linha de FLÁVIO LUIZ YARSHELL, não só
os tipos diferenciados de procedimento disponíveis (meios), mas também os tipos
diferenciados de provimento perseguidos (resultados), como v.g. a tutela mandamental e
a tutela específica. Duvidoso é advogar, no entanto, a falência do procedimento judicial
ordinário, pois ele ainda é um modo eficaz de compor as lides com segurança.
Duvidoso é advogar, no entanto, a falência do procedimento judicial ordinário, pois ele
ainda é um modo eficaz de compor as lides com segurança. Mas é inegável haver cada
vez mais a fuga da vala comum do rito ordinário, percebendo-se a valorização de
6388
procedimentos diferenciados e instrumentos processuais preocupados com a celeridade
em detrimento da certeza (ex. antecipação da tutela), deixando superada a lição de que
os processos sumários seriam incompatíveis com os princípios e objetivos da civilização
moderna.
A propósito, encontra-se no âmbito dos Juizados Especiais um procedimento que
concentra os atos processuais em duas audiências. Embora concebido para ser um
procedimento marcado pela rapidez, a marcação da audiência de conciliação, a partir da
propositura da demanda, tem superado a marca de 6 (seis) meses nas grandes capitais.
Seja como for, prevê a Constituição Federal de 1988, em seu art. 98, o uso de juízes
leigos em juizados especiais (inc. I) e juízes de paz, eleitos para o exercício de
atividades conciliatórias e administrativas (inc. II).
Regulamentando o art. 98, I, da Constituição, a lei 9099/95 dispõe em seu art. 7º que
“os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros,
preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com
mais de cinco anos de experiência”. Com isso, a Lei dos Juizados Especiais qualifica
como leigo aquele que não é investido por meio de concurso público para a
magistratura. Tal conceito é duramente criticado por MIGUEL BALDEZ, que entende
inconstitucional tal previsão, por frustrar o ideal de acesso à Justiça objetivado pela
nova ordem democrática:
A Constituição brasileira (...) apontou o caminho institucional quando previu em seu art.
98 os Juizados Especiais, neles consentindo a inclusão de juízes leigos e, com isso,
abrindo caminho para o rompimento do monopólio do Poder Judiciário pela
magistratura. Sem essa abertura não há como pensar, com conseqüências concretas, na
democratização da justiça, aqui compreendida, além dos limites restritos e
condicionantes do juridicismo, como fato existencial e, por isso, imbricada nas
contradições econômicas, sociais, políticas e culturais. (...)
Com o rompimento do monopólio (art. 98 da Constituição Federal), criavam-se as
condições de abertura necessárias ao arejamento da ideologia jurídica burguesa, outras
realidades enfiem estariam representadas no campo jurídico-judiciário, outras culturas
partilhariam com os juízes togados a compreensão dos fatos, iniciando-se um processo
compartilhado de produção da Justiça. A utopia democrática, porém, teve pouco tempo
de vida, pois veio a Lei nº 9009, de 26.6.1995, de implantação e regulação dos Juizados
Especiais, e os juízes leigos da norma constitucional foram apropriados pela ideologia
jurídica. E como se fez isso? Com aparente desconsideração pela classe dos advogados,
leigos passaram a ser, em matéria cível, pelo menos, os advogados com mais de cinco
anos de formados. Há na lei uma clara inconstitucionalidade, por não ter como
conformar o conceito de leigo com o dispositivo legal.
Tais críticas podem ser explicadas por BOURDIEU quando, ao falar sobre a divisão do
trabalho jurídico, explica que
A concorrência pelo monopólio do acesso aos meios jurídicos herdados do passado
contribui para fundamentar a cisão social entre os profanos e os profissionais
favorecendo um trabalho contínuo de racionalização próprio para aumentar cada vez
6389
mais o desvio entre os veredictos armados do direito e as intuições ingénuas da
equidade e para fazer com que o sistema das normas jurídicas apareça aos que o
impõem e mesmo, em maior ou menor medida, aos que a ele estão sujeitos, como
totalmente independente das relações de força que ele sanciona e consagra.
De fato, a utilização de juízes leigos stricto sensu é bem polêmica, especialmente no
direito comparado. MICHELE TARUFFO informa que, no direito norte-americano, o
júri popular é um fator essencial para a democratização do Judiciário; ao passo que, na
Europa, há a tradição da limitação do júri a determinados casos bem particulares.
Em pior situação ficam os juízes de paz, pois estes não possuem qualquer poder
decisório (CRFB, art. 98, II e LOMAN, art. 112), o que leva LEONARDO GRECO a
lamentar tais limitações:
A tutela diferenciada abrange, ainda, os juizados especiais para causas de menor
complexidade, os juízes de paz e juízes leigos, e a adoção pela lei processual de
procedimentos concentrados de cognição sumária.
(...) Os juízes de paz e juízes leigos, previstos na Constituição, não têm qualquer poder
decisório, o que limita o alcance da sua atuação, que poderia ser muito mais amplo, no
sentido de uma justiça coexistencial, provida por membros da própria comunidade,
conforme sugerido por Cappelletti.
Aliás, a gravidade da crise da Justiça e os obstáculos ao acesso à Justiça no Brasil
impõem que se suscite o debate sobe a conveniência da manutenção do sistema de
juízes exclusivamente profissionais entre nós adotado”.
2.2. JUSTIÇA COEXISTENCIAL
Em um segundo sentido, o próprio Poder Judiciário insere modelos alternativos de
resolução de conflitos (MARCs), buscando não só legitimar sua atuação perante a
sociedade, mas conferir maior qualidade à prestação jurisdicional ao colocar em
segundo plano uma resolução estatal imperativa. De tal arte, os MARCs constituem o
estímulo dos juízes e/ou auxiliares do juízo à solução negociada pelas partes.
Em vez de um procedimento voltado apenas para a imposição de uma sentença fundada
num contraditório técnico, surgiriam oportunidades (predeterminadas em audiências ou
não) para tentativas de acordo, evitando-se o prolongamento do processo com a
produção de provas e interposição de recursos.
MAURO CAPPELLETTI, nos seus estudos sobre as políticas públicas de acesso à
Justiça, defende um ideal de justiça coexistencial que “(...) deve ser perseguida quando
esta possa revelar-se, também no plano qualitativo, não já um second best, mas também
melhor do que a Justiça ordinária contenciosa”. Assim, não haveria uma concorrência
6390
entre a “justiça tradicional” e a “justiça coexistencial”, e
, já que esta não esvaziaria o
Judiciário formal, e sim deve ser entendida como alternativa ao modelo imperativo e
autoritário de resolução de conflitos, atendendo-se ao escopo de pacificação social dos
litígios.
Outra característica deste modelo é a de que não há vinculação necessária à dominante
jurisdição de direito, sendo possível decidir com base na equidade, como expõe
CALAMANDREI:
Anche nei sistemi processuali dell’Europa continentale si trovano numerosi esempi di
“giurisdizioni di equità” o di collegi arbitrali composti di “amichevoli compositori”, i
quali cercano la giustizia del caso singolo, traendo ispirazione non dalla lege, che non li
vincola, ma da quel senso di equità vivente nella loro coscienza, che detta loro la
decisione più conveniente e più aderente alle circostanze del singolo caso.
No caso brasileiro, a justiça conciliatória era regra durante o império, possuindo o juiz
de paz forte papel. Com o avanço do cientificismo e a unificação legislativa, prevaleceu
a concepção autoritária no Código de Processo Civil de 1939, no qual não havia
previsão para conciliação no procedimento comum ordinário, inclusive na audiência de
instrução e julgamento (arts. 263/272).
Em 1973, o vigente código incorpora a tendência global de estímulo à conciliação
(dentro da terceira onda de acesso à Justiça, conforme CAPPELLETTI & GARTH), e a
insere como etapa da audiência de instrução e julgamento (arts. 447/449). Pouco tempo
depois, a articulação entre a experiência gaúcha das comissões de conciliação e o plano
nacional de desburocratização determinou a instituição dos juizados de pequenas causas
(Lei nº 7244/84).
Com a redemocratização e o novo cenário mundial, a justiça coexistencial ganha um
novo fôlego no Brasil. A Constituição prevê, em seu art. 98, I, a instalação de juizados
especiais competentes para a conciliação cível e a transação penal. Sua regulamentação
pela lei nº 9099/95 reforça estes papéis em vários dispositivos, prevendo não apenas
uma etapa específica (arts. 21/22), como também agentes conciliadores exclusivos (art.
7º).
Paralelamente, a lei nº 8952/94 reformara o Código de Processo Civil a fim de impor ao
juiz o dever de tentar conciliar as partes em qualquer fase do processo (art. 125, IV),
além de instituir uma audiência específica para este fim (art. 331).
2.3. “PRIVATIZAÇÃO” DOS CONFLITOS
Finalmente, os MARCs podem ser analisados sob um ângulo menos técnico-processual
e mais político-social: uma paulatina redução do intervencionismo estatal e a ascensão
de soluções privadas para os conflitos atuais. Neste caso, o adjetivo “alternativo” se
6391
referiria à jurisdição estatal, e não ao procedimento formal e tradicional, restando ao
Judiciário verificar a existência da tentativa prévia de negociação ou executar o termo
de acordo/arbitragem.
Uma das vantagens da utilização dos meios alternativos, para seus defensores, é o
retorno a um modelo de justiça baseado em idéias comunitárias, em oposição à distante
e formal jurisdição estatal. Como lembra BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS,
“pode-se dizer que todas as sociedades minimamente complexas têm à disposição dos
litigantes um conjunto mais ou menos numeroso de mecanismos de resolução dos
litígios, entendendo como tal todas as instâncias suscetíveis de funcionar como terceira
parte, ou seja, como instâncias decisórias exteriores às partes em litígio”. Em outra
oportunidade, o pesquisador português relata experiências sociológicas neste sentido,
que tinham “por unidade de análise o litígio (e não a norma) e por orientação teórica o
pluralismo jurídico, orientados para a análise de mecanismos de resolução jurídica
informal de conflitos existentes nas sociedades contemporâneas e operando à margem
do direito estatal e dos tribunais oficiais”.
Neste sentido, cria-se uma atmosfera favorável aos MARCs, entendidos como
instâncias legitimadas para a solução de conflitos sociais pelo próprio meio social em
que se inserem, gerando uma maior conscientização política e participação popular.
Ressalte-se que isto não significa o esvaziamento do modelo social-democrático,
conforme pensa BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, “não me parece tão-pouco
que estes mecanismos de resolução dos litígios à margem do controlo do Estado sejam
intrinsecamente negativos ou atentatórios da democracia. Podem, pelo contrário, ser
agentes de democratização da sociedade”.
Destaque-se que os MARCs não constituem um fenômeno recente. Ainda que não se
considerem a autocomposição e a heterocomposição privadas pretéritas à constituição
dos Estados modernos (já que não seriam alternativos, e sim principal método utilizado
nas respectivas comunidades), é possível identificar esta cultura enraizada em países
como os EUA (como relata CHASE, “alternatives to litigation have been a feature of
the American way of disputing throughout its history”).
Convém ressaltar, como faz BARBOSA MOREIRA, que o uso dos meios alternativos
de solução extrajudicial de conflitos de interesses não se confunde com privatização do
processo: de fato “longe de ser o processo que assim se privatiza, ao contrário, os
particulares é que vêem sua atividade revestida de caráter público” ou, em outras
palavras, “o caso é antes de publicização da função exercida pelo particular que de
qualquer tipo de privatização”.
Atualmente, merecem destaque a regulamentação da arbitragem e
, em que é possível a
escolha de qualquer pessoa capaz de confiança das partes (Lei 9.307/1996, art. 13); e as
Comissões de Conciliação Prévia, órgãos paritários formados por representantes dos
empregadores e dos empregados, instituídos nas sedes das empresas e nos sindicatos
(CLT, art. 625-A, com a redação da Lei 9958/2000). Certamente que tais mecanismos
devem ser utilizados de forma a não causar injustiças, especialmente em se tratando de
causas que envolvam direitos indisponíveis ou que haja um notável desequilíbrio entre
as partes, o que reclamam a intervenção de um juiz estatal independente e imparcial,
como observado por BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, para quem
6392
a questão do acesso não tem a ver com a assistência judiciária mas antes com a
capacitação das partes em função das posições estruturais que ocupam. Nos casos em
que os litígios ocorrem entre cidadãos ou grupos de poder sócio-econômico parificável
(litígios entre vizinhos, entre operários, entre camponeses, entre estudantes etc.) a
informalização da justiça pode ser um genuíno factor de democratização. Ao contrário,
nos litígios entre cidadãos ou grupos com posições de poder estruturalmente desiguais
(litígios entre patrões e operários, entre consumidores e produtores, entre inquilinos e
senhorios) é bem possível que a informalização acarrete consigo a deterioração da
posição jurídica da parte mais fraca, decorrente da perda das garantias processuais, e
contribua assim para a consolidação das desigualdades sociais.
3. TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA NO CONTENCIOSO
JUDICIAL ADMINISTRATIVO
Se é verdade que o processo judicial tem que ser justo não só para o particular mas
também para a Administração Pública, não menos certo é dizer que é do interesse do
Estado de Direito e, como corolário natural, também do interesse da Administração
Pública a realização dos direitos fundamentais dos cidadãos. Esta premissa deve nortear
o pensamento garantista na busca de salvaguardar os direitos fundamentais do cidadão
através de uma tutela judicial efetiva em face da Administração Pública.
Apesar de todas as dificuldades, é possível encontrar em nosso ordenamento jurídico
instrumentos processuais capazes de oferecer uma tutela jurisdicional adequada ao
cidadão que escape da camisa de força do procedimento judicial ordinário, podendo-se
diferenciar: 1) pelo procedimento (ex. Juizados Especiais Federais); 2) pelo provimento
(ex. Tutela Específica). É o que será examinado abaixo.
3.1. RESOLUÇÃO ESTATAL DIFERENCIADA PELO PROCEDIMENTO:
JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS
Os juizados especiais brasileiros tiveram sua origem na Lei nº 7244/84, cujo art. 3º, §2º
excluía sua aplicação às causas fazendárias, sem maiores explicações. Com a
Constituição de 1988 e a previsão de juizados especiais, aquela lei fora revogada pela
Lei nº 9099/95, mas mantendo-se limitada aos conflitos entre pessoas privadas. Com
isso, se um particular quiser demandar em face de um Município em razão de uma multa
de trânsito de valor inferior a R$ 120,00 (cento e vinte reais) terá que desembolsar, em
tese, um valor superior apenas para o pagamento das custas judiciais, já que não pode
ingressar nos Juizados Especiais Cíveis, em virtude da proibição do art. 8º da Lei nº
9.099/1995.
Assim, Estados e Municípios ainda não podem ser partes nos Juizados Especiais
Estaduais, o que, na prática, constitui uma grave violação à garantia de acesso à justiça.
6393
Alguns projetos de lei e a doutrina apontam, contudo, para a quebra de mais este
obstáculo na realização do processo justo.
Em 1997, a União Federal apresenta a PEC nº 526, prevendo a criação dos Juizados
Especiais Federais, reconhecendo que “tal medida, pois, vem ao encontro do
compromisso do Governo com a valorização da cidadania, ao oferecer amplo acesso à
justiça federal e ao simplificar e agilizar a prestação jurisdicional do Estado, além de
fixar de forma clara e precisa a competência do mencionado órgão judicante na
hipótese assinalada”. Com a aprovação desta proposta e conseqüente promulgação da
Emenda Constitucional nº 22/99, novamente o Palácio do Planalto apresenta projeto
para regulamentar os juizados especiais federais (PL-3999/2001), a partir de adequações
ao anteprojeto produzido por uma comissão de ministros do STJ (Fontes de Alencar,
Sálvio de Figueiredo, Ari Pargendler, Ruy Rosado de Aguiar, José Arnaldo da Fonseca
e Fátima Nancy), a qual pretendeu
simplificar o exame dos processos de menor expressão econômica “facilitando o acesso
à Justiça e o ressarcimento das partes menos favorecidas nas disputas contra a União,
autarquias, fundações e empresas públicas federais, pois a solução de tais litígios dar-se-
á rapidamente, e sem a necessidade de precatórios para a quitação dos eventuais
débitos”(...).
Destarte, após os Juizados Especiais Estaduais, finalmente este procedimento sumário
foi estendido à Justiça Federal, com a publicação da lei nº 10.259/2001. Nos Juizados
Especiais Federais, a iniciativa procedimental é exclusiva do cidadão, utilizado-se o
procedimento previsto para as causas que não ultrapassem o valor de 60 salários
mínimos.
A gratuidade figura como grande atrativo deste procedimento, embora esteja restrito,
grosso modo, às causas em que a União é parte.
Importante destacar que o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais
Federais extinguiu vários privilégios processuais, como a vedação de medidas de
urgência, a remessa necessária, e os prazos diferenciados, dispensando, ainda, o
pagamento da dívida fazendária por meio de precatórios.
Sobre a utilização de juízes leigos, estes estavam presentes na exposição de motivos da
PEC nº 526/97, a qual dizia que os juizados especiais federais se caracterizariam “como
instrumento de participação popular, na medida em que a Constituição prevê a
existência de tribunais compostos também por juízes leigos” . Entretanto, este tema não
foi incluído no PL-3999/01 nem na lei nº 10259/01, o que não impediria
hipoteticamente seu uso na Justiça Federal, tendo em vista a aplicação subsidiária da lei
nº 9099/95, conforme autoriza o art. 1º daquela lei.
Ainda em se tratando de conflitos envolvendo a Administração Pública, não seria
razoável excluir os juízes leigos, como bem observa LUIZ FERNANDO SILVEIRA
NETTO:
6394
O receio de que não possam atuar em face da Fazenda Pública não procede, pois: a) a
própria lei já tratou de igualar a administração aos particulares (não há prerrogativa de
prazos, não há remessa necessária, de regra não há precatório). Essa Administração
restou fragilizada, vale dizer, nada a temer pelo só fato de ser a Fazenda Pública
processada e julgada por um juiz leigo; b) sua atuação nas audiências (de conciliação,
de instruções dos feitos e na elaboração de sentenças ad referendum do Juiz de carreira)
estará sob constante orientação (ou vigilância, se assim se quiser) do Juiz Togado
(artigos 22, 37 e 40), que pode preferir ele próprio sentenciar a chancelar a sentença
proposta por seu auxiliar; e c) qualquer deslize que ainda assim pudesse ocorrer, teria na
via do recurso (artigo 5º da Lei n. 10259/01) ou mesmo da correição parcial a legítima
possibilidade de correção.
3.2. RESOLUÇÃO ESTATAL DIFERENCIADA PELO PROVIMENTO:
TUTELA ESPECÍFICA EM FACE DO PODER PÚBLICO
Pode-se definir a tutela específica, na linha de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA,
como o conjunto de providências direcionadas a proporcionar à parte em cujo benefício
se estabeleceu a obrigação, o preciso resultado prático atingível por meio do
adimplemento, isto é, a realização do direito ou do interesse material tutelado. No
contexto dos litígios de direito público, isto significa que o cidadão não é obrigado a
tolerar as conseqüências do ato administrativo ilícito ou ter que se contentar com uma
compensação pecuniária. O cidadão persegue a tutela específica do seu direito e apenas
na sua impossibilidade a tutela genérica, nos termos dos arts. 84, do Código de Defesa
do consumidor e arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil.
Para a realização da tutela específica, o magistrado pode fazer uso de meios coativos
como: a) multa (art. 461, §§4º e 6º; art. 14, V, parágrafo único, CPC); b) prisão por
prevaricação (art. 309, CP); c) audiência especial (art. 599, I, CPC). E há, ainda, a
possibilidade de o juiz se valer de meios sub-rogatórios como nomear um interventor ou
comissário ad acta para que este pratique o ato omitido pela Administração Pública (art.
461, §5º, CPC).
Há algumas restrições ao deferimento da tutela específica liminar, especialmente fora
dos Juizados Especiais Federais. Tais restrições, impostas por um microssistema
processual autoritário, têm sido afastadas de forma corajosa pelos juízes em nome de
uma tutela judicial efetiva contra o Poder Público. De qualquer forma, não são
alcançados pelas restrições as liminares deferidas em sede de ações previdenciárias
(Súmula 729, STF), de mandado de segurança coletivo e de ação civil pública (art. 2º,
L. 8.437/1992).
O argumento da reserva do possível não prevalece quando se está a defender direitos
fundamentais pertinentes ao mínimo existencial (v.g. saúde, alimentação e educação
básica). É que no conflito entre o princípio da reserva orçamentária e o princípio da
dignidade da pessoa humana, deve este último prevalecer. Assim, por exemplo, tem o
carente de recursos de ser tutelado judicialmente, caso peça, liminarmente,
6395
medicamentos com base na Lei 9.313/1996 para ao menos aliviar as conseqüências de
sua doença incurável.
4. RESOLUÇÃO ESTATAL NEGOCIADA COM AS PARTES
A resolução consensual no contencioso judicial administrativo esbarra no atributo da
indisponibilidade dos direitos pleiteados, mas isto não quer dizer que todos os direitos
oriundos de relação jurídica pública sejam indisponíveis. No entanto, cumpre
reconhecer que a indisponibilidade pode variar em função da transação. Assim, em uma
primeira classificação, pode-se definir o direito indisponível como aquele direito que é
irrenunciável, mas que pode admitir eventual transação. Se a transação não for admitida
por lei, a indisponibilidade é absoluta; se for admissível, a indisponibilidade é relativa.
O fato constitutivo do direito indisponível, mesmo que não seja controvertido, exige
prova por força da lei (art. 320, II, CPC).
Esta classificação merece, contudo uma adição. É que mesmo havendo um conflito com
o Poder Público, pode o cidadão não ajuizar demanda, não exercer o seu direito,
conforme seu livre-arbítrio, faculdade que excepcionalmente é conferida ao Poder
Público, em razão do princípio da legalidade. A propósito, veja-se a Lei n. 9.469/1997:
Art. 1o
O Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes
máximos das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou
transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 50.000,00
(cinqüenta mil reais). (Redação dada pela Medida Provisória nº 449, de 2008)
§ 1o
Quando a causa envolver valores superiores ao limite fixado neste artigo, o acordo
ou a transação, sob pena de nulidade, dependerá de prévia e expressa autorização do
Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado ou do titular da Secretaria da
Presidência da República a cuja área de competência estiver afeto o assunto, inclusive
no caso das empresas públicas federais e do Banco Central do Brasil. (Redação dada
pela Medida Provisória nº 449, de 2008)
§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo às causas relativas ao patrimônio imobiliário
da União.
Assim, pode-se classificar a indisponibilidade do direito quanto à persecução
processual, cabendo distinguir: os direitos dos cidadãos são sempre disponíveis (quanto
à persecução processual), ainda quando litiguem contra o Poder Público; já os direitos
das pessoas jurídicas de direito público são em regra indisponíveis (quanto à persecução
processual), podendo, no entanto, perder esta qualidade em virtude da lei.
Melhor, portanto, seria a seguinte classificação quanto à indisponibilidade do direito
material público: a) indisponibilidade absoluta (irrenunciável, insuscetível de transação
6396
e de persecução processual obrigatória); b) indisponibilidade relativa (irrenunciável,
suscetível de transação, mas de persecução processual obrigatória); c) disponibilidade
limitada (irrenunciável, suscetível de transação e de persecução processual facultativa).
Assim, apenas as hipóteses de indisponibilidade absoluta obstam a transação entre
particular e pessoa jurídica de direito público.
Embora haja a possibilidade judicial de solução negociada nos litígios de direito
público, esta é marcada por forte controle normativo. A Instrução Normativa Nº 3, de
25 de junho de 1997, da AGU, assim dispõe sobre a transação:
Art. 2º A transação judicial para pôr fim ao litígio e o acordo para parcelamento de
débitos ajuizados terão os seus termos autorizados, previamente, em cada caso, pelo
Procurador-Geral da União e pelos dirigentes máximos das autarquias e das fundações
públicas federais, e concretizar-se-ão com a sua homologação pelo juízo, a quem serão
submetidos por meio de requerimento assinado pelos procuradores daquelas entidades e
pelo da parte contrária, detentor de poderes especiais.
Parágrafo único. O Advogado-Geral da União, no caso da União, submeterá o exame do
procedimento cogitado, sob os aspectos de conveniência e oportunidade, à prévia
aprovação do Ministro de Estado ou do Secretário da Presidência da República a cuja
área de competência estiver afeto o assunto, quando a causa envolver valor superior a
R$50.000,00 (cinqüenta mil reais).
A Lei 10.259/2001, que dispõe sobre os Juizados Especiais Federais, prevê, no
parágrafo único de seu art. 10: “os representantes judiciais da União, autarquias,
fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput,
ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos
Juizados Especiais Federais.” Poderão ser designados servidores não integrantes de
carreiras jurídicas, que tenham completo conhecimento do caso, para auxiliar o patrono
da pessoa jurídica de direito público, nos termos do § 1º do art. 1º do Decreto nº
4.250/2002. A Portaria n. 505 da AGU estabelece as condições para haver a transação:
Art. 3º A transação ou a não interposição ou desistência de recurso poderá ocorrer
quando: I - inexistir qualquer controvérsia quanto ao direito aplicado; II - houver
reconhecimento de erro administrativo por autoridade competente.
§ 1º Os valores envolvidos nas conciliações e transações, não poderão exceder ao teto
previsto no art. 3, da Lei nº 10.259/2001.
§ 2º Inclui-se no referido teto a soma de 12 (doze) parcelas vincendas, quando for o
caso.
§ 3º Não será objeto de acordo: I - as hipóteses em que se discute penalidade aplicada
ao servidor; II - os casos de dano moral, salvo se o agente causador do dano for entidade
credenciada ou delegada de órgão de Administração Pública Federal e assuma, em
juízo, a responsabilidade pelo pagamento acordado; III - o litígio que estiver fundado
exclusivamente em matéria de direito e não houver a esse respeito súmula
administrativa, parecer aprovado na forma do art. 40 da Lei Complementar 73/93 ou
6397
orientação interna adotada pelo Advogado-Geral da União; IV - na ausência de prévio
requerimento administrativo objetivando a concessão de benefícios previdenciários.
§ 4º Os acordos conterão obrigatoriamente cláusula de renúncia a eventuais direitos
decorrentes do mesmo fato ou fundamento jurídico que deu origem à ação judicial.
Merece igualmente destaque a solução negociada entre União e servidores civis do
Poder Executivo, autorizada pela Portaria nº 1.052/2006 da AGU, versando sobre a
diferença de 3,17% (três inteiros e dezessete centésimos por cento).
A jurisprudência apresenta alguns limites à conciliação envolvendo a Fazenda Pública.
No julgamento da Reclamação nº 1893/RN, o Supremo Tribunal Federal interpretou que
“a conciliação, ainda que resulte em vantagem financeira para a Fazenda Pública, não
possibilita a inobservância, pelo Estado, da regra constitucional de precedência, com
prejuízo ao direito preferencial dos precatórios anteriores” (Pleno, julgamento
unânime de 29/11/2001, rel. Min. Maurício Corrêa). Em outro caso, o Superior Tribunal
de Justiça decidiu que, em relação à transposição a cargos públicos de carreiras
diversas, “não constitui matéria sujeita a acordo ou conciliação em virtude da
legalidade estrita que permeia a atuação administrativa”. Também merece nota a
possibilidade do juiz dispensar a audiência preliminar, conforme permite o art. 331, §
3º, do Código de Processo Civil, diante da impossibilidade de composição amigável em
conflitos envolvendo a Administração.
5. RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DOS LITÍGIOS ENVOLVENDO A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Finalmente, há a questão da possibilidade de meios alternativos à jurisdição estatal,
quando houver a participação da Administração Pública, tendo em vista as limitações
legais à negociação dos bens públicos. De fato, não se ignora, aqui, que muitos direitos
da Administração Pública são indisponíveis, como, por exemplo, os bens de uso comum
do povo (ex. estradas, praças) e bens de uso especial (ex. edifícios destinados ao serviço
da Administração), mas esta indisponibilidade não é absoluta. Com efeito, há casos,
como o da atividade empresarial da Administração Pública (por meio das sociedades de
economia mista) e dos contratos celebrados pelo Estado, em que seria possível refletir
melhor sobre a utilização de heterocomposição extrajudicial.
Em várias situações a legislação pátria autoriza expressamente o uso de meios
alternativos. Uma das hipóteses é a assinatura de termo de compromisso, em que a
Administração Pública evita eventuais condenações judiciais cíveis ou penais ao
assumir a responsabilidade de compor a controvérsia voluntariamente, conforme
admitem a Lei nº 6.385/1976, a Lei 7.347/1985, e a Lei nº 8.884/1994.
Em outros momentos, há o estímulo à composição amigável com o auxílio de terceiros,
como nas comissões de conciliação prévia em conflitos trabalhistas e na mediação e
6398
conciliação, regulados recentemente pela Portaria da AGU nº 118, de 1º de fevereiro de
2007. Gize-se o ineditismo da conciliação extrajudicial.
É de se mencionar, igualmente, os projetos de lei envolvendo a transação tributária
extrajudicial (e judicial), que têm sido apresentados pelo Poder Executivo Federal:
Projeto de Lei Complementar n. 469/2009 e o Projeto de Lei n. 5.082/2009. Em março
de 2007, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional já havia apresentado o Anteprojeto
Brasileiro da Lei Geral da Transação, coordenado por Luís Inácio Adams, que suscitou
amplo debate doutrinário.
Entre os meios alternativos, a dificuldade maior reside na heterocomposição
extrajudicial com poderes decisórios, que é o caso da arbitragem. Com efeito, esta
forma de resolução de conflitos entre Administração Pública e os particulares suscita
ainda hoje alguns debates no âmbito doutrinário. A arbitragem difere em grau da
mediação e da conciliação. Com efeito, o árbitro detém não só os poderes do mediador
(aproximar as partes) e do conciliador (aproximar as partes e propor soluções), como
também está investido do poder jurisdicional de substituir as partes na solução dos
conflitos.
Os argumentos contrários ao uso do procedimento arbitral podem ser assim sintetizados:
a) apenas direitos disponíveis podem ser tutelados pelo processo arbitral; b) O Poder
Público não pode transigir com o cumprimento da lei e a Administração Pública se
orienta pelo princípio da indisponibilidade do interesse público; c) A Lei 8.666/1993,
que disciplina as licitações e contratos administrativos não prevê a arbitragem e
estabelece como cláusula obrigatória, em seu art. 55, §2º, a fixação do foro da sede da
Administração para compor litígios contratuais.
Com relação ao primeiro argumento, é preciso registrar não existir na legislação
brasileira vedação expressa ao uso da via arbitral para a resolução de litígios entre o
particular e o Poder Público. Há registro, no direito brasileiro, de casos históricos
envolvendo o Poder Público até mesmo para definir a demarcação de fronteiras entre
Estados, em que o Presidente da República foi nomeado árbitro. Ademais, é preciso
reconhecer que a Administração Pública também é detentora de direitos disponíveis,
isto é, direitos negociáveis. O Supremo Tribunal Federal, em precedente conhecido
como “caso Lage”, já admitia a possibilidade de a Fazenda Pública celebrar contrato de
arbitragem, quando o objeto da controvérsia fosse meramente patrimonial e disponível:
INCORPORAÇÃO, BENS E DIREITOS DAS EMPRESAS ORGANIZAÇÃO LAGE
E DO ESPOLIO DE HENRIQUE LAGE. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA DE
IRRECORRIBILIDADE. JUROS DA MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. Legalidade do juízo arbitral, que o nosso direito sempre admitiu e consagrou, até
mesmo nas causas contra a Fazenda. Precedente do Supremo Tribunal Federal.
2. Legitimidade da cláusula de irrecorribilidade de sentença arbitral, que não ofende a
norma constitucional. (...)
(STF. Pleno. AI nº 52181/GB. Rel. Min. Bilac Pinto, julgado em 14/11/1973.
6399
Citando parecer de Castro Nunes, o relator Min. BILAC PINTO observa
não ser possível a interdição do Juízo Arbitral, mesmo nas causas contra a Fazenda, o
que importaria numa restrição à autonomia contratual do Estado que, como toda pessoa
sui juris, pode prevenir o litígio pela via transacional, não se lhe podendo recusar esse
direito, pelo menos na sua relação de natureza contratual ou privada, que só estas podem
comportar solução pela via arbitral, dela excluídas aquelas em que o Estado age como
Poder Público que não podem ser objeto de transação.(....)
Argúi-se, por outro lado, a incompatibilidade do ato legislativo em causa com a
Constituição vigente, violando, entre outros, o preceito contido no parágrafo 26 do art.
141, pelo qual não haverá foro privilegiado nem juízes e tribunais de exceção. A
alegação não tem qualquer procedência, pois, como afirma a sentença, a instituição do
Juízo Arbitral não importou em constituir foro privilegiado nem tribunal de exceção.
(...) basta atentar para a natureza consensual do juízo arbitral que, não integrando os
órgãos permanentes do Poder Judiciário, de natureza institucional, é criação contratual,
nascida do compromisso das partes, ainda que regulada em lei especial, para concluir-se
que a alegada inconstitucionalidade não tem o prestígio da doutrina dominante na
matéria.
Sobre a utilização da arbitragem pelas sociedades de economia mista, encontra-se
pacificada no Superior Tribunal de Justiça, com a ressalva de que “não é qualquer
direito público sindicável na via arbitral, mas somente aqueles cognominados como
"disponíveis", porquanto de natureza contratual ou privada”.
No que diz respeito ao segundo argumento, é preciso dizer que a Administração Pública
não está dispondo do interesse público e tampouco abrindo mão de seus direitos quando
escolhe o juízo arbitral. Na verdade, apenas há a escolha da jurisdição não-estatal para
por fim ao litígio, já que “a arbitragem não é aposta, jogo de azar. Quem remete a
solução de sua causa ao processo arbitral não a está submetendo ao cara ou coroa nem à
roleta-russa”. O julgamento, aliás, terá de ocorrer com base na jurisdição legal e não
recorrendo à jurisdição de equidade. Logo, não há qualquer tipo de ofensa à legalidade.
Conforme a lição de DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, “jamais se cogita
de negociar o interesse público, mas de negociar os modos de atingi-lo com maior
eficiência” (grifos do autor). Realmente, são manifestas as vantagens da arbitragem: a)
possibilita a intervenção de especialista na matéria litigiosa; b) desafoga o Poder
Judiciário; c) enseja decisão célere; d) busca prioritariamente o consenso e não a
condenação.
Por derradeiro, cumpre examinar o último argumento. Embora a lei das licitações e
contratos administrativos não faça referência à arbitragem, isto não quer dizer que haja
proibição. É preciso interpretar essa lei em sintonia com outros diplomas legais, e não
isoladamente. Em primeiro lugar, veja-se a Lei 8.987/1995, que regula o regime de
concessão e permissão de serviços públicos. Tal lei estabelece como cláusula essencial
e, portanto, obrigatória, a que diz respeito ao foro e ao modo amigável de solução das
divergências contratuais (art. 23, XV), aplicando-se a esses contratos administrativos
também a Lei 8.666/1993 (art. 2º). Observe-se que a Lei de Licitações e Contratos
Administrativos não faz referência à jurisdição estatal em seu art. 55, §2º: “Nos
6400
contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas,
inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente
cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir
qualquer questão contratual (...)”.
Já a Lei 9472/1997 (dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, cria a
ANATEL, sob regime autárquico, no art. 93, e trata do contrato de concessão), dispõe,
em seu art. 120, do foro e do modo amigável para a solução extrajudicial dos conflitos
contratuais. Mais preciso é o art. 43, X, da Lei 9478/1997 (dispõe sobre a política
energética e cria a Agência Nacional do Petróleo, sob regime autárquico especial), que
prevê, em sede de contrato de concessão, obrigatoriamente, regra sobre a “solução de
controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a
arbitragem internacional”.
O Decreto 2521/1998, que dispõe sobre a exploração, mediante permissão e
autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de
passageiros, ao tratar do contrato administrativo de adesão, impõe como cláusula
essencial, nos artigos 19 e 20, a fixação do modo amigável para solução de divergências
contratuais. A Lei 10.233/2001 dispõe sobre os transportes aquaviário e terrestre, cria a
Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes
Aquaviários e o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes,
determinando, de forma cogente, no contrato de concessão, em seu art. 35, XVI, que
sejam fixadas “regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua
execução, inclusive a conciliação e a arbitragem”.
Por derradeiro, o art. 11 da Lei 11.079/2004, no inc. III, determina que a minuta
do contrato de parceria público-privada, indicará “o emprego dos mecanismos privados
de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua
portuguesa”, para dirimir conflitos contratuais. Assim, pelo exame dessas leis, apenas a
título exemplificativo, é possível perceber que o cabimento da arbitragem alcança
diversos setores como o de energia elétrica, o de petróleo, o de telecomunicações, o de
concessão de serviços públicos e o de transportes.
6. CONCLUSÃO
A utilização de meios alternativos é um fato cada vez mais freqüente atualmente. Ainda
que mantenhamos a cultura cartorária e formalista lusitana, a globalização e o novo
cenário jurídico (judicialização das questões sociais e políticas, constitucionalização,
reconhecimento de novos direitos, ampliação do acesso à Justiça etc.) impõem ao
Judiciário brasileiro assumir esta realidade e adequar-se às mudanças.
As reformas administrativas e judiciárias dos últimos vinte anos convergem para este
novo desenho institucional: redução do autoritarismo estatal e conseqüente equilíbrio de
forças entre particulares e Poder Público. Da servidão à participação, o particular cada
vez avança mais na luta pelos seus direitos, a ponto de estimular novas políticas
públicas, como o movimento pela conciliação do Conselho Nacional de Justiça.
6401
O presente artigo demonstrou a tendência crescente pela utilização de métodos
alternativos nos conflitos envolvendo o Estado. Os juizados especiais federais e os
projetos de reforma da lei nº 9099/95 revelam que nem a Fazenda pode restar imune aos
procedimentos mais céleres e informais. A garantia da tutela jurisdicional efetiva afasta
os argumentos fazendários contrários à tutela diferenciada, conforme se manifesta o
Supremo Tribunal Federal. A Advocacia-Geral da União passa a admitir, ainda que
timidamente, a transação judicial e mesmo a extrajudicial, por meio de conciliação e
mediação. Até mesmo o dogma da indisponibilidade dos bens públicos vem se
relativizando, como se verificou na arbitragem. De tal arte, podem-se mencionar as
seguintes formas de heterocomposição extrajudicial dos litígios administrativos: a)
mediação; b) conciliação; c) termo de compromisso; d) arbitragem. Em todas deve
haver o estímulo da transação.
Diante do exposto, conclui-se pela possibilidade da utilização destes meios alternativos
nos conflitos envolvendo a Administração Pública. O sistema jurídico vigente não
apenas os autoriza como também os estimula. Entretanto, o problema não é meramente
técnico, mas especialmente político e cultural. Nossa tradição patrimonialista e nossa
formação publicista (construída ideologicamente desde a formação do Estado brasileiro)
são barreiras a estes institutos que prezam pela efetividade e pelo equilíbrio de forças.
De qualquer forma, as modificações paulatinas nos dão uma certa esperança de que está
sendo construída uma nova relação entre particulares e Poder Público.
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YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela Jurisdicional, 2ª tir., São Paulo: Atlas, 1999.
ZIMMERMANN, Dennys. “Alguns aspectos sobre a arbitragem nos contratos
administrativos à luz dos princípios da eficiência e do acesso à justiça”, in: Revista de
Arbitragem e Mediação, janeiro-março de 2007, n. 12.
Neste sentido: DINAMARCO, A Reforma da Reforma, p. 128.
Sobre o tema, consulte-se: MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Ônus da Prova no
Direito Processual Público, passim.
O que afeta triplamente as classes mais baixas, em razão das altas custas, a
desproporcionalidade entre tais custas e o valor das causas e a lentidão dos processos
(SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice, pp. 168/169)
Para T. H. MARSHALL, “a distância dos tribunais era devida aos tecnicismos do
direito e de seu processo que fez com que o cidadão ordinário tivesse de lançar mão de
especialistas para orientá-lo quanto à natureza de seus direitos e para auxiliá-lo a
obtê-los” (Cidadania e classe social, p. 65.)
Os fatores culturais e sociais são o desconhecimento dos direitos pelos cidadãos mais
pobres, a hesitação em propor ações por medo de represálias (como no direito do
trabalho) e a falta de acesso a advogados. (SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão
6406
de Alice, p. 170). No mesmo sentido, o relatório feito por EARL JOHNSON Jr. (Projeto
Florença), para quem “economic cost is not the only source of inaccessibility for many
litigants. For many, the format courts may seem inaccessible in psychological terms.
This, of course, is a more subtle phenomenon. It seems compounded of several factors:
the anxiety-provoking formality of the typical courtroom setting, the language barrier
for some litigants, the mysterious legal machinations for nearly all, and similar
considerations”(“Promissing institutions: a synthesis essay”, p. 878). Também
CAPPELLETTI & GARTH dizem que “o desafio é criar foros que sejam atraentes
para os indivíduos, não apenas do ponto de vista econômico, mas também físico e
psicológico, de modo que eles se sintam à vontade e confiantes para utilizá-los, apesar
dos recursos de que disponham aqueles a quem eles se opõem” (Acesso à Justiça, p.
97.)
Segue-se a crítica feita por ELISABETTA SILVESTRI, para quem a moda destes meios
alternativos, imposta culturalmente pela hegemonia ideológica norte-americana, a qual
acabaria impondo até mesmo a sigla ADR (“il sucsesso incontrato daí metodi
alternativi è quase senza precedenti: autorevoli esponenti della dottrina, come pure
membri di spicco Del ceto forense e della magistratura sembrano conquistati dalla
moda delle ADR, como ormai vengono familiarmente chiamate anche da noi le
alternative al processo, spesso italianizzando la pronuncia di questo acronismo che,
come si spera sia noto almeno a coloro che se ne servono, sta per Alternative Dispute
Resolution ” - “Osservazioni in tema di strumenti alternativi per la risoluzione delle
controverse”, p. 475).
ADA PELLEGRINI GRINOVER, em relatório brasileiro para o VIII Congresso
Internacional de Direito Processual (1987), aplica o conceito de deformalização em dois
sentidos (processo e controvérsia), para estabelecer tal diferença: “ (...)de um lado, a
deformalização do próprio processo, utilizando-se a técnica processual em busca de um
processo mais simples, rápido, econômico, de acesso fácil e direto, apto a solucionar
com eficiência tipos particulares de conflitos de interesses. De outro lado, a
deformalização das controvérsias, buscando para elas, de acordo com sua natureza,
equivalentes jurisdicionais, como vias alternativas ao processo, capazes de evitá-lo,
para solucioná-las mediante intrumentos institucionalizados de mediação. A
deformalização do processo insere-se, portanto, no filão jurisdicional, enquanto a
deformalização das controvérsias utiliza-se de meios extrajudiciais. (“Deformalização
do processo e deformalização das controvérsias”, p. 179).
Cf. “Sulla Tutela Giurisdizionale Differenziata”, in: Rivista di Diritto Processuale, ano
XXXIV, 1979, n. 4, p. 536.
“Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de
acesso à Justiça”, in Revista de Processo nº 74, p. 82.
Tutela Jurisdicional, p. 34-35.
Recorde-se que foi proclamado a partir do séc. XVII, pelos filósofos modernos, que o
direito e a moral seriam ciências capazes de produzir verdades absolutas, de modo que
não haveria espaço para que juízos de verossimilhança legitimassem a tutela
jurisdicional. Os juristas italianos do início do século XX consideraram a tutela cautelar
como algo estranho à tutela jurisdicional ordinária, um terceiro gênero processual,
6407
mantendo a “pureza” do modelo clássico de jurisdição, em que a execução deve ser
precedida de um juízo de certeza (nulla executio sine titulo). Estes dogmas hoje foram
superados. Cf. ROGÉRIO SOARES, Tutela jurisdicional diferenciada, p. 142-143;
DONALDO ARMELIN, “Tutela Jurisdicional Diferenciada”, in: Revista de Processo,
vol. 65, p. 46.
Há outros casos de juízes leigos do sistema jurídico brasileiro: juízes de vintena
coloniais; comerciantes integrantes dos Tribunais de Comércio imperiais (Título único
do Código Comercial de 1850, art. 2º: “o Tribunal do Comércio da Capital do Império
será composto de um Presidente letrado, seis Deputados comerciantes, servindo um de
Secretário, e três Suplentes também comerciantes; e terá por adjunto um Fiscal, que
será sempre um Desembargador com exercício efetivo na Relação Rio de Janeiro. Os
tribunais das Províncias serão compostos de um Presidente letrado, quatro Deputados
comerciantes, servindo um de Secretário, e dois Suplentes também comerciantes; e
terão por adjunto um Fiscal, que será sempre um Desembargador com exercício efetivo
na Relação da respectiva Província”); juízes classistas nas extintas Juntas de
Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho; jurados no Tribunal do Júri (CRFB,
art. 5º, XXXVIII); militares nas auditorias respectivas (lei nº 8.457/92 – Lei de
Organização Judiciária Militar, arts. 19/22) etc.
Notas sobre a democratização do processo, pp. 254/255. No caso do Rio de Janeiro, a
situação se agrava em virtude da Lei Estadual nº 4578/2005, a qual dispõe que “a
função de juiz leigo (...) será exercida por alunos da Escola da Magistratura do Estado
do Rio de Janeiro, na forma disposta em Regulamento, vedado seu exercício por
serventuários do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro”. Sobre o tema, ver
MEIRELLES, Delton R. S. “Juízes leigos comunitários: acesso à Justiça nas cidades”,
apresentado no XIV Encontro Nacional do CONPEDI.
O poder simbólico, p. 212.
“Da um lato, infatti, vi è l’idea tradizionale, tuttora diffusa negli Stati Uniti, per cui la
giuria è uma necessaria ed irrinunciabile garanzia della partecipazione del popolo
all’ammininstrazione della giustizia, ed è quindi um essenzialle fattore di democrazia
nell’àmbito Del sistema giudiziario. Dall’altro lato vi è in Europa la tendenza
tradizionale, tuttora diffusa, a ritenere che la giuria non debba essere usata nelle cause
civili, e che la partecipazione di laici agli organi giudiziari debba essere limitata a casi
particolari” (Dimensioni transculturali della giustizia civile, p, 1070).
O Acesso ao Direito e à Justiça, p. 18.
“O acesso à Justiça e a função do jurista em nossa época”.
Entretanto, não pode ser desprezada à resistência da magistratura tradicional. Em
pesquisa realizada no ano de 1994, 64,9% dos juízes fluminenses entrevistados
mostraram-se contrários às idéias de sua abertura à participação popular (JUNQUEIRA,
Eliane Botelho; VIEIRA, José Ribas & FONSECA, Maria Guadalupe Piragibe da.
Juízes: retrato em preto e branco, p. 204)
“Também não se põe de modo alternativo e excludente a escolha entre o processo,
como meio de solução dos litígios, e equivalentes jurisdicionais capazes de evitá-lo,
6408
como a conciliação prévia extrajudicial, atividade preparatória cuja finalidade é a
autocomposição. Nem todos os tipos de controvérsia se coadunam com as vias
conciliativas. E estas devem permanecer a nível facultativo e coexistente ao processo, a
fim de que não se frustre a garantia constitucional da proteção judiciária dos direitos e
dos interesses”.(GRINOVER, Ada Pellegrini. “Deformalização do processo e
deformalização das controvérsias”, p. 201).
Destarte, tais meios alternativos não poderiam servir para esconder as mazelas do
Judiciário estatal, como pontifica OVÍDIO BAPTISTA: “As alternativas dos Juizados
Especiais e das juntas de conciliação, instrumentos sem dúvida valiosos como
coadjuvantes na busca de uma prestação jurisdicional compatível com os nossos
tempos, podem transformar-se em escudo para que as causas profundas da crise do
Poder Judiciário sejam esquecidas ou relegadas para as calendas gregas. (...) Devemos
buscar alternativas, sem no entanto perder de vista o problema fundamental enfrentado
pela jurisdição estatal”.(Processo e ideologia, p. 319).
Em sentido semelhante, MICHELE TARUFFO aponta uma função negativa de tais
órgãos: “quando il processo giudiziario funziona bene (...) l’ADR rimane um fenomeno
tutto sommato marginale e chi ha bisogno della tutela di um próprio diritto preferisce
rivolgersi al giudice. Quando, al contrario, i rimedi giurisdizionali non funzionano (...)
l’ADR diventa uma sorta di alternativa necesssaria per coloro che hanna bisogno di
risolvere controversie ma non posso o non vogliono farlo per mezzo di procedure
formali di amministrazione della giustizia che sono onerose, costose ed eccessivamente
lunghe”. (Dimensioni transculturali della giustizia civile, p. 1065).
Como afirma ADA PELLEGRINI GRINOVER, “é isso que vem finalmente indicar
aquela que talvez seja a função primordial da conciliação: a pacificação social. Esta
não é alcançada pela sentença, que se limita a ditar autoritativamente a regra para o
caso concreto (...)”. (“Deformalização do processo e deformalização das controvérsias”,
p. 192). É curioso notar o discurso recorrente na literatura brasileira ao “espírito
pacífico” de nosso povo (ou o homo cordialis de SERGIO BUARQUE DE
HOLLANDA), como se observa no argumento construído por Cândido Rangel
DINAMARCO: “é do sentimento popular o refrão segundo o qual ‘mais vale um mau
acordo, do que uma boa demanda’ (...) Isso corresponde ao decantado espírito
conciliador que caracteriza a nação brasileira”.(“Princípios e critérios no processo das
pequenas causas”, p. 112).
São exemplos legislativos brasileiros os juizados especiais (lei 9099/95, arts. 6º e 25) e a
arbitragem (lei 9307/96, art. 2º).
Opere giuridiche, I, p. 640.
Constituição de 1824, art. 161: “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da
reconciliação, não se começará Processo algum”.
Constituição de 1824, art. 162: “Para este fim haverá juizes de Paz, os quaes serão
electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras.
Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei”.
6409
Ressalve-se a Justiça do Trabalho, cuja formação se deveu a uma forma bem peculiar, a
qual estimula a conciliação como elemento obrigatório na resolução dos conflitos
laborais, como se percebe no art. 764 da CLT.
Entre outros, emergem os artigos 1º (“os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos
da Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e
pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua
competência”); 2º (“o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a
conciliação ou a transação”); 3º [“o Juizado Especial Cível tem competência para
conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade” (...)]
Também é possível um sistema misto, em que há política publica de incentivo à
arbitragem, mas dentro de um contexto jurisdicional estatal, como relata OSCAR
CHASE, “the most obvious way in which the judiciary hás contributed to the growth of
ADR hás been by establishing the already-noted ‘court-annexed’ programs. These
tipically involve the creation of na arbitration or mediation service (or both) that is
administrated by the court”(“The Rise of ADR in Cultural Context”,p. 97)
O ideal comunitário está mais presente nos modelos autocompositivos (mediação e
conciliação) do que nos equivalentes jurisdicionais (arbitragem). Neste sentido, CHASE
afirma que “mediation retained vigor as a response to dispute, it was largely in various
self-organized utopian communities and within the insular world of immigrant groups
(...) that brought a deep distaste for litigation to the New World” (“The Rise of ADR in
Cultural Context”, p. 101). O mesmo autor busca compreender este atual surto das
ADR’s a partir do movimento do counterculturalism (ibidem, pp. 109/111)
SANTOS, Boaventura de Sousa et alii. Os tribunais nas sociedades contemporâneas, p.
52
Pela mão de Alice, p. 175.
Este parece ser o ponto defendido por ADA PELLEGRINI GRINOVER, ainda que trate
do tema específico da conciliação (“a ponto de falar-se de uma ‘cultura da
conciliação’, que conheceu um impulso crescente na sociedade pós-industrial, mas que
tem, nos países em desenvolvimento, importante desdobramento, por indicar não
apenas a institucionalização de novas formas de participação na administração da
Justiça e de gestão racional dos interesses públicos e privados, mas também por
assumir relevante papel promocional de conscientização política” - “Deformalização
do processo e deformalização das controvérsias”, p. 192)
Pela mão de Alice, p. 179.
CHASE, Oscar G.. “The Rise of ADR in Cultural Context”, p. 100. No mesmo sentido,
diz ELISABETTA SILVESTRI: “molti sembrano ignorara che próprio negli Stati Uniti
le alternative al processo costituiscono un fenomeno già Vecchio, sai per data di
nascita, sai perchè, a torto o a ragione, si ritiene che la fase di massima espansione
delle alternative sai terminata e che sai tempo di valutare, quase in una prospettiva
storica, gli effetti che la loro diffusione há prodorto”(“Osservazioni in tema di strumenti
alternativi per la risoluzione delle controverse”, p. 478)
6410
Privatização do processo?, p. 09.
Privatização do processo?, p. 11.
Embora situada fora do Poder Judiciário, poder-se-ia arrolar, igualmente, a arbitragem
como modalidade de tutela jurisdicional diferenciada (item 2.1). No passado, a
arbitragem foi classificada como um “equivalente jurisdicional”, porque o laudo arbitral
poderia ser judicialmente revisto. Em face da nossa legislação atual, no entanto, o
árbitro exerce poder jurisdicional, porque profere sentença que produz os mesmos
efeitos da sentença proferida pelo Poder Judiciário (art. 31 da L. 9.307/1996). Opta-se
por tratá-la neste tópico para diferenciar a jurisdição estatal da jurisdição não-estatal.
Caso relevante, para fins deste estudo, é da possibilidade de a Caixa Econômica Federal
se recusar a liberar o saldo de FGTS, quando o trabalhador resolve seu conflito laboral
mediante decisão arbitral. A jurisprudência dos tribunais federais é pacífica quanto à
impossibilidade desta empresa pública federal “tecer questionamentos acerca da
possibilidade ou não da arbitragem, no campo do direito individual do trabalho”
(TRF/1. 6ª Turma. AMS 2004.33.00.013235-9/BA, rel. Des. Fed. Souza Prudente, j.
16/05/2005). Neste sentido, entre outros acórdãos: STJ. 1ª Turma, REsp 777906/BA.
Rel. Min. José Delgado. j. 18/10/2005; STJ. 1ª Turma, REsp 707043 / BA, Rel. Min.
Teori Albino Zavascki. j. 15/03/2005; TRF/1. 6ª Turma. AMS 2004.33.00.011790-
4/BA, rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, j. 16/06/2008; TRF/1. 6ª Turma.
AMS 2002.36.00.006453-3/MT, rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, j. 04/06/2004;
TRF/2. 5ª Turma Especializada, MS nº 20055101008606-3, rel. Des. Fed. Antônio Cruz
Neto, j. 10/12/08; TRF/2. 8ª Turma Especializada, MS nº 200651010176032, rel. Des.
Fed. Poul Erik Dyrlund, j. 12/03/2007; TRF/3. MAS 242036, rel. Des. Fed. Nelton dos
Santos, j. 05/08/2008.
Pela mão de Alice, pp. 179/180.
Convém ressaltar que a lei nº 7244/84 foi resultado da articulação entre a magistratura e
o Executivo federal, numa composição de forças a partir dos projetos, respectivamente,
de conciliação judicial no Rio Grande do Sul e do então Ministério da
Desburocratização. Com isso, não é difícil especular o porquê dos juizados de pequenas
causas não satisfazerem integralmente o acesso à Justiça dos cidadãos em face do Poder
Público (MEIRELLES, Delton R. S. “Avanços democráticos e reação judiciária: os
juízes leigos na Constituinte de 1988”. Trabalho inédito e aceito para o XIV Congresso
Brasileiro de Sociologia).
Destaque-se que o projeto de lei nº 1480/89, de autoria do deputado federal Michel
Temer, não mantinha a exclusão da Fazenda Pública. Entretanto, o PL-3698/1989, de
autoria do então parlamentar Nelson Jobim e do qual foi gerada a parte cível da lei nº
9099/95, aproveitou a estrutura da lei nº 7244/84 e a conseqüente limitação para as
causas fazendárias (Diário do Congresso Nacional de 26/09/1989, p. 10300)
Até o fechamento deste artigo, tramitavam na Câmara dos Deputados a PEC nº 145
(dep. Décio Lima – PT/SC, 29/08/2007) e os projetos de lei de números 5306 (dep.
Carlos Sampaio - PSDB/SP, 24/05/2005), 7087 (sen. Antônio Carlos Valadares -
PSB/SE, 18/05/2006); além de projetos arquivados como os de números 1003(dep.
Carlos Nader - PFL/RJ, 15/05/2003), 1158 (dep. Rogério Silva - PPS/MT, 02/06/2003),
6411
3565 (dep. Marcondes Gadelha - PTB/PB, 14/05/2004), e 2521 (Comissão de
Legislação Participativa, 30/11/2007).
Cf. SOUZA, Marcia C. Xavier de. Tutela jurisdicional efetiva contra o poder público
estadual, distrital e municipal por meio dos Juizados Especiais Cíveis, Rio de Janeiro:
Universidade Gama Filho, Tese defendida em setembro de 2008, inédita.
Tendo em vista essa possibilidade, já houve até a alteração do valor do teto dos Juizados
Especiais para os municípios pela Emenda n. 37 de 2002, nos termos do art. 87: “Para
efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até
que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da
Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os
débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou
inferior a: I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito
Federal; II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.”
Exposição de motivos nº 434, de 11/09/1997, publicada no Diário do Congresso
Nacional de 04/04/1997, p. 9149.
Mensagem nº 21, de 12/01/2001, publicada no Diário do Congresso Nacional de
02/02/2001, p. 358.
Não se pode esquecer que as autarquias e as fundações públicas federais também podem
figurar no pólo passivo do processo nos Juizados Especiais Federais (art. 6º, II da Lei
10.259/2001).
Art. 4o
:“O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas
cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação.”
Art. 13. “Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário.”
Art. 9o
: “Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas
pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a
citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de trinta
dias.”
Art. 100, § 3º: “O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de
precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de
pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em
virtude de sentença judicial transitada em julgado” (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 30, de 2000).
Exposição de motivos nº 434, de 11/09/1997, publicada no Diário do Congresso
Nacional de 04/04/1997, p. 9149.
Juizados Especiais Federais Cíveis, p. 82.
“A tutela específica do credor nas obrigações negativas”, in: Temas de Direito
Processual, Segunda Série, p. 31.
6412
Cf. LEONARDO GRECO, ‘Tutela Jurisdicional Específica”, in: Estudos de Direito
Processual, p. 513 e ss.
Idem, p. 527 e ss.
Exemplificativamente, podem ser citados: a) reclassificação ou equiparação de
servidores públicos (art. 5º, L. 4.348/1964); b) suspensão da segurança (art.4º, caput e
§§1º e 2º, L. 4.348/1964); c) vedação genérica de medidas liminares (art. 1º, caput e §3º,
L.8.437/1992); d) suspensão de tutela contra o Poder Público (art. 4º e §§ L.
8.437/1992); e) vedação genérica de tutela antecipada (art. 1º e 2º -B, L.9494/1997).
Neste sentido: RICARDO LOBO TORRES, “O mínimo existencial, os direitos sociais e
os desafios de natureza orçamentária”, in: Direitos Fundamentais: orçamento e reserva
do possível, p. 69/86.
Como decidiu o Supremo Tribunal Federal, “entre reconhecer o interesse secundário
do Estado, em matéria de finanças públicas, e o interesse fundamental da pessoa, que é
o direito à vida, não haveria opção possível para o Judiciário, senão de dar primazia
ao último. (...) a realidade da vida tão pulsante na espécie imporia o provimento do
recurso, a fim de reconhecer ao agravante, que inclusive poderia correr risco de morte,
o direito de buscar autonomia existencial, desvinculando-se de um respirador artificial
que o mantém ligado a um leito hospitalar depois de meses em estado de coma,
implementando-se, com isso, o direito à busca da felicidade, que é um consectário do
princípio da dignidade da pessoa humana” (STA nº. 223/PE, J. 12/03/2008, rel. orig.
Min. Ellen Gracie, rel. p/ acórdão Min. Celso de Mello. Informativo nº 502).
Neste sentido: J.J. CALMON DE PASSOS, Comentários ao CPC, vol. III, n. 247, p.
376-7, esclarecendo que a indisponibilidade pode ser: a) absoluta, quando o próprio
bem, conteúdo do direito, é insuscetível de disposição, porque é indissociável de seu
sujeito (ex.: alguns direitos da personalidade, como o corpo); b) relativa, quando,
embora irrenunciável, a lei admite transação (ex.: quantum dos alimentos; os dias de
visita) ou condiciona a sua disposição ao controle judicial (ex.: a venda do bem do
absolutamente incapaz).
Cf. MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Ônus da Prova no Direito Processual
Público, item 5.3.3.3.
É de se lembrar que a desistência da ação do Poder Público no contencioso judicial
administrativo é diferenciada, porque, em geral, o procurador deve aguardar a reposta
de seu superior hierárquico sobre a possibilidade de desistir da demanda.
Sobre a transação judicial no âmbito das relações jurídicas de direito público, devem ser
examinadas, entre outras leis: Lei Complementar Nº 73, de 10 de Fevereiro de 1993; o
Decreto Nº 4.250, de 27 de Maio de 2002; a Lei Nº 9.469, de 10 de Julho de 1997; a Lei
Nº 10.667, de 14 de Maio de 2003; Decreto Nº 4.250, de 27 de Maio de 2002.
AGU - Portaria nº 1.052/2006 DE 8 DE NOVEMBRO DE 2006DOU 09.11.2006: O
ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem a Lei nº
9.469, de 10 de julho de 1997 e o Decreto nº 2.346, de 10 de outubro de 1997, tendo em
vista o disposto na Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 (art. 4º, incisos
6413
I, VI, XII, XIII e XVIII e art. 28, inciso II), na Lei nº 10.480, de 2 de julho de 2002 (art.
9º), na Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001 (art. 38, § 1º, inciso
II): Art. 1º Os órgãos de representação judicial da Advocacia-Geral da União e da
Procuradoria-Geral Federal e seus integrantes ficam autorizados a realizar transação
judicial para extinguir processos judiciais que tenham por objeto o pagamento, em
parcela única, do passivo ainda não liquidado previsto no artigo 11 da Medida
Provisória nº 2.225-45, de 2001, referente à aplicação aos servidores civis do Poder
Executivo Federal da diferença de 3,17% (três inteiros e dezessete centésimos por
cento), desde que atendidos os seguintes requisitos: I - somente podem ser objeto de
transação os valores não prescritos; II - os pagamentos serão feitos exclusivamente
mediante Requisição de Pequeno Valor - RPV, no prazo legal; III - a transação somente
ocorrerá se houver redução de, no mínimo, 10% (dez por cento) do valor estimado da
condenação e se o autor da ação se responsabilizar pelos honorários de seu advogado e
eventuais custas judiciais, aceitando ainda a incidência de juros de mora desde a citação
válida no percentual máximo de 0,5% (meio por cento) ao mês, bem como o desconto
dos impostos e das contribuições respectivas; IV - a transação fica limitada ao valor
correspondente a cinqüenta e quatro salários-mínimos vigentes na data da sua
propositura; e V - o termo da transação conterá, obrigatoriamente, cláusula de renúncia
a direitos decorrentes do mesmo fato ou fundamento jurídico que deu origem à ação
judicial, e deverá ser comunicado, pelas Procuradorias, ao órgão de recursos humanos
do autor da ação, para que seja suspenso o pagamento administrativo das parcelas
vincendas nos termos do artigo 11 da Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001.
Art. 2º A transação que se realizar com base nesta Portaria não configura
reconhecimento de direito dos autores das ações, mas tão somente o acatamento a
decisões judiciais irreversíveis.
Art. 3º Caberá aos titulares da Procuradoria-Geral da União e da Procuradoria-Geral
Federal orientar suas unidades e respectivos integrantes sobre o fiel cumprimento desta
Portaria, devendo, inclusive, estabelecer, em conjunto, termo padrão de transação a ser
por todos observado.
Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
STJ. 5ª Turma. REsp 667125/PE, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j.25/10/2005.
Como já decidiu o TRF da 3ª Região, “não há falar-se em cerceamento de defesa ante a
supressão da audiência de tentativa de conciliação, prevista no artigo 331 do CPC, vez
que não é permitido aos procuradores da entidade autárquica qualquer transação, haja
vista a indisponibilidade do interesse da Administração Pública, em que se insere a
Previdência Social” (Apelação Cível nº 900569, rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, j.
22/02/2005). Em sentido semelhante: TRF/3, Apelação Cível nº 903721, j. 27/09/2004.
PEDRO A. BATISTA MARTINS, “Arbitrabilidade objetiva, interesse público,
indisponibilidade de direitos e normas de ordem pública”, in Interesse Público, vol. 50,
p. 92/93.
Lei nº 6.385/1976, art. 11, § 5º: “A Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu
exclusivo critério, se o interesse público permitir, suspender, em qualquer fase, o
procedimento administrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do
6414
mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de
compromisso, obrigando-se a: I - cessar a prática de atividades ou atos considerados
ilícitos pela Comissão de Valores Mobiliários; e II - corrigir as irregularidades
apontadas, inclusive indenizando os prejuízos.” Consulte-se: WELLISCH, Julya Sotto
Mayor; SANTOS, Alexandre Pinheiro. “O termo de compromisso no âmbito do
mercado de valores mobiliários”, in Interesse Público, vol. 53, p. 137/149.
A Lei 7347/85, que disciplina a ação civil pública, estabelece no art. 5, §6º: “Os órgãos
públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de
sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título
executivo extrajudicial”.
Lei nº 8884/1994, art. 53, § 5º: “Em qualquer das espécies de processo administrativo,
o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob
investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e
oportunidade, entender que atende aos interesses protegidos por lei”.
Apesar do art. 635-A da CLT fazer menção a empresas (“As empresas e os sindicatos
podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com
representante dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar
conciliar os conflitos individuais do trabalho.”), a princípio nada impediria que pessoas
jurídicas de direito público também mantivessem tais órgãos em sua estrutura interna,
atendendo a seus empregados públicos.
A propósito, na Lei nº 9784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal, não há previsão expressa da possibilidade de
autocomposição. Com base nisto, o TRF da 2ª Região, em mandado de segurança
impetrado para impedir que fosse feito qualquer registro junto ao prontuário do apelante
no Conselho Regional de Medicina/ES, de qualquer anotação decorrente do processo
administrativo ético-profissional originário de processo de sindicância, julgou que “não
há obrigatoriedade de se realizar fase de conciliação no procedimento administrativo. A
prática de infração profissional ou conduta contrária ao comportamento profissional
ético, probo e digno não pode ser inserida no campo da disponibilidade de
arquivamento (ou não) do procedimento. E, ainda que assim fosse, dependeria de
expressa concordância da pessoa lesada ou prejudicada pelo comportamento indevido
do Apelante” (TRF 2ª Região, 8ª Turma Especializada, Mandado de Segurança nº
20055001009345-4, rel. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, julgamento 22/08/06).
Cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/Plp/2009/msg235-090413.htm
(acessado em 01.05.2009).
Cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2009/msg237-090413.htm
(acessado em 01.05.2009).
Destaque-se o §1º do art. 4º, do Anteprojeto: “São modalidades de transações e formas
alternativas de soluções de controvérsias tributárias objeto da presente Lei: I - transação
em processo administrativo ou judicial; II - transação judicial no caso de Insolvência
fiscal; III - transação por recuperação tributária; IV - transação com arbitragem; V -
transação penal tributária; VI - transação por adesão; VII - transação preventiva; VIII -
ajustamento de conduta tributária; e IX - interpelação preventiva antielusiva.
6415
Cf. http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/r150307d-anteprojeto-de-lei.pdf
(acessado em 01.05.2009).
Ver, em especial, CASSONE, Vittorio. “Transação, conciliação e arbitragem no âmbito
tributário: confronto entre os princípios constitucionais aplicáveis”, in: Transação e
Arbitragem no âmbito Tributário, p. 217 e ss.; MACHADO, Hugo de Brito. “Transação
e arbitragem no âmbito tributário”, idem, p. 111 e ss.; SANTI, Eurico Marcos Diniz de.
“Transação e arbitragem no direito tributário: paranóia ou mistificação?”, idem, p. 167 e
ss..
Registre-se que, em Portugal, o Ministério da Justiça promoveu a constituição do
CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) que funciona a partir de uma associação
privada sem fins lucrativos e cujo objetivo é resolver litígios emergentes de relações
jurídicas de emprego público (funcionalismo público) e contratos, através da consulta,
mediação e arbitragem (http://www.caad.org.pt/, acessado em 21 de abril de 2009).
Lei 9.307/1996, art. 1º: As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem
para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Sobre o tema: TÁCITO, Caio. “A arbitragem nos litígios administrativos”, in: RDA, n.
210, p. 111 e ss.; GRINOVER, Ada Pellegrini. “Arbitragem e prestação de serviços
públicos”, in: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 26; TIBURCIO,
Carmen. “Arbitragem envolvendo a Administração Pública”, in: Temas de Direito
Internacional, p. 525 e ss.; LEME, Selma Ferreira. Arbitragem na Administração
Pública; FERRAZ, Rafaella. Arbitragem em Litígios Comerciais com a Administração
Pública; OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Arbitragem de litígios com Entes Públicos.
Em 1920, o então Presidente Epitácio Pessoa foi escolhido como árbitro para definir os
limites dos Estados de São Paulo e Minas Gerais (Cf. MAYER, Luiz Rafael. “Juízo
arbitral entre Estados”, in: Revista de Direito Público, p. 85 e ss.
O decreto-lei nº 4648/42 havia autorizado a desapropriação dos bens e direitos das
empresas da chamada Organização Lage e do espólio Henrique Lage, em face do então
estado de guerra. Diante da controvérsia sobre o valor da indenização, Levi Carneiro,
advogado do espólio, em audiência com o Presidente da República, sugeriu a instituição
de um juízo arbitral. Ouvido o então Consultor-Geral da República, Min. Themístocles
Brandão Cavalcanti, este ofereceu parecer favorável à arbitragem, sendo composta uma
comissão formada por um árbitro nomeado pelo Ministro da Fazenda (Raul Gomes de
Matos), outro indicado pelo espólio (Antônio Sampaio Dória) e o terceiro seria um
Ministro do STF (Costa Manso). Em 21/01/1948, o juízo arbitral proferiu sentença,
fixando o valor indenizatório. Ocorre que, em 14/11/1952, a União Federal acolhe
parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda e passa a sustentar a inconstitucionalidade do
juízo arbitral.
“As sociedades de economia mista, encontram-se em situação paritária em relação às
empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, §
1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer
restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para
solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas
congêneres”.(STJ. 1ª Seção. MS 11308/DF, rel. Min. Luiz Fux julgado em 09/04/2008).
6416
“São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista
exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de
prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória
submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste”. (STJ. 2ª Turma.
REsp 606345/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha julgado em 17/05/2007). Idem em
STJ. 2ª Turma. REsp 612439/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha julgado em
25/10/2005.
STJ. 1ª Seção. MS 11308/DF, rel. Min. Luiz Fux julgado em 09/04/2008.
Importante lembrar que o fundamento da indisponibilidade do interesse público – o
dogma da supremacia do interesse público sobre o particular – tem sido criticado e até
mesmo abandonado pela doutrina mais autorizada. Sobre o tema, vejam-se:
HUMBERTO ÁVILA, “Repensando o ‘princípio da supremacia do interesse público
sobre o particular’”, in: Interesses públicos vs. Interesses particulares, p. 171 e ss.;
ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, “A “Supremacia do Interesse Público” no
Advento do Estado de Direito e na Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo”,
in: idem, p. 1 e ss.; DANIEL SARMENTO “Interesses públicos vs. interesses privados
na perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional”, in: idem, p. 23 e ss.;
GUSTAVO BINENBOJM, “Da supremacia do interesse público ao dever de
proporcionalidade: Um novo paradigma para o Direito Administrativo”, in: idem, p. 117
e ss.; FERNANDO GAMA DE MIRANDA NETTO, A ponderação de interesses na
tutela de urgência irreversível, cap. 4.
TALAMINI, Eduardo. “Cabimento de arbitragem envolvendo sociedade de economia
mista dedicada à distribuição de gás canalizado”, in: Revista de Processo, n. 119, p.
162.
SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. “O cabimento da arbitragem nos
contratos administrativos”, in: Grandes Temas de Direito Administrativo: Homenagem
ao Professor Paulo Henrique Blasi, p. 114 e 119.
Outra linha de argumentação, adotada em alguns julgados, sustenta que a
indisponibilidade do interesse público deve ficar restrita aos atos de império (interesse
público primário), não, porém, aos atos de gestão que dizem respeito à capacidade de
contratar (interesse público secundário). Neste sentido: LEME, Selma Ferreira.
Arbitragem na Administração Pública, p. 130 e ss.; GRAU, Eros Roberto. “Arbitragem
e contrato administrativo”, in: Revista Trimestral de Direito Público, n. 32, p. 20. Tal
critério, no entanto, parece ser destituído de rigor científico, porque: a) é fluido, na
medida em que remete a problemática a valorações situadas na esfera política, externa
ao direito; b) todos os atos da Administração têm como finalidade última a gestão do
interesse público (ZIMMERMANN, Dennys. “Alguns aspectos sobre a arbitragem nos
contratos administrativos à luz dos princípios da eficiência e do acesso à justiça”, in:
Revista de Arbitragem e Mediação, n. 12, p. 81).
“Novos institutos consensuais da ação administrativa”, in: Mutações do Direito
Público, p. 346.
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo de. “Arbitragem nos contratos administrativos”,
in: RDA, p. 83.
6417
É de se mencionar a vedação do juízo arbitral pelo art. 45, parágrafo único, Decreto-lei
2.300/1986 (antigo diploma das licitações e contratos administrativos no âmbito da
Administração Pública Federal), posteriormente derrogado pelo Decreto-lei 2.348/1987.
A Lei paulista n. 7.535, de 8 de maio de 1982, no art. 8º, inc. XXI, já contemplava a
solução amigável de controvérsias contratuais, enquanto a Lei fluminense n. 1.481, de
21 de julho de 1989, admitiu pioneiramente o juízo arbitral como forma de resolução de
litígios administrativos. A redação original da PEC n. 29/2000 (Sen. Hélio Bicudo)
dispunha, em seu art. 98, § 3º, que “ressalvadas as entidades de direito público, os
interessados em resolver seus conflitos de interesse poderão valer-se de juízo arbitral,
na forma da lei.” A proposta, no entanto, veio a ser suprimida durante sua tramitação
pelo voto de 55 senadores, que acompanharam o destaque do Senador Romeu Tuma
(DVS935), o qual suprimia a proibição. Na ocasião, o Senador Marco Maciel defendeu
o uso da arbitragem pelas agências reguladoras (“Emenda estende juízo arbitral a
entidades públicas”, in: Jornal do Senado, Brasília, 17 de novembro de 2004, n. 2049,
p. 3, http://www.senado.gov.br/JORNAL/ arquivos_jornal/arquivosPdf/041117.pdf,
acessado em 01.05.2009).
Cf. LIMA, Cláudio Vianna de. “A Lei de Arbitragem e o art. 23, XV, da Lei de
Concessões”, in: RDA, p. 91 e ss.
Foro significa aqui porção territorial, isto é, o lugar em que será instaurado o processo,
seja judicial, seja arbitral. Neste sentido: BARBOSA, Joaquim Simões; SOUZA, Carlos
Affonso Pereira de. “Arbitragem nos contratos administrativos: panorama de uma
discussão a ser resolvida”, in: Ricardo Ramalho Almeida, Arbitragem interna e
internacional: questões de doutrina e prática, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 273.
Cite-se, como exemplo, a recente inclusão de cláusula compromissória no Edital da
ANAEEL pertinente ao Leilão 5/2007 (Rio Madeira). Para outros exemplos, veja-se:
WALD, Arnoldo; SERRÃO, André. “Aspectos constitucionais e administrativos da
arbitragem nas concessões”, in: Revista de Arbitragem e Mediação, n. 16, p. 30 e ss.
Cf. OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. “A arbitragem e as parcerias público-
privadas”, in: Revista de Arbitragem e Mediação, n. 12, p. 29 e ss.

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  • 1. 6385 MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENVOLVENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION INVOLVING THE PUBLIC ADMINISTRATION Delton R. S. Meirelles Fernando Gama de Miranda Netto RESUMO A Administração Pública brasileira, sob os argumentos da indispo-nibilidade e da supremacia do interesse público, é beneficiada com um sistema de privilégios processuais, frustrando-se as expectativas dos particulares em obter a tutela jurisdicional efetiva, revelando-se incompatível com o cenário atual de concretização de direitos fundamentais e o reconhecimento do direito ao processo justo. Diante disto, o presente artigo busca analisar a possibilidade da utilização de métodos alternativos em conflitos envolvendo a Administração Pública, avaliando cada uma de suas vertentes (tutela jurisdicional diferenciada, justiça coexistencial e resolução extrajudicial). Conclui-se que há uma tendência legal e jurisprudencial favorável à utilização de tais mecanismos, mas que esbarra na tradição patrimonialista de nosso Estado. PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS CHAVES: MEIOS ALTERNATIVOS – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA – JUSTIÇA CO-EXISTENCIAL – ARBITRAGEM. ABSTRACT The Public Brazilian Administration, under the arguments of the supremacy of the public interest, is benefited by a system of procedural privi-leges, frustrating the expectations of the individuals in obtaining an effective judicial protection, turning out to be incompatible with the current scenery of realization of basic rights and the recognition of the due process of law. There-fore, the present text looks to analyze the possibility of the use of alternative dispute resolution in administrative law conflicts, valuing each one of its meanings (alternative judicial proceeding, coexistential justice and arbitration). It is ended that there is a legal and jurisprudential tendency favorable to the use of such mechanisms, but that it comes up against into the patrimonialist tradition of our country. KEYWORDS: KEYWORDS: ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION – PUBLIC AD-MINISTRATION - ALTERNATIVE JUDICIAL PROCEEDING - COEXIS- TENTIAL JUSTICE – ARBITRATION.
  • 2. 6386 1. CONFLITOS ENTRE PARTICULARES E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A doutrina hodierna tem escrito muitos trabalhos na linha da efetividade, esforçando-se para a construção do processo justo, embora ainda seja pequena a literatura processual brasileira voltada especificamente para a composição dos litígios de Direito Público. De fato, o direito pátrio padece do mal da inefetividade do processo nesta área, porque há um desequilíbrio de forças patente entre particulares e Administração Pública, em razão dos privilégios processuais fazendários. Um breve exame da legislação processual pátria explica o porquê do défice garantista do processo em face da pessoa jurídica de direito público, figurando esta como superparte em juízo. É possível identificar, de acordo com a doutrina, as seguintes prerrogativas do Poder Público no âmbito do processo judicial: 1) inversão do ônus da prova, em decorrência da presunção de legalidade dos atos administrativos; 2) intimação pessoal de seus advogados (art. 222, alínea “c” do CPC; art. 25 da L. 6.830/1980 c/c art. 38 da LC 73/1993); 3) prazos dilatados (art. 188, CPC); 4) reexame necessário (art. 475, CPC); 5) dispensa de preparo ou depósito prévio (art. 488, parágrafo único c/c 511, §1º, CPC); 6) restrição ao deferimento de medidas liminares contra o Poder Público (Lei 8.437/92 e Lei 9.494/97); 7) possibilidade de condenação do Poder Público abaixo do mínimo legal de 10% sobre a condenação (art. 20, § 4º, CPC); 8) dispensa do ônus da impugnação específica na contestação (art. 302 c/c 320, II do CPC); 9) deferimento de arresto sem necessidade de justificação prévia (art. 816, I, CPC); 10) imposição da execução de créditos por precatórios ao adversário (art. 100, CRFB); 11) suspensão da execução de medida liminar (art. 4º, caput e §§1º e 2º da L. 4.348/1964 c/c art. 4º, caput e §§ da L.8.437/1992). O moderno Direito Processual exige, contudo, que toda parte deve ter a possibilidade de resolver o seu litígio em condições que não a inferiorizem perante a outra. É o mandamento da isonomia entre litigantes e que também deve ser observado no âmbito do Direito Processual Público. Afinal, é o processo judicial o último meio posto à disposição dos cidadãos não só para frear o arbítrio estatal, mas também para assegurar a eficácia imediata e concreta dos direitos no Estado Democrático de Direito (art. 5º, § 1º da Constituição brasileira de 1988). Podem-se reconhecer, felizmente, alguns avanços rumo à efetividade do processo em face da Fazenda Pública dentro do contexto dos meios alternativos de resolução de conflitos. Cabe agora precisar o significado desta expressão. 2. MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES É corrente a idéia da crise do Judiciário a partir da segunda metade do século XX, determinada, entre outros motivos, pela conscientização dos direitos, pela facilidade de acesso à Justiça e pela explosão da litigiosidade. Tal crise, exposta principalmente com
  • 3. 6387 a morosidade da prestação judicial, revela-se patente na realidade dos países periféricos e torna a busca pela constitucionalização e efetivação de direitos fundamentais um permanente desafio. Paralelamente, agigantou-se a complexidade do trabalho forense em virtude da crescente judicialização da política e das relações sociais, da dificuldade de interpretação jurídica dos novos conflitos e os conseqüentes questionamentos dirigidos à legitimidade judicial estatal para dirimi-los. Mas as objeções à legitimidade não se restringem às deficiências interpretativas nesta reconfiguração dos conflitos sociais, merecendo destaque a luta de diversos movimentos sociais para a derrubada de barreiras à tutela jurisdicional plena, pressionando os Estados a pensarem em políticas públicas inclusivas, conhecidas como movimentos de Acesso à Justiça, analisadas por MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH, no revolucionário projeto de Florença. Assim, há vários obstáculos que não se esgotam nos limites econômicos, como questões técnicas referentes à proteção de interesses coletivos, questões sociais e culturais. Uma das soluções apresentadas é o estímulo aos chamados meios alternativos de resolução de conflitos (doravante chamados de MARCs em vez do seu equivalente inglês ADR – Alternative Dispute Resolution), cujo conceito não é muito preciso na literatura sócio-jurídica. Nesta linha de raciocínio, é possível encontrar três interpretações dos MARCs, começando pela composição dos litígios a partir de uma resolução estatal imperativa (item 2.1), passando pela resolução estatal negociada com as partes (item 2.2) e culminando com a resolução privada dos conflitos (item 2.3). Tais interpretações serão examinadas nos próximos tópicos. 2.1. TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA A expressão tutela jurisdicional diferenciada foi cunhada, em 1973, por ANDREA PROTO PISANI, no estudo “Tutela Giurisdizionale Differenziata e Nuovo Processo del Lavoro”, e significa a proteção jurídica de um interesse ou direito substancial por meio de modelos processuais alternativos ao procedimento judicial ordinário. MAURO CAPPELLETTI, em relatório apresentado em simpósio sobre a Justiça Civil e suas alternativas (1992), oferece um conceito bem amplo, incluindo “expedientes – judiciais ou não – que tem emergido como alternativas aos tipos ordinários, ou tradicionais, de procedimento”, como as class actions e o acesso à informação. É possível incluir no conceito, ainda, na linha de FLÁVIO LUIZ YARSHELL, não só os tipos diferenciados de procedimento disponíveis (meios), mas também os tipos diferenciados de provimento perseguidos (resultados), como v.g. a tutela mandamental e a tutela específica. Duvidoso é advogar, no entanto, a falência do procedimento judicial ordinário, pois ele ainda é um modo eficaz de compor as lides com segurança. Duvidoso é advogar, no entanto, a falência do procedimento judicial ordinário, pois ele ainda é um modo eficaz de compor as lides com segurança. Mas é inegável haver cada vez mais a fuga da vala comum do rito ordinário, percebendo-se a valorização de
  • 4. 6388 procedimentos diferenciados e instrumentos processuais preocupados com a celeridade em detrimento da certeza (ex. antecipação da tutela), deixando superada a lição de que os processos sumários seriam incompatíveis com os princípios e objetivos da civilização moderna. A propósito, encontra-se no âmbito dos Juizados Especiais um procedimento que concentra os atos processuais em duas audiências. Embora concebido para ser um procedimento marcado pela rapidez, a marcação da audiência de conciliação, a partir da propositura da demanda, tem superado a marca de 6 (seis) meses nas grandes capitais. Seja como for, prevê a Constituição Federal de 1988, em seu art. 98, o uso de juízes leigos em juizados especiais (inc. I) e juízes de paz, eleitos para o exercício de atividades conciliatórias e administrativas (inc. II). Regulamentando o art. 98, I, da Constituição, a lei 9099/95 dispõe em seu art. 7º que “os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência”. Com isso, a Lei dos Juizados Especiais qualifica como leigo aquele que não é investido por meio de concurso público para a magistratura. Tal conceito é duramente criticado por MIGUEL BALDEZ, que entende inconstitucional tal previsão, por frustrar o ideal de acesso à Justiça objetivado pela nova ordem democrática: A Constituição brasileira (...) apontou o caminho institucional quando previu em seu art. 98 os Juizados Especiais, neles consentindo a inclusão de juízes leigos e, com isso, abrindo caminho para o rompimento do monopólio do Poder Judiciário pela magistratura. Sem essa abertura não há como pensar, com conseqüências concretas, na democratização da justiça, aqui compreendida, além dos limites restritos e condicionantes do juridicismo, como fato existencial e, por isso, imbricada nas contradições econômicas, sociais, políticas e culturais. (...) Com o rompimento do monopólio (art. 98 da Constituição Federal), criavam-se as condições de abertura necessárias ao arejamento da ideologia jurídica burguesa, outras realidades enfiem estariam representadas no campo jurídico-judiciário, outras culturas partilhariam com os juízes togados a compreensão dos fatos, iniciando-se um processo compartilhado de produção da Justiça. A utopia democrática, porém, teve pouco tempo de vida, pois veio a Lei nº 9009, de 26.6.1995, de implantação e regulação dos Juizados Especiais, e os juízes leigos da norma constitucional foram apropriados pela ideologia jurídica. E como se fez isso? Com aparente desconsideração pela classe dos advogados, leigos passaram a ser, em matéria cível, pelo menos, os advogados com mais de cinco anos de formados. Há na lei uma clara inconstitucionalidade, por não ter como conformar o conceito de leigo com o dispositivo legal. Tais críticas podem ser explicadas por BOURDIEU quando, ao falar sobre a divisão do trabalho jurídico, explica que A concorrência pelo monopólio do acesso aos meios jurídicos herdados do passado contribui para fundamentar a cisão social entre os profanos e os profissionais favorecendo um trabalho contínuo de racionalização próprio para aumentar cada vez
  • 5. 6389 mais o desvio entre os veredictos armados do direito e as intuições ingénuas da equidade e para fazer com que o sistema das normas jurídicas apareça aos que o impõem e mesmo, em maior ou menor medida, aos que a ele estão sujeitos, como totalmente independente das relações de força que ele sanciona e consagra. De fato, a utilização de juízes leigos stricto sensu é bem polêmica, especialmente no direito comparado. MICHELE TARUFFO informa que, no direito norte-americano, o júri popular é um fator essencial para a democratização do Judiciário; ao passo que, na Europa, há a tradição da limitação do júri a determinados casos bem particulares. Em pior situação ficam os juízes de paz, pois estes não possuem qualquer poder decisório (CRFB, art. 98, II e LOMAN, art. 112), o que leva LEONARDO GRECO a lamentar tais limitações: A tutela diferenciada abrange, ainda, os juizados especiais para causas de menor complexidade, os juízes de paz e juízes leigos, e a adoção pela lei processual de procedimentos concentrados de cognição sumária. (...) Os juízes de paz e juízes leigos, previstos na Constituição, não têm qualquer poder decisório, o que limita o alcance da sua atuação, que poderia ser muito mais amplo, no sentido de uma justiça coexistencial, provida por membros da própria comunidade, conforme sugerido por Cappelletti. Aliás, a gravidade da crise da Justiça e os obstáculos ao acesso à Justiça no Brasil impõem que se suscite o debate sobe a conveniência da manutenção do sistema de juízes exclusivamente profissionais entre nós adotado”. 2.2. JUSTIÇA COEXISTENCIAL Em um segundo sentido, o próprio Poder Judiciário insere modelos alternativos de resolução de conflitos (MARCs), buscando não só legitimar sua atuação perante a sociedade, mas conferir maior qualidade à prestação jurisdicional ao colocar em segundo plano uma resolução estatal imperativa. De tal arte, os MARCs constituem o estímulo dos juízes e/ou auxiliares do juízo à solução negociada pelas partes. Em vez de um procedimento voltado apenas para a imposição de uma sentença fundada num contraditório técnico, surgiriam oportunidades (predeterminadas em audiências ou não) para tentativas de acordo, evitando-se o prolongamento do processo com a produção de provas e interposição de recursos. MAURO CAPPELLETTI, nos seus estudos sobre as políticas públicas de acesso à Justiça, defende um ideal de justiça coexistencial que “(...) deve ser perseguida quando esta possa revelar-se, também no plano qualitativo, não já um second best, mas também melhor do que a Justiça ordinária contenciosa”. Assim, não haveria uma concorrência
  • 6. 6390 entre a “justiça tradicional” e a “justiça coexistencial”, e , já que esta não esvaziaria o Judiciário formal, e sim deve ser entendida como alternativa ao modelo imperativo e autoritário de resolução de conflitos, atendendo-se ao escopo de pacificação social dos litígios. Outra característica deste modelo é a de que não há vinculação necessária à dominante jurisdição de direito, sendo possível decidir com base na equidade, como expõe CALAMANDREI: Anche nei sistemi processuali dell’Europa continentale si trovano numerosi esempi di “giurisdizioni di equità” o di collegi arbitrali composti di “amichevoli compositori”, i quali cercano la giustizia del caso singolo, traendo ispirazione non dalla lege, che non li vincola, ma da quel senso di equità vivente nella loro coscienza, che detta loro la decisione più conveniente e più aderente alle circostanze del singolo caso. No caso brasileiro, a justiça conciliatória era regra durante o império, possuindo o juiz de paz forte papel. Com o avanço do cientificismo e a unificação legislativa, prevaleceu a concepção autoritária no Código de Processo Civil de 1939, no qual não havia previsão para conciliação no procedimento comum ordinário, inclusive na audiência de instrução e julgamento (arts. 263/272). Em 1973, o vigente código incorpora a tendência global de estímulo à conciliação (dentro da terceira onda de acesso à Justiça, conforme CAPPELLETTI & GARTH), e a insere como etapa da audiência de instrução e julgamento (arts. 447/449). Pouco tempo depois, a articulação entre a experiência gaúcha das comissões de conciliação e o plano nacional de desburocratização determinou a instituição dos juizados de pequenas causas (Lei nº 7244/84). Com a redemocratização e o novo cenário mundial, a justiça coexistencial ganha um novo fôlego no Brasil. A Constituição prevê, em seu art. 98, I, a instalação de juizados especiais competentes para a conciliação cível e a transação penal. Sua regulamentação pela lei nº 9099/95 reforça estes papéis em vários dispositivos, prevendo não apenas uma etapa específica (arts. 21/22), como também agentes conciliadores exclusivos (art. 7º). Paralelamente, a lei nº 8952/94 reformara o Código de Processo Civil a fim de impor ao juiz o dever de tentar conciliar as partes em qualquer fase do processo (art. 125, IV), além de instituir uma audiência específica para este fim (art. 331). 2.3. “PRIVATIZAÇÃO” DOS CONFLITOS Finalmente, os MARCs podem ser analisados sob um ângulo menos técnico-processual e mais político-social: uma paulatina redução do intervencionismo estatal e a ascensão de soluções privadas para os conflitos atuais. Neste caso, o adjetivo “alternativo” se
  • 7. 6391 referiria à jurisdição estatal, e não ao procedimento formal e tradicional, restando ao Judiciário verificar a existência da tentativa prévia de negociação ou executar o termo de acordo/arbitragem. Uma das vantagens da utilização dos meios alternativos, para seus defensores, é o retorno a um modelo de justiça baseado em idéias comunitárias, em oposição à distante e formal jurisdição estatal. Como lembra BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, “pode-se dizer que todas as sociedades minimamente complexas têm à disposição dos litigantes um conjunto mais ou menos numeroso de mecanismos de resolução dos litígios, entendendo como tal todas as instâncias suscetíveis de funcionar como terceira parte, ou seja, como instâncias decisórias exteriores às partes em litígio”. Em outra oportunidade, o pesquisador português relata experiências sociológicas neste sentido, que tinham “por unidade de análise o litígio (e não a norma) e por orientação teórica o pluralismo jurídico, orientados para a análise de mecanismos de resolução jurídica informal de conflitos existentes nas sociedades contemporâneas e operando à margem do direito estatal e dos tribunais oficiais”. Neste sentido, cria-se uma atmosfera favorável aos MARCs, entendidos como instâncias legitimadas para a solução de conflitos sociais pelo próprio meio social em que se inserem, gerando uma maior conscientização política e participação popular. Ressalte-se que isto não significa o esvaziamento do modelo social-democrático, conforme pensa BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, “não me parece tão-pouco que estes mecanismos de resolução dos litígios à margem do controlo do Estado sejam intrinsecamente negativos ou atentatórios da democracia. Podem, pelo contrário, ser agentes de democratização da sociedade”. Destaque-se que os MARCs não constituem um fenômeno recente. Ainda que não se considerem a autocomposição e a heterocomposição privadas pretéritas à constituição dos Estados modernos (já que não seriam alternativos, e sim principal método utilizado nas respectivas comunidades), é possível identificar esta cultura enraizada em países como os EUA (como relata CHASE, “alternatives to litigation have been a feature of the American way of disputing throughout its history”). Convém ressaltar, como faz BARBOSA MOREIRA, que o uso dos meios alternativos de solução extrajudicial de conflitos de interesses não se confunde com privatização do processo: de fato “longe de ser o processo que assim se privatiza, ao contrário, os particulares é que vêem sua atividade revestida de caráter público” ou, em outras palavras, “o caso é antes de publicização da função exercida pelo particular que de qualquer tipo de privatização”. Atualmente, merecem destaque a regulamentação da arbitragem e , em que é possível a escolha de qualquer pessoa capaz de confiança das partes (Lei 9.307/1996, art. 13); e as Comissões de Conciliação Prévia, órgãos paritários formados por representantes dos empregadores e dos empregados, instituídos nas sedes das empresas e nos sindicatos (CLT, art. 625-A, com a redação da Lei 9958/2000). Certamente que tais mecanismos devem ser utilizados de forma a não causar injustiças, especialmente em se tratando de causas que envolvam direitos indisponíveis ou que haja um notável desequilíbrio entre as partes, o que reclamam a intervenção de um juiz estatal independente e imparcial, como observado por BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, para quem
  • 8. 6392 a questão do acesso não tem a ver com a assistência judiciária mas antes com a capacitação das partes em função das posições estruturais que ocupam. Nos casos em que os litígios ocorrem entre cidadãos ou grupos de poder sócio-econômico parificável (litígios entre vizinhos, entre operários, entre camponeses, entre estudantes etc.) a informalização da justiça pode ser um genuíno factor de democratização. Ao contrário, nos litígios entre cidadãos ou grupos com posições de poder estruturalmente desiguais (litígios entre patrões e operários, entre consumidores e produtores, entre inquilinos e senhorios) é bem possível que a informalização acarrete consigo a deterioração da posição jurídica da parte mais fraca, decorrente da perda das garantias processuais, e contribua assim para a consolidação das desigualdades sociais. 3. TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA NO CONTENCIOSO JUDICIAL ADMINISTRATIVO Se é verdade que o processo judicial tem que ser justo não só para o particular mas também para a Administração Pública, não menos certo é dizer que é do interesse do Estado de Direito e, como corolário natural, também do interesse da Administração Pública a realização dos direitos fundamentais dos cidadãos. Esta premissa deve nortear o pensamento garantista na busca de salvaguardar os direitos fundamentais do cidadão através de uma tutela judicial efetiva em face da Administração Pública. Apesar de todas as dificuldades, é possível encontrar em nosso ordenamento jurídico instrumentos processuais capazes de oferecer uma tutela jurisdicional adequada ao cidadão que escape da camisa de força do procedimento judicial ordinário, podendo-se diferenciar: 1) pelo procedimento (ex. Juizados Especiais Federais); 2) pelo provimento (ex. Tutela Específica). É o que será examinado abaixo. 3.1. RESOLUÇÃO ESTATAL DIFERENCIADA PELO PROCEDIMENTO: JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Os juizados especiais brasileiros tiveram sua origem na Lei nº 7244/84, cujo art. 3º, §2º excluía sua aplicação às causas fazendárias, sem maiores explicações. Com a Constituição de 1988 e a previsão de juizados especiais, aquela lei fora revogada pela Lei nº 9099/95, mas mantendo-se limitada aos conflitos entre pessoas privadas. Com isso, se um particular quiser demandar em face de um Município em razão de uma multa de trânsito de valor inferior a R$ 120,00 (cento e vinte reais) terá que desembolsar, em tese, um valor superior apenas para o pagamento das custas judiciais, já que não pode ingressar nos Juizados Especiais Cíveis, em virtude da proibição do art. 8º da Lei nº 9.099/1995. Assim, Estados e Municípios ainda não podem ser partes nos Juizados Especiais Estaduais, o que, na prática, constitui uma grave violação à garantia de acesso à justiça.
  • 9. 6393 Alguns projetos de lei e a doutrina apontam, contudo, para a quebra de mais este obstáculo na realização do processo justo. Em 1997, a União Federal apresenta a PEC nº 526, prevendo a criação dos Juizados Especiais Federais, reconhecendo que “tal medida, pois, vem ao encontro do compromisso do Governo com a valorização da cidadania, ao oferecer amplo acesso à justiça federal e ao simplificar e agilizar a prestação jurisdicional do Estado, além de fixar de forma clara e precisa a competência do mencionado órgão judicante na hipótese assinalada”. Com a aprovação desta proposta e conseqüente promulgação da Emenda Constitucional nº 22/99, novamente o Palácio do Planalto apresenta projeto para regulamentar os juizados especiais federais (PL-3999/2001), a partir de adequações ao anteprojeto produzido por uma comissão de ministros do STJ (Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo, Ari Pargendler, Ruy Rosado de Aguiar, José Arnaldo da Fonseca e Fátima Nancy), a qual pretendeu simplificar o exame dos processos de menor expressão econômica “facilitando o acesso à Justiça e o ressarcimento das partes menos favorecidas nas disputas contra a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, pois a solução de tais litígios dar-se- á rapidamente, e sem a necessidade de precatórios para a quitação dos eventuais débitos”(...). Destarte, após os Juizados Especiais Estaduais, finalmente este procedimento sumário foi estendido à Justiça Federal, com a publicação da lei nº 10.259/2001. Nos Juizados Especiais Federais, a iniciativa procedimental é exclusiva do cidadão, utilizado-se o procedimento previsto para as causas que não ultrapassem o valor de 60 salários mínimos. A gratuidade figura como grande atrativo deste procedimento, embora esteja restrito, grosso modo, às causas em que a União é parte. Importante destacar que o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Federais extinguiu vários privilégios processuais, como a vedação de medidas de urgência, a remessa necessária, e os prazos diferenciados, dispensando, ainda, o pagamento da dívida fazendária por meio de precatórios. Sobre a utilização de juízes leigos, estes estavam presentes na exposição de motivos da PEC nº 526/97, a qual dizia que os juizados especiais federais se caracterizariam “como instrumento de participação popular, na medida em que a Constituição prevê a existência de tribunais compostos também por juízes leigos” . Entretanto, este tema não foi incluído no PL-3999/01 nem na lei nº 10259/01, o que não impediria hipoteticamente seu uso na Justiça Federal, tendo em vista a aplicação subsidiária da lei nº 9099/95, conforme autoriza o art. 1º daquela lei. Ainda em se tratando de conflitos envolvendo a Administração Pública, não seria razoável excluir os juízes leigos, como bem observa LUIZ FERNANDO SILVEIRA NETTO:
  • 10. 6394 O receio de que não possam atuar em face da Fazenda Pública não procede, pois: a) a própria lei já tratou de igualar a administração aos particulares (não há prerrogativa de prazos, não há remessa necessária, de regra não há precatório). Essa Administração restou fragilizada, vale dizer, nada a temer pelo só fato de ser a Fazenda Pública processada e julgada por um juiz leigo; b) sua atuação nas audiências (de conciliação, de instruções dos feitos e na elaboração de sentenças ad referendum do Juiz de carreira) estará sob constante orientação (ou vigilância, se assim se quiser) do Juiz Togado (artigos 22, 37 e 40), que pode preferir ele próprio sentenciar a chancelar a sentença proposta por seu auxiliar; e c) qualquer deslize que ainda assim pudesse ocorrer, teria na via do recurso (artigo 5º da Lei n. 10259/01) ou mesmo da correição parcial a legítima possibilidade de correção. 3.2. RESOLUÇÃO ESTATAL DIFERENCIADA PELO PROVIMENTO: TUTELA ESPECÍFICA EM FACE DO PODER PÚBLICO Pode-se definir a tutela específica, na linha de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, como o conjunto de providências direcionadas a proporcionar à parte em cujo benefício se estabeleceu a obrigação, o preciso resultado prático atingível por meio do adimplemento, isto é, a realização do direito ou do interesse material tutelado. No contexto dos litígios de direito público, isto significa que o cidadão não é obrigado a tolerar as conseqüências do ato administrativo ilícito ou ter que se contentar com uma compensação pecuniária. O cidadão persegue a tutela específica do seu direito e apenas na sua impossibilidade a tutela genérica, nos termos dos arts. 84, do Código de Defesa do consumidor e arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil. Para a realização da tutela específica, o magistrado pode fazer uso de meios coativos como: a) multa (art. 461, §§4º e 6º; art. 14, V, parágrafo único, CPC); b) prisão por prevaricação (art. 309, CP); c) audiência especial (art. 599, I, CPC). E há, ainda, a possibilidade de o juiz se valer de meios sub-rogatórios como nomear um interventor ou comissário ad acta para que este pratique o ato omitido pela Administração Pública (art. 461, §5º, CPC). Há algumas restrições ao deferimento da tutela específica liminar, especialmente fora dos Juizados Especiais Federais. Tais restrições, impostas por um microssistema processual autoritário, têm sido afastadas de forma corajosa pelos juízes em nome de uma tutela judicial efetiva contra o Poder Público. De qualquer forma, não são alcançados pelas restrições as liminares deferidas em sede de ações previdenciárias (Súmula 729, STF), de mandado de segurança coletivo e de ação civil pública (art. 2º, L. 8.437/1992). O argumento da reserva do possível não prevalece quando se está a defender direitos fundamentais pertinentes ao mínimo existencial (v.g. saúde, alimentação e educação básica). É que no conflito entre o princípio da reserva orçamentária e o princípio da dignidade da pessoa humana, deve este último prevalecer. Assim, por exemplo, tem o carente de recursos de ser tutelado judicialmente, caso peça, liminarmente,
  • 11. 6395 medicamentos com base na Lei 9.313/1996 para ao menos aliviar as conseqüências de sua doença incurável. 4. RESOLUÇÃO ESTATAL NEGOCIADA COM AS PARTES A resolução consensual no contencioso judicial administrativo esbarra no atributo da indisponibilidade dos direitos pleiteados, mas isto não quer dizer que todos os direitos oriundos de relação jurídica pública sejam indisponíveis. No entanto, cumpre reconhecer que a indisponibilidade pode variar em função da transação. Assim, em uma primeira classificação, pode-se definir o direito indisponível como aquele direito que é irrenunciável, mas que pode admitir eventual transação. Se a transação não for admitida por lei, a indisponibilidade é absoluta; se for admissível, a indisponibilidade é relativa. O fato constitutivo do direito indisponível, mesmo que não seja controvertido, exige prova por força da lei (art. 320, II, CPC). Esta classificação merece, contudo uma adição. É que mesmo havendo um conflito com o Poder Público, pode o cidadão não ajuizar demanda, não exercer o seu direito, conforme seu livre-arbítrio, faculdade que excepcionalmente é conferida ao Poder Público, em razão do princípio da legalidade. A propósito, veja-se a Lei n. 9.469/1997: Art. 1o O Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). (Redação dada pela Medida Provisória nº 449, de 2008) § 1o Quando a causa envolver valores superiores ao limite fixado neste artigo, o acordo ou a transação, sob pena de nulidade, dependerá de prévia e expressa autorização do Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado ou do titular da Secretaria da Presidência da República a cuja área de competência estiver afeto o assunto, inclusive no caso das empresas públicas federais e do Banco Central do Brasil. (Redação dada pela Medida Provisória nº 449, de 2008) § 2º Não se aplica o disposto neste artigo às causas relativas ao patrimônio imobiliário da União. Assim, pode-se classificar a indisponibilidade do direito quanto à persecução processual, cabendo distinguir: os direitos dos cidadãos são sempre disponíveis (quanto à persecução processual), ainda quando litiguem contra o Poder Público; já os direitos das pessoas jurídicas de direito público são em regra indisponíveis (quanto à persecução processual), podendo, no entanto, perder esta qualidade em virtude da lei. Melhor, portanto, seria a seguinte classificação quanto à indisponibilidade do direito material público: a) indisponibilidade absoluta (irrenunciável, insuscetível de transação
  • 12. 6396 e de persecução processual obrigatória); b) indisponibilidade relativa (irrenunciável, suscetível de transação, mas de persecução processual obrigatória); c) disponibilidade limitada (irrenunciável, suscetível de transação e de persecução processual facultativa). Assim, apenas as hipóteses de indisponibilidade absoluta obstam a transação entre particular e pessoa jurídica de direito público. Embora haja a possibilidade judicial de solução negociada nos litígios de direito público, esta é marcada por forte controle normativo. A Instrução Normativa Nº 3, de 25 de junho de 1997, da AGU, assim dispõe sobre a transação: Art. 2º A transação judicial para pôr fim ao litígio e o acordo para parcelamento de débitos ajuizados terão os seus termos autorizados, previamente, em cada caso, pelo Procurador-Geral da União e pelos dirigentes máximos das autarquias e das fundações públicas federais, e concretizar-se-ão com a sua homologação pelo juízo, a quem serão submetidos por meio de requerimento assinado pelos procuradores daquelas entidades e pelo da parte contrária, detentor de poderes especiais. Parágrafo único. O Advogado-Geral da União, no caso da União, submeterá o exame do procedimento cogitado, sob os aspectos de conveniência e oportunidade, à prévia aprovação do Ministro de Estado ou do Secretário da Presidência da República a cuja área de competência estiver afeto o assunto, quando a causa envolver valor superior a R$50.000,00 (cinqüenta mil reais). A Lei 10.259/2001, que dispõe sobre os Juizados Especiais Federais, prevê, no parágrafo único de seu art. 10: “os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais.” Poderão ser designados servidores não integrantes de carreiras jurídicas, que tenham completo conhecimento do caso, para auxiliar o patrono da pessoa jurídica de direito público, nos termos do § 1º do art. 1º do Decreto nº 4.250/2002. A Portaria n. 505 da AGU estabelece as condições para haver a transação: Art. 3º A transação ou a não interposição ou desistência de recurso poderá ocorrer quando: I - inexistir qualquer controvérsia quanto ao direito aplicado; II - houver reconhecimento de erro administrativo por autoridade competente. § 1º Os valores envolvidos nas conciliações e transações, não poderão exceder ao teto previsto no art. 3, da Lei nº 10.259/2001. § 2º Inclui-se no referido teto a soma de 12 (doze) parcelas vincendas, quando for o caso. § 3º Não será objeto de acordo: I - as hipóteses em que se discute penalidade aplicada ao servidor; II - os casos de dano moral, salvo se o agente causador do dano for entidade credenciada ou delegada de órgão de Administração Pública Federal e assuma, em juízo, a responsabilidade pelo pagamento acordado; III - o litígio que estiver fundado exclusivamente em matéria de direito e não houver a esse respeito súmula administrativa, parecer aprovado na forma do art. 40 da Lei Complementar 73/93 ou
  • 13. 6397 orientação interna adotada pelo Advogado-Geral da União; IV - na ausência de prévio requerimento administrativo objetivando a concessão de benefícios previdenciários. § 4º Os acordos conterão obrigatoriamente cláusula de renúncia a eventuais direitos decorrentes do mesmo fato ou fundamento jurídico que deu origem à ação judicial. Merece igualmente destaque a solução negociada entre União e servidores civis do Poder Executivo, autorizada pela Portaria nº 1.052/2006 da AGU, versando sobre a diferença de 3,17% (três inteiros e dezessete centésimos por cento). A jurisprudência apresenta alguns limites à conciliação envolvendo a Fazenda Pública. No julgamento da Reclamação nº 1893/RN, o Supremo Tribunal Federal interpretou que “a conciliação, ainda que resulte em vantagem financeira para a Fazenda Pública, não possibilita a inobservância, pelo Estado, da regra constitucional de precedência, com prejuízo ao direito preferencial dos precatórios anteriores” (Pleno, julgamento unânime de 29/11/2001, rel. Min. Maurício Corrêa). Em outro caso, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, em relação à transposição a cargos públicos de carreiras diversas, “não constitui matéria sujeita a acordo ou conciliação em virtude da legalidade estrita que permeia a atuação administrativa”. Também merece nota a possibilidade do juiz dispensar a audiência preliminar, conforme permite o art. 331, § 3º, do Código de Processo Civil, diante da impossibilidade de composição amigável em conflitos envolvendo a Administração. 5. RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DOS LITÍGIOS ENVOLVENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Finalmente, há a questão da possibilidade de meios alternativos à jurisdição estatal, quando houver a participação da Administração Pública, tendo em vista as limitações legais à negociação dos bens públicos. De fato, não se ignora, aqui, que muitos direitos da Administração Pública são indisponíveis, como, por exemplo, os bens de uso comum do povo (ex. estradas, praças) e bens de uso especial (ex. edifícios destinados ao serviço da Administração), mas esta indisponibilidade não é absoluta. Com efeito, há casos, como o da atividade empresarial da Administração Pública (por meio das sociedades de economia mista) e dos contratos celebrados pelo Estado, em que seria possível refletir melhor sobre a utilização de heterocomposição extrajudicial. Em várias situações a legislação pátria autoriza expressamente o uso de meios alternativos. Uma das hipóteses é a assinatura de termo de compromisso, em que a Administração Pública evita eventuais condenações judiciais cíveis ou penais ao assumir a responsabilidade de compor a controvérsia voluntariamente, conforme admitem a Lei nº 6.385/1976, a Lei 7.347/1985, e a Lei nº 8.884/1994. Em outros momentos, há o estímulo à composição amigável com o auxílio de terceiros, como nas comissões de conciliação prévia em conflitos trabalhistas e na mediação e
  • 14. 6398 conciliação, regulados recentemente pela Portaria da AGU nº 118, de 1º de fevereiro de 2007. Gize-se o ineditismo da conciliação extrajudicial. É de se mencionar, igualmente, os projetos de lei envolvendo a transação tributária extrajudicial (e judicial), que têm sido apresentados pelo Poder Executivo Federal: Projeto de Lei Complementar n. 469/2009 e o Projeto de Lei n. 5.082/2009. Em março de 2007, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional já havia apresentado o Anteprojeto Brasileiro da Lei Geral da Transação, coordenado por Luís Inácio Adams, que suscitou amplo debate doutrinário. Entre os meios alternativos, a dificuldade maior reside na heterocomposição extrajudicial com poderes decisórios, que é o caso da arbitragem. Com efeito, esta forma de resolução de conflitos entre Administração Pública e os particulares suscita ainda hoje alguns debates no âmbito doutrinário. A arbitragem difere em grau da mediação e da conciliação. Com efeito, o árbitro detém não só os poderes do mediador (aproximar as partes) e do conciliador (aproximar as partes e propor soluções), como também está investido do poder jurisdicional de substituir as partes na solução dos conflitos. Os argumentos contrários ao uso do procedimento arbitral podem ser assim sintetizados: a) apenas direitos disponíveis podem ser tutelados pelo processo arbitral; b) O Poder Público não pode transigir com o cumprimento da lei e a Administração Pública se orienta pelo princípio da indisponibilidade do interesse público; c) A Lei 8.666/1993, que disciplina as licitações e contratos administrativos não prevê a arbitragem e estabelece como cláusula obrigatória, em seu art. 55, §2º, a fixação do foro da sede da Administração para compor litígios contratuais. Com relação ao primeiro argumento, é preciso registrar não existir na legislação brasileira vedação expressa ao uso da via arbitral para a resolução de litígios entre o particular e o Poder Público. Há registro, no direito brasileiro, de casos históricos envolvendo o Poder Público até mesmo para definir a demarcação de fronteiras entre Estados, em que o Presidente da República foi nomeado árbitro. Ademais, é preciso reconhecer que a Administração Pública também é detentora de direitos disponíveis, isto é, direitos negociáveis. O Supremo Tribunal Federal, em precedente conhecido como “caso Lage”, já admitia a possibilidade de a Fazenda Pública celebrar contrato de arbitragem, quando o objeto da controvérsia fosse meramente patrimonial e disponível: INCORPORAÇÃO, BENS E DIREITOS DAS EMPRESAS ORGANIZAÇÃO LAGE E DO ESPOLIO DE HENRIQUE LAGE. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA DE IRRECORRIBILIDADE. JUROS DA MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Legalidade do juízo arbitral, que o nosso direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas contra a Fazenda. Precedente do Supremo Tribunal Federal. 2. Legitimidade da cláusula de irrecorribilidade de sentença arbitral, que não ofende a norma constitucional. (...) (STF. Pleno. AI nº 52181/GB. Rel. Min. Bilac Pinto, julgado em 14/11/1973.
  • 15. 6399 Citando parecer de Castro Nunes, o relator Min. BILAC PINTO observa não ser possível a interdição do Juízo Arbitral, mesmo nas causas contra a Fazenda, o que importaria numa restrição à autonomia contratual do Estado que, como toda pessoa sui juris, pode prevenir o litígio pela via transacional, não se lhe podendo recusar esse direito, pelo menos na sua relação de natureza contratual ou privada, que só estas podem comportar solução pela via arbitral, dela excluídas aquelas em que o Estado age como Poder Público que não podem ser objeto de transação.(....) Argúi-se, por outro lado, a incompatibilidade do ato legislativo em causa com a Constituição vigente, violando, entre outros, o preceito contido no parágrafo 26 do art. 141, pelo qual não haverá foro privilegiado nem juízes e tribunais de exceção. A alegação não tem qualquer procedência, pois, como afirma a sentença, a instituição do Juízo Arbitral não importou em constituir foro privilegiado nem tribunal de exceção. (...) basta atentar para a natureza consensual do juízo arbitral que, não integrando os órgãos permanentes do Poder Judiciário, de natureza institucional, é criação contratual, nascida do compromisso das partes, ainda que regulada em lei especial, para concluir-se que a alegada inconstitucionalidade não tem o prestígio da doutrina dominante na matéria. Sobre a utilização da arbitragem pelas sociedades de economia mista, encontra-se pacificada no Superior Tribunal de Justiça, com a ressalva de que “não é qualquer direito público sindicável na via arbitral, mas somente aqueles cognominados como "disponíveis", porquanto de natureza contratual ou privada”. No que diz respeito ao segundo argumento, é preciso dizer que a Administração Pública não está dispondo do interesse público e tampouco abrindo mão de seus direitos quando escolhe o juízo arbitral. Na verdade, apenas há a escolha da jurisdição não-estatal para por fim ao litígio, já que “a arbitragem não é aposta, jogo de azar. Quem remete a solução de sua causa ao processo arbitral não a está submetendo ao cara ou coroa nem à roleta-russa”. O julgamento, aliás, terá de ocorrer com base na jurisdição legal e não recorrendo à jurisdição de equidade. Logo, não há qualquer tipo de ofensa à legalidade. Conforme a lição de DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, “jamais se cogita de negociar o interesse público, mas de negociar os modos de atingi-lo com maior eficiência” (grifos do autor). Realmente, são manifestas as vantagens da arbitragem: a) possibilita a intervenção de especialista na matéria litigiosa; b) desafoga o Poder Judiciário; c) enseja decisão célere; d) busca prioritariamente o consenso e não a condenação. Por derradeiro, cumpre examinar o último argumento. Embora a lei das licitações e contratos administrativos não faça referência à arbitragem, isto não quer dizer que haja proibição. É preciso interpretar essa lei em sintonia com outros diplomas legais, e não isoladamente. Em primeiro lugar, veja-se a Lei 8.987/1995, que regula o regime de concessão e permissão de serviços públicos. Tal lei estabelece como cláusula essencial e, portanto, obrigatória, a que diz respeito ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais (art. 23, XV), aplicando-se a esses contratos administrativos também a Lei 8.666/1993 (art. 2º). Observe-se que a Lei de Licitações e Contratos Administrativos não faz referência à jurisdição estatal em seu art. 55, §2º: “Nos
  • 16. 6400 contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual (...)”. Já a Lei 9472/1997 (dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, cria a ANATEL, sob regime autárquico, no art. 93, e trata do contrato de concessão), dispõe, em seu art. 120, do foro e do modo amigável para a solução extrajudicial dos conflitos contratuais. Mais preciso é o art. 43, X, da Lei 9478/1997 (dispõe sobre a política energética e cria a Agência Nacional do Petróleo, sob regime autárquico especial), que prevê, em sede de contrato de concessão, obrigatoriamente, regra sobre a “solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional”. O Decreto 2521/1998, que dispõe sobre a exploração, mediante permissão e autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, ao tratar do contrato administrativo de adesão, impõe como cláusula essencial, nos artigos 19 e 20, a fixação do modo amigável para solução de divergências contratuais. A Lei 10.233/2001 dispõe sobre os transportes aquaviário e terrestre, cria a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes, determinando, de forma cogente, no contrato de concessão, em seu art. 35, XVI, que sejam fixadas “regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem”. Por derradeiro, o art. 11 da Lei 11.079/2004, no inc. III, determina que a minuta do contrato de parceria público-privada, indicará “o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa”, para dirimir conflitos contratuais. Assim, pelo exame dessas leis, apenas a título exemplificativo, é possível perceber que o cabimento da arbitragem alcança diversos setores como o de energia elétrica, o de petróleo, o de telecomunicações, o de concessão de serviços públicos e o de transportes. 6. CONCLUSÃO A utilização de meios alternativos é um fato cada vez mais freqüente atualmente. Ainda que mantenhamos a cultura cartorária e formalista lusitana, a globalização e o novo cenário jurídico (judicialização das questões sociais e políticas, constitucionalização, reconhecimento de novos direitos, ampliação do acesso à Justiça etc.) impõem ao Judiciário brasileiro assumir esta realidade e adequar-se às mudanças. As reformas administrativas e judiciárias dos últimos vinte anos convergem para este novo desenho institucional: redução do autoritarismo estatal e conseqüente equilíbrio de forças entre particulares e Poder Público. Da servidão à participação, o particular cada vez avança mais na luta pelos seus direitos, a ponto de estimular novas políticas públicas, como o movimento pela conciliação do Conselho Nacional de Justiça.
  • 17. 6401 O presente artigo demonstrou a tendência crescente pela utilização de métodos alternativos nos conflitos envolvendo o Estado. Os juizados especiais federais e os projetos de reforma da lei nº 9099/95 revelam que nem a Fazenda pode restar imune aos procedimentos mais céleres e informais. A garantia da tutela jurisdicional efetiva afasta os argumentos fazendários contrários à tutela diferenciada, conforme se manifesta o Supremo Tribunal Federal. A Advocacia-Geral da União passa a admitir, ainda que timidamente, a transação judicial e mesmo a extrajudicial, por meio de conciliação e mediação. Até mesmo o dogma da indisponibilidade dos bens públicos vem se relativizando, como se verificou na arbitragem. De tal arte, podem-se mencionar as seguintes formas de heterocomposição extrajudicial dos litígios administrativos: a) mediação; b) conciliação; c) termo de compromisso; d) arbitragem. Em todas deve haver o estímulo da transação. Diante do exposto, conclui-se pela possibilidade da utilização destes meios alternativos nos conflitos envolvendo a Administração Pública. O sistema jurídico vigente não apenas os autoriza como também os estimula. Entretanto, o problema não é meramente técnico, mas especialmente político e cultural. Nossa tradição patrimonialista e nossa formação publicista (construída ideologicamente desde a formação do Estado brasileiro) são barreiras a estes institutos que prezam pela efetividade e pelo equilíbrio de forças. De qualquer forma, as modificações paulatinas nos dão uma certa esperança de que está sendo construída uma nova relação entre particulares e Poder Público. 7. REFERÊNCIAS ARAGÃO, Alexandre Santos de. “A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo”, in: Daniel Sarmento (org.), Interesses públicos versus interesses privados, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. ARMELIN, Donaldo. “Tutela Jurisdicional Diferenciada”, in: Revista de Processo, janeiro-março de 1992, vol. 65. ÁVILA, Humberto. “Repensando o ‘princípio da supremacia do interesse público sobre o particular’”, in: Daniel Sarmento (org.). Interesses públicos vs. Interesses privados, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. BALDEZ, Miguel Lanzellotti. “Notas sobre a democratização do processo”, in Revista da Faculdade de Direito Cândido Mendes, Rio de Janeiro: FDCM, n. especial, pp. 95- 105, set. 1998. BARBOSA, Joaquim Simões; SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. “Arbitragem nos contratos administrativos: panorama de uma discussão a ser resolvida”, in: Ricardo Ramalho Almeida, Arbitragem interna e internacional: questões de doutrina e prática, Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
  • 18. 6402 BINENBOJM, Gustavo. “Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: Um novo paradigma para o Direito Administrativo”, in: Daniel Sarmento (org.), Interesses públicos versus interesses privados, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico (tradução Fernando Tomaz). 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça (tradução Ellen Gracie Northfleet). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. CAPPELLETTI, Mauro. “Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à Justiça”, in: Revista de Processo nº 74, 1994, pp. 82- 97. CASSONE, Vittorio. “Transação, conciliação e arbitragem no âmbito tributário: confronto entre os princípios constitucionais aplicáveis”, in: Transação e Arbitragem no âmbito Tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso, org.: Oswaldo O. de Pontes Saraiva Filho e Vasco B. Guimarães, Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2008. ________. “O acesso à Justiça e a função do jurista em nossa época”, in Anais da 13ª Conferência Nacional da OAB. Belo Horizonte: OAB, 1990, pp. 115-130. CHASE, Oscar G. “The Rise of ADR in Cultural Context”, in Law, Culture and Ritual. Nova Iorque: New York University Press, 2005, pp. 94/113. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2002. ________. “Princípios e critérios no processo das pequenas causas”, in Juizado especial de pequenas causas (coord. Kazuo Watanabe). Sâo Paulo: RT, 1985. FERRAZ, Rafaella. Arbitragem em Litígios Comerciais com a Administração Pública, Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2008. GRAU, Eros Roberto. “Arbitragem e contrato administrativo”, in: Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros Editores, 2000, n. 32. GRECO, Leonardo. “Tutela Jurisdicional Específica”, in Estudos de Direito Processual, Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005, pp. 513-540. ________. “O acesso ao direito e à justiça”, in: Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005, pp. 197-224. GRINOVER, Ada Pellegrini. “Arbitragem e prestação de serviços públicos”, in: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre: Síntese, novembro-dezembro de 2003, n. 26. ________.“Deformalização do processo e deformalização das controvérsias”, in Novas tendências do direito processual. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.
  • 19. 6403 JOHNSON Jr., Earl. “Promissing institutions: a synthesis essay”, in: CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Access to Justice, vol. II. Milão: Giuffrè Editore, pp. 871/903. JUNQUEIRA, Eliane Botelho; VIEIRA, José Ribas & FONSECA, Maria Guadalupe Piragibe da. Juízes: retrato em preto e branco. Rio de Janeiro: Letra Capital, 1997. LEME, Selma Ferreira. Arbitragem na Administração Pública, São Paulo: Quartier Latin, 2007. LIMA, Cláudio Vianna de. “A Lei de Arbitragem e o art. 23, XV, da Lei de Concessões”, in: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, julho- setembro de 1997, n. 209. MACHADO, Hugo de Brito. “Transação e arbitragem no âmbito tributário”, in: Transação e Arbitragem no âmbito Tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso, org.: Oswaldo O. de Pontes Saraiva Filho e Vasco B. Guimarães, Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2008. MARSHALL, T. H. “Cidadania e classe social”, in: Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores. MARTINS, Pedro A. Batista. “Arbitrabilidade objetiva, interesse público, indisponibilidade de direitos e normas de ordem pública”, in: Interesse Público, Belo Horizonte: Fórum, julho-agosto de 2008, vol. 50. MAYER, Luiz Rafael. “Juízo arbitral entre Estados” (Parecer), in: Revista de Direito Público, São Paulo: RT, julho-agosto de 1974, n. 30. MEIRELLES, Delton R. S. Meirelles. “Avanços democráticos e reação judiciária: os juízes leigos na Constituinte de 1988”. Trabalho inédito e aceito para o XIV Congresso Brasileiro de Sociologia. Rio de Janeiro: 2009. ________. “Juízes leigos comunitários: acesso à Justiça nas cidades”, in Anais do XIV Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Ônus da Prova no Direito Processual Público, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. ________. A ponderação de interesses na tutela de urgência irreversível, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Privatização do processo?”, in Temas de Direito Processual: 7ª série. Rio de Janeiro: Saraiva, 2001. ________. “A tutela específica do credor nas obrigações negativas”, in: Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1980, 2ª Série. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. “Novos institutos consensuais da ação administrativa”, in: Mutações do Direito Público, Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
  • 20. 6404 ________. “Arbitragem nos contratos administrativos”, in: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, julho-setembro de 1997, n. 209. OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Arbitragem de litígios com Entes Públicos. Coimbra: Almedina, 2007. OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. “A arbitragem e as parcerias público- privadas”, in: Revista de Arbitragem e Mediação, janeiro-março de 2007, n. 12. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. PISANI, Andrea Proto. “Sulla Tutela Giurisdizionale Differenziata”, in: Rivista di Diritto Processuale, ano XXXIV, 1979, n. 4. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. “Transação e arbitragem no direito tributário: paranóia ou mistificação?”, in: Transação e Arbitragem no âmbito Tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso, org.: Oswaldo O. de Pontes Saraiva Filho e Vasco B. Guimarães, Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2008. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós- modernidade. 10ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. ________, MARQUES, Maria Manuel Leitão & PEDROSO, João. “Os tribunais nas sociedades contemporâneas” in Revista Brasileira de Ciências Sociais, pp. 29/62. SARMENTO, Daniel. “Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional”, in: Daniel Sarmento (org.). Interesses públicos vs. Interesses privados, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. SILVA, Ovídio A. Baptista. Processo e Ideologia. Rio de Janeiro: Forense, 2004. SILVEIRA NETTO, Luiz Fernando. Juizados Especiais Federais Cíveis. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. SILVESTRI, Elisabetta. “Osservazioni in tema di strumenti alternativi per la risoluzione delle controverse”, in: I metodi della giustizia civile. Padova: Cedam, 2000. SOARES, Rogério Aguiar Munhoz. Tutela Jurisdicional Diferenciada. São Paulo: Malheiros, 2000. SOUZA, Marcia C. Xavier de. Tutela jurisdicional efetiva contra o poder público estadual, distrital e municipal por meio dos Juizados Especiais Cíveis. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, Tese defendida em setembro de 2008, inédita. SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. “O cabimento da arbitragem nos contratos administrativos”, in: Grandes Temas de Direito Administrativo: Homenagem ao Professor Paulo Henrique Blasi, Florianópolis: Conceito Editorial, 2009.
  • 21. 6405 TÁCITO, Caio. “A arbitragem nos litígios administrativos”, in: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, outubro-dezembro de 1997, n. 210. TALAMINI, Eduardo. “Cabimento de arbitragem envolvendo sociedade de economia mista dedicada à distribuição de gás canalizado”, in: Revista de Processo, São Paulo: RT, janeiro de 2005, n. 119. TARUFFO, Michelle. “Dimensioni transculturali della giustizia civile” in Rivista Trimestale di Diritto e Procedura Civile, ano LIV, nº 1, pp. 1.047-1.084. TIBURCIO, Carmen. “Arbitragem envolvendo a Administração Pública”, in: Temas de Direito Internacional, Rio de Janeiro: Renovar, 2006. TORRES, Ricardo Lobo. “O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de natureza orçamentária”, in: Direitos Fundamentais: orçamento e reserva do possível (org. Ingo Sarlet e Luciano Timm). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. WALD, Arnoldo; SERRÃO, André. “Aspectos constitucionais e administrativos da arbitragem nas concessões”, in: Revista de Arbitragem e Mediação, janeiro-março de 2008, n. 16. WELLISCH, Julya Sotto Mayor; SANTOS, Alexandre Pinheiro. “O termo de compromisso no âmbito do mercado de valores mobiliários”, in: Interesse Público, Belo Horizonte: Fórum, janeiro-fevereiro de 2009, vol. 53. YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela Jurisdicional, 2ª tir., São Paulo: Atlas, 1999. ZIMMERMANN, Dennys. “Alguns aspectos sobre a arbitragem nos contratos administrativos à luz dos princípios da eficiência e do acesso à justiça”, in: Revista de Arbitragem e Mediação, janeiro-março de 2007, n. 12. Neste sentido: DINAMARCO, A Reforma da Reforma, p. 128. Sobre o tema, consulte-se: MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Ônus da Prova no Direito Processual Público, passim. O que afeta triplamente as classes mais baixas, em razão das altas custas, a desproporcionalidade entre tais custas e o valor das causas e a lentidão dos processos (SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice, pp. 168/169) Para T. H. MARSHALL, “a distância dos tribunais era devida aos tecnicismos do direito e de seu processo que fez com que o cidadão ordinário tivesse de lançar mão de especialistas para orientá-lo quanto à natureza de seus direitos e para auxiliá-lo a obtê-los” (Cidadania e classe social, p. 65.) Os fatores culturais e sociais são o desconhecimento dos direitos pelos cidadãos mais pobres, a hesitação em propor ações por medo de represálias (como no direito do trabalho) e a falta de acesso a advogados. (SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão
  • 22. 6406 de Alice, p. 170). No mesmo sentido, o relatório feito por EARL JOHNSON Jr. (Projeto Florença), para quem “economic cost is not the only source of inaccessibility for many litigants. For many, the format courts may seem inaccessible in psychological terms. This, of course, is a more subtle phenomenon. It seems compounded of several factors: the anxiety-provoking formality of the typical courtroom setting, the language barrier for some litigants, the mysterious legal machinations for nearly all, and similar considerations”(“Promissing institutions: a synthesis essay”, p. 878). Também CAPPELLETTI & GARTH dizem que “o desafio é criar foros que sejam atraentes para os indivíduos, não apenas do ponto de vista econômico, mas também físico e psicológico, de modo que eles se sintam à vontade e confiantes para utilizá-los, apesar dos recursos de que disponham aqueles a quem eles se opõem” (Acesso à Justiça, p. 97.) Segue-se a crítica feita por ELISABETTA SILVESTRI, para quem a moda destes meios alternativos, imposta culturalmente pela hegemonia ideológica norte-americana, a qual acabaria impondo até mesmo a sigla ADR (“il sucsesso incontrato daí metodi alternativi è quase senza precedenti: autorevoli esponenti della dottrina, come pure membri di spicco Del ceto forense e della magistratura sembrano conquistati dalla moda delle ADR, como ormai vengono familiarmente chiamate anche da noi le alternative al processo, spesso italianizzando la pronuncia di questo acronismo che, come si spera sia noto almeno a coloro che se ne servono, sta per Alternative Dispute Resolution ” - “Osservazioni in tema di strumenti alternativi per la risoluzione delle controverse”, p. 475). ADA PELLEGRINI GRINOVER, em relatório brasileiro para o VIII Congresso Internacional de Direito Processual (1987), aplica o conceito de deformalização em dois sentidos (processo e controvérsia), para estabelecer tal diferença: “ (...)de um lado, a deformalização do próprio processo, utilizando-se a técnica processual em busca de um processo mais simples, rápido, econômico, de acesso fácil e direto, apto a solucionar com eficiência tipos particulares de conflitos de interesses. De outro lado, a deformalização das controvérsias, buscando para elas, de acordo com sua natureza, equivalentes jurisdicionais, como vias alternativas ao processo, capazes de evitá-lo, para solucioná-las mediante intrumentos institucionalizados de mediação. A deformalização do processo insere-se, portanto, no filão jurisdicional, enquanto a deformalização das controvérsias utiliza-se de meios extrajudiciais. (“Deformalização do processo e deformalização das controvérsias”, p. 179). Cf. “Sulla Tutela Giurisdizionale Differenziata”, in: Rivista di Diritto Processuale, ano XXXIV, 1979, n. 4, p. 536. “Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à Justiça”, in Revista de Processo nº 74, p. 82. Tutela Jurisdicional, p. 34-35. Recorde-se que foi proclamado a partir do séc. XVII, pelos filósofos modernos, que o direito e a moral seriam ciências capazes de produzir verdades absolutas, de modo que não haveria espaço para que juízos de verossimilhança legitimassem a tutela jurisdicional. Os juristas italianos do início do século XX consideraram a tutela cautelar como algo estranho à tutela jurisdicional ordinária, um terceiro gênero processual,
  • 23. 6407 mantendo a “pureza” do modelo clássico de jurisdição, em que a execução deve ser precedida de um juízo de certeza (nulla executio sine titulo). Estes dogmas hoje foram superados. Cf. ROGÉRIO SOARES, Tutela jurisdicional diferenciada, p. 142-143; DONALDO ARMELIN, “Tutela Jurisdicional Diferenciada”, in: Revista de Processo, vol. 65, p. 46. Há outros casos de juízes leigos do sistema jurídico brasileiro: juízes de vintena coloniais; comerciantes integrantes dos Tribunais de Comércio imperiais (Título único do Código Comercial de 1850, art. 2º: “o Tribunal do Comércio da Capital do Império será composto de um Presidente letrado, seis Deputados comerciantes, servindo um de Secretário, e três Suplentes também comerciantes; e terá por adjunto um Fiscal, que será sempre um Desembargador com exercício efetivo na Relação Rio de Janeiro. Os tribunais das Províncias serão compostos de um Presidente letrado, quatro Deputados comerciantes, servindo um de Secretário, e dois Suplentes também comerciantes; e terão por adjunto um Fiscal, que será sempre um Desembargador com exercício efetivo na Relação da respectiva Província”); juízes classistas nas extintas Juntas de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho; jurados no Tribunal do Júri (CRFB, art. 5º, XXXVIII); militares nas auditorias respectivas (lei nº 8.457/92 – Lei de Organização Judiciária Militar, arts. 19/22) etc. Notas sobre a democratização do processo, pp. 254/255. No caso do Rio de Janeiro, a situação se agrava em virtude da Lei Estadual nº 4578/2005, a qual dispõe que “a função de juiz leigo (...) será exercida por alunos da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, na forma disposta em Regulamento, vedado seu exercício por serventuários do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro”. Sobre o tema, ver MEIRELLES, Delton R. S. “Juízes leigos comunitários: acesso à Justiça nas cidades”, apresentado no XIV Encontro Nacional do CONPEDI. O poder simbólico, p. 212. “Da um lato, infatti, vi è l’idea tradizionale, tuttora diffusa negli Stati Uniti, per cui la giuria è uma necessaria ed irrinunciabile garanzia della partecipazione del popolo all’ammininstrazione della giustizia, ed è quindi um essenzialle fattore di democrazia nell’àmbito Del sistema giudiziario. Dall’altro lato vi è in Europa la tendenza tradizionale, tuttora diffusa, a ritenere che la giuria non debba essere usata nelle cause civili, e che la partecipazione di laici agli organi giudiziari debba essere limitata a casi particolari” (Dimensioni transculturali della giustizia civile, p, 1070). O Acesso ao Direito e à Justiça, p. 18. “O acesso à Justiça e a função do jurista em nossa época”. Entretanto, não pode ser desprezada à resistência da magistratura tradicional. Em pesquisa realizada no ano de 1994, 64,9% dos juízes fluminenses entrevistados mostraram-se contrários às idéias de sua abertura à participação popular (JUNQUEIRA, Eliane Botelho; VIEIRA, José Ribas & FONSECA, Maria Guadalupe Piragibe da. Juízes: retrato em preto e branco, p. 204) “Também não se põe de modo alternativo e excludente a escolha entre o processo, como meio de solução dos litígios, e equivalentes jurisdicionais capazes de evitá-lo,
  • 24. 6408 como a conciliação prévia extrajudicial, atividade preparatória cuja finalidade é a autocomposição. Nem todos os tipos de controvérsia se coadunam com as vias conciliativas. E estas devem permanecer a nível facultativo e coexistente ao processo, a fim de que não se frustre a garantia constitucional da proteção judiciária dos direitos e dos interesses”.(GRINOVER, Ada Pellegrini. “Deformalização do processo e deformalização das controvérsias”, p. 201). Destarte, tais meios alternativos não poderiam servir para esconder as mazelas do Judiciário estatal, como pontifica OVÍDIO BAPTISTA: “As alternativas dos Juizados Especiais e das juntas de conciliação, instrumentos sem dúvida valiosos como coadjuvantes na busca de uma prestação jurisdicional compatível com os nossos tempos, podem transformar-se em escudo para que as causas profundas da crise do Poder Judiciário sejam esquecidas ou relegadas para as calendas gregas. (...) Devemos buscar alternativas, sem no entanto perder de vista o problema fundamental enfrentado pela jurisdição estatal”.(Processo e ideologia, p. 319). Em sentido semelhante, MICHELE TARUFFO aponta uma função negativa de tais órgãos: “quando il processo giudiziario funziona bene (...) l’ADR rimane um fenomeno tutto sommato marginale e chi ha bisogno della tutela di um próprio diritto preferisce rivolgersi al giudice. Quando, al contrario, i rimedi giurisdizionali non funzionano (...) l’ADR diventa uma sorta di alternativa necesssaria per coloro che hanna bisogno di risolvere controversie ma non posso o non vogliono farlo per mezzo di procedure formali di amministrazione della giustizia che sono onerose, costose ed eccessivamente lunghe”. (Dimensioni transculturali della giustizia civile, p. 1065). Como afirma ADA PELLEGRINI GRINOVER, “é isso que vem finalmente indicar aquela que talvez seja a função primordial da conciliação: a pacificação social. Esta não é alcançada pela sentença, que se limita a ditar autoritativamente a regra para o caso concreto (...)”. (“Deformalização do processo e deformalização das controvérsias”, p. 192). É curioso notar o discurso recorrente na literatura brasileira ao “espírito pacífico” de nosso povo (ou o homo cordialis de SERGIO BUARQUE DE HOLLANDA), como se observa no argumento construído por Cândido Rangel DINAMARCO: “é do sentimento popular o refrão segundo o qual ‘mais vale um mau acordo, do que uma boa demanda’ (...) Isso corresponde ao decantado espírito conciliador que caracteriza a nação brasileira”.(“Princípios e critérios no processo das pequenas causas”, p. 112). São exemplos legislativos brasileiros os juizados especiais (lei 9099/95, arts. 6º e 25) e a arbitragem (lei 9307/96, art. 2º). Opere giuridiche, I, p. 640. Constituição de 1824, art. 161: “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum”. Constituição de 1824, art. 162: “Para este fim haverá juizes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei”.
  • 25. 6409 Ressalve-se a Justiça do Trabalho, cuja formação se deveu a uma forma bem peculiar, a qual estimula a conciliação como elemento obrigatório na resolução dos conflitos laborais, como se percebe no art. 764 da CLT. Entre outros, emergem os artigos 1º (“os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência”); 2º (“o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”); 3º [“o Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade” (...)] Também é possível um sistema misto, em que há política publica de incentivo à arbitragem, mas dentro de um contexto jurisdicional estatal, como relata OSCAR CHASE, “the most obvious way in which the judiciary hás contributed to the growth of ADR hás been by establishing the already-noted ‘court-annexed’ programs. These tipically involve the creation of na arbitration or mediation service (or both) that is administrated by the court”(“The Rise of ADR in Cultural Context”,p. 97) O ideal comunitário está mais presente nos modelos autocompositivos (mediação e conciliação) do que nos equivalentes jurisdicionais (arbitragem). Neste sentido, CHASE afirma que “mediation retained vigor as a response to dispute, it was largely in various self-organized utopian communities and within the insular world of immigrant groups (...) that brought a deep distaste for litigation to the New World” (“The Rise of ADR in Cultural Context”, p. 101). O mesmo autor busca compreender este atual surto das ADR’s a partir do movimento do counterculturalism (ibidem, pp. 109/111) SANTOS, Boaventura de Sousa et alii. Os tribunais nas sociedades contemporâneas, p. 52 Pela mão de Alice, p. 175. Este parece ser o ponto defendido por ADA PELLEGRINI GRINOVER, ainda que trate do tema específico da conciliação (“a ponto de falar-se de uma ‘cultura da conciliação’, que conheceu um impulso crescente na sociedade pós-industrial, mas que tem, nos países em desenvolvimento, importante desdobramento, por indicar não apenas a institucionalização de novas formas de participação na administração da Justiça e de gestão racional dos interesses públicos e privados, mas também por assumir relevante papel promocional de conscientização política” - “Deformalização do processo e deformalização das controvérsias”, p. 192) Pela mão de Alice, p. 179. CHASE, Oscar G.. “The Rise of ADR in Cultural Context”, p. 100. No mesmo sentido, diz ELISABETTA SILVESTRI: “molti sembrano ignorara che próprio negli Stati Uniti le alternative al processo costituiscono un fenomeno già Vecchio, sai per data di nascita, sai perchè, a torto o a ragione, si ritiene che la fase di massima espansione delle alternative sai terminata e che sai tempo di valutare, quase in una prospettiva storica, gli effetti che la loro diffusione há prodorto”(“Osservazioni in tema di strumenti alternativi per la risoluzione delle controverse”, p. 478)
  • 26. 6410 Privatização do processo?, p. 09. Privatização do processo?, p. 11. Embora situada fora do Poder Judiciário, poder-se-ia arrolar, igualmente, a arbitragem como modalidade de tutela jurisdicional diferenciada (item 2.1). No passado, a arbitragem foi classificada como um “equivalente jurisdicional”, porque o laudo arbitral poderia ser judicialmente revisto. Em face da nossa legislação atual, no entanto, o árbitro exerce poder jurisdicional, porque profere sentença que produz os mesmos efeitos da sentença proferida pelo Poder Judiciário (art. 31 da L. 9.307/1996). Opta-se por tratá-la neste tópico para diferenciar a jurisdição estatal da jurisdição não-estatal. Caso relevante, para fins deste estudo, é da possibilidade de a Caixa Econômica Federal se recusar a liberar o saldo de FGTS, quando o trabalhador resolve seu conflito laboral mediante decisão arbitral. A jurisprudência dos tribunais federais é pacífica quanto à impossibilidade desta empresa pública federal “tecer questionamentos acerca da possibilidade ou não da arbitragem, no campo do direito individual do trabalho” (TRF/1. 6ª Turma. AMS 2004.33.00.013235-9/BA, rel. Des. Fed. Souza Prudente, j. 16/05/2005). Neste sentido, entre outros acórdãos: STJ. 1ª Turma, REsp 777906/BA. Rel. Min. José Delgado. j. 18/10/2005; STJ. 1ª Turma, REsp 707043 / BA, Rel. Min. Teori Albino Zavascki. j. 15/03/2005; TRF/1. 6ª Turma. AMS 2004.33.00.011790- 4/BA, rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, j. 16/06/2008; TRF/1. 6ª Turma. AMS 2002.36.00.006453-3/MT, rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, j. 04/06/2004; TRF/2. 5ª Turma Especializada, MS nº 20055101008606-3, rel. Des. Fed. Antônio Cruz Neto, j. 10/12/08; TRF/2. 8ª Turma Especializada, MS nº 200651010176032, rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, j. 12/03/2007; TRF/3. MAS 242036, rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 05/08/2008. Pela mão de Alice, pp. 179/180. Convém ressaltar que a lei nº 7244/84 foi resultado da articulação entre a magistratura e o Executivo federal, numa composição de forças a partir dos projetos, respectivamente, de conciliação judicial no Rio Grande do Sul e do então Ministério da Desburocratização. Com isso, não é difícil especular o porquê dos juizados de pequenas causas não satisfazerem integralmente o acesso à Justiça dos cidadãos em face do Poder Público (MEIRELLES, Delton R. S. “Avanços democráticos e reação judiciária: os juízes leigos na Constituinte de 1988”. Trabalho inédito e aceito para o XIV Congresso Brasileiro de Sociologia). Destaque-se que o projeto de lei nº 1480/89, de autoria do deputado federal Michel Temer, não mantinha a exclusão da Fazenda Pública. Entretanto, o PL-3698/1989, de autoria do então parlamentar Nelson Jobim e do qual foi gerada a parte cível da lei nº 9099/95, aproveitou a estrutura da lei nº 7244/84 e a conseqüente limitação para as causas fazendárias (Diário do Congresso Nacional de 26/09/1989, p. 10300) Até o fechamento deste artigo, tramitavam na Câmara dos Deputados a PEC nº 145 (dep. Décio Lima – PT/SC, 29/08/2007) e os projetos de lei de números 5306 (dep. Carlos Sampaio - PSDB/SP, 24/05/2005), 7087 (sen. Antônio Carlos Valadares - PSB/SE, 18/05/2006); além de projetos arquivados como os de números 1003(dep. Carlos Nader - PFL/RJ, 15/05/2003), 1158 (dep. Rogério Silva - PPS/MT, 02/06/2003),
  • 27. 6411 3565 (dep. Marcondes Gadelha - PTB/PB, 14/05/2004), e 2521 (Comissão de Legislação Participativa, 30/11/2007). Cf. SOUZA, Marcia C. Xavier de. Tutela jurisdicional efetiva contra o poder público estadual, distrital e municipal por meio dos Juizados Especiais Cíveis, Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, Tese defendida em setembro de 2008, inédita. Tendo em vista essa possibilidade, já houve até a alteração do valor do teto dos Juizados Especiais para os municípios pela Emenda n. 37 de 2002, nos termos do art. 87: “Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a: I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.” Exposição de motivos nº 434, de 11/09/1997, publicada no Diário do Congresso Nacional de 04/04/1997, p. 9149. Mensagem nº 21, de 12/01/2001, publicada no Diário do Congresso Nacional de 02/02/2001, p. 358. Não se pode esquecer que as autarquias e as fundações públicas federais também podem figurar no pólo passivo do processo nos Juizados Especiais Federais (art. 6º, II da Lei 10.259/2001). Art. 4o :“O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação.” Art. 13. “Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário.” Art. 9o : “Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de trinta dias.” Art. 100, § 3º: “O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000). Exposição de motivos nº 434, de 11/09/1997, publicada no Diário do Congresso Nacional de 04/04/1997, p. 9149. Juizados Especiais Federais Cíveis, p. 82. “A tutela específica do credor nas obrigações negativas”, in: Temas de Direito Processual, Segunda Série, p. 31.
  • 28. 6412 Cf. LEONARDO GRECO, ‘Tutela Jurisdicional Específica”, in: Estudos de Direito Processual, p. 513 e ss. Idem, p. 527 e ss. Exemplificativamente, podem ser citados: a) reclassificação ou equiparação de servidores públicos (art. 5º, L. 4.348/1964); b) suspensão da segurança (art.4º, caput e §§1º e 2º, L. 4.348/1964); c) vedação genérica de medidas liminares (art. 1º, caput e §3º, L.8.437/1992); d) suspensão de tutela contra o Poder Público (art. 4º e §§ L. 8.437/1992); e) vedação genérica de tutela antecipada (art. 1º e 2º -B, L.9494/1997). Neste sentido: RICARDO LOBO TORRES, “O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de natureza orçamentária”, in: Direitos Fundamentais: orçamento e reserva do possível, p. 69/86. Como decidiu o Supremo Tribunal Federal, “entre reconhecer o interesse secundário do Estado, em matéria de finanças públicas, e o interesse fundamental da pessoa, que é o direito à vida, não haveria opção possível para o Judiciário, senão de dar primazia ao último. (...) a realidade da vida tão pulsante na espécie imporia o provimento do recurso, a fim de reconhecer ao agravante, que inclusive poderia correr risco de morte, o direito de buscar autonomia existencial, desvinculando-se de um respirador artificial que o mantém ligado a um leito hospitalar depois de meses em estado de coma, implementando-se, com isso, o direito à busca da felicidade, que é um consectário do princípio da dignidade da pessoa humana” (STA nº. 223/PE, J. 12/03/2008, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ acórdão Min. Celso de Mello. Informativo nº 502). Neste sentido: J.J. CALMON DE PASSOS, Comentários ao CPC, vol. III, n. 247, p. 376-7, esclarecendo que a indisponibilidade pode ser: a) absoluta, quando o próprio bem, conteúdo do direito, é insuscetível de disposição, porque é indissociável de seu sujeito (ex.: alguns direitos da personalidade, como o corpo); b) relativa, quando, embora irrenunciável, a lei admite transação (ex.: quantum dos alimentos; os dias de visita) ou condiciona a sua disposição ao controle judicial (ex.: a venda do bem do absolutamente incapaz). Cf. MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Ônus da Prova no Direito Processual Público, item 5.3.3.3. É de se lembrar que a desistência da ação do Poder Público no contencioso judicial administrativo é diferenciada, porque, em geral, o procurador deve aguardar a reposta de seu superior hierárquico sobre a possibilidade de desistir da demanda. Sobre a transação judicial no âmbito das relações jurídicas de direito público, devem ser examinadas, entre outras leis: Lei Complementar Nº 73, de 10 de Fevereiro de 1993; o Decreto Nº 4.250, de 27 de Maio de 2002; a Lei Nº 9.469, de 10 de Julho de 1997; a Lei Nº 10.667, de 14 de Maio de 2003; Decreto Nº 4.250, de 27 de Maio de 2002. AGU - Portaria nº 1.052/2006 DE 8 DE NOVEMBRO DE 2006DOU 09.11.2006: O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997 e o Decreto nº 2.346, de 10 de outubro de 1997, tendo em vista o disposto na Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 (art. 4º, incisos
  • 29. 6413 I, VI, XII, XIII e XVIII e art. 28, inciso II), na Lei nº 10.480, de 2 de julho de 2002 (art. 9º), na Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001 (art. 38, § 1º, inciso II): Art. 1º Os órgãos de representação judicial da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal e seus integrantes ficam autorizados a realizar transação judicial para extinguir processos judiciais que tenham por objeto o pagamento, em parcela única, do passivo ainda não liquidado previsto no artigo 11 da Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001, referente à aplicação aos servidores civis do Poder Executivo Federal da diferença de 3,17% (três inteiros e dezessete centésimos por cento), desde que atendidos os seguintes requisitos: I - somente podem ser objeto de transação os valores não prescritos; II - os pagamentos serão feitos exclusivamente mediante Requisição de Pequeno Valor - RPV, no prazo legal; III - a transação somente ocorrerá se houver redução de, no mínimo, 10% (dez por cento) do valor estimado da condenação e se o autor da ação se responsabilizar pelos honorários de seu advogado e eventuais custas judiciais, aceitando ainda a incidência de juros de mora desde a citação válida no percentual máximo de 0,5% (meio por cento) ao mês, bem como o desconto dos impostos e das contribuições respectivas; IV - a transação fica limitada ao valor correspondente a cinqüenta e quatro salários-mínimos vigentes na data da sua propositura; e V - o termo da transação conterá, obrigatoriamente, cláusula de renúncia a direitos decorrentes do mesmo fato ou fundamento jurídico que deu origem à ação judicial, e deverá ser comunicado, pelas Procuradorias, ao órgão de recursos humanos do autor da ação, para que seja suspenso o pagamento administrativo das parcelas vincendas nos termos do artigo 11 da Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001. Art. 2º A transação que se realizar com base nesta Portaria não configura reconhecimento de direito dos autores das ações, mas tão somente o acatamento a decisões judiciais irreversíveis. Art. 3º Caberá aos titulares da Procuradoria-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal orientar suas unidades e respectivos integrantes sobre o fiel cumprimento desta Portaria, devendo, inclusive, estabelecer, em conjunto, termo padrão de transação a ser por todos observado. Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. STJ. 5ª Turma. REsp 667125/PE, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j.25/10/2005. Como já decidiu o TRF da 3ª Região, “não há falar-se em cerceamento de defesa ante a supressão da audiência de tentativa de conciliação, prevista no artigo 331 do CPC, vez que não é permitido aos procuradores da entidade autárquica qualquer transação, haja vista a indisponibilidade do interesse da Administração Pública, em que se insere a Previdência Social” (Apelação Cível nº 900569, rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, j. 22/02/2005). Em sentido semelhante: TRF/3, Apelação Cível nº 903721, j. 27/09/2004. PEDRO A. BATISTA MARTINS, “Arbitrabilidade objetiva, interesse público, indisponibilidade de direitos e normas de ordem pública”, in Interesse Público, vol. 50, p. 92/93. Lei nº 6.385/1976, art. 11, § 5º: “A Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu exclusivo critério, se o interesse público permitir, suspender, em qualquer fase, o procedimento administrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do
  • 30. 6414 mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso, obrigando-se a: I - cessar a prática de atividades ou atos considerados ilícitos pela Comissão de Valores Mobiliários; e II - corrigir as irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuízos.” Consulte-se: WELLISCH, Julya Sotto Mayor; SANTOS, Alexandre Pinheiro. “O termo de compromisso no âmbito do mercado de valores mobiliários”, in Interesse Público, vol. 53, p. 137/149. A Lei 7347/85, que disciplina a ação civil pública, estabelece no art. 5, §6º: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Lei nº 8884/1994, art. 53, § 5º: “Em qualquer das espécies de processo administrativo, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, entender que atende aos interesses protegidos por lei”. Apesar do art. 635-A da CLT fazer menção a empresas (“As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representante dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho.”), a princípio nada impediria que pessoas jurídicas de direito público também mantivessem tais órgãos em sua estrutura interna, atendendo a seus empregados públicos. A propósito, na Lei nº 9784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, não há previsão expressa da possibilidade de autocomposição. Com base nisto, o TRF da 2ª Região, em mandado de segurança impetrado para impedir que fosse feito qualquer registro junto ao prontuário do apelante no Conselho Regional de Medicina/ES, de qualquer anotação decorrente do processo administrativo ético-profissional originário de processo de sindicância, julgou que “não há obrigatoriedade de se realizar fase de conciliação no procedimento administrativo. A prática de infração profissional ou conduta contrária ao comportamento profissional ético, probo e digno não pode ser inserida no campo da disponibilidade de arquivamento (ou não) do procedimento. E, ainda que assim fosse, dependeria de expressa concordância da pessoa lesada ou prejudicada pelo comportamento indevido do Apelante” (TRF 2ª Região, 8ª Turma Especializada, Mandado de Segurança nº 20055001009345-4, rel. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, julgamento 22/08/06). Cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/Plp/2009/msg235-090413.htm (acessado em 01.05.2009). Cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2009/msg237-090413.htm (acessado em 01.05.2009). Destaque-se o §1º do art. 4º, do Anteprojeto: “São modalidades de transações e formas alternativas de soluções de controvérsias tributárias objeto da presente Lei: I - transação em processo administrativo ou judicial; II - transação judicial no caso de Insolvência fiscal; III - transação por recuperação tributária; IV - transação com arbitragem; V - transação penal tributária; VI - transação por adesão; VII - transação preventiva; VIII - ajustamento de conduta tributária; e IX - interpelação preventiva antielusiva.
  • 31. 6415 Cf. http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/r150307d-anteprojeto-de-lei.pdf (acessado em 01.05.2009). Ver, em especial, CASSONE, Vittorio. “Transação, conciliação e arbitragem no âmbito tributário: confronto entre os princípios constitucionais aplicáveis”, in: Transação e Arbitragem no âmbito Tributário, p. 217 e ss.; MACHADO, Hugo de Brito. “Transação e arbitragem no âmbito tributário”, idem, p. 111 e ss.; SANTI, Eurico Marcos Diniz de. “Transação e arbitragem no direito tributário: paranóia ou mistificação?”, idem, p. 167 e ss.. Registre-se que, em Portugal, o Ministério da Justiça promoveu a constituição do CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) que funciona a partir de uma associação privada sem fins lucrativos e cujo objetivo é resolver litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público (funcionalismo público) e contratos, através da consulta, mediação e arbitragem (http://www.caad.org.pt/, acessado em 21 de abril de 2009). Lei 9.307/1996, art. 1º: As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Sobre o tema: TÁCITO, Caio. “A arbitragem nos litígios administrativos”, in: RDA, n. 210, p. 111 e ss.; GRINOVER, Ada Pellegrini. “Arbitragem e prestação de serviços públicos”, in: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 26; TIBURCIO, Carmen. “Arbitragem envolvendo a Administração Pública”, in: Temas de Direito Internacional, p. 525 e ss.; LEME, Selma Ferreira. Arbitragem na Administração Pública; FERRAZ, Rafaella. Arbitragem em Litígios Comerciais com a Administração Pública; OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Arbitragem de litígios com Entes Públicos. Em 1920, o então Presidente Epitácio Pessoa foi escolhido como árbitro para definir os limites dos Estados de São Paulo e Minas Gerais (Cf. MAYER, Luiz Rafael. “Juízo arbitral entre Estados”, in: Revista de Direito Público, p. 85 e ss. O decreto-lei nº 4648/42 havia autorizado a desapropriação dos bens e direitos das empresas da chamada Organização Lage e do espólio Henrique Lage, em face do então estado de guerra. Diante da controvérsia sobre o valor da indenização, Levi Carneiro, advogado do espólio, em audiência com o Presidente da República, sugeriu a instituição de um juízo arbitral. Ouvido o então Consultor-Geral da República, Min. Themístocles Brandão Cavalcanti, este ofereceu parecer favorável à arbitragem, sendo composta uma comissão formada por um árbitro nomeado pelo Ministro da Fazenda (Raul Gomes de Matos), outro indicado pelo espólio (Antônio Sampaio Dória) e o terceiro seria um Ministro do STF (Costa Manso). Em 21/01/1948, o juízo arbitral proferiu sentença, fixando o valor indenizatório. Ocorre que, em 14/11/1952, a União Federal acolhe parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda e passa a sustentar a inconstitucionalidade do juízo arbitral. “As sociedades de economia mista, encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas congêneres”.(STJ. 1ª Seção. MS 11308/DF, rel. Min. Luiz Fux julgado em 09/04/2008).
  • 32. 6416 “São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste”. (STJ. 2ª Turma. REsp 606345/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha julgado em 17/05/2007). Idem em STJ. 2ª Turma. REsp 612439/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha julgado em 25/10/2005. STJ. 1ª Seção. MS 11308/DF, rel. Min. Luiz Fux julgado em 09/04/2008. Importante lembrar que o fundamento da indisponibilidade do interesse público – o dogma da supremacia do interesse público sobre o particular – tem sido criticado e até mesmo abandonado pela doutrina mais autorizada. Sobre o tema, vejam-se: HUMBERTO ÁVILA, “Repensando o ‘princípio da supremacia do interesse público sobre o particular’”, in: Interesses públicos vs. Interesses particulares, p. 171 e ss.; ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, “A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo”, in: idem, p. 1 e ss.; DANIEL SARMENTO “Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional”, in: idem, p. 23 e ss.; GUSTAVO BINENBOJM, “Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: Um novo paradigma para o Direito Administrativo”, in: idem, p. 117 e ss.; FERNANDO GAMA DE MIRANDA NETTO, A ponderação de interesses na tutela de urgência irreversível, cap. 4. TALAMINI, Eduardo. “Cabimento de arbitragem envolvendo sociedade de economia mista dedicada à distribuição de gás canalizado”, in: Revista de Processo, n. 119, p. 162. SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. “O cabimento da arbitragem nos contratos administrativos”, in: Grandes Temas de Direito Administrativo: Homenagem ao Professor Paulo Henrique Blasi, p. 114 e 119. Outra linha de argumentação, adotada em alguns julgados, sustenta que a indisponibilidade do interesse público deve ficar restrita aos atos de império (interesse público primário), não, porém, aos atos de gestão que dizem respeito à capacidade de contratar (interesse público secundário). Neste sentido: LEME, Selma Ferreira. Arbitragem na Administração Pública, p. 130 e ss.; GRAU, Eros Roberto. “Arbitragem e contrato administrativo”, in: Revista Trimestral de Direito Público, n. 32, p. 20. Tal critério, no entanto, parece ser destituído de rigor científico, porque: a) é fluido, na medida em que remete a problemática a valorações situadas na esfera política, externa ao direito; b) todos os atos da Administração têm como finalidade última a gestão do interesse público (ZIMMERMANN, Dennys. “Alguns aspectos sobre a arbitragem nos contratos administrativos à luz dos princípios da eficiência e do acesso à justiça”, in: Revista de Arbitragem e Mediação, n. 12, p. 81). “Novos institutos consensuais da ação administrativa”, in: Mutações do Direito Público, p. 346. MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo de. “Arbitragem nos contratos administrativos”, in: RDA, p. 83.
  • 33. 6417 É de se mencionar a vedação do juízo arbitral pelo art. 45, parágrafo único, Decreto-lei 2.300/1986 (antigo diploma das licitações e contratos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal), posteriormente derrogado pelo Decreto-lei 2.348/1987. A Lei paulista n. 7.535, de 8 de maio de 1982, no art. 8º, inc. XXI, já contemplava a solução amigável de controvérsias contratuais, enquanto a Lei fluminense n. 1.481, de 21 de julho de 1989, admitiu pioneiramente o juízo arbitral como forma de resolução de litígios administrativos. A redação original da PEC n. 29/2000 (Sen. Hélio Bicudo) dispunha, em seu art. 98, § 3º, que “ressalvadas as entidades de direito público, os interessados em resolver seus conflitos de interesse poderão valer-se de juízo arbitral, na forma da lei.” A proposta, no entanto, veio a ser suprimida durante sua tramitação pelo voto de 55 senadores, que acompanharam o destaque do Senador Romeu Tuma (DVS935), o qual suprimia a proibição. Na ocasião, o Senador Marco Maciel defendeu o uso da arbitragem pelas agências reguladoras (“Emenda estende juízo arbitral a entidades públicas”, in: Jornal do Senado, Brasília, 17 de novembro de 2004, n. 2049, p. 3, http://www.senado.gov.br/JORNAL/ arquivos_jornal/arquivosPdf/041117.pdf, acessado em 01.05.2009). Cf. LIMA, Cláudio Vianna de. “A Lei de Arbitragem e o art. 23, XV, da Lei de Concessões”, in: RDA, p. 91 e ss. Foro significa aqui porção territorial, isto é, o lugar em que será instaurado o processo, seja judicial, seja arbitral. Neste sentido: BARBOSA, Joaquim Simões; SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. “Arbitragem nos contratos administrativos: panorama de uma discussão a ser resolvida”, in: Ricardo Ramalho Almeida, Arbitragem interna e internacional: questões de doutrina e prática, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 273. Cite-se, como exemplo, a recente inclusão de cláusula compromissória no Edital da ANAEEL pertinente ao Leilão 5/2007 (Rio Madeira). Para outros exemplos, veja-se: WALD, Arnoldo; SERRÃO, André. “Aspectos constitucionais e administrativos da arbitragem nas concessões”, in: Revista de Arbitragem e Mediação, n. 16, p. 30 e ss. Cf. OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. “A arbitragem e as parcerias público- privadas”, in: Revista de Arbitragem e Mediação, n. 12, p. 29 e ss.