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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
       INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
           BACHARELADO EM HISTÓRIA




             Trabalho de Conclusão de Curso




    BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS:
História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara
                      (RS – Brasil)




              Giullia Caldas dos Anjos




                        Pelotas, 2012
GIULLIA CALDAS DOS ANJOS




    BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS:
História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara
                        (RS – Brasil)




                              Trabalho de Conclusão de Curso
                              apresentado ao Instituto de Ciências
                              Humanas da Universidade Federal de
                              Pelotas, como requisito parcial à
                              obtenção do título de Bacharel em
                              História.




          Orientador: Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira




                         Pelotas, 2012
Agradecimentos

      Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr.
Lúcio Menezes Ferreira, que desde o início da graduação vem me
acompanhando e me convidou para participar do projeto O Pampa Negro, em
2010. Agradeço por confiar em mim na hora de mudar completamente meu
trabalho e acreditar neste projeto. Agradeço, também, por todas as
oportunidades proporcionadas desde o início da faculdade. Enfim, ao longo
desses quatro anos de convivência, com certeza mereces minha gratidão pela
presença, confiança e, também, é claro, pela amizade.
      À FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
Grande do Sul) que, através da concessão da bolsa de Iniciação Científica,
permitiu a realização desta pesquisa.
      Agradeço, ainda, aos professores pesquisadores do LÂMINA, em
especial ao Prof. Pedro Sanches, Prof. Bruno Sanches, Prof. Jaime Mujica,
Prof. Diego Lemos Ribeiro e Prof. Cláudio Carne, os quais, de uma forma ou de
outra, colaboraram ao longo deste trabalho e lograram estabelecer um ótimo
ambiente de trabalho.
      Aos colegas de equipe do LÂMINA, em especial à Marta, Estefânia,
Letícia, Luiza, Anelize, Lidorine, Eurico e Gil pelo apoio, motivação e
companheirismo nesses quase dois anos de convivência.
      Agradeço à minha companheira de campo, Andressa Domanski, por
todas nossas discussões teórico-metodológicas que deram fruto a esse
trabalho. Tu bem sabes o quão importante fosses pra tudo isto aqui.
      Agradeço às diretoras e à supervisora da Escola Estadual de Ensino
Fundamental Incompleto Sagrado Coração de Jesus por haverem me recebido
de braços abertos durante a realização do projeto. E agradeço, especialmente,
aos alunos das turmas 4ºA e 4ºB por serem tão interessados e carinhosos ao
longo de todas atividades.
       Aos colegas da primeira turma de Bacharelado em História da UFPel,
pela amizade e parceria ao longo dessa nossa caminhada, pelos nossos
grupos de estudos que tanto nos salvaram frente às provas. Agradeço
especialmente aos colegas Rodrigo Dal Forno (“póvo") e ao Victor Gomes
(nariz) por terem sido grandes amigos ao longo dessa jornada.
       Agradeço aos bons professores que tive, em especial à Prof.ª Elisabete
Leal que muito auxiliou para que este trabalho fosse realizado. À Prof.ª Ana
Klein por tentar me tranquilizar tantas vezes na reta final.
       Agradeço ao professor – e amigo – Bruno Sanches, por vir discutindo e
reelaborando este projeto de forma a sempre buscar melhorar. Sou grata pelas
conversas, sugestões, enfim... Valeu!
       Agradeço    à   minha família,     por serem     minha   base.   Agradeço
especialmente à prima Carol por uma vez ter me dito “não te preocupa, quando
menos esperares, a ideia surgirá e saberás exatamente com o que trabalhar”.
À minha tia Karen, por ser essa parceiraça até na faculdade e me ajudar
sempre.
       A meus maninhos do coração e de tanto papo, Gisa e Mano, para quem
sempre busco dar o melhor exemplo. Amo vocês incondicionalmente!
       À minha querida amiga Paula Mesquita (panqueca), por desde o início
vibrar comigo e torcer por mim.
       Agradeço às minhas avós e professoras, vó Elisa e vó Lelene. À minha
querida amiga Marlene, obrigada por ser está avó fantástica e moderna.
Obrigada por me incentivar sempre! À minha pequeninha avó Elisa, obrigada
por cuidar sempre de mim, por me mimar com minhas comidas preferidas, e
me introduzir no mundo das letrinhas. Não tens nem ideia do quão valioso isso
foi pra mim. Vocês duas foram também as responsáveis por esse trabalho
estar aqui, minhas eternas professorinhas.
       Agradeço ao meu namorado Paulo (“Pr”), por toda paciência com meu
delicado jeitinho de ser ao longo desses quase quatro anos. Só tu, com esta
paciência que sabe-se lá de onde vem, pra me dar tanto apoio, carinho, amor e
compreensão nos meus maiores momentos de tensão. Tu, com essa santa
paz, me fizestes aguentar o tranco por tantas vezes, e me fizestes te amar,
cada dia mais.
      Por fim agradeço a quem me deu a vida, meus amados e “capanheiros”
pais. A meu papito, Flávio Sacco dos Anjos, por toda sabedoria, teimosia e
discussões intermináveis sobre meus trabalhos e projetos. Só tu sabes o quão
produtivas elas foram pra mim. À minha querida mamis, minha general e
guardiã, Nádia Velleda Caldas, pelo poder conciliador e paciência. És minha
guerreira e mulher de fibra, meu exemplo e meu apoio. A vocês dois, meus
queridos companheiros de tantas viagens, que nosso tripé nunca se abale.
Agradeço a vocês por me ajudarem a desenvolver cada frase, cada parágrafo e
mais que tudo, por vir desde sempre acompanhando meus singelos passos
com o maior apoio e aplauso.
Resumo



ANJOS, Giullia Caldas dos. BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM
PELOTAS: História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara (RS
– Brasil). 2012. 94f. Trabalho de Conclusão (Bacharelado em História), Instituto
de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas.

O projeto “Brincando de Arqueologia em Pelotas” se insere no marco de uma
pesquisa mais ampla, intitulada “O Pampa Negro: Arqueologia da Escravidão
na região meridional do Rio Grande do Sul (1780-1888)”, coordenado pelo Prof.
Dr. Lúcio Menezes Ferreira. Nosso estudo corresponde a uma experiência de
Arqueologia pública levada a cabo entre os meses de outubro e novembro de
2011, com alunos e professores da Escola Estadual de Ensino Fundamental
Incompleto Sagrado Coração de Jesus, a qual foi escolhida justamente por
situar-se nas imediações da Charqueada Santa Bárbara, onde atualmente
concentram-se as escavações arqueológicas de O Pampa Negro. A
metodologia envolveu atividades realizadas em cinco encontros que incluíram
elaboração de desenhos, visita ao Sítio e simulação de uma escavação
arqueológica. Nessa intervenção, inspirada nas premissas da Arqueologia
pública, buscou-se entender como os alunos percebiam esse campo e no que
consistia o trabalho do arqueólogo, além de investigar seu entendimento sobre
a Charqueada em questão. Também foram realizadas entrevistas com as
professoras no intuito de analisar o que conheciam a respeito da história local e
sua relação com a escravidão e quais materiais utilizavam para trabalhar estes
temas em sala de aula. Os resultados a que chegamos apontam para a
importância da Arqueologia pública no sentido de estabelecer diálogos com as
comunidades implicadas. Dessa forma, buscando, a partir desta primeira
experiência, entender as representações que as comunidades e grupos sociais
têm acerca da Arqueologia, do patrimônio cultural e, particularmente, do
passado escravista pelotense.

Palavras-chave: História de Pelotas, Escravidão, Arqueologia Pública, Ações
Educativas
Abstract



ANJOS, Giullia Caldas dos. BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM
PELOTAS: História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara (RS
– Brasil). 2012. 94f. Trabalho de Conclusão (Bacharelado em História), Instituto
de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas.

The project “Brincando de Arqueologia em Pelotas” has been articulated in the
framework of a broader research, so-called “O Pampa Negro: Arqueologia da
Escravidão na região meridional do Rio Grande do Sul (1780-1888)”. The
present study corresponds to a Public Archaeology experience undertaken
between October and November of 2011 with students and teachers of the
Escola Estadual de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado Coração de
Jesus, which has been chosen precisely because is located nearby the
plantation of jerked beef called Santa Bárbara, where the archaeological
excavations of the O Pampa Negro project are concentrated now. The
methodology has involved activities conducted in five meetings that included the
elaboration of drawings, visit to the Site and the simulation of an archaeological
excavation. Is this intervention, inspired in the premises of Public Archeology,
we attempted to understand how students perceive this field and how they
represent the archaeological work and the plantation of jerked beef itself. Also,
interviews were conducted with the teachers in order to analyze what they knew
about the local history and its relation with the slavery and which materials they
used to work these issues in the classroom. The results that we reached point
to the importance of Public Archaeology in order to establish dialogues with the
communities involved. Thereby, we are seeking from this first experience,
understand the representations that communities and social groups have about
the archeology, cultural heritage and, particularly, of the slave past Pelotas.

Key-words: Pelotas’s history, Public Archaeology, Slavery, Educational
Activities
Lista de Abreviaturas e Siglas


APERS – Arquivo Público do Rio Grande do Sul

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CRM – Cultural Resource Management

E.E.E.F.I.S.C.J. – Escola Estadual de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado
Coração de Jesus

FAPERGS – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul

ICH – Instituto de Ciências Humanas

ICOMOS/ICAHM – International Council on Monuments and Sites/International
Scientific Committee on Archaeological Heritage Management

LÂMINA – Laboratório Multidisciplinar de Investigações Arqueológicas

PRONAPA – Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas

ROPA – Register of Professional Archaeologists

SAA – Society for American Archaeology

SOPA – Society of Professional Archaeologists

SPHAN – Serviço Histórico e Artístico Nacional

UFPel – Universidade Federal de Pelotas
Lista de figuras e Boxes


Figura 1 – Mapa ilustrativo da localização das Charqueadas ......................                      21
Figura 2 – Vista frontal da residência de Antônio José Gonçalves Chaves
             pela margem direita do Arroio Pelotas .......................................             25
Figura 3 – Naturalidade dos escravos traficados na Província de São
             Pedro do Rio Grande do Sul.......................................................         29
Figura 4 – Divisão dos escravos por ocupação ............................................              30
Figura 5 – Imagem da principal construção remanescente ..........................                      47
Figura 6 – Localização da Sesmaria de Santa Bárbara (1817) ....................                        48
Figura 7 – Estruturas da propriedade de José Vieira Vianna (1854) ............                         49
Figura 8 – Localização da E.E.E.F.I.S.C.J....................................................          51
Figura 9 – Primeira visita da turma 4ºB da E.E.E.F.I.S.C.J. ao Sítio da
             Charqueada Santa Bárbara, novembro de 2011 ........................                       54
Figura 10 –Primeira visita da turma 4ºA da E.E.E.F.I.S.C.J. ao Sítio
             Charqueada Santa Bárbara, novembro de 2011 ........................                       55
Figura 11 –Simulação de escavação com a turma 4ºB da E E.E.E.F.I.S.C.J.,
             novembro de 2011 ......................................................................   55
Figura 12 –Simulação de escavação com a turma 4ºA da E.E.E.F.I.S.C.J.,
             novembro de 2011 ......................................................................   56
Figura 13 –Simulação de escavação com a turma 4ºB da E.E.E.F.I.S.C.J.,
             novembro de 2011 ......................................................................   56
Figura 14 –Desenho A desenvolvido no primeiro encontro ..........................                      58
Figura 15 –Desenho B desenvolvido no primeiro encontro ..........................                      58
Figura 16 –Distribuição dos desenhos do primeiro encontro quanto à
             presença de cena de escavação ................................................            59
Figura 17 –Frequência de elementos identificados nos desenhos do primeiro
            encontro......................................................................................   59
Figura 18 –Desenho C desenvolvido no quarto encontro ............................                            60
Figura 19 –Desenho D desenvolvido no quarto encontro ............................                            60
Figura 20 –Distribuição dos desenhos do quarto encontro quanto à cena
            representada ..............................................................................      61


Box 1 –     Legislação de preservação dos recursos culturais e naturais nos
            Estados Unidos como suporte para a discussão de proteção do
            patrimônio arqueológico .............................................................            37
Box 2 –     Alguns apontamentos relevantes sobre a relação entre Arqueologia
            e a sociedade nos Códigos da SAA, SOPA e ROPA .................                                  39
Box 3 –     Planejamento metodológico do projeto Brincando de Arqueologia
            em Pelotas..................................................................................     66
Sumário


Introdução ...................................................................................................    11

1 As charqueadas pelotenses: historiografia e escravidão ..................                                       15

1.1 A origem do núcleo charqueador pelotense ...........................................                          19

1.2 A charqueada como espaço de produção ..............................................                           22

1.3 O escravo e a produção de charque ......................................................                      26

2 Arqueologia pública ................................................................................            33

2.1 Surgimento do Campo ...........................................................................               34

2.2 Arqueologia pública no Brasil e perspectivas atuais ..............................                            40

3 Projeto “Brincando de Arqueologia em Pelotas” .................................                                 45

3.1 Estância e Charqueada Santa Bárbara ..................................................                        46

3.2 Metodologia ............................................................................................      40

3.3 Alcances, limitações e desafios de uma experiência em Arqueologia
     pública ..................................................................................................   57

3.3.1 Análise dos desenhos produzidos .......................................................                     57

3.3.2 Alguns desafios e limitações ...............................................................                62

Considerações finais .................................................................................            67

Referências .................................................................................................     69

Apêndices ...................................................................................................     76

Anexos ........................................................................................................   81
Introdução



       O presente estudo articula-se a uma pesquisa mais ampla, intitulada “O
Pampa Negro: Arqueologia da escravidão na região meridional do Rio Grande
do Sul (1780-1888)”, coordenada pelo Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira, desde
2009. Um dos principais objetivos do projeto é instituir uma linha de pesquisa
formal sobre a Arqueologia da escravidão na região meridional do Rio Grande
do Sul, especialmente em Pelotas, tendo em vista que esta cidade concentrou,
em alguns períodos do século XIX, a maior parte da população de escravos
africanos durante a expansão e desenvolvimento da indústria charqueadora 1.
       Foi a partir do Projeto O Pampa Negro, desenvolvido pela equipe
Laboratório Multidisciplinar de Investigações Arqueológicas (LÂMINA), do
Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), que surgiu o interesse em realizar intervenções nos moldes da
Arqueologia pública. Partindo desse pressuposto, foram pensadas duas formas
de ação. A primeira compreende um trabalho com as comunidades do entorno
do Sítio arqueológico através de etnografia, enquanto que a segunda forma de
ação visa o trabalho com as escolas circundantes ao Sítio. O recorte de
realidade a que se refere o presente trabalho de conclusão de curso
compreende justamente essa segunda vertente nos moldes da Arqueologia
pública. É concretamente através de atividades desenvolvidas com estudantes
do 4º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual de Ensino Fundamental

1
   Foi graças a este projeto que obtive a Bolsa de Iniciação Científica, financiada pela
FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul) durante o
período 2010/2011, o que me permitiu participar com mais fôlego na pesquisa e mais
diretamente no tema.
Incompleto Sagrado Coração de Jesus (E.E.E.F.I.S.C.J.), situada nas
proximidades2 da Charqueada Santa Bárbara, que lançaremos mão desse
enfoque.
       Feitos estes esclarecimentos iniciais a respeito da pesquisa mais ampla,
onde se insere o presente projeto, é importante destacar quais os objetivos que
norteiam este trabalho de conclusão e de que forma ele foi realizado. Nesse
sentido, é mister afirmar que nosso projeto se baseia nas premissas da
Arqueologia pública. Sendo assim, o que se busca aqui é demonstrar que é
imprescindível ponderar que os arqueólogos têm a incumbência de não ficarem
restritos às suas instituições de trabalho. Segundo Renfrew & Bahn:

                        os arqueólogos têm o dever, tanto a seus colegas, como a seu
                        público em geral, de explicar o que fazem e por quê. Isto significa,
                        sobretudo, a publicação e difusão de seus conhecimentos de forma
                        que os outros investigadores disponham dos resultados e o público,
                        que geralmente pagou pelo trabalho, ainda que indiretamente, possa
                                                                    3
                        desfrutá-los e compreendê-los (2007, p. 504) .

       Diversas experiências de arqueólogos têm mostrado que o envolvimento
das comunidades é fundamental, sendo que “a razão última para nossa ação é
trabalhar para e com tais públicos” (FUNARI; OLIVEIRA; TAMANINI, 2008, p.
131). Com o objetivo de buscar a inserção das comunidades em nossa
pesquisa é que se estrutura esta monografia.
      A análise do surgimento da Arqueologia pública nos remete à importância
da participação destas populações como agentes ativos ao longo dos
processos de investigação arqueológica. Todo esse trabalho visado pela
Arqueologia pública e comunitária busca permitir “o entendimento dos
sentimentos e interpretações das comunidades diante das pesquisas”
(FERREIRA, 2011, p.30), viabilizando sentimentos de pertencimento, tendo em
vista que o patrimônio cultural pode ser visto como uma gama de
representações e ligações entre o passado e o presente.
       O que se pretende aqui é compreender quais eram as ideias dos alunos
a respeito de Arqueologia, História e Patrimônio Cultural anteriormente às
2
  A Escola está sediada no que anteriormente fora uma casa de residência na Rua Anchieta nº
812, que foi adaptada para comportar a Escola, e dista 650m do prédio remanescente da
antiga Charqueada Santa Bárbara. Devemos salientar que, no geral, seus alunos são oriundos
de famílias de baixa renda.
3
  Todas as traduções foram feitas pela autora.


                                                                                         12
atividades e o que se pode perceber ao final dos encontros. Neste momento,
as análises a respeito das percepções e representações dos alunos e alunas
sobre o passado escravista pelotense não puderam, por estarmos ainda no
início do trabalho, ser aprofundadas. Tal análise será realizada num segundo
momento, ao trabalhar com outras escolas, pois durante as atividades com os
alunos da E.E.E.F.I.S.C.J. a questão escravista não foi contemplada pelos
alunos. Percebemos que eles se fixaram mais sobre os temas que envolvem
representações diversas do patrimônio, conforme o concebem, além da
Arqueologia e o cotidiano do trabalho arqueológico. Visa-se, então, entender de
que forma se dá a representação de Arqueologia, quais são os elementos que
emergem nos trabalhos realizados com os alunos e a eficiência dessas
iniciativas.
       Cabe aqui explicitar o modo através do qual desenvolveremos tal
imersão. Como objetivo geral, esta monografia pretende analisar as
percepções dos alunos do 4ª ano do Ensino Fundamental acerca de temas que
envolvem: o que é Arqueologia, o que faz um arqueólogo e o que consideram
patrimônio cultural. Para tanto, foi necessário partir de dois objetivos
específicos. Em primeiro lugar, analisou-se a historiografia regional e local
sobre a escravidão, principalmente no estado do Rio Grande do Sul e Pelotas,
além do processo de formação da referida cidade e da antiga Estância Santa
Bárbara. Em seguida, foi feita, também, uma revisão bibliográfica a respeito de
Arqueologia pública.
       Com efeito, será necessário abordar, no primeiro capítulo desse trabalho
de conclusão, uma síntese historiográfica visando trazer elementos a respeito
da formação de Pelotas, retomando a historiografia sobre a escravidão na
cidade, assim tratando sobre o trabalho nas charqueadas e, principalmente,
traçando um histórico da charqueada em foco, antiga Estância Santa Bárbara.
Além disso, buscarei igualmente discutir a relação entre o que a historiografia
produz, ou seja, o que sai da academia e o que chega às escolas e de que
forma são absorvidos tais conhecimentos pelos alunos.
       No segundo capítulo, trarei os conceitos deste estudo. Sendo assim,
buscarei analisar o surgimento do campo da Arqueologia pública, em meio a



                                                                             13
qual cenário é concebido e quais são os interesses que o permeiam. Além
disso, aqui se buscará tratar sobre as formas pelas quais o campo de estudo
foi se desenvolvendo com o passar do tempo e quais são os instrumentos em
que ele tem se apoiado desde seu início até atualmente.
      O terceiro capítulo reunirá os elementos empíricos deste trabalho. Sendo
assim, apresentarei o projeto de intervenção realizado com duas turmas de 4º
ano do Ensino Fundamental na E.E.E.F.I.S.C.J. Além disso, discutirei os
resultados obtidos com o projeto através de desenhos que foram realizados
pelos alunos, apresentando os elementos referentes a sua concepção de
Arqueologia e percepção do patrimônio cultural. Por fim, tecerei algumas
considerações finais a fim de discutir a eficácia deste tipo de projeto de
intervenção e o papel do pesquisador para com as comunidades.




                                                                            14
1 As charqueadas pelotenses: historiografia e escravidão



       Falar da história e da formação social de Pelotas é falar de charqueadas,
de gado, de sal e, sobretudo, de escravidão. O que é recorrente em boa parte
da aproximação que se faça sobre esse tema. Todavia, desde que comecei a
tomar contato com este assunto, ainda nos tempos de ensino fundamental,
recordo-me de uma questão que me inquietava. Por que razão nossos livros
didáticos, ao falarem da escravidão no Brasil, pouco ou quase nada
mencionavam a respeito do modo como esse processo se desenvolveu no Sul
do Brasil?
       Lembro das aulas de história e de como a questão da escravidão se
resumia a uma associação imediata com os grandes ciclos econômicos do
nordeste e sudeste (açúcar e café especialmente), mas raramente se fazia
alusão a outros vínculos igualmente importantes, como o caso do apogeu da
produção saladeril no Rio Grande do Sul. Que fatores conspiram para
conformar um quadro que permanece até hoje no ensino da história local?
Ainda criança lembro, também, de meus pais comentarem um outro fato que
me parece igualmente intrigante. Na Pelotas dos grandes casarões, da
aristocracia do charque4 e da opulência, vicejam imagens iconográficas dos
que construíram essa riqueza e a história política desta cidade, traduzidas em
estátuas como as do maragato, do colono, dos grandes personagens, mas,
paradoxalmente, a única referência ao negro se resume ao negrinho do
pastoreio referida na clássica obra de João Simões Lopes Neto (NETO, 1998).
Há, por certo, razões que contribuem para que essa realidade se apresente, as


4
 Carne salgada em mantas produzida nas charqueadas – estabelecimentos associados com
estâncias destinadas à pecuária – onde se extraíam diversos produtos, dentre eles o charque,
sebos, couros secos, línguas, chifres, cascos, graxas, ossos queimados, etc.
quais, não obstante sua importância para compreender o quadro social de
Pelotas, ultrapassam, em muito, os limites desse trabalho.
       Esta seção tem como ponto de partida esse aspecto, assim como outras
questões que pretendo desenvolver simultaneamente à tarefa de analisar a
produção historiográfica sobre escravidão no Rio Grande do Sul, e,
principalmente, em Pelotas. Os primeiros trabalhos historiográficos que
decidiram abordar o cotidiano da sociedade escravista são apontados por
Maestri (2006), sendo escritos no século XIX, especialmente por memorialistas
locais e viajantes5. Tradicionalmente, boa parte dos rio-grandenses aponta os
louros da história do Estado como sendo fruto do esforço do trabalhador livre
(especialmente luso-brasileiros e ítalo-germânicos) (MAESTRI, 2006, p. 222).
Isso se deve, principalmente, “à construção idealizada do passado rio-
grandense”     (SANTOS,       1991,     p.   131),   através     das    primeiras    obras
historiográficas que enalteciam a participação do homem-livre e se baseavam
em ideias cientificistas, positivistas, e de determinação da sociedade pelo meio
e pela raça (MAESTRI, 2006, p. 223). Fato este que se percebe, por exemplo,
em narrativa da viagem de Auguste de Sant-Hilaire em 1821, onde diz que “os
negros são naturalmente pouco ativos, quando livres só trabalham o suficiente
para não morrerem de fome” (apud MAESTRI, 2006, p. 227). Porém, até
mesmo o naturalista francês mudou um pouco de opinião, segundo Maestri
(2006), ao ver o “trabalho com rudeza” dos cativos que trabalhavam nas
charqueadas do Sul.
       Nesse sentido, é interessante apontar a posição de Dreys quanto ao
trabalho na charqueada. Para este viajante francês, o trabalho mais exigente
não era “pesado”. Ali os negros seriam bem vestidos e alimentados – ou seja,
bem tratados –, sendo apenas obrigados a ter um bom comportamento e a um
serviço “usual”. Sendo assim, Dreys defendia a escravidão num intuito de livrar
o cativo de entregar-se “às misérias e aos vícios” (apud MAESTRI, 2006, p.
228). É claro que devemos ter em mente que estes relatos são marcados por
toda uma conjuntura. Porém, apesar de termos de ponderar todas essas

5
 Destes trabalhos do século XIX, destacam-se: Anais da Província de São Pedro por José
Feliciano Fernandes Pinheiro, em 1819; Memórias ecônomo-políticas sobre a administração
pública do Brasil, por Antônio José Gonçalves Chaves, em 1822; Notícia descritiva da
Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, por Nicolau Dreys, em 1839; além da obra do
naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em sua Voyage à Rio Grande do Sul (Brésil), de
1821.

                                                                                         16
questões, devemos perceber o quão importantes foram essas obras e o quanto
contribuíram para podermos lançar mão de alguns aspectos importantes de
outrora que são abordados por estes escritores.
       Maestri elenca autores6 que fazem parte do que ele chama de “A
Geração de 1880”, marcados pelo determinismo geográfico e racismo científico
e que assinalam nesse momento o surgimento de uma “narrativa orgânica”
sobre a formação social sulina (2006, p. 229). Já no início do século XX, são
importantes para compreender essa linha tradicional-conservadora, os
intelectuais Rubens de Barcellos e Jorge Salis Goulart, que, a partir de suas
obras Esboço da formação social do Rio Grande do Sul, de 1955, e A formação
do Rio Grande do Sul, de 1927, mantêm a posição tradicional a respeito da
sociedade rio-grandense, afirmando sua pureza étnica e origem latifundiário-
pastoril, com destaque à participação dos imigrantes na formação social do
Estado. É elucidativa essa posição no livro de Goulart, pois ele retoma “os
mitos da democracia e produção pastoril sem trabalho, aos quais agregou a
proposta do caráter benigno da escravidão do destino excelente do Sul devido
à ‘pureza étnica’” (MAESTRI, 2006, p. 235).
       Um giro foi dado na produção historiográfica a respeito da escravidão no
Rio Grande do Sul a partir das décadas de 1960 e 1970. Nesse contexto,
merece destaque a tese de Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e
escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio
Grande do Sul, publicada em 1962. O autor buscou realizar uma crítica aos
trabalhos precedentes, assim como destacar a importância da escravidão no
Estado, criticando a “democracia pastoril” e a visão tradicional da “escravidão
benigna” (MAESTRI, 2006, p. 239). Porém, segundo Maestri, a mudança
substancial se deu a partir da década seguinte (1970). Nesse momento, além
da transformação na ótica da escravidão, este mesmo tema passa a crescer na
historiografia brasileira, embora alguns, no Rio Grande do Sul, ainda se
utilizassem da historiografia tradicional7.

6
  São eles: Alcides Mendonça Lima (História Popular do Rio Grande do Sul, de 1882); Joaquim
Francisco de Assis Brasil (História da república rio-grandense, de 1882); e João Cezimbra
Jacques (Costumes do Rio Grande do Sul, de 1883).
7
  Fazem parte desse conjunto, trabalhos como os de Cláudio Moreira Bento, O negro e
descendentes na sociedade do Rio Grande do Sul de 1976; Verônica Aparecida Monti, O
abolicionismo: sua hora decisiva no Rio Grande do Sul – 1884, de 1978; Margareth Bakos, Rio
Grande do Sul: escravismo e abolição, de 1982. Este último se filia à nova historiografia.

                                                                                        17
A partir desse entendimento, é necessário deixar claro que neste
trabalho serão analisados os estudos realizados a partir da nova abordagem a
respeito da escravidão. Esta nova ótica dá lugar à compreensão de que os
escravos, africanos ou afrodescendentes, exerceram relações socioculturais
com seus opressores e que este contato não se deu no âmbito da passividade
dos cativos, mas, sim, auxiliaram a compor a sociedade gaúcha. Se atentarmos
ao que vem sendo produzido na historiografia desde 1980, notaremos que são
recorrentes os trabalhos acadêmicos sobre o campesinato negro, família,
cultura escrava, espaços de autonomia econômica dos cativos, as relações
existentes entre senhores e escravos, diversos tipos de irmandades, laços de
parentesco, organização do trabalho, práticas religiosas, etc. Além disso, já
vêm sendo abordados há bastante tempo temas como políticas cotidianas,
revoltas, protestos e resistência dos escravos. Mais recentemente, alguns
estudos demonstram de que forma os escravos reagiam à lógica repressiva de
dominação senhorial e quais foram os seus efeitos na dinâmica social.
       Nos últimos anos, têm surgido diversas pesquisas que abrangem temas
como sexualidade, demografia, trabalho urbano e rural, ocupação dos
escravos, etnias, laços familiares e cotidiano dos escravos do Rio Grande do
Sul8. Já a resistência escrava é tratada pela historiografia desde a década de
19709, incorporando as fugas, os quilombos, os esconderijos urbanos, etc. Em
Pelotas, tais temas também são recorrentes. Nota-se o considerável aumento
dos estudos referentes ao trabalho escravo nas charqueadas, destacando os
elementos políticos, sociais e econômicos da escravidão, além do trabalho
escravo não somente no espaço rural, mas nos complexos fabris e, também,
construção dos casarões da cidade10. Atualmente, as pesquisas a respeito da
escravidão vêm crescendo consideravelmente. Fato este que faz com que seja
tarefa árdua dar conta de toda historiografia e nos obriga a optar pelos estudos
mais relevantes ao nosso trabalho. Embora ainda sejam incipientes, a
relevância desses estudos é inquestionável. Principalmente, se tivermos em
8
   Eis algumas obras: Almeida (2002); Araújo (2011); Barcellos et alli (2004); Berute (2006);
Pessi (2008; 2011); Reis & Silva (1989); Scheffer (2011); Vargas (2011); Weimer (1991).
9
 Gorender (1980); Lima (1997); Maestri (1979a; 1979b; 1993); Moreira (2003a; 2003b); Reis
(1989); Santos (1991).
10
    Aguiar (2009); Al-Alam (2007); Arriada (1997); Assumpção (1991; 1995); Caldeira (1992);
Dalla Vechia (1994a; 1994b; 1994c; 1997); Gutierrez (2001; 2004); Maestri (1984); Mello
(1994); Ognibeni (2005); Pessi (2008a; 2008b, 2009a; 2009b); Piccolo (1997); Recondo (1995);
Simão (2002).

                                                                                          18
mente o contexto local e a importância que o uso do braço negro teve para a
formação da cidade de Pelotas.


1.1 A origem do núcleo charqueador pelotense

                        A ocupação dessa coxilha não resultou como de praxe na época, de
                        empreendimentos militares ou de ocupação do solo pela colonização,
                        com objetivos de garantir a posse portuguesa do extremo sul do
                        Brasil, mas antes de uma íntima ligação com a atividade pastoril e,
                        mais particularmente, com o fabrico do charque. (DOS ANJOS, 2000,
                        p. 28)

       É impossível pensar na escravidão no Rio Grande do Sul sem relacioná-
la com a expansão da cultura charqueadora, concentrada principalmente na
região meridional do Estado. O centro charqueador pelotense estava localizado
às margens da rede fluvial da região, composta principalmente pelos arroios
Pelotas e Santa Bárbara e o canal São Gonçalo. Embora a província tenha tido
uma ocupação tardia – pois aparentemente por determinado período não
possuía atrativos à política econômica colonialista (ASSUMPÇÃO, 1991, p.
118) –, desde o século XVI já era motivo de disputas entre as Coroas Ibéricas,
sobretudo no que diz respeito à demarcação das fronteiras. É um marco nesse
contexto o Tratado de Madrid11 (1750), onde Portugal e Espanha acordam que:

                        Portugal cedia para sempre à coroa da Espanha a Colônia do
                        Sacramento e o seu território adjacente, na margem setentrional do
                        rio da Prata, e as praças, portos e estabelecimentos que se
                        compreendessem na mesma margem. A navegação do rio da Prata
                        ficaria também pertencendo, privativamente, à Espanha. Pelo artigo
                        XIV, a Espanha cedia a Portugal tudo o que por parte dela se achava
                        ocupado, desde o monte de Castilhos Grande até as cabeceiras do
                        rio Ibicuí, compreendidas todas e quaisquer povoações situadas entre
                        a margem setentrional do rio Ibicuí e a oriental do rio Uruguai.
                        Esse artigo XIV declara, pois, que passaria ao domínio português
                        todo o território das Missões Orientais do Uruguai, fundadas pelos
                        jesuítas, [...] a forma de entrega foi feito no artigo XVI, [...] sairão os
                        missionários com todos os móveis e efeitos, levando consigo os
                        índios para os aldear em outras terras da Espanha [...]. (CESAR apud
                        GUTIERREZ, 2001, p. 41)

       A região passou a despertar grande interesse a partir da segunda
metade do século XVIII, devido, principalmente, a seus aspectos geopolíticos e
econômicos. Foi neste contexto, e principalmente após a assinatura do Tratado

11
   Além do Tratado de 1750, o Tratado de Santo Ildefonso (1777) é essencial para
compreender a estabilidade dos conflitos entre lusitanos e espanhóis, tendo em vista que
acertava a situação pendente da Colônia do Sacramento, que passaria então, a fazer parte da
Coroa espanhola (GUTIERREZ, 2004, p. 41).

                                                                                                19
de Santo Ildefonso (1777), que se iniciam as doações de sesmarias na região,
fator que estimulou a exploração da atividade pecuarista. A região na qual se
insere a atual cidade de Pelotas compreendia na época sete propriedades
(Feitoria, Pelotas, Monte Bonito, Santa Bárbara, São Tomé, Santana e Pavão)
(GUTIERREZ, 2001, p. 54) (Fig. 1).
       Como se pode perceber, o que ocorreu nesta região foi a ocupação de
vastas extensões de terras através de poucos proprietários (os estancieiros)
com objetivo de criar rebanhos bovinos. Dessa forma, é necessário
compreender o destaque que recebe a atividade pecuarista nestas e em outras
propriedades (ARRIADA, 1994). Segundo Arriada, é a estância que vai marcar
um dos aspectos fundamentais na economia do Estado (1994, p. 32). Estas
estâncias (de porte médio a grande) possuíam diversas instalações, como
“casa de charque, senzala, atafona12, cozinha, forno para pão, galpão, diversos
pátios, poços, pomar, jardim e uma cortina arbórea, circundados pelas
mangueiras e potreiros” (ARRIADA, 1994, p. 39).
       Originalmente o charquear era algo com um caráter muito mais artesanal
do que um empreendimento industrial13. O charque era um produto de
autoconsumo, destinado a satisfazer as necessidades proteicas dos habitantes
das estâncias. Como veremos a continuação, o “ciclo do charque” representa
um verdadeiro divisor de águas no processo que culminou no surgimento do
núcleo   urbano     pelotense.    Segundo     aponta    Maestri,    a   articulação   e
desenvolvimento gerado na região a partir da produção de charque se deve,
também, a fatores climáticos ocorridos no nordeste. Até as duas últimas
décadas do século XVIII (momento em que ocorrem diversas secas que levam
à estiagem e emagrecimento do gado nordestino) os salgadeiros cearenses
eram apontados como importantes fornecedores de carne-seca, tanto para o
mercado nacional como internacional. A partir dessa conjuntura, decai a
produção no nordeste, abrindo uma brecha para a entrada das carnes gaúchas
no mercado. Dessa forma, a transição que marca a passagem de um produto
artesanal para um artigo elaborado em larga escala, para a venda em
mercados tanto locais e regionais quanto longínquos, incluindo até mesmo o


12
  Moinho manual ou movido por força animal.
13
   Aqui, utilizamos o termo “industrial” com o objetivo de enfatizar a transformação dos
estabelecimentos saladeris em empresas voltadas para a comercialização em larga escala.

                                                                                      20
exterior, coincide com as grandes transformações que se assiste desde o final
do século XVIII e início do século XIX nesta região (e também no nordeste), até
então dominada pela produção de grandes rebanhos bovinos. Mas há um outro
aspecto que deve ser destacado. É justamente nesse contexto que a figura de
Pinto Martins se torna emblemática.




Figura 1 – Mapa ilustrativo da localização das Charqueadas. Fonte: Elaborado pela autora a
partir de Gutierrez (2001).


       Segundo diversos autores (GUTIERREZ, 2001; OGNIBENI, 2005;
MAESTRI, 1984), foi por volta de 1780 que o comerciante português José Pinto


                                                                                       21
Martins, que vivia no Ceará e dedicava-se ao fabrico de carne seca (e, ao que
parece, vinha fugindo das constantes secas do final da década de 1770),
instala-se às margens do arroio Pelotas, na sesmaria do Monte Bonito. O
consenso em torno à figura de José Pinto Martins enquanto inaugurador da
atividade saladeril e o surgimento do que viria a ser Pelotas é objeto de
controvérsia. A meu ver, dessa controvérsia derivam três posições bastante
claras.
          A primeira delas assume como premissa que efetivamente foi Pinto
Martins que cria o estabelecimento do gênero em 1780, como também se torna
responsável pela fundação de Pelotas. Em certa medida essa posição é
manifestada por João Simões Lopes Neto na “Revista do 1º Centenário de
Pelotas”, de 1911, a que consagrou essa assertiva a respeito de José Pinto
Martins. A segunda delas, preconizada por Monquelat & Marcolla (2010)
considera que foi justamente essa obra (de 1911) a responsável por apresentar
sem questionamentos o suposto pioneirismo de Pinto Martins. Estes autores
reforçam sua posição com base no fato de que nessa região já era produzido o
charque antes mesmo da vinda do comerciante português. Coincido com a
terceira posição, correspondente à obra de Maestri (1984) e Ognibeni (2005),
que parte do entendimento de que a importância da figura de Pinto Martins não
está no fato de inaugurar essa atividade, mas por convertê-la num
empreendimento em larga escala comercial. Segundo Maestri, “foi ele talvez o
responsável pela introdução da técnica de charquear como ato industrial no
Sul” (1984, p. 56, itálico no original), estruturando, desta forma, um sólido polo
escravista no Brasil meridional.


1.2 A charqueada como espaço de produção

          Este rincão no qual está situado Pelotas oferecia outrora as condições
necessárias para que se instalassem as charqueadas. Canais e arroios
recortavam estas terras, fato que as tornavam favoráveis à produção de
charque e outros produtos. Essa rede fluvial navegável permitia que em pouco
tempo se chegasse facilmente ao porto de Rio Grande para encaminhar o
charque para exportação.



                                                                               22
A produção do charque dependia diretamente das condições climáticas.
Dessa forma, era necessária a organização dos trabalhos conforme as
estações do ano, pois no momento de secagem nos varais o clima deveria ser
seco e quente para garantir a secagem. Sendo assim, o abate do gado ocorria
entre os meses novembro e maio (ARRIADA, 1994; GUTIERREZ, 2001;
MAESTRI, 1984; MARQUES, 1990; PESSI, 2008a; OGNIBENI, 2005)
          As charqueadas passaram por diversas fases ao longo dos séculos XVIII
e XIX. Desde as charqueadas mais antigas, até as mais modernas, ocorreram
diversas transformações tanto tecnológicas quanto funcionais. Com o passar
do tempo e com o aperfeiçoamento dos trabalhos nas charqueadas o que se
logrou atingir foi justamente o quase total aproveitamento dos animais.
          O modo artesanal realizado desde os primórdios na região consistia no
abate a céu aberto e preparo da carne em galpões rústicos, quinchados14 de
palhas. Os mesmos que abatiam os animais deveriam carneá-los, preparar as
carnes, salgar, preparar os couros, etc. (MAESTRI, 1994, p. 56). Maestri
aponta que provavelmente não existiam instalações específicas (1994, p. 56).
Nesse momento, com exceção do couro e da carne, quase nada era
aproveitado. Como se pode perceber, esses primeiros “galpões” para a
charquia eram extremamente simples e rústicos (ARRIADA, 1994, p. 55;
MAESTRI, 1984, p. 56).
          Ao longo do tempo, o espaço produtivo das charqueadas passa a sofrer
transformações estruturais. A partir de certo momento, principalmente início do
século XIX, o trabalho na charqueada passa a ser subdividido e especializado,
assim surgindo os diversos ofícios inseridos na produção charqueadora.
Segundo Marques, as dependências básicas de uma charqueada eram
compostas de um curral de encerra, seguido de brete de matança, cancha de
retalhamento, local de preparo e da salga das mantas, além de varais para
secagem, depósitos, graxeiras e das barracas onde os couros eram tratados
(MARQUES, 1990, p. 49).
          Boa    parte    da   bibliografia    (MARQUES,        1990;    MAESTRI,     1984;
GUTIERREZ, 2001) se baseia nos relatos de viajantes (como Dreys e Couty)
para explicitar o modo através do qual funcionavam as charqueadas e quais


14
     Cobertura de palha típica das construções; termo empregado por Maestri (1994).

                                                                                         23
eram as etapas da produção do charque. Sendo assim, para não tornar
extensa a explicação a respeito do passo-a-passo, farei uma síntese de tais
processos.
          A começar pela tablada, os charqueadores examinavam e negociavam
os animais. Então, ao cabo das transações seguia-se para as mangueiras das
charqueadas. Somente no outro dia se daria início aos trabalhos de fato. Os
animais então eram conduzidos para o brete, que possuía piso de tijolos ou de
madeira, propositalmente inclinado de forma a desestabilizar o animal e facilitar
o abate. A partir de então, toma posição o “laçador” que, sobre uma plataforma
de madeira, laçava o animal, estando este laço ligado a uma roldana que
levaria o animal até o final do brete. Aqui então, na zorra, o “matador” ou
“desnucador” abatia o animal com um estilete de ferro na nuca (MAESTRI,
1984, p. 66-67; MARQUES, 1990, p. 49; GUTIERREZ, 2001, p. 187). Depois
de abatido era transferido para a cancha.
          Segundo Maestri, a cancha era o “coração da charqueada”, pois era nela
que a maior e mais importante parte do procedimento ocorria (1984, p. 67). Na
cancha o animal tinha, primeiramente, seu couro retirado pelo charqueador;
logo seria sangrado. A partir de então, seus membros seriam retirados e
juntamente com as mantas de carne seriam levados a um galpão próximo. Já
os ossos, cabeça, vísceras, e demais restos seriam utilizados na produção de
cinzas, sebos e graxas. O início da produção do charque em si se dá a partir do
charquear, que consiste justamente em cortar as carnes em pedaços de
espessura uniforme (em torno de 1,5cm), e realizar a laniage15, que permitirá
que as mantas absorvam o sal profundamente (MAESTRI, 1984, p. 67).
          Após realizarem-se estes procedimentos, dá-se início ao processo de
salga. Em mesas específicas, as mantas de carne são cobertas de sal e
levadas para as pilhas sob a proteção de galpões. A carne permaneceria
empilhada em média dois dias para então ser estendida. Ao ser retirada,
passariam pela salmoura para que saíssem as mais grossas partículas do sal.
Feito isso, a carne era disposta em varais, onde as carnes permaneceriam
entre 5 e 6 dias com tempo favorável, quando então estariam secas. Assim,




15
     “Incisões profundas e paralelas, de 5 a 15cm” (MAESTRI, 1984, p. 67).

                                                                              24
aguardariam apenas o embarque próximo, estando já o charque pronto
(MAESTRI, 1984, p. 68).




Figura 2 – Vista frontal da residência de Antônio José Gonçalves Chaves (atual Charqueada
São João) pela margem direita do Arroio Pelotas (foto). Autor desconhecido, s/d. Fonte:
http://proprata.com/colonizadores-europeus.


       Foi somente essa produção em larga escala visando a exportação que
levou ao aperfeiçoamento da técnica de preparo e do sistema charqueador. A
partir desse momento, a produção foi organizada de forma nunca vista antes16.
Assim, passou a existir um aproveitamento quase que completo do animal;
comercializou-se assim, não somente o couro e o charque, mas sebo, graxa,
ossos queimados, chifres, pelos, etc. Nicolau Dreys noticia em seu relato
aspectos referentes ao aproveitamento do animal:

                       Os ossos, a cabeça e as extremidades são metidas numa caldeira
                       fervendo, para servirem, com os miolos e o tutano, à preparação da
                       graxa que se encerra depois na bexiga e nos grossos intestinos para
                       ser entregue ao comércio.
                       O peritônio, o epiploon e outras partes cebáceas são socadas para
                       comporem uns pães de cebo grosseiros que se vendem neste
                       estado.


16
   A respeito da organização do processo produtivo das charqueadas existem dois relatos
extremamente interessantes, que são os de Nicolau Dreys (1839) e Louis Couty (1880).

                                                                                       25
O couro estaca-se no chão para secar, dando-se-lhe o competente
                     declívio para deixar correr as águas; do modo de o estacar, dobrar e
                     conservar depende seu preço no mercado (DREYS apud ARRIADA,
                     1994, p. 55 – conforme original).

      De qualquer forma, Marques (1990) aponta que as principais
modificações entre as charqueadas antigas e as modernas relacionaram-se
com o aproveitamento integral dos subprodutos da produção, e, principalmente,
com o aperfeiçoamento e divisão dos ofícios.



1.3 O escravo e a produção de charque

                                                    Huma charqueada bem administrada
                                                     é um estabelecimento penitenciário
                                                  (DREYS apud MARQUES, 1990, p. 39).

      O ciclo de mudanças que convergiu na transição para os grandes
estabelecimentos saladeris gerou um acúmulo significativo de capitais que foi
responsável por criar as condições necessárias para que ocorresse um rápido
processo de urbanização (ARRIADA, 1994, p. 47). Anteriormente, como aponta
Maestri, a agricultura gaúcha e as charqueadas primitivas não proporcionavam
as bases para a emergência de uma plantação de natureza escravista. Nesse
sentido, “a baixa rentabilidade permitia aos agricultores mais felizes comprar,
com muita economia, um ou mais escravos, mas era só” (MAESTRI, 1984, p.
49). Foi, então, a “nova” charqueada, a responsável pela estruturação desta
sociedade escravagista dominada pela aristocracia do charque (ARRIADA, p.
47; MAESTRI, 1984, p. 54). A partir dessas transformações é que se
apresentou um grave problema relacionado com a força de trabalho requerida
para o fabrico do charque, em que pese a incessante expansão do comércio e
a necessidade de dispor de meios para adquiri-los.
      O trabalho nas charqueadas era extremamente duro, exigindo um ritmo
acelerado ligado a condições deletérias. Dessa forma, “não constituía atrativo
para os homens brancos, nem mesmo para aqueles que não possuíam terras e
eram sumamente pobres” (MARQUES, 1990, p. 103). Sendo assim, não havia
outra opção a não ser recorrer ao trabalho escravo. Segundo Maestri, “durante
mais de 100 anos, esta atividade apoiou-se sobre as costas e suor anônimo do
trabalhador negro escravizado” (1993, p. 39). É possível perceber que o

                                                                                      26
escravo foi, durante todo o período de produção exponencial da charqueada, o
motor que movia as engrenagens desta imponente máquina de charquia, pois
até o final da escravidão em Pelotas (1884), foi o negro escravizado que,
trabalhando na charqueada, sustentou a economia da região.
       O escravo, por muito tempo, foi visto como um bem de consumo. O que
se pretendia não era a longa vida do cativo, mas explorar dele todo o trabalho
possível e substituí-lo por outro. Como afirma Maestri (1993, p. 41), “[...] sob o
incentivo do ‘bacalhau’ dos feitores – no Sul chamados de capatazes – e de
pequenos goles de aguardente, o negro literalmente desfalecia de cansaço e
de sono em seu posto de trabalho”. As charqueadas possuíam de 30 até 150
cativos, tendo, em média, de 60 a 90 escravos (GUTIERREZ, 2001, p. 91;
MARQUES, 1990, p. 107; OGNIBENI, 2005, p. 73; PESSI, 2008a, p. 29). Estes
números variavam conforme o poder aquisitivo do charqueador e tamanho do
estabelecimento.
       Era justamente a intensa exploração do cativo nas charqueadas que
tornava a aquisição de novos escravos algo inevitável. E é nesse contexto que
o tráfico transatlântico se torna viável e estável (BERUTE, 2006; PESSI,
2008a). Segundo o censo de 181417, podemos perceber que os grandes
números coincidem. Nele, aparece que de um total de 2.419 habitantes em
Pelotas, cerca de 51% são escravos (1.226). É similar ao percentual que se vê
em 1833, quando a população escrava atinge 52% (5.169) de um universo de
9.860 indivíduos.
       Ao analisar a historiografia sobre a participação de escravos nas
charqueadas pelotenses, perceberemos que se destacam estudos sobre
demografia, num intuito de compreender principalmente valores proporcionais
da população (sexo, idade, origem, relação de africanos, crioulos e ladinos,
etc.)18. A questão da origem dos escravos é apresentada como um problema à
boa parte da historiografia gaúcha, principalmente devido à forma pela qual se
deu o tráfico transatlântico. A África é um continente de extensas proporções

17
   Dados retirados da publicação de 1981 da Fundação de Economia e Estatística, intitulada
“De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul (censos do RS: 1803-1950)”.
18
   Dentre esses estudos, saliento o de Gabriel Berute, “Dos escravos que partem para os
portos do Sul: características do tráfico negreiro do Rio Grande de São Pedro do Sul, c. 1790 -
c. 1825”, de 2006; Bruno Pessi, “O impacto do fim do tráfico na escravaria das charqueadas
pelotenses (C. 1846 – C. 1874)”, de 2008; Thiago Araújo, “Novos dados sobre a escravidão na
Província de São Pedro”, de 2011.

                                                                                            27
composto por grupos culturalmente diversificados. Com o comércio de
escravos o que ocorreu foi uma reconfiguração no próprio sistema dessas
populações multiculturais, acarretando uma perda de identidade19. É claro que
existem diversos registros nos quais constam diferentes etnias. Porém, boa
parte da historiografia faz uma ressalva: não se deve confiar completamente
em tais registros (MAESTRI, 1984, 1993; BERUTE, 2006). Isso se deve ao fato
de que nem sempre o registro representa a origem do escravo, mas pode fazer
menção ao local (porto) onde foi embarcado. São frequentes apontamentos
referentes a etnias que foram registradas dentre os escravos no Rio Grande do
Sul, tais como: Angola, Ambaca, Benguela, Cassanje, Congo, Cabundá,
Ganguela, Gege, Mangombe, Messambe, Mina, Moçambique Monjolo,
Mongolo, Mohumbe, Nagô, Quissamba, Rebolo, Songo, etc. (MAESTRI, 1984,
p. 100-104; BERUTE, 2006; ASSUMPÇÃO, 1991; FAUSTINO, 1991).
       Em sua dissertação de mestrado, Gabriel Berute (2006) faz uma análise
das características do tráfico negreiro pra o Rio Grande de São Pedro do Sul.
Utilizando-se das guias de transporte de escravos e os códices da Polícia da
Corte do Rio de Janeiro, traz dados referentes à sazonalidade do comércio
escravo, além de elementos demográficos e referências às origens e portos de
embarque (Fig. 3). Dos 3.294 cativos traficados entre os anos 1788-1802,
apenas de 3% não se logrou obter informação sobre procedência. Ele aponta
que, dos escravos traficados entre os períodos 1788-1802 e 1809-1824 que
possuíam origem informada, o número de africanos cresceu significativamente.
Enquanto entre os anos de 1788 e 1802 o percentual de africanos gira em
torno de 88% (2.845) contra 12% (376) de crioulos, durante o segundo período
abordado (1809-1824) o número de africanos é ainda maior, passando a
constar 95% (6.648), havendo apenas 5% (336) de crioulos registrados.




19
   Aqui nos referimos à perda de identidade acarretada pela mudança de nome e ruptura com
seu lugar de origem em que pese que todos eram vistos meramente como escravos, sem levar
em consideração sua etnia, seus sistemas de crenças, sua origem, entre outros aspectos
através dos quais se conforma a própria identidade. Ao desembarcar no Brasil, a maior parte
dos africanos era reconhecido como “de Nação” ou “africano” (MAESTRI, 1984, 1993;
ASSUMPÇÃO, 1991).

                                                                                        28
Naturalidade dos escravos traficados
                                                     6648
            7000
            6000
            5000
                          2845
            4000
            3000
            2000                    376                     336
                                            73
            1000
               0
                           1788-1802                 1809-1824

                        Africanos         Crioulos   Sem informação

      Figura 3 – Naturalidade dos escravos traficados na Província de São Pedro do
      Rio Grande do Sul. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Berute (2006, p. 51).



      No que diz respeito à faixa etária e sexo dos escravos, é apresentado
pela historiografia a preferência dada aos cativos do sexo masculino em idade
produtiva (GUTIERREZ, 2001; PESSI, 2008a; BERUTE, 2006, MAESTRI,
1984; ASSUMPÇÃO, 1991). Sendo assim, a faixa etária dos cativos varia
conforme o tipo de serviço que estes desempenham. Por exemplo, nas
ocupações domésticas a preferência é dada a mulheres, crianças e idosos.
Nos estudos realizados, a preponderância masculina ultrapassa os 70%,
justamente pela necessidade de força física no preparo do charque, tendo em
vista o quão pesado era este serviço.
      Dos cativos que trabalhavam na charqueada, mais da metade são
apontados    como       sendo       especializados    numa        determinada     atividade
(GUTIERREZ, 2001, p. 91). Pessi, em sua monografia, analisando os
inventários post-morten de Pelotas, separa os variados ofícios em três grupos
(Fig. 4), quais sejam os serviços de charqueada, serviços do campo e lavoura
e, por fim, os serviços domésticos (2008a, p. 53). Dentre os principais ofícios
que   envolviam     o    ato    de     charquear,    destacam-se       os    carneadores,
desnucadores, salgadores, graxeiros, sebeiros, chimangos, charqueadores,
aprendizes e tripeiros (GUTIERREZ, 2006, p. 253). Além desses, também
constam os serviços de marinheiros e carroceiros, pedreiros, carpinteiros,
campeiros (PESSI, 2008a, p. 53-54). Já aqueles que se dedicavam ao trabalho

                                                                                          29
no campo e na lavoura, destacam-se os campeiros e roceiros. Dos serviços
domésticos, aparecem com frequência os cozinheiros(as), lavadeiros(as),
costureiros(as), mucama, ama-de-leite, “de todo serviço”, etc. (PESSI, 2008a,
p. 54).



                          Divisão dos escravos por ocupação

                                         20%


                                 22%                         58%




              Serviços de charqueada   Serviços de campo e lavoura   Serviços domésticos



           Figura 4 – Divisão dos escravos por ocupação. Fonte: Elaborado pela autora
                                   partir de Pessi (2008a, p.54).



          Tendo em mente que Pelotas, como outras regiões charqueadoras,
possuía grandes concentrações de escravos, o medo da insurreição era
incessante. Sendo assim, as sociedades escravocratas que aqui se
constituíram foram extremamente rígidas garantindo a disciplina através do
completo controle da vida do escravo (MARQUES, 1990, p. 105; MAESTRI,
1984, p. 76). Embora boa parte da bibliografia afirme que a elite escravocrata
tenha obtido meios de limitar a liberdade dos cativos, seja através da disciplina,
vigilância ou até mesmo de punição, os escravos também lograram formas de
resistir, tanto através de fugas ou aquilombamentos, como a partir de ações de
criminalidade ou violência (MAESTRI, 1984, 1993; SIMÃO, 2002). Além disso,
são apontados também as formas de resistência: assassinatos, suicídios,
furtos, agressões, transgressões das normas, etc.
          Boa parte da historiografia aponta o Rio Grande do Sul como um lugar
diferenciado no que diz respeito às fugas. Aqui, o sonho do escravo estaria na




                                                                                           30
transposição da fronteira, na ida ao Uruguai, onde seria livre20. Como apontam
Reis & Silva, “o grande obstáculo às fugas era a própria sociedade escravista,
sua forma de ser e de estar, sua percepção da realidade, seus valores [...]”
(1989, p. 66). Outro ponto a ser destacado faz menção ao que os autores Reis
e Silva apontam como “quebra do paradigma ideológico”, demonstrando a
mudança da tendência às “fugas para fora”, para lugares de difícil acesso,
passando a ocorrer com mais frequência as “fugas para dentro”, quando as
fugas se voltam para o interior da própria sociedade escravista, principalmente
ao final do período escravocrata, já por volta de 1870 (1989, p. 71-72; MELLO,
1994). Mello (1994) aponta que as fugas eram mais frequentes nos meses de
novembro a maio nas charqueadas. Época esta que coincide justamente com o
período da safra do charque (MELLO, 1994, p. 118). O autor justifica tal
informação apontando que o trabalho na charqueada era para o escravo o que
havia de mais aviltante (MELLO, 1994, p. 119).
       Tais fatos atestam que a relação escravista não se deu de forma calma
e pacífica. Nesta concepção, a qual Al-Allam critica, só haveria lugar para a
resistência quase que exclusivamente por meio da violência. Caso contrário o
cativo seria destruído pelo senhor, tornando-se “aculturado” (AL-ALLAM, 2007,
p. 42). Porém, alguns autores (MELLO, 1994; REIS & SILVA, 1989) alertam
para outra questão, referente às práticas cotidianas de resistência dos
escravos que nem sempre eram percebidas por seus senhores. Dessa forma,
busca-se afirmar que a resistência poderia se dar de tal maneira que permitisse
certa flexibilidade ao escravo, como afirma Al-Allam (2007, p. 45), ao dizer:

                       A população negra escravizada construiu alternativas de vida,
                       conquistando pequenos espaços de autonomia econômica, social e
                       cultural, e suas ações – individuais ou coletivas – transformaram as
                       próprias relações de dominação a que estavam submetidos.

       Outra forma de resistência elencada é a que diz respeito às
manifestações culturais e religiosas, utilizadas para expressar-se em meio à
opressão daquela sociedade escravocrata. A partir da espiritualidade e das
apropriações de símbolos religiosos, os escravos logravam a manutenção de
sua identidade cultural, o que não quer dizer que abrissem mão de suas

20
   No Uruguai a escravidão foi abolida em 1842 através da Ley Nº 242 (Fonte: Presidencia:
República            Oriental         Del        Uruguay.         Disponível         em:
http://archivo.presidencia.gub.uy/_Web/ddhh/LEY242.htm).

                                                                                        31
próprias concepções. Diversos autores apontam essa prática como sinal de
resistência à concepção escravista (AL-ALLAM, 2007; DALLA VECHIA, 1994;
MELLO, 1994).
      Não devemos esquecer, também, que o cativo que tinha seu trabalho
explorado no preparo do charque não labutava somente na charqueada.
Diversos autores apontam que estes trabalhadores escravizados eram
rearranjados no período entressafra, seja em olarias ou em diversos ofícios
urbanos, isto é, os senhores realocavam seus escravos ou até mesmo os
alugavam durante a entressafra da produção do charque justamente para que
não obtivessem prejuízo (AL-ALLAM, 2007; ASSUMPÇÃO, 1991; GUTIERREZ,
2001; MAESTRI, 1984,1993; OGNIBENI, 2005; PESSI, 2008a). Sendo assim,
estes escravos conviviam em diferentes meios, com diversas pessoas das
camadas populares, sejam escravos, trabalhadores pobres livres ou ex-
escravos (AL-ALLAM, 2007, p. 48). Segundo o historiador Flávio Gomes,
embora não analisando especificamente o contexto gaúcho, os escravos não
estavam isolados dessa sociedade, mas viviam inseridos em todo esse
complexo (2003, p. 112). Sendo assim, o que existia era uma rede de
solidariedade.
      O esboço aqui resumidamente apresentado sobre a escravidão no Rio
Grande do Sul, Pelotas, e, especialmente nas charqueadas do final do século
XVIII e século XIX, intensificam a concepção de que os escravos não foram
meros bens de consumo utilizados por seus senhores para a produção
charqueadora. Mais do que isso, foram importantes atores que, embora
submetidos a essa opressora conjuntura escravista, lograram afirmar-se
culturalmente, tanto a partir de manifestações violentas, quanto através das
práticas cotidianas (nem sempre aparentes) de resistência e das apropriações
simbólicas. Assim, os escravos africanos e afrodescendentes adaptaram-se à
conjuntura na qual estavam subjugados, e, a partir de apropriações e diversas
transformações de suas raízes africanas, lograram criar novas identidades
culturalmente diversas.
      Passemos, agora, à discussão sobre Arqueologia pública, disciplina que
nos proporcionará investigar, no capítulo 3, as representações que os alunos
da E. E. E. F. I. S. C. J. têm sobre arqueologia e o cotidiano do trabalho
arqueológico.

                                                                           32
2 Arqueologia pública

      Elaborado a partir de uma nova visão sobre os papéis da ciência
arqueológica, o conceito de Arqueologia pública nos remete a uma
redundância, sendo esta intencional (CARVALHO e FUNARI, 2007). Aline
Carvalho e Pedro Paulo Funari destacam que, para boa parte dos defensores
da Arqueologia pública, “toda Arqueologia, independente de seu recorte
temático ou escolhas teórico-metodológicas, deveria ser, em essência, pública”
(CARVALHO e FUNARI, 2007, p. 133). Ao atentar para o conceito da
Arqueologia pública, vemos que é relativamente recente no que diz respeito ao
campo arqueológico. É a partir dos efeitos de determinadas circunstâncias no
âmbito das sociedades e das ciências, nas últimas décadas, que surgiu esse
campo, sendo fruto de toda uma conjuntura: as grandes transformações
ocorridas em meados do século XX, quando emergiam socialmente grupos que
até então permaneciam subalternizados, tidos como “minorias”.
      Nesse sentido, os movimentos empreendidos tanto pelos direitos civis
quanto pela emancipação feminina auxiliaram a fomentar essas ideias de
transformações em diversos setores e grupos da sociedade, como é o caso
das lutas pela liberdade política, social, religiosa, liberdade de opção sexual,
etc. Sendo assim, independente dos consensos (ou dos não consensos), é
importante perceber a Arqueologia pública como uma prática social engajada
que busca, primordialmente, a construção de diálogos a respeito de conceitos
(e campos) como o da própria Arqueologia, História, Patrimônio, Memória e
Identidades com as mais diversas comunidades.
      O primeiro aspecto importante a ser elencado diz respeito a qual público
se refere o termo. Em seu livro Public Archaeology, Nick Merriman aponta que
a noção de “público” leva a dois possíveis significados mais específicos do que
um mero “corpo coletivo de cidadãos”:
O primeiro é a associação da palavra ‘público’ com o Estado e suas
                    instituições (organismos públicos, edifícios públicos, escritórios
                    públicos, interesse público) que emerge na era de intensa formação
                    de Estados no começo do Período Moderno em diante. [...] O
                    segundo é o conceito de público como um grupo de indivíduos que
                    debatem questões e consomem produtos da cultura material, e cuja
                    reação informa sobre ‘opinião pública’ (MERRIMAN, 2004, p. 1-2,
                    destaque no original).


       Além disso, Merriman também atesta que tais afirmações a respeito da
suposição de que o Estado age em prol do interesse público, na verdade não
quer dizer que o público, incluindo as minorias, seja representado com
eficiência:

                    A suposição do Estado de que age pelo bem do interesse público
                    significa que interesses minoritários talvez não sejam representados
                    com eficiência e uma abordagem exagerada pode significar uma
                    perda do contato com os desejos do público diverso (MERRIMAN,
                    2004, p. 2).


       Dessa forma, a Arqueologia pública deve assegurar que o Estado leve
em conta as opiniões do público, sendo realizada de forma a prestar contas ao
público sobre suas ações (MERRIMAN, 2004). Segundo Soltys (2010, p. 52),
“as políticas públicas acabam por deixar de fora as chamadas minorias, e
acaba apenas por refletir os interesses da elite que controla o Estado”. O
campo da Arqueologia pública é, assim, de fato significativo pois pretende
estudar os processos e desenvolvimentos por meio dos quais a própria
disciplina transforma-se em parte de uma cultura pública, onde a contestação e
a dissonância são inevitáveis (MERRIMAN, 2004). Nesse sentido, “Arqueologia
pública é inevitavelmente uma questão de negociação e conflito pelo
significado” (MERRIMAN, 2004, p. 5).
       A seguir, veremos alguns aspectos relevantes a respeito do surgimento
do conceito, nos Estados Unidos e no Brasil. Buscaremos, conjuntamente,
elucidar as circunstâncias em meio as quais esse campo surge e quais são
suas premissas.




2.1 Surgimento do campo

       Pelo menos desde os anos 1970, arqueólogos passaram a se questionar
sobre qual seriam as funções sociais da Arqueologia e, mais do que isso, de

                                                                                     34
que forma deveriam se estabelecer as relações entre os arqueólogos, suas
investigações e a sociedade em geral. O termo “Arqueologia Pública” foi
utilizado pela primeira vez por Charles McGimsey III, como título de seu livro,
nos Estados Unidos (“Public Archaeology” de 1972). Nesta obra, o autor
discute questões referentes à destruição de sítios arqueológicos por dois
motivos. O primeiro estaria relacionado ao rápido crescimento devido à
acelerada urbanização e industrialização ocorrida nos Estados Unidos durante
as décadas de 1960 e 1970. O segundo estaria vinculado ao problema gerado
pelo vandalismo nos sítios arqueológicos, além da participação de amadores
nas escavações (MERRIMAN, 2004; JAMESON, 2004; FERNANDES, 2007;
CARNEIRO, 2009).
          Nesse sentido, nas palavras de Fernandes (2007, p. 6):

                        as preocupações sobre a administração pública estavam atreladas
                        principalmente ao reconhecimento do papel social da pesquisa
                        científica, que para além de gerar curiosidade, possibilitasse
                        ‘reconstruir’ aspectos significantes da história da ocupação humana
                        em território americano em benefício público.


          No que diz respeito às relações entre Arqueologia e Sociedade, a autora
acima citada chama atenção para o fato de que ambas são caracterizadas por
possuir interesses que ora convergem, ora divergem, visto que a sociedade é
formada não por uma massa amalgamada, mas um conjunto de indivíduos que
podem ser reunidos em inúmeros segmentos. Sendo assim, “a partir desta
compreensão, a disciplina dialoga não com a Sociedade como um todo, mas
com diferentes públicos” (FERNANDES, 2007, p. 7). Complementa-o
McManamon (1991, p. 121):

                        Os dirigentes da Arqueologia americana perceberam que uma melhor
                        compreensão pública sobre Arqueologia levará a uma preservação
                        maior de sítios e dados, a menos pilhagens de sítios e vandalismo,
                        maior apoio para a curadoria de coleções e registros arqueológicos, e
                        uma demanda ainda maior interpretações arqueológicas e
                        participação do público.


          O termo foi associado ao desenvolvimento da legislação referente ao
Gerenciamento dos Recursos Culturais (Cultural Resource Management -
CRM)21. McGimsey acreditava que os arqueólogos deveriam rever tanto o seu


21
     Ver Box 1.

                                                                                          35
papel profissional, como o próprio papel social da produção científica em
Arqueologia (MERRIMAN, 2004; JAMESON, 2004; FERNANDES, 2007;
CARNEIRO, 2009). Merriman aponta que o tamanho dos Estados Unidos e seu
vasto potencial arqueológico levaram à percepção de que o público não-
profissional deveria ser cooptado no serviço arqueológico se os sítios haveriam
de ser protegidos ou investigados responsavelmente (MERRIMAN, 2004).
Segundo Fowler (1982, p. 18), as bases da CRM foram estabelecidas conforme
a compreensão dos recursos culturais como “recipientes” de informação. A
partir desse entendimento, o principal objetivo da CRM é determinar os
significados completos que não só podem, como devem, ser extraídos dos
dados retirados dos recursos. Trata-se, então, de como a pesquisa será
conduzida no controle dos recursos. Segundo Merriman (2004, p. 3):

                     A CRM foi, portanto, Arqueologia ‘pública’ pois contou com o apoio
                     público, a fim de convencer os legisladores e empreendedores que os
                     sítios arqueológicos precisavam de proteção ou atenuação de riscos,
                     e muitas vezes se baseou em não-profissionais para fazer o trabalho.


      Convergindo com esse entendimento, Jameson (2004, p. 22) atesta que
a Arqueologia pública pode ser entendida como um campo do conhecimento
que abrange “as consequências de conformidade da CRM, bem como de
educação em Arqueologia e interpretação do público nas arenas públicas,
como escolas, parques e museus”. Nessa mesma linha de raciocínio, é
interessante a opinião dos autores Renfrew & Bahn (2007), os quais referem-se
à CRM como passível de ser considerada Arqueologia pública, pois faz uso do
financiamento público para empreender as pesquisas arqueológicas, sendo
entendida pelos autores como gestão pública do patrimônio arqueológico que
busca adequar-se aos interesses da disciplina e das coletividades.
      Como podemos perceber, o surgimento do campo da Arqueologia
pública está intimamente conectado com a profissionalização da Arqueologia e
com a inserção da responsabilidade profissional. Fernandes (2007) afirma que
a partir da segunda metade dos anos 1970 e início de 1980, com a grande
demanda de arqueólogos no contexto da CRM, questionou-se sobre a atuação
dos profissionais sem uma formação adequada. Sendo assim, outra questão
pública é colocada na ordem do dia, qual seja a ética profissional, que também



                                                                                      36
é discutida por McGimsey (Public Archaeology, de 1972) (FERNANDES, 2007,
p. 15).


     Box 1 – Legislação de preservação dos recursos culturais e naturais nos Estados Unidos como
                                                                                  22
                  suporte para a discussão de proteção do patrimônio arqueológico .
Fazem parte desses dispositivos algumas leis e decretos como:
Lei de Antiguidades (Antiquities Act), de 1906, que marcou o reconhecimento nacional da importância
dos recursos arqueológicos, autorizou o presidente a reservar e estabelecer por ordem do executivo ou
decreto nacional, os monumentos contendo sítios e estruturas que possuíssem valor histórico ou científico
em terras públicas, além de requerer permissões para examinar ou escavar ruínas históricas ou pré-
históricas, limitou a emissão de licenças a instituições científicas reconhecidas e proibiu a destruição de
qualquer objeto de antiguidade, além de adotar penalidades para as violações.
Lei Orgânica do Serviço de Parques Nacionais (National Park Service Organic Act), de 1916, que
fundou o Serviço de Parques Nacionais (National Park Service), era encarregado de proteger
preciosidades naturais e culturais da nação.
Lei de Sítios Históricos (Historic Sites Act), de 1935, que estabeleceu uma política nacional de
preservação para o uso público de sítios históricos e arqueológicos, edificações históricas e objetos de
importância nacional e inspiração para o benefício do povo dos Estados Unidos. Esta lei também
autorizou a criação do conselho consultivo National System Advisory Board, para assessorar o
Departamento do Interior nos assuntos relativos ao National Park System e na administração da política
nacional. Este conselho, na opinião de Jameson (2004), foi importante para a Arqueologia pública, pois o
Departamento do Interior autorizou o desenvolvimento de programas educacionais e pesquisas que
buscavam avaliar informações públicas pertinentes à significância de sítios arqueológicos, tanto históricos
quanto pré-históricos. Esta lei aumentou a causa pela preservação histórica e provocou interesse público,
privado e profissional na Arqueologia americana. Assim, tornaram-se acessíveis ao público o conjunto de
sítios históricos, monumentos, parques nacionais e estaduais, etc.
Lei de Preservação Histórica Nacional (National Historic Preservation Act– NHPA), de 1966, que
estabeleceu a Política Nacional de Meio Ambiente (National Environmental Policy Act), em 1969. Esta lei
(NHPA) foi reformada em 1976 e 1980.
Decreto-Lei 11593 – Protection of the Cultural Environment (Proteção do Ambiente Cultural), de
1971.
Lei de Preservação Histórica e Arqueológica (Archaeological and Historic Preservation Act), de
1974.
Este conjunto de leis e decretos mencionados acima transformaram o papel da pesquisa arqueológica e
da preservação, fazendo com que a maneira como a Arqueologia era conduzida nos Estados Unidos
fosse modificada de forma significativa.




           No debate subsequente, a Sociedade de Arqueologia Americana
(Society for American Archaeology – SAA), criada em 1934, assume um papel
de destaque pois, sendo a principal organização profissional dos Estados
Unidos, fica a cargo de elaborar uma série de dispositivos referentes ao código
de ética e estatuto profissional. Porém, algo que merece atenção é a questão
da criação da SAA. Possuindo esta uma perspectiva acadêmico-científica,
provocou uma discussão a respeito da validade do registro emitido por esta

22
  Realizado a partir de JAMESON (2004), MERRIMAN (2004), RENFREW & BAHN (2007),
FERNANDES (2007) e CARNEIRO (2009).

                                                                                                        37
Instituição, fato que levou à posterior fundação da Sociedade de Arqueólogos
Profissionais (Society of Professional Archaeologists – SOPA). São realizados
então alguns códigos e normas relevantes23 (FERNANDES, 2007; CARNEIRO,
2009).
         O primeiro é o Código de Princípios Éticos da SAA (de 1996) e o
segundo é o Código de Conduta Profissional e as Normas de Desempenho de
Pesquisa do Registro de Arqueólogos Profissionais – ROPA, de 1997. Estes
códigos tinham como objetivo definir as responsabilidades dos arqueólogos
com o público, clientes, empregadores, etc. (JAMESON, 2004; MERRIMAN,
2004; FERNANDES 2007; CARNEIRO, 2009). Segundo apresentado no Box 2,
podemos perceber que uma questão pública que aparece diz respeito à
responsabilidade com a transmissão do conhecimento, cujo aspecto consta em
diversos pontos apresentados.
         Por fim, há um aspecto que para os objetivos desse trabalho merece ser
destacado, qual seja a responsabilidade com a transmissão do conhecimento
produzido a partir das interpretações do registro arqueológico e as
apropriações dessas interpretações por parte das comunidades. É nesse
sentido que se torna essencial a elaboração de processos pedagógicos que
criem um espaço para reflexão crítica. Somente dessa forma, permite-se que
os estudantes não somente compreendam o material e os processos sociais
que geram e reproduzem a sua própria subjetividade; mais que isso, possibilita-
se o questionamento e até mesmo a transformação desses processos
(HAMILAKIS, 2004). Segundo Hamilakis (2004, p. 288):

                       Pedagogia em Arqueologia, ou em qualquer outro campo, não é
                       simplesmente a transferência passiva do conhecimento produzido
                       nem a formação de estudantes em certas competências e
                       habilidades, como o atual discurso dominante nos quer fazer
                       acreditar.




23
  Sobre o Código de Princípios Éticos (SAA), Código de Conduta Profissional (ROPA) e as
Normas de Desempenho de Pesquisa do Registro de Arqueólogos Profissionais (ROPA), ver
Box 2.

                                                                                    38
Box 2 – Alguns apontamentos relevantes sobre a relação entre Arqueologia e a
                                                                  24
                    sociedade nos Códigos da SAA, SOPA e ROPA

 Código de Princípios Éticos – SAA (1996)
 Princípio nº02: Responsabilidade social
 Pesquisas arqueológicas responsáveis, incluindo todos os níveis de atividade profissional, requererem
 um conhecimento da responsabilidade pública e um comprometimento em fazer todo esforço razoável,
 em boa-fé, para trocar opiniões ativamente com o(s) grupo(s) afetado(s), com o objetivo de estabelecer
 uma relação ativa que possa ser benéfica a todas as partes envolvidas.
 Princípio nº04: Educação pública e divulgação
 Arqueólogos deveriam divulgar, e participar em esforços de cooperação com outros interessados no
 registro arqueológico, com o objetivo de tornar maior a preservação, proteção, e intepretação do
 registro. Em particular, arqueólogos deveriam comprometer-se com: 1) obter apoio popular para a
 gestão do registro arqueológico; 2) explicar e promover o uso de métodos arqueológicos e técnicas no
 entendimento do comportamento humano e cultura; e 3) comunicar interpretações arqueológicas do
 passado. Muitos públicos existem ara a Arqueologia, incluindo alunos e professores; nativos americanos
 e outras etnias, grupos culturais e religiosos que encontram no registro arqueológico importante aspecto
 de sua herança cultural; legisladores e oficiais do governo, repórteres, jornalistas, e outros envolvidos
 na mídia; e outros envolvidos na mídia; e o público em geral. Os arqueólogos que são incapazes de
 comprometer-se com educação pública e divulgação direta, deveria encorajar e apoiar os esforços de
 outros nessas atividades.
 Princípio nº06: Reportagem pública e publicação
 Dentro de um período razoável, o conhecimento obtido por arqueólogos através da investigação do
 registro arqueológico, deve ser apresentado de forma acessível (através de publicação ou outras
 maneiras) a uma grande massa de interessados quando houver uma publicação e distribuição de
 informações sobre sua natureza e localização.
 Código de Conduta Profissional – ROPA (1997)
 I. A responsabilidade do arqueólogo para com a sociedade:
 I.1 Um arqueólogo deve:
   Reconhecer uma sociedade que o represente e publicar resultados de pesquisa para o público de
     maneira responsável;
   Apoiar ativamente a conservação da base de recursos arqueológicos;
   Ser sensível e respeitar as preocupações legítimas de grupos, cuja história cultural é objeto de
     investigação arqueológica;
   Evitar e desencorajar declarações exageradas, enganosas ou injustificadas sobre questões
     arqueológicas que induzam outros a envolver-se em atividades ilegais e antiéticas;
   Apoiar e cumprir os termos da Convenção da UNESCO sobre os meios de proibição e prevenção a
     importação, exportação e transferência de qualquer propriedade cultural, como adotado pela
     Conferência Geral de 14 de novembro de 1970.
 Normas de Desempenho de Pesquisa do Registro de Arqueólogos Profissionais –
 ROPA (1997)
 VI. O arqueólogo tem responsabilidade pela disseminação apropriada dos resultados
 de sua pesquisa e distribuidores apropriados com boletim razoável:
 6.1 Resultados revistos como contribuições significantes a conhecimentos substantivos do passado ou
 progressos em teoria, métodos ou técnicas devem ser disseminados a colegas e a outras pessoas
 interessados por meio apropriados, tais como: publicações, apresentações em encontros profissionais,
 ou cartas a colegas;
 6.2 Pedidos de colegas qualificados para informações de resultados de pesquisa devem ser
 prontamente atendidos, se é consistente com os direitos prioritários do pesquisador para publicação e
 com suas outras responsabilidades profissionais;
 6.3 Falhas em completar um relatório profissional dentro de 10 anos, após o término do projeto de
 campo, devem ser interpretados como renúncia dos direitos de primazia do arqueólogo com respeito à
 análise e publicações de dados. Após a expiração de tal período ou de um período de tempo menos de
 tempo, o arqueólogo deve determinar a divulgação ou não publicação de tais resultados, mas o dado
 deve estar plenamente acessível a outros arqueólogos para análise e publicação;
 6.4 Ainda que obrigações contratuais devam ser respeitadas, arqueólogos não devem entrar em um
 novo contrato que proíba o arqueólogo de incluir suas próprias interpretações ou conclusões nos
 relatórios, ou de um direito contínuo para usar o dado após o término do projeto;
 6.5 Arqueólogos têm obrigação em consentir com pedidos razoáveis para interpretações de jornais
 midiáticos.




24
   Aqui optamos por compilar os trechos mais relevantes à nossa pesquisa. Este Box foi
elaborado com base em FERNANDES (2007, p. 18, 20 e 22) e CARNEIRO (2009, p. 94, 95,
96).

                                                                                                        39
Nesse sentido, cabe fazer uma última ponderação, qual seja a de que a
“pedagogia é, em parte, uma tecnologia de poder, linguagem e prática que
produz e legitima formas de regulação moral e política que construa e ofereça
aos seres humanos visões particulares de si e do mundo” (GIROUX apud
HAMILAKIS, 2004, p. 288).
          Essa aproximação serviu para expor o surgimento da Arqueologia
pública tendo o caso norte-americano como expressão última desse processo.
A próxima seção é dedicada ao estudo da trajetória desse campo do
conhecimento na realidade brasileira.



2.2 Arqueologia pública no Brasil e perspectivas atuais

          Para tomar conhecimento das questões públicas da Arqueologia no
Brasil e das tentativas de defesa do patrimônio arqueológico brasileiro,
voltamos ao período entre 1920 até 1960, quando então diversos intelectuais
estavam envolvidos em debates preservacionistas em contraposição ao
discurso de progresso e industrialização (FERNANDES, 2007). Nesse sentido,
a fundação da instituição de patrimônio cultural brasileiro, Serviço Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN), em 1937, com o objetivo de promover, preservar e
tornar público o patrimônio, demonstra as preocupações em torno da
divulgação,       popularização      e   preservação       do    patrimônio      arqueológico
(CARNEIRO, 2009).
          Sendo assim, cabe elencar o Decreto-Lei 25/3725 publicado pelo então
presidente do Brasil, Getúlio Vargas, já durante o seu período ditatorial. Este
Decreto-Lei visa organizar a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Foi justamente devido a este instrumento que todo um código penal
foi emitido na década de 1940, o qual, pela primeira vez, visava a punição para
a destruição de bens culturais. No Decreto-Lei 25/37, o patrimônio histórico é
tido como:

                          [...] o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja
                          conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a
                          fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
                          arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (BRASIL, 1937).


25
     Ver a propósito Anexo B (BRASIL, 1937).

                                                                                              40
Em 1952, foi criada a Comissão de Pré-história por Paulo Duarte, que
militou pela proteção do patrimônio arqueológico. Esta Comissão tinha como
objetivo proteger os sítios arqueológicos (FUNARI & GONZÁLEZ, 2008;
FERNANDES, 2007). As discussões subsequentes, principalmente incitadas
por intelectuais como o próprio Paulo Duarte, levaram à aprovação da Lei
3924/6126 pelo Congresso, em 1961. Nessa Lei, os sítios arqueológicos são
tomados como sendo monumentos e bens da União (BRASIL, 1961, Art. 1).
Dessa forma, fica proibida sua destruição e seu uso com objetivos econômicos,
inclusive trazendo penalização para o seu descumprimento (BRASIL, 1961,
Art.3 a 5). Outra questão que cabe mencionar é que através desta Lei, fica a
cargo do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o
comprometimento com a gestão do patrimônio, além de tornar-se o órgão
responsável por emitir permissões para intervenções arqueológicas (BRASIL,
1961, Art. 11). Porém, as questões referentes à divulgação das escavações
arqueológicas e programas educacionais não constam na Lei nº 3924/61.
          No mesmo ano em que é instaurada a ditadura militar brasileira (1964)
desenvolve-se o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA),
coordenado pelos arqueólogos americanos Clifford Evans e Betty Meggers,
montado em colaboração com o SPHAN e financiado pelo Smithsonian
Institution sediado em Washington e algumas instituições brasileiras como o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
(FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; FERNANDES, 2007; CARNEIRO, 2009; SILVA,
2011). Este Programa, que se insere no contexto da vinda de especialistas
estrangeiros, visava realizar um mapeamento de sítios arqueológicos buscando
estabelecer um quadro da ocupação pré-histórica brasileira (FERNANDES,
2007; FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; CARNEIRO, 2009; SILVA, 2011). Porém,
também foi bastante criticado, principalmente devido à pressão do governo
ditatorial, que logrou inviabilizar diversas pesquisas arqueológicas que
tivessem uma abordagem mais crítica (FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; SILVA,
2011).
          No Brasil, o surgimento do campo da Arqueologia pública está
intrinsecamente ligado ao processo de redemocratização política, que a partir


26
     Ver a propósito Anexo C (BRASIL, 1961).

                                                                             41
de meados da década de 1980 torna-se crucial para sua consolidação. Sendo
assim, os debates em torno da divulgação das pesquisas arqueológicas e dos
programas educacionais passam a fazer parte do contexto brasileiro após
meados da década de 1980. A partir de então, com o fim da censura,
pesquisadores encontram novos espaços de comunicação com a sociedade de
uma forma geral e com suas pesquisas arqueológicas (CARVALHO & FUNARI,
2007; OLIVEIRA, 2009). Até então, toda investida em divulgação das
investigações   arqueológicas    estavam      relacionadas      ao    processo      de
musealização da Arqueologia. Ao prestar atenção no contexto internacional,
veremos que no ano de 1986 surge o World Archaeological Congress. Dentre
suas discussões, aparecem os aspectos sociais da disciplina, num sentido de
compreender as relações existentes entre a Arqueologia e a sociedade, sendo
este um dos pilares da Arqueologia pública (CARVALHO & FUNARI, 2007).
      Como demonstrado até agora, entre os anos de 1961 e 1985 foram
empreendidas diversas iniciativas com objetivo de estreitar as relações entre
Arqueologia e a sociedade de forma geral. Desta maneira procurou-se propiciar
maior proteção aos bens culturais, e, além disso, originaram-se diversas ações
que buscavam realizar divulgação do conhecimento arqueológico no país.
Assim, foram planejadas iniciativas nos próprios trabalhos de campo da
Arqueologia, sendo estas voltadas para o envolvimento das comunidades na
pesquisa arqueológica, preservação dos vestígios materiais e na própria
divulgação (CARVALHO & FUNARI, 2007; FUNARI & GONZÁLEZ, 2008).
      Em 1990, o Comitê Internacional para a Gestão do Patrimônio
Arqueológico (ICOMOS/ICAHM) publicou a Carta Internacional para a Gestão
do Patrimônio Arqueológico. Direcionada aos profissionais da área, objetivava
estabelecer meios de proteção específicos de vestígios considerados como
patrimônio arqueológico. Nesta Carta, o patrimônio arqueológico é definido de
forma genérica, englobando:

                    [...] as marcas da existência do homem e se refere aos lugares onde
                    se praticou qualquer tipo de atividade humana, às estruturas e
                    vestígios abandonados de qualquer índole, tanto na superfície como
                    enterrados, ou em baixo d’água, assim como ao material relacionado
                    com os mesmos (ICOMOS/ICAHM, 1990).




                                                                                    42
Esta Carta estabelece que, de forma a envolver a sociedade, é
imprescindível fornecer ao público geral informações relacionadas ao
patrimônio. Esta destaca que as especificidades de cada localidade devem ser
consideradas, e que não existe, ademais, um modelo específico para a ação de
preservação e educação; por fim, que o passado deve ser respeitado e
mostrado como sendo algo multifacetado (CARVALHO & FUNARI, 2007).
Desta forma, experiências27 de diversos arqueólogos vêm comprovando que o
envolvimento das comunidades é fundamental e primordial (FERREIRA, 2011).
      Esta forma de fazer Arqueologia, “oferece-nos metodologias propícias
para reconsiderarmos o trabalho com o público e enfrentarmos as escolhas
quase sempre unilaterais das políticas de representação do patrimônio cultural”
(FERREIRA, 2011, p. 29). Como aponta Lúcio Ferreira, nesse campo atenta-se
para a necessidade de tornar as comunidades em “agentes e colaboradoras
ativas da pesquisa arqueológica”28. Além disso, é necessário realizar
entrevistas periódicas e história oral, pois através destas será possível
compreender o entendimento, interpretações e apropriações das comunidades
para com as pesquisas arqueológicas29.
      Cristóbal Gnecco e Carolina Hernández trazem algumas questões
interessantes sobre a atuação do público e criação de interpretações:

                     O alcance público tem se tornado eticamente obrigatório e
                     estrategicamente necessário. No entanto, para muitos arqueólogos,
                     alcance público é somente um meio de compartilhar resultados – ou
                     seja, não como uma empreitada colaborativa e coletiva, mas como
                     um processo unidirecional pelo qual conhecimento especializado é
                     comunicado para o público. Povos nativos são incluídos nesse
                     processo com a ideia de que eventualmente venham a descobrir a
                     utilidade da informação arqueológica em suas próprias histórias. Em
                     contraste, a Arqueologia pública (ou seja, Arqueologia para e pelo
                     público) é concebida não como um processo unidirecional no qual o
                     sábio arqueólogo aconselha povos ignorantes sobre sua própria
                     história, mas como uma co-produção na qual partes interessadas
                     colaboram, aprendem umas com as outras, e conjuntamente (mas
                     não sem conflito) produzem história. (GNECCO & HERNÁNDEZ,
                     2008, p. 452).




27
    Algumas experiências já foram publicadas, como: MONTENEGRO & APARICIO (2008);
GREER et all (2002); GNECCO & ROCABADO (2010); ARDREN (2002); COLLEY (2004);
MOSER et all (2002); BARDAVIO et all (2004).
28
   FERREIRA, loc. cit.
29
   FERREIRA, loc. cit.

                                                                                     43
Brincando de Arqueologia em Pelotas
Brincando de Arqueologia em Pelotas
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Brincando de Arqueologia em Pelotas

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS BACHARELADO EM HISTÓRIA Trabalho de Conclusão de Curso BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS: História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara (RS – Brasil) Giullia Caldas dos Anjos Pelotas, 2012
  • 2. GIULLIA CALDAS DOS ANJOS BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS: História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara (RS – Brasil) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em História. Orientador: Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira Pelotas, 2012
  • 3. Agradecimentos Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira, que desde o início da graduação vem me acompanhando e me convidou para participar do projeto O Pampa Negro, em 2010. Agradeço por confiar em mim na hora de mudar completamente meu trabalho e acreditar neste projeto. Agradeço, também, por todas as oportunidades proporcionadas desde o início da faculdade. Enfim, ao longo desses quatro anos de convivência, com certeza mereces minha gratidão pela presença, confiança e, também, é claro, pela amizade. À FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul) que, através da concessão da bolsa de Iniciação Científica, permitiu a realização desta pesquisa. Agradeço, ainda, aos professores pesquisadores do LÂMINA, em especial ao Prof. Pedro Sanches, Prof. Bruno Sanches, Prof. Jaime Mujica, Prof. Diego Lemos Ribeiro e Prof. Cláudio Carne, os quais, de uma forma ou de outra, colaboraram ao longo deste trabalho e lograram estabelecer um ótimo ambiente de trabalho. Aos colegas de equipe do LÂMINA, em especial à Marta, Estefânia, Letícia, Luiza, Anelize, Lidorine, Eurico e Gil pelo apoio, motivação e companheirismo nesses quase dois anos de convivência. Agradeço à minha companheira de campo, Andressa Domanski, por todas nossas discussões teórico-metodológicas que deram fruto a esse trabalho. Tu bem sabes o quão importante fosses pra tudo isto aqui. Agradeço às diretoras e à supervisora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado Coração de Jesus por haverem me recebido de braços abertos durante a realização do projeto. E agradeço, especialmente,
  • 4. aos alunos das turmas 4ºA e 4ºB por serem tão interessados e carinhosos ao longo de todas atividades. Aos colegas da primeira turma de Bacharelado em História da UFPel, pela amizade e parceria ao longo dessa nossa caminhada, pelos nossos grupos de estudos que tanto nos salvaram frente às provas. Agradeço especialmente aos colegas Rodrigo Dal Forno (“póvo") e ao Victor Gomes (nariz) por terem sido grandes amigos ao longo dessa jornada. Agradeço aos bons professores que tive, em especial à Prof.ª Elisabete Leal que muito auxiliou para que este trabalho fosse realizado. À Prof.ª Ana Klein por tentar me tranquilizar tantas vezes na reta final. Agradeço ao professor – e amigo – Bruno Sanches, por vir discutindo e reelaborando este projeto de forma a sempre buscar melhorar. Sou grata pelas conversas, sugestões, enfim... Valeu! Agradeço à minha família, por serem minha base. Agradeço especialmente à prima Carol por uma vez ter me dito “não te preocupa, quando menos esperares, a ideia surgirá e saberás exatamente com o que trabalhar”. À minha tia Karen, por ser essa parceiraça até na faculdade e me ajudar sempre. A meus maninhos do coração e de tanto papo, Gisa e Mano, para quem sempre busco dar o melhor exemplo. Amo vocês incondicionalmente! À minha querida amiga Paula Mesquita (panqueca), por desde o início vibrar comigo e torcer por mim. Agradeço às minhas avós e professoras, vó Elisa e vó Lelene. À minha querida amiga Marlene, obrigada por ser está avó fantástica e moderna. Obrigada por me incentivar sempre! À minha pequeninha avó Elisa, obrigada por cuidar sempre de mim, por me mimar com minhas comidas preferidas, e me introduzir no mundo das letrinhas. Não tens nem ideia do quão valioso isso foi pra mim. Vocês duas foram também as responsáveis por esse trabalho estar aqui, minhas eternas professorinhas. Agradeço ao meu namorado Paulo (“Pr”), por toda paciência com meu delicado jeitinho de ser ao longo desses quase quatro anos. Só tu, com esta paciência que sabe-se lá de onde vem, pra me dar tanto apoio, carinho, amor e
  • 5. compreensão nos meus maiores momentos de tensão. Tu, com essa santa paz, me fizestes aguentar o tranco por tantas vezes, e me fizestes te amar, cada dia mais. Por fim agradeço a quem me deu a vida, meus amados e “capanheiros” pais. A meu papito, Flávio Sacco dos Anjos, por toda sabedoria, teimosia e discussões intermináveis sobre meus trabalhos e projetos. Só tu sabes o quão produtivas elas foram pra mim. À minha querida mamis, minha general e guardiã, Nádia Velleda Caldas, pelo poder conciliador e paciência. És minha guerreira e mulher de fibra, meu exemplo e meu apoio. A vocês dois, meus queridos companheiros de tantas viagens, que nosso tripé nunca se abale. Agradeço a vocês por me ajudarem a desenvolver cada frase, cada parágrafo e mais que tudo, por vir desde sempre acompanhando meus singelos passos com o maior apoio e aplauso.
  • 6. Resumo ANJOS, Giullia Caldas dos. BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS: História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara (RS – Brasil). 2012. 94f. Trabalho de Conclusão (Bacharelado em História), Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas. O projeto “Brincando de Arqueologia em Pelotas” se insere no marco de uma pesquisa mais ampla, intitulada “O Pampa Negro: Arqueologia da Escravidão na região meridional do Rio Grande do Sul (1780-1888)”, coordenado pelo Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira. Nosso estudo corresponde a uma experiência de Arqueologia pública levada a cabo entre os meses de outubro e novembro de 2011, com alunos e professores da Escola Estadual de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado Coração de Jesus, a qual foi escolhida justamente por situar-se nas imediações da Charqueada Santa Bárbara, onde atualmente concentram-se as escavações arqueológicas de O Pampa Negro. A metodologia envolveu atividades realizadas em cinco encontros que incluíram elaboração de desenhos, visita ao Sítio e simulação de uma escavação arqueológica. Nessa intervenção, inspirada nas premissas da Arqueologia pública, buscou-se entender como os alunos percebiam esse campo e no que consistia o trabalho do arqueólogo, além de investigar seu entendimento sobre a Charqueada em questão. Também foram realizadas entrevistas com as professoras no intuito de analisar o que conheciam a respeito da história local e sua relação com a escravidão e quais materiais utilizavam para trabalhar estes temas em sala de aula. Os resultados a que chegamos apontam para a importância da Arqueologia pública no sentido de estabelecer diálogos com as comunidades implicadas. Dessa forma, buscando, a partir desta primeira experiência, entender as representações que as comunidades e grupos sociais têm acerca da Arqueologia, do patrimônio cultural e, particularmente, do passado escravista pelotense. Palavras-chave: História de Pelotas, Escravidão, Arqueologia Pública, Ações Educativas
  • 7. Abstract ANJOS, Giullia Caldas dos. BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS: História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara (RS – Brasil). 2012. 94f. Trabalho de Conclusão (Bacharelado em História), Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas. The project “Brincando de Arqueologia em Pelotas” has been articulated in the framework of a broader research, so-called “O Pampa Negro: Arqueologia da Escravidão na região meridional do Rio Grande do Sul (1780-1888)”. The present study corresponds to a Public Archaeology experience undertaken between October and November of 2011 with students and teachers of the Escola Estadual de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado Coração de Jesus, which has been chosen precisely because is located nearby the plantation of jerked beef called Santa Bárbara, where the archaeological excavations of the O Pampa Negro project are concentrated now. The methodology has involved activities conducted in five meetings that included the elaboration of drawings, visit to the Site and the simulation of an archaeological excavation. Is this intervention, inspired in the premises of Public Archeology, we attempted to understand how students perceive this field and how they represent the archaeological work and the plantation of jerked beef itself. Also, interviews were conducted with the teachers in order to analyze what they knew about the local history and its relation with the slavery and which materials they used to work these issues in the classroom. The results that we reached point to the importance of Public Archaeology in order to establish dialogues with the communities involved. Thereby, we are seeking from this first experience, understand the representations that communities and social groups have about the archeology, cultural heritage and, particularly, of the slave past Pelotas. Key-words: Pelotas’s history, Public Archaeology, Slavery, Educational Activities
  • 8. Lista de Abreviaturas e Siglas APERS – Arquivo Público do Rio Grande do Sul CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CRM – Cultural Resource Management E.E.E.F.I.S.C.J. – Escola Estadual de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado Coração de Jesus FAPERGS – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul ICH – Instituto de Ciências Humanas ICOMOS/ICAHM – International Council on Monuments and Sites/International Scientific Committee on Archaeological Heritage Management LÂMINA – Laboratório Multidisciplinar de Investigações Arqueológicas PRONAPA – Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas ROPA – Register of Professional Archaeologists SAA – Society for American Archaeology SOPA – Society of Professional Archaeologists SPHAN – Serviço Histórico e Artístico Nacional UFPel – Universidade Federal de Pelotas
  • 9. Lista de figuras e Boxes Figura 1 – Mapa ilustrativo da localização das Charqueadas ...................... 21 Figura 2 – Vista frontal da residência de Antônio José Gonçalves Chaves pela margem direita do Arroio Pelotas ....................................... 25 Figura 3 – Naturalidade dos escravos traficados na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul....................................................... 29 Figura 4 – Divisão dos escravos por ocupação ............................................ 30 Figura 5 – Imagem da principal construção remanescente .......................... 47 Figura 6 – Localização da Sesmaria de Santa Bárbara (1817) .................... 48 Figura 7 – Estruturas da propriedade de José Vieira Vianna (1854) ............ 49 Figura 8 – Localização da E.E.E.F.I.S.C.J.................................................... 51 Figura 9 – Primeira visita da turma 4ºB da E.E.E.F.I.S.C.J. ao Sítio da Charqueada Santa Bárbara, novembro de 2011 ........................ 54 Figura 10 –Primeira visita da turma 4ºA da E.E.E.F.I.S.C.J. ao Sítio Charqueada Santa Bárbara, novembro de 2011 ........................ 55 Figura 11 –Simulação de escavação com a turma 4ºB da E E.E.E.F.I.S.C.J., novembro de 2011 ...................................................................... 55 Figura 12 –Simulação de escavação com a turma 4ºA da E.E.E.F.I.S.C.J., novembro de 2011 ...................................................................... 56 Figura 13 –Simulação de escavação com a turma 4ºB da E.E.E.F.I.S.C.J., novembro de 2011 ...................................................................... 56 Figura 14 –Desenho A desenvolvido no primeiro encontro .......................... 58 Figura 15 –Desenho B desenvolvido no primeiro encontro .......................... 58 Figura 16 –Distribuição dos desenhos do primeiro encontro quanto à presença de cena de escavação ................................................ 59
  • 10. Figura 17 –Frequência de elementos identificados nos desenhos do primeiro encontro...................................................................................... 59 Figura 18 –Desenho C desenvolvido no quarto encontro ............................ 60 Figura 19 –Desenho D desenvolvido no quarto encontro ............................ 60 Figura 20 –Distribuição dos desenhos do quarto encontro quanto à cena representada .............................................................................. 61 Box 1 – Legislação de preservação dos recursos culturais e naturais nos Estados Unidos como suporte para a discussão de proteção do patrimônio arqueológico ............................................................. 37 Box 2 – Alguns apontamentos relevantes sobre a relação entre Arqueologia e a sociedade nos Códigos da SAA, SOPA e ROPA ................. 39 Box 3 – Planejamento metodológico do projeto Brincando de Arqueologia em Pelotas.................................................................................. 66
  • 11. Sumário Introdução ................................................................................................... 11 1 As charqueadas pelotenses: historiografia e escravidão .................. 15 1.1 A origem do núcleo charqueador pelotense ........................................... 19 1.2 A charqueada como espaço de produção .............................................. 22 1.3 O escravo e a produção de charque ...................................................... 26 2 Arqueologia pública ................................................................................ 33 2.1 Surgimento do Campo ........................................................................... 34 2.2 Arqueologia pública no Brasil e perspectivas atuais .............................. 40 3 Projeto “Brincando de Arqueologia em Pelotas” ................................. 45 3.1 Estância e Charqueada Santa Bárbara .................................................. 46 3.2 Metodologia ............................................................................................ 40 3.3 Alcances, limitações e desafios de uma experiência em Arqueologia pública .................................................................................................. 57 3.3.1 Análise dos desenhos produzidos ....................................................... 57 3.3.2 Alguns desafios e limitações ............................................................... 62 Considerações finais ................................................................................. 67 Referências ................................................................................................. 69 Apêndices ................................................................................................... 76 Anexos ........................................................................................................ 81
  • 12. Introdução O presente estudo articula-se a uma pesquisa mais ampla, intitulada “O Pampa Negro: Arqueologia da escravidão na região meridional do Rio Grande do Sul (1780-1888)”, coordenada pelo Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira, desde 2009. Um dos principais objetivos do projeto é instituir uma linha de pesquisa formal sobre a Arqueologia da escravidão na região meridional do Rio Grande do Sul, especialmente em Pelotas, tendo em vista que esta cidade concentrou, em alguns períodos do século XIX, a maior parte da população de escravos africanos durante a expansão e desenvolvimento da indústria charqueadora 1. Foi a partir do Projeto O Pampa Negro, desenvolvido pela equipe Laboratório Multidisciplinar de Investigações Arqueológicas (LÂMINA), do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que surgiu o interesse em realizar intervenções nos moldes da Arqueologia pública. Partindo desse pressuposto, foram pensadas duas formas de ação. A primeira compreende um trabalho com as comunidades do entorno do Sítio arqueológico através de etnografia, enquanto que a segunda forma de ação visa o trabalho com as escolas circundantes ao Sítio. O recorte de realidade a que se refere o presente trabalho de conclusão de curso compreende justamente essa segunda vertente nos moldes da Arqueologia pública. É concretamente através de atividades desenvolvidas com estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual de Ensino Fundamental 1 Foi graças a este projeto que obtive a Bolsa de Iniciação Científica, financiada pela FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul) durante o período 2010/2011, o que me permitiu participar com mais fôlego na pesquisa e mais diretamente no tema.
  • 13. Incompleto Sagrado Coração de Jesus (E.E.E.F.I.S.C.J.), situada nas proximidades2 da Charqueada Santa Bárbara, que lançaremos mão desse enfoque. Feitos estes esclarecimentos iniciais a respeito da pesquisa mais ampla, onde se insere o presente projeto, é importante destacar quais os objetivos que norteiam este trabalho de conclusão e de que forma ele foi realizado. Nesse sentido, é mister afirmar que nosso projeto se baseia nas premissas da Arqueologia pública. Sendo assim, o que se busca aqui é demonstrar que é imprescindível ponderar que os arqueólogos têm a incumbência de não ficarem restritos às suas instituições de trabalho. Segundo Renfrew & Bahn: os arqueólogos têm o dever, tanto a seus colegas, como a seu público em geral, de explicar o que fazem e por quê. Isto significa, sobretudo, a publicação e difusão de seus conhecimentos de forma que os outros investigadores disponham dos resultados e o público, que geralmente pagou pelo trabalho, ainda que indiretamente, possa 3 desfrutá-los e compreendê-los (2007, p. 504) . Diversas experiências de arqueólogos têm mostrado que o envolvimento das comunidades é fundamental, sendo que “a razão última para nossa ação é trabalhar para e com tais públicos” (FUNARI; OLIVEIRA; TAMANINI, 2008, p. 131). Com o objetivo de buscar a inserção das comunidades em nossa pesquisa é que se estrutura esta monografia. A análise do surgimento da Arqueologia pública nos remete à importância da participação destas populações como agentes ativos ao longo dos processos de investigação arqueológica. Todo esse trabalho visado pela Arqueologia pública e comunitária busca permitir “o entendimento dos sentimentos e interpretações das comunidades diante das pesquisas” (FERREIRA, 2011, p.30), viabilizando sentimentos de pertencimento, tendo em vista que o patrimônio cultural pode ser visto como uma gama de representações e ligações entre o passado e o presente. O que se pretende aqui é compreender quais eram as ideias dos alunos a respeito de Arqueologia, História e Patrimônio Cultural anteriormente às 2 A Escola está sediada no que anteriormente fora uma casa de residência na Rua Anchieta nº 812, que foi adaptada para comportar a Escola, e dista 650m do prédio remanescente da antiga Charqueada Santa Bárbara. Devemos salientar que, no geral, seus alunos são oriundos de famílias de baixa renda. 3 Todas as traduções foram feitas pela autora. 12
  • 14. atividades e o que se pode perceber ao final dos encontros. Neste momento, as análises a respeito das percepções e representações dos alunos e alunas sobre o passado escravista pelotense não puderam, por estarmos ainda no início do trabalho, ser aprofundadas. Tal análise será realizada num segundo momento, ao trabalhar com outras escolas, pois durante as atividades com os alunos da E.E.E.F.I.S.C.J. a questão escravista não foi contemplada pelos alunos. Percebemos que eles se fixaram mais sobre os temas que envolvem representações diversas do patrimônio, conforme o concebem, além da Arqueologia e o cotidiano do trabalho arqueológico. Visa-se, então, entender de que forma se dá a representação de Arqueologia, quais são os elementos que emergem nos trabalhos realizados com os alunos e a eficiência dessas iniciativas. Cabe aqui explicitar o modo através do qual desenvolveremos tal imersão. Como objetivo geral, esta monografia pretende analisar as percepções dos alunos do 4ª ano do Ensino Fundamental acerca de temas que envolvem: o que é Arqueologia, o que faz um arqueólogo e o que consideram patrimônio cultural. Para tanto, foi necessário partir de dois objetivos específicos. Em primeiro lugar, analisou-se a historiografia regional e local sobre a escravidão, principalmente no estado do Rio Grande do Sul e Pelotas, além do processo de formação da referida cidade e da antiga Estância Santa Bárbara. Em seguida, foi feita, também, uma revisão bibliográfica a respeito de Arqueologia pública. Com efeito, será necessário abordar, no primeiro capítulo desse trabalho de conclusão, uma síntese historiográfica visando trazer elementos a respeito da formação de Pelotas, retomando a historiografia sobre a escravidão na cidade, assim tratando sobre o trabalho nas charqueadas e, principalmente, traçando um histórico da charqueada em foco, antiga Estância Santa Bárbara. Além disso, buscarei igualmente discutir a relação entre o que a historiografia produz, ou seja, o que sai da academia e o que chega às escolas e de que forma são absorvidos tais conhecimentos pelos alunos. No segundo capítulo, trarei os conceitos deste estudo. Sendo assim, buscarei analisar o surgimento do campo da Arqueologia pública, em meio a 13
  • 15. qual cenário é concebido e quais são os interesses que o permeiam. Além disso, aqui se buscará tratar sobre as formas pelas quais o campo de estudo foi se desenvolvendo com o passar do tempo e quais são os instrumentos em que ele tem se apoiado desde seu início até atualmente. O terceiro capítulo reunirá os elementos empíricos deste trabalho. Sendo assim, apresentarei o projeto de intervenção realizado com duas turmas de 4º ano do Ensino Fundamental na E.E.E.F.I.S.C.J. Além disso, discutirei os resultados obtidos com o projeto através de desenhos que foram realizados pelos alunos, apresentando os elementos referentes a sua concepção de Arqueologia e percepção do patrimônio cultural. Por fim, tecerei algumas considerações finais a fim de discutir a eficácia deste tipo de projeto de intervenção e o papel do pesquisador para com as comunidades. 14
  • 16. 1 As charqueadas pelotenses: historiografia e escravidão Falar da história e da formação social de Pelotas é falar de charqueadas, de gado, de sal e, sobretudo, de escravidão. O que é recorrente em boa parte da aproximação que se faça sobre esse tema. Todavia, desde que comecei a tomar contato com este assunto, ainda nos tempos de ensino fundamental, recordo-me de uma questão que me inquietava. Por que razão nossos livros didáticos, ao falarem da escravidão no Brasil, pouco ou quase nada mencionavam a respeito do modo como esse processo se desenvolveu no Sul do Brasil? Lembro das aulas de história e de como a questão da escravidão se resumia a uma associação imediata com os grandes ciclos econômicos do nordeste e sudeste (açúcar e café especialmente), mas raramente se fazia alusão a outros vínculos igualmente importantes, como o caso do apogeu da produção saladeril no Rio Grande do Sul. Que fatores conspiram para conformar um quadro que permanece até hoje no ensino da história local? Ainda criança lembro, também, de meus pais comentarem um outro fato que me parece igualmente intrigante. Na Pelotas dos grandes casarões, da aristocracia do charque4 e da opulência, vicejam imagens iconográficas dos que construíram essa riqueza e a história política desta cidade, traduzidas em estátuas como as do maragato, do colono, dos grandes personagens, mas, paradoxalmente, a única referência ao negro se resume ao negrinho do pastoreio referida na clássica obra de João Simões Lopes Neto (NETO, 1998). Há, por certo, razões que contribuem para que essa realidade se apresente, as 4 Carne salgada em mantas produzida nas charqueadas – estabelecimentos associados com estâncias destinadas à pecuária – onde se extraíam diversos produtos, dentre eles o charque, sebos, couros secos, línguas, chifres, cascos, graxas, ossos queimados, etc.
  • 17. quais, não obstante sua importância para compreender o quadro social de Pelotas, ultrapassam, em muito, os limites desse trabalho. Esta seção tem como ponto de partida esse aspecto, assim como outras questões que pretendo desenvolver simultaneamente à tarefa de analisar a produção historiográfica sobre escravidão no Rio Grande do Sul, e, principalmente, em Pelotas. Os primeiros trabalhos historiográficos que decidiram abordar o cotidiano da sociedade escravista são apontados por Maestri (2006), sendo escritos no século XIX, especialmente por memorialistas locais e viajantes5. Tradicionalmente, boa parte dos rio-grandenses aponta os louros da história do Estado como sendo fruto do esforço do trabalhador livre (especialmente luso-brasileiros e ítalo-germânicos) (MAESTRI, 2006, p. 222). Isso se deve, principalmente, “à construção idealizada do passado rio- grandense” (SANTOS, 1991, p. 131), através das primeiras obras historiográficas que enalteciam a participação do homem-livre e se baseavam em ideias cientificistas, positivistas, e de determinação da sociedade pelo meio e pela raça (MAESTRI, 2006, p. 223). Fato este que se percebe, por exemplo, em narrativa da viagem de Auguste de Sant-Hilaire em 1821, onde diz que “os negros são naturalmente pouco ativos, quando livres só trabalham o suficiente para não morrerem de fome” (apud MAESTRI, 2006, p. 227). Porém, até mesmo o naturalista francês mudou um pouco de opinião, segundo Maestri (2006), ao ver o “trabalho com rudeza” dos cativos que trabalhavam nas charqueadas do Sul. Nesse sentido, é interessante apontar a posição de Dreys quanto ao trabalho na charqueada. Para este viajante francês, o trabalho mais exigente não era “pesado”. Ali os negros seriam bem vestidos e alimentados – ou seja, bem tratados –, sendo apenas obrigados a ter um bom comportamento e a um serviço “usual”. Sendo assim, Dreys defendia a escravidão num intuito de livrar o cativo de entregar-se “às misérias e aos vícios” (apud MAESTRI, 2006, p. 228). É claro que devemos ter em mente que estes relatos são marcados por toda uma conjuntura. Porém, apesar de termos de ponderar todas essas 5 Destes trabalhos do século XIX, destacam-se: Anais da Província de São Pedro por José Feliciano Fernandes Pinheiro, em 1819; Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública do Brasil, por Antônio José Gonçalves Chaves, em 1822; Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, por Nicolau Dreys, em 1839; além da obra do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em sua Voyage à Rio Grande do Sul (Brésil), de 1821. 16
  • 18. questões, devemos perceber o quão importantes foram essas obras e o quanto contribuíram para podermos lançar mão de alguns aspectos importantes de outrora que são abordados por estes escritores. Maestri elenca autores6 que fazem parte do que ele chama de “A Geração de 1880”, marcados pelo determinismo geográfico e racismo científico e que assinalam nesse momento o surgimento de uma “narrativa orgânica” sobre a formação social sulina (2006, p. 229). Já no início do século XX, são importantes para compreender essa linha tradicional-conservadora, os intelectuais Rubens de Barcellos e Jorge Salis Goulart, que, a partir de suas obras Esboço da formação social do Rio Grande do Sul, de 1955, e A formação do Rio Grande do Sul, de 1927, mantêm a posição tradicional a respeito da sociedade rio-grandense, afirmando sua pureza étnica e origem latifundiário- pastoril, com destaque à participação dos imigrantes na formação social do Estado. É elucidativa essa posição no livro de Goulart, pois ele retoma “os mitos da democracia e produção pastoril sem trabalho, aos quais agregou a proposta do caráter benigno da escravidão do destino excelente do Sul devido à ‘pureza étnica’” (MAESTRI, 2006, p. 235). Um giro foi dado na produção historiográfica a respeito da escravidão no Rio Grande do Sul a partir das décadas de 1960 e 1970. Nesse contexto, merece destaque a tese de Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul, publicada em 1962. O autor buscou realizar uma crítica aos trabalhos precedentes, assim como destacar a importância da escravidão no Estado, criticando a “democracia pastoril” e a visão tradicional da “escravidão benigna” (MAESTRI, 2006, p. 239). Porém, segundo Maestri, a mudança substancial se deu a partir da década seguinte (1970). Nesse momento, além da transformação na ótica da escravidão, este mesmo tema passa a crescer na historiografia brasileira, embora alguns, no Rio Grande do Sul, ainda se utilizassem da historiografia tradicional7. 6 São eles: Alcides Mendonça Lima (História Popular do Rio Grande do Sul, de 1882); Joaquim Francisco de Assis Brasil (História da república rio-grandense, de 1882); e João Cezimbra Jacques (Costumes do Rio Grande do Sul, de 1883). 7 Fazem parte desse conjunto, trabalhos como os de Cláudio Moreira Bento, O negro e descendentes na sociedade do Rio Grande do Sul de 1976; Verônica Aparecida Monti, O abolicionismo: sua hora decisiva no Rio Grande do Sul – 1884, de 1978; Margareth Bakos, Rio Grande do Sul: escravismo e abolição, de 1982. Este último se filia à nova historiografia. 17
  • 19. A partir desse entendimento, é necessário deixar claro que neste trabalho serão analisados os estudos realizados a partir da nova abordagem a respeito da escravidão. Esta nova ótica dá lugar à compreensão de que os escravos, africanos ou afrodescendentes, exerceram relações socioculturais com seus opressores e que este contato não se deu no âmbito da passividade dos cativos, mas, sim, auxiliaram a compor a sociedade gaúcha. Se atentarmos ao que vem sendo produzido na historiografia desde 1980, notaremos que são recorrentes os trabalhos acadêmicos sobre o campesinato negro, família, cultura escrava, espaços de autonomia econômica dos cativos, as relações existentes entre senhores e escravos, diversos tipos de irmandades, laços de parentesco, organização do trabalho, práticas religiosas, etc. Além disso, já vêm sendo abordados há bastante tempo temas como políticas cotidianas, revoltas, protestos e resistência dos escravos. Mais recentemente, alguns estudos demonstram de que forma os escravos reagiam à lógica repressiva de dominação senhorial e quais foram os seus efeitos na dinâmica social. Nos últimos anos, têm surgido diversas pesquisas que abrangem temas como sexualidade, demografia, trabalho urbano e rural, ocupação dos escravos, etnias, laços familiares e cotidiano dos escravos do Rio Grande do Sul8. Já a resistência escrava é tratada pela historiografia desde a década de 19709, incorporando as fugas, os quilombos, os esconderijos urbanos, etc. Em Pelotas, tais temas também são recorrentes. Nota-se o considerável aumento dos estudos referentes ao trabalho escravo nas charqueadas, destacando os elementos políticos, sociais e econômicos da escravidão, além do trabalho escravo não somente no espaço rural, mas nos complexos fabris e, também, construção dos casarões da cidade10. Atualmente, as pesquisas a respeito da escravidão vêm crescendo consideravelmente. Fato este que faz com que seja tarefa árdua dar conta de toda historiografia e nos obriga a optar pelos estudos mais relevantes ao nosso trabalho. Embora ainda sejam incipientes, a relevância desses estudos é inquestionável. Principalmente, se tivermos em 8 Eis algumas obras: Almeida (2002); Araújo (2011); Barcellos et alli (2004); Berute (2006); Pessi (2008; 2011); Reis & Silva (1989); Scheffer (2011); Vargas (2011); Weimer (1991). 9 Gorender (1980); Lima (1997); Maestri (1979a; 1979b; 1993); Moreira (2003a; 2003b); Reis (1989); Santos (1991). 10 Aguiar (2009); Al-Alam (2007); Arriada (1997); Assumpção (1991; 1995); Caldeira (1992); Dalla Vechia (1994a; 1994b; 1994c; 1997); Gutierrez (2001; 2004); Maestri (1984); Mello (1994); Ognibeni (2005); Pessi (2008a; 2008b, 2009a; 2009b); Piccolo (1997); Recondo (1995); Simão (2002). 18
  • 20. mente o contexto local e a importância que o uso do braço negro teve para a formação da cidade de Pelotas. 1.1 A origem do núcleo charqueador pelotense A ocupação dessa coxilha não resultou como de praxe na época, de empreendimentos militares ou de ocupação do solo pela colonização, com objetivos de garantir a posse portuguesa do extremo sul do Brasil, mas antes de uma íntima ligação com a atividade pastoril e, mais particularmente, com o fabrico do charque. (DOS ANJOS, 2000, p. 28) É impossível pensar na escravidão no Rio Grande do Sul sem relacioná- la com a expansão da cultura charqueadora, concentrada principalmente na região meridional do Estado. O centro charqueador pelotense estava localizado às margens da rede fluvial da região, composta principalmente pelos arroios Pelotas e Santa Bárbara e o canal São Gonçalo. Embora a província tenha tido uma ocupação tardia – pois aparentemente por determinado período não possuía atrativos à política econômica colonialista (ASSUMPÇÃO, 1991, p. 118) –, desde o século XVI já era motivo de disputas entre as Coroas Ibéricas, sobretudo no que diz respeito à demarcação das fronteiras. É um marco nesse contexto o Tratado de Madrid11 (1750), onde Portugal e Espanha acordam que: Portugal cedia para sempre à coroa da Espanha a Colônia do Sacramento e o seu território adjacente, na margem setentrional do rio da Prata, e as praças, portos e estabelecimentos que se compreendessem na mesma margem. A navegação do rio da Prata ficaria também pertencendo, privativamente, à Espanha. Pelo artigo XIV, a Espanha cedia a Portugal tudo o que por parte dela se achava ocupado, desde o monte de Castilhos Grande até as cabeceiras do rio Ibicuí, compreendidas todas e quaisquer povoações situadas entre a margem setentrional do rio Ibicuí e a oriental do rio Uruguai. Esse artigo XIV declara, pois, que passaria ao domínio português todo o território das Missões Orientais do Uruguai, fundadas pelos jesuítas, [...] a forma de entrega foi feito no artigo XVI, [...] sairão os missionários com todos os móveis e efeitos, levando consigo os índios para os aldear em outras terras da Espanha [...]. (CESAR apud GUTIERREZ, 2001, p. 41) A região passou a despertar grande interesse a partir da segunda metade do século XVIII, devido, principalmente, a seus aspectos geopolíticos e econômicos. Foi neste contexto, e principalmente após a assinatura do Tratado 11 Além do Tratado de 1750, o Tratado de Santo Ildefonso (1777) é essencial para compreender a estabilidade dos conflitos entre lusitanos e espanhóis, tendo em vista que acertava a situação pendente da Colônia do Sacramento, que passaria então, a fazer parte da Coroa espanhola (GUTIERREZ, 2004, p. 41). 19
  • 21. de Santo Ildefonso (1777), que se iniciam as doações de sesmarias na região, fator que estimulou a exploração da atividade pecuarista. A região na qual se insere a atual cidade de Pelotas compreendia na época sete propriedades (Feitoria, Pelotas, Monte Bonito, Santa Bárbara, São Tomé, Santana e Pavão) (GUTIERREZ, 2001, p. 54) (Fig. 1). Como se pode perceber, o que ocorreu nesta região foi a ocupação de vastas extensões de terras através de poucos proprietários (os estancieiros) com objetivo de criar rebanhos bovinos. Dessa forma, é necessário compreender o destaque que recebe a atividade pecuarista nestas e em outras propriedades (ARRIADA, 1994). Segundo Arriada, é a estância que vai marcar um dos aspectos fundamentais na economia do Estado (1994, p. 32). Estas estâncias (de porte médio a grande) possuíam diversas instalações, como “casa de charque, senzala, atafona12, cozinha, forno para pão, galpão, diversos pátios, poços, pomar, jardim e uma cortina arbórea, circundados pelas mangueiras e potreiros” (ARRIADA, 1994, p. 39). Originalmente o charquear era algo com um caráter muito mais artesanal do que um empreendimento industrial13. O charque era um produto de autoconsumo, destinado a satisfazer as necessidades proteicas dos habitantes das estâncias. Como veremos a continuação, o “ciclo do charque” representa um verdadeiro divisor de águas no processo que culminou no surgimento do núcleo urbano pelotense. Segundo aponta Maestri, a articulação e desenvolvimento gerado na região a partir da produção de charque se deve, também, a fatores climáticos ocorridos no nordeste. Até as duas últimas décadas do século XVIII (momento em que ocorrem diversas secas que levam à estiagem e emagrecimento do gado nordestino) os salgadeiros cearenses eram apontados como importantes fornecedores de carne-seca, tanto para o mercado nacional como internacional. A partir dessa conjuntura, decai a produção no nordeste, abrindo uma brecha para a entrada das carnes gaúchas no mercado. Dessa forma, a transição que marca a passagem de um produto artesanal para um artigo elaborado em larga escala, para a venda em mercados tanto locais e regionais quanto longínquos, incluindo até mesmo o 12 Moinho manual ou movido por força animal. 13 Aqui, utilizamos o termo “industrial” com o objetivo de enfatizar a transformação dos estabelecimentos saladeris em empresas voltadas para a comercialização em larga escala. 20
  • 22. exterior, coincide com as grandes transformações que se assiste desde o final do século XVIII e início do século XIX nesta região (e também no nordeste), até então dominada pela produção de grandes rebanhos bovinos. Mas há um outro aspecto que deve ser destacado. É justamente nesse contexto que a figura de Pinto Martins se torna emblemática. Figura 1 – Mapa ilustrativo da localização das Charqueadas. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Gutierrez (2001). Segundo diversos autores (GUTIERREZ, 2001; OGNIBENI, 2005; MAESTRI, 1984), foi por volta de 1780 que o comerciante português José Pinto 21
  • 23. Martins, que vivia no Ceará e dedicava-se ao fabrico de carne seca (e, ao que parece, vinha fugindo das constantes secas do final da década de 1770), instala-se às margens do arroio Pelotas, na sesmaria do Monte Bonito. O consenso em torno à figura de José Pinto Martins enquanto inaugurador da atividade saladeril e o surgimento do que viria a ser Pelotas é objeto de controvérsia. A meu ver, dessa controvérsia derivam três posições bastante claras. A primeira delas assume como premissa que efetivamente foi Pinto Martins que cria o estabelecimento do gênero em 1780, como também se torna responsável pela fundação de Pelotas. Em certa medida essa posição é manifestada por João Simões Lopes Neto na “Revista do 1º Centenário de Pelotas”, de 1911, a que consagrou essa assertiva a respeito de José Pinto Martins. A segunda delas, preconizada por Monquelat & Marcolla (2010) considera que foi justamente essa obra (de 1911) a responsável por apresentar sem questionamentos o suposto pioneirismo de Pinto Martins. Estes autores reforçam sua posição com base no fato de que nessa região já era produzido o charque antes mesmo da vinda do comerciante português. Coincido com a terceira posição, correspondente à obra de Maestri (1984) e Ognibeni (2005), que parte do entendimento de que a importância da figura de Pinto Martins não está no fato de inaugurar essa atividade, mas por convertê-la num empreendimento em larga escala comercial. Segundo Maestri, “foi ele talvez o responsável pela introdução da técnica de charquear como ato industrial no Sul” (1984, p. 56, itálico no original), estruturando, desta forma, um sólido polo escravista no Brasil meridional. 1.2 A charqueada como espaço de produção Este rincão no qual está situado Pelotas oferecia outrora as condições necessárias para que se instalassem as charqueadas. Canais e arroios recortavam estas terras, fato que as tornavam favoráveis à produção de charque e outros produtos. Essa rede fluvial navegável permitia que em pouco tempo se chegasse facilmente ao porto de Rio Grande para encaminhar o charque para exportação. 22
  • 24. A produção do charque dependia diretamente das condições climáticas. Dessa forma, era necessária a organização dos trabalhos conforme as estações do ano, pois no momento de secagem nos varais o clima deveria ser seco e quente para garantir a secagem. Sendo assim, o abate do gado ocorria entre os meses novembro e maio (ARRIADA, 1994; GUTIERREZ, 2001; MAESTRI, 1984; MARQUES, 1990; PESSI, 2008a; OGNIBENI, 2005) As charqueadas passaram por diversas fases ao longo dos séculos XVIII e XIX. Desde as charqueadas mais antigas, até as mais modernas, ocorreram diversas transformações tanto tecnológicas quanto funcionais. Com o passar do tempo e com o aperfeiçoamento dos trabalhos nas charqueadas o que se logrou atingir foi justamente o quase total aproveitamento dos animais. O modo artesanal realizado desde os primórdios na região consistia no abate a céu aberto e preparo da carne em galpões rústicos, quinchados14 de palhas. Os mesmos que abatiam os animais deveriam carneá-los, preparar as carnes, salgar, preparar os couros, etc. (MAESTRI, 1994, p. 56). Maestri aponta que provavelmente não existiam instalações específicas (1994, p. 56). Nesse momento, com exceção do couro e da carne, quase nada era aproveitado. Como se pode perceber, esses primeiros “galpões” para a charquia eram extremamente simples e rústicos (ARRIADA, 1994, p. 55; MAESTRI, 1984, p. 56). Ao longo do tempo, o espaço produtivo das charqueadas passa a sofrer transformações estruturais. A partir de certo momento, principalmente início do século XIX, o trabalho na charqueada passa a ser subdividido e especializado, assim surgindo os diversos ofícios inseridos na produção charqueadora. Segundo Marques, as dependências básicas de uma charqueada eram compostas de um curral de encerra, seguido de brete de matança, cancha de retalhamento, local de preparo e da salga das mantas, além de varais para secagem, depósitos, graxeiras e das barracas onde os couros eram tratados (MARQUES, 1990, p. 49). Boa parte da bibliografia (MARQUES, 1990; MAESTRI, 1984; GUTIERREZ, 2001) se baseia nos relatos de viajantes (como Dreys e Couty) para explicitar o modo através do qual funcionavam as charqueadas e quais 14 Cobertura de palha típica das construções; termo empregado por Maestri (1994). 23
  • 25. eram as etapas da produção do charque. Sendo assim, para não tornar extensa a explicação a respeito do passo-a-passo, farei uma síntese de tais processos. A começar pela tablada, os charqueadores examinavam e negociavam os animais. Então, ao cabo das transações seguia-se para as mangueiras das charqueadas. Somente no outro dia se daria início aos trabalhos de fato. Os animais então eram conduzidos para o brete, que possuía piso de tijolos ou de madeira, propositalmente inclinado de forma a desestabilizar o animal e facilitar o abate. A partir de então, toma posição o “laçador” que, sobre uma plataforma de madeira, laçava o animal, estando este laço ligado a uma roldana que levaria o animal até o final do brete. Aqui então, na zorra, o “matador” ou “desnucador” abatia o animal com um estilete de ferro na nuca (MAESTRI, 1984, p. 66-67; MARQUES, 1990, p. 49; GUTIERREZ, 2001, p. 187). Depois de abatido era transferido para a cancha. Segundo Maestri, a cancha era o “coração da charqueada”, pois era nela que a maior e mais importante parte do procedimento ocorria (1984, p. 67). Na cancha o animal tinha, primeiramente, seu couro retirado pelo charqueador; logo seria sangrado. A partir de então, seus membros seriam retirados e juntamente com as mantas de carne seriam levados a um galpão próximo. Já os ossos, cabeça, vísceras, e demais restos seriam utilizados na produção de cinzas, sebos e graxas. O início da produção do charque em si se dá a partir do charquear, que consiste justamente em cortar as carnes em pedaços de espessura uniforme (em torno de 1,5cm), e realizar a laniage15, que permitirá que as mantas absorvam o sal profundamente (MAESTRI, 1984, p. 67). Após realizarem-se estes procedimentos, dá-se início ao processo de salga. Em mesas específicas, as mantas de carne são cobertas de sal e levadas para as pilhas sob a proteção de galpões. A carne permaneceria empilhada em média dois dias para então ser estendida. Ao ser retirada, passariam pela salmoura para que saíssem as mais grossas partículas do sal. Feito isso, a carne era disposta em varais, onde as carnes permaneceriam entre 5 e 6 dias com tempo favorável, quando então estariam secas. Assim, 15 “Incisões profundas e paralelas, de 5 a 15cm” (MAESTRI, 1984, p. 67). 24
  • 26. aguardariam apenas o embarque próximo, estando já o charque pronto (MAESTRI, 1984, p. 68). Figura 2 – Vista frontal da residência de Antônio José Gonçalves Chaves (atual Charqueada São João) pela margem direita do Arroio Pelotas (foto). Autor desconhecido, s/d. Fonte: http://proprata.com/colonizadores-europeus. Foi somente essa produção em larga escala visando a exportação que levou ao aperfeiçoamento da técnica de preparo e do sistema charqueador. A partir desse momento, a produção foi organizada de forma nunca vista antes16. Assim, passou a existir um aproveitamento quase que completo do animal; comercializou-se assim, não somente o couro e o charque, mas sebo, graxa, ossos queimados, chifres, pelos, etc. Nicolau Dreys noticia em seu relato aspectos referentes ao aproveitamento do animal: Os ossos, a cabeça e as extremidades são metidas numa caldeira fervendo, para servirem, com os miolos e o tutano, à preparação da graxa que se encerra depois na bexiga e nos grossos intestinos para ser entregue ao comércio. O peritônio, o epiploon e outras partes cebáceas são socadas para comporem uns pães de cebo grosseiros que se vendem neste estado. 16 A respeito da organização do processo produtivo das charqueadas existem dois relatos extremamente interessantes, que são os de Nicolau Dreys (1839) e Louis Couty (1880). 25
  • 27. O couro estaca-se no chão para secar, dando-se-lhe o competente declívio para deixar correr as águas; do modo de o estacar, dobrar e conservar depende seu preço no mercado (DREYS apud ARRIADA, 1994, p. 55 – conforme original). De qualquer forma, Marques (1990) aponta que as principais modificações entre as charqueadas antigas e as modernas relacionaram-se com o aproveitamento integral dos subprodutos da produção, e, principalmente, com o aperfeiçoamento e divisão dos ofícios. 1.3 O escravo e a produção de charque Huma charqueada bem administrada é um estabelecimento penitenciário (DREYS apud MARQUES, 1990, p. 39). O ciclo de mudanças que convergiu na transição para os grandes estabelecimentos saladeris gerou um acúmulo significativo de capitais que foi responsável por criar as condições necessárias para que ocorresse um rápido processo de urbanização (ARRIADA, 1994, p. 47). Anteriormente, como aponta Maestri, a agricultura gaúcha e as charqueadas primitivas não proporcionavam as bases para a emergência de uma plantação de natureza escravista. Nesse sentido, “a baixa rentabilidade permitia aos agricultores mais felizes comprar, com muita economia, um ou mais escravos, mas era só” (MAESTRI, 1984, p. 49). Foi, então, a “nova” charqueada, a responsável pela estruturação desta sociedade escravagista dominada pela aristocracia do charque (ARRIADA, p. 47; MAESTRI, 1984, p. 54). A partir dessas transformações é que se apresentou um grave problema relacionado com a força de trabalho requerida para o fabrico do charque, em que pese a incessante expansão do comércio e a necessidade de dispor de meios para adquiri-los. O trabalho nas charqueadas era extremamente duro, exigindo um ritmo acelerado ligado a condições deletérias. Dessa forma, “não constituía atrativo para os homens brancos, nem mesmo para aqueles que não possuíam terras e eram sumamente pobres” (MARQUES, 1990, p. 103). Sendo assim, não havia outra opção a não ser recorrer ao trabalho escravo. Segundo Maestri, “durante mais de 100 anos, esta atividade apoiou-se sobre as costas e suor anônimo do trabalhador negro escravizado” (1993, p. 39). É possível perceber que o 26
  • 28. escravo foi, durante todo o período de produção exponencial da charqueada, o motor que movia as engrenagens desta imponente máquina de charquia, pois até o final da escravidão em Pelotas (1884), foi o negro escravizado que, trabalhando na charqueada, sustentou a economia da região. O escravo, por muito tempo, foi visto como um bem de consumo. O que se pretendia não era a longa vida do cativo, mas explorar dele todo o trabalho possível e substituí-lo por outro. Como afirma Maestri (1993, p. 41), “[...] sob o incentivo do ‘bacalhau’ dos feitores – no Sul chamados de capatazes – e de pequenos goles de aguardente, o negro literalmente desfalecia de cansaço e de sono em seu posto de trabalho”. As charqueadas possuíam de 30 até 150 cativos, tendo, em média, de 60 a 90 escravos (GUTIERREZ, 2001, p. 91; MARQUES, 1990, p. 107; OGNIBENI, 2005, p. 73; PESSI, 2008a, p. 29). Estes números variavam conforme o poder aquisitivo do charqueador e tamanho do estabelecimento. Era justamente a intensa exploração do cativo nas charqueadas que tornava a aquisição de novos escravos algo inevitável. E é nesse contexto que o tráfico transatlântico se torna viável e estável (BERUTE, 2006; PESSI, 2008a). Segundo o censo de 181417, podemos perceber que os grandes números coincidem. Nele, aparece que de um total de 2.419 habitantes em Pelotas, cerca de 51% são escravos (1.226). É similar ao percentual que se vê em 1833, quando a população escrava atinge 52% (5.169) de um universo de 9.860 indivíduos. Ao analisar a historiografia sobre a participação de escravos nas charqueadas pelotenses, perceberemos que se destacam estudos sobre demografia, num intuito de compreender principalmente valores proporcionais da população (sexo, idade, origem, relação de africanos, crioulos e ladinos, etc.)18. A questão da origem dos escravos é apresentada como um problema à boa parte da historiografia gaúcha, principalmente devido à forma pela qual se deu o tráfico transatlântico. A África é um continente de extensas proporções 17 Dados retirados da publicação de 1981 da Fundação de Economia e Estatística, intitulada “De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul (censos do RS: 1803-1950)”. 18 Dentre esses estudos, saliento o de Gabriel Berute, “Dos escravos que partem para os portos do Sul: características do tráfico negreiro do Rio Grande de São Pedro do Sul, c. 1790 - c. 1825”, de 2006; Bruno Pessi, “O impacto do fim do tráfico na escravaria das charqueadas pelotenses (C. 1846 – C. 1874)”, de 2008; Thiago Araújo, “Novos dados sobre a escravidão na Província de São Pedro”, de 2011. 27
  • 29. composto por grupos culturalmente diversificados. Com o comércio de escravos o que ocorreu foi uma reconfiguração no próprio sistema dessas populações multiculturais, acarretando uma perda de identidade19. É claro que existem diversos registros nos quais constam diferentes etnias. Porém, boa parte da historiografia faz uma ressalva: não se deve confiar completamente em tais registros (MAESTRI, 1984, 1993; BERUTE, 2006). Isso se deve ao fato de que nem sempre o registro representa a origem do escravo, mas pode fazer menção ao local (porto) onde foi embarcado. São frequentes apontamentos referentes a etnias que foram registradas dentre os escravos no Rio Grande do Sul, tais como: Angola, Ambaca, Benguela, Cassanje, Congo, Cabundá, Ganguela, Gege, Mangombe, Messambe, Mina, Moçambique Monjolo, Mongolo, Mohumbe, Nagô, Quissamba, Rebolo, Songo, etc. (MAESTRI, 1984, p. 100-104; BERUTE, 2006; ASSUMPÇÃO, 1991; FAUSTINO, 1991). Em sua dissertação de mestrado, Gabriel Berute (2006) faz uma análise das características do tráfico negreiro pra o Rio Grande de São Pedro do Sul. Utilizando-se das guias de transporte de escravos e os códices da Polícia da Corte do Rio de Janeiro, traz dados referentes à sazonalidade do comércio escravo, além de elementos demográficos e referências às origens e portos de embarque (Fig. 3). Dos 3.294 cativos traficados entre os anos 1788-1802, apenas de 3% não se logrou obter informação sobre procedência. Ele aponta que, dos escravos traficados entre os períodos 1788-1802 e 1809-1824 que possuíam origem informada, o número de africanos cresceu significativamente. Enquanto entre os anos de 1788 e 1802 o percentual de africanos gira em torno de 88% (2.845) contra 12% (376) de crioulos, durante o segundo período abordado (1809-1824) o número de africanos é ainda maior, passando a constar 95% (6.648), havendo apenas 5% (336) de crioulos registrados. 19 Aqui nos referimos à perda de identidade acarretada pela mudança de nome e ruptura com seu lugar de origem em que pese que todos eram vistos meramente como escravos, sem levar em consideração sua etnia, seus sistemas de crenças, sua origem, entre outros aspectos através dos quais se conforma a própria identidade. Ao desembarcar no Brasil, a maior parte dos africanos era reconhecido como “de Nação” ou “africano” (MAESTRI, 1984, 1993; ASSUMPÇÃO, 1991). 28
  • 30. Naturalidade dos escravos traficados 6648 7000 6000 5000 2845 4000 3000 2000 376 336 73 1000 0 1788-1802 1809-1824 Africanos Crioulos Sem informação Figura 3 – Naturalidade dos escravos traficados na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Berute (2006, p. 51). No que diz respeito à faixa etária e sexo dos escravos, é apresentado pela historiografia a preferência dada aos cativos do sexo masculino em idade produtiva (GUTIERREZ, 2001; PESSI, 2008a; BERUTE, 2006, MAESTRI, 1984; ASSUMPÇÃO, 1991). Sendo assim, a faixa etária dos cativos varia conforme o tipo de serviço que estes desempenham. Por exemplo, nas ocupações domésticas a preferência é dada a mulheres, crianças e idosos. Nos estudos realizados, a preponderância masculina ultrapassa os 70%, justamente pela necessidade de força física no preparo do charque, tendo em vista o quão pesado era este serviço. Dos cativos que trabalhavam na charqueada, mais da metade são apontados como sendo especializados numa determinada atividade (GUTIERREZ, 2001, p. 91). Pessi, em sua monografia, analisando os inventários post-morten de Pelotas, separa os variados ofícios em três grupos (Fig. 4), quais sejam os serviços de charqueada, serviços do campo e lavoura e, por fim, os serviços domésticos (2008a, p. 53). Dentre os principais ofícios que envolviam o ato de charquear, destacam-se os carneadores, desnucadores, salgadores, graxeiros, sebeiros, chimangos, charqueadores, aprendizes e tripeiros (GUTIERREZ, 2006, p. 253). Além desses, também constam os serviços de marinheiros e carroceiros, pedreiros, carpinteiros, campeiros (PESSI, 2008a, p. 53-54). Já aqueles que se dedicavam ao trabalho 29
  • 31. no campo e na lavoura, destacam-se os campeiros e roceiros. Dos serviços domésticos, aparecem com frequência os cozinheiros(as), lavadeiros(as), costureiros(as), mucama, ama-de-leite, “de todo serviço”, etc. (PESSI, 2008a, p. 54). Divisão dos escravos por ocupação 20% 22% 58% Serviços de charqueada Serviços de campo e lavoura Serviços domésticos Figura 4 – Divisão dos escravos por ocupação. Fonte: Elaborado pela autora partir de Pessi (2008a, p.54). Tendo em mente que Pelotas, como outras regiões charqueadoras, possuía grandes concentrações de escravos, o medo da insurreição era incessante. Sendo assim, as sociedades escravocratas que aqui se constituíram foram extremamente rígidas garantindo a disciplina através do completo controle da vida do escravo (MARQUES, 1990, p. 105; MAESTRI, 1984, p. 76). Embora boa parte da bibliografia afirme que a elite escravocrata tenha obtido meios de limitar a liberdade dos cativos, seja através da disciplina, vigilância ou até mesmo de punição, os escravos também lograram formas de resistir, tanto através de fugas ou aquilombamentos, como a partir de ações de criminalidade ou violência (MAESTRI, 1984, 1993; SIMÃO, 2002). Além disso, são apontados também as formas de resistência: assassinatos, suicídios, furtos, agressões, transgressões das normas, etc. Boa parte da historiografia aponta o Rio Grande do Sul como um lugar diferenciado no que diz respeito às fugas. Aqui, o sonho do escravo estaria na 30
  • 32. transposição da fronteira, na ida ao Uruguai, onde seria livre20. Como apontam Reis & Silva, “o grande obstáculo às fugas era a própria sociedade escravista, sua forma de ser e de estar, sua percepção da realidade, seus valores [...]” (1989, p. 66). Outro ponto a ser destacado faz menção ao que os autores Reis e Silva apontam como “quebra do paradigma ideológico”, demonstrando a mudança da tendência às “fugas para fora”, para lugares de difícil acesso, passando a ocorrer com mais frequência as “fugas para dentro”, quando as fugas se voltam para o interior da própria sociedade escravista, principalmente ao final do período escravocrata, já por volta de 1870 (1989, p. 71-72; MELLO, 1994). Mello (1994) aponta que as fugas eram mais frequentes nos meses de novembro a maio nas charqueadas. Época esta que coincide justamente com o período da safra do charque (MELLO, 1994, p. 118). O autor justifica tal informação apontando que o trabalho na charqueada era para o escravo o que havia de mais aviltante (MELLO, 1994, p. 119). Tais fatos atestam que a relação escravista não se deu de forma calma e pacífica. Nesta concepção, a qual Al-Allam critica, só haveria lugar para a resistência quase que exclusivamente por meio da violência. Caso contrário o cativo seria destruído pelo senhor, tornando-se “aculturado” (AL-ALLAM, 2007, p. 42). Porém, alguns autores (MELLO, 1994; REIS & SILVA, 1989) alertam para outra questão, referente às práticas cotidianas de resistência dos escravos que nem sempre eram percebidas por seus senhores. Dessa forma, busca-se afirmar que a resistência poderia se dar de tal maneira que permitisse certa flexibilidade ao escravo, como afirma Al-Allam (2007, p. 45), ao dizer: A população negra escravizada construiu alternativas de vida, conquistando pequenos espaços de autonomia econômica, social e cultural, e suas ações – individuais ou coletivas – transformaram as próprias relações de dominação a que estavam submetidos. Outra forma de resistência elencada é a que diz respeito às manifestações culturais e religiosas, utilizadas para expressar-se em meio à opressão daquela sociedade escravocrata. A partir da espiritualidade e das apropriações de símbolos religiosos, os escravos logravam a manutenção de sua identidade cultural, o que não quer dizer que abrissem mão de suas 20 No Uruguai a escravidão foi abolida em 1842 através da Ley Nº 242 (Fonte: Presidencia: República Oriental Del Uruguay. Disponível em: http://archivo.presidencia.gub.uy/_Web/ddhh/LEY242.htm). 31
  • 33. próprias concepções. Diversos autores apontam essa prática como sinal de resistência à concepção escravista (AL-ALLAM, 2007; DALLA VECHIA, 1994; MELLO, 1994). Não devemos esquecer, também, que o cativo que tinha seu trabalho explorado no preparo do charque não labutava somente na charqueada. Diversos autores apontam que estes trabalhadores escravizados eram rearranjados no período entressafra, seja em olarias ou em diversos ofícios urbanos, isto é, os senhores realocavam seus escravos ou até mesmo os alugavam durante a entressafra da produção do charque justamente para que não obtivessem prejuízo (AL-ALLAM, 2007; ASSUMPÇÃO, 1991; GUTIERREZ, 2001; MAESTRI, 1984,1993; OGNIBENI, 2005; PESSI, 2008a). Sendo assim, estes escravos conviviam em diferentes meios, com diversas pessoas das camadas populares, sejam escravos, trabalhadores pobres livres ou ex- escravos (AL-ALLAM, 2007, p. 48). Segundo o historiador Flávio Gomes, embora não analisando especificamente o contexto gaúcho, os escravos não estavam isolados dessa sociedade, mas viviam inseridos em todo esse complexo (2003, p. 112). Sendo assim, o que existia era uma rede de solidariedade. O esboço aqui resumidamente apresentado sobre a escravidão no Rio Grande do Sul, Pelotas, e, especialmente nas charqueadas do final do século XVIII e século XIX, intensificam a concepção de que os escravos não foram meros bens de consumo utilizados por seus senhores para a produção charqueadora. Mais do que isso, foram importantes atores que, embora submetidos a essa opressora conjuntura escravista, lograram afirmar-se culturalmente, tanto a partir de manifestações violentas, quanto através das práticas cotidianas (nem sempre aparentes) de resistência e das apropriações simbólicas. Assim, os escravos africanos e afrodescendentes adaptaram-se à conjuntura na qual estavam subjugados, e, a partir de apropriações e diversas transformações de suas raízes africanas, lograram criar novas identidades culturalmente diversas. Passemos, agora, à discussão sobre Arqueologia pública, disciplina que nos proporcionará investigar, no capítulo 3, as representações que os alunos da E. E. E. F. I. S. C. J. têm sobre arqueologia e o cotidiano do trabalho arqueológico. 32
  • 34. 2 Arqueologia pública Elaborado a partir de uma nova visão sobre os papéis da ciência arqueológica, o conceito de Arqueologia pública nos remete a uma redundância, sendo esta intencional (CARVALHO e FUNARI, 2007). Aline Carvalho e Pedro Paulo Funari destacam que, para boa parte dos defensores da Arqueologia pública, “toda Arqueologia, independente de seu recorte temático ou escolhas teórico-metodológicas, deveria ser, em essência, pública” (CARVALHO e FUNARI, 2007, p. 133). Ao atentar para o conceito da Arqueologia pública, vemos que é relativamente recente no que diz respeito ao campo arqueológico. É a partir dos efeitos de determinadas circunstâncias no âmbito das sociedades e das ciências, nas últimas décadas, que surgiu esse campo, sendo fruto de toda uma conjuntura: as grandes transformações ocorridas em meados do século XX, quando emergiam socialmente grupos que até então permaneciam subalternizados, tidos como “minorias”. Nesse sentido, os movimentos empreendidos tanto pelos direitos civis quanto pela emancipação feminina auxiliaram a fomentar essas ideias de transformações em diversos setores e grupos da sociedade, como é o caso das lutas pela liberdade política, social, religiosa, liberdade de opção sexual, etc. Sendo assim, independente dos consensos (ou dos não consensos), é importante perceber a Arqueologia pública como uma prática social engajada que busca, primordialmente, a construção de diálogos a respeito de conceitos (e campos) como o da própria Arqueologia, História, Patrimônio, Memória e Identidades com as mais diversas comunidades. O primeiro aspecto importante a ser elencado diz respeito a qual público se refere o termo. Em seu livro Public Archaeology, Nick Merriman aponta que a noção de “público” leva a dois possíveis significados mais específicos do que um mero “corpo coletivo de cidadãos”:
  • 35. O primeiro é a associação da palavra ‘público’ com o Estado e suas instituições (organismos públicos, edifícios públicos, escritórios públicos, interesse público) que emerge na era de intensa formação de Estados no começo do Período Moderno em diante. [...] O segundo é o conceito de público como um grupo de indivíduos que debatem questões e consomem produtos da cultura material, e cuja reação informa sobre ‘opinião pública’ (MERRIMAN, 2004, p. 1-2, destaque no original). Além disso, Merriman também atesta que tais afirmações a respeito da suposição de que o Estado age em prol do interesse público, na verdade não quer dizer que o público, incluindo as minorias, seja representado com eficiência: A suposição do Estado de que age pelo bem do interesse público significa que interesses minoritários talvez não sejam representados com eficiência e uma abordagem exagerada pode significar uma perda do contato com os desejos do público diverso (MERRIMAN, 2004, p. 2). Dessa forma, a Arqueologia pública deve assegurar que o Estado leve em conta as opiniões do público, sendo realizada de forma a prestar contas ao público sobre suas ações (MERRIMAN, 2004). Segundo Soltys (2010, p. 52), “as políticas públicas acabam por deixar de fora as chamadas minorias, e acaba apenas por refletir os interesses da elite que controla o Estado”. O campo da Arqueologia pública é, assim, de fato significativo pois pretende estudar os processos e desenvolvimentos por meio dos quais a própria disciplina transforma-se em parte de uma cultura pública, onde a contestação e a dissonância são inevitáveis (MERRIMAN, 2004). Nesse sentido, “Arqueologia pública é inevitavelmente uma questão de negociação e conflito pelo significado” (MERRIMAN, 2004, p. 5). A seguir, veremos alguns aspectos relevantes a respeito do surgimento do conceito, nos Estados Unidos e no Brasil. Buscaremos, conjuntamente, elucidar as circunstâncias em meio as quais esse campo surge e quais são suas premissas. 2.1 Surgimento do campo Pelo menos desde os anos 1970, arqueólogos passaram a se questionar sobre qual seriam as funções sociais da Arqueologia e, mais do que isso, de 34
  • 36. que forma deveriam se estabelecer as relações entre os arqueólogos, suas investigações e a sociedade em geral. O termo “Arqueologia Pública” foi utilizado pela primeira vez por Charles McGimsey III, como título de seu livro, nos Estados Unidos (“Public Archaeology” de 1972). Nesta obra, o autor discute questões referentes à destruição de sítios arqueológicos por dois motivos. O primeiro estaria relacionado ao rápido crescimento devido à acelerada urbanização e industrialização ocorrida nos Estados Unidos durante as décadas de 1960 e 1970. O segundo estaria vinculado ao problema gerado pelo vandalismo nos sítios arqueológicos, além da participação de amadores nas escavações (MERRIMAN, 2004; JAMESON, 2004; FERNANDES, 2007; CARNEIRO, 2009). Nesse sentido, nas palavras de Fernandes (2007, p. 6): as preocupações sobre a administração pública estavam atreladas principalmente ao reconhecimento do papel social da pesquisa científica, que para além de gerar curiosidade, possibilitasse ‘reconstruir’ aspectos significantes da história da ocupação humana em território americano em benefício público. No que diz respeito às relações entre Arqueologia e Sociedade, a autora acima citada chama atenção para o fato de que ambas são caracterizadas por possuir interesses que ora convergem, ora divergem, visto que a sociedade é formada não por uma massa amalgamada, mas um conjunto de indivíduos que podem ser reunidos em inúmeros segmentos. Sendo assim, “a partir desta compreensão, a disciplina dialoga não com a Sociedade como um todo, mas com diferentes públicos” (FERNANDES, 2007, p. 7). Complementa-o McManamon (1991, p. 121): Os dirigentes da Arqueologia americana perceberam que uma melhor compreensão pública sobre Arqueologia levará a uma preservação maior de sítios e dados, a menos pilhagens de sítios e vandalismo, maior apoio para a curadoria de coleções e registros arqueológicos, e uma demanda ainda maior interpretações arqueológicas e participação do público. O termo foi associado ao desenvolvimento da legislação referente ao Gerenciamento dos Recursos Culturais (Cultural Resource Management - CRM)21. McGimsey acreditava que os arqueólogos deveriam rever tanto o seu 21 Ver Box 1. 35
  • 37. papel profissional, como o próprio papel social da produção científica em Arqueologia (MERRIMAN, 2004; JAMESON, 2004; FERNANDES, 2007; CARNEIRO, 2009). Merriman aponta que o tamanho dos Estados Unidos e seu vasto potencial arqueológico levaram à percepção de que o público não- profissional deveria ser cooptado no serviço arqueológico se os sítios haveriam de ser protegidos ou investigados responsavelmente (MERRIMAN, 2004). Segundo Fowler (1982, p. 18), as bases da CRM foram estabelecidas conforme a compreensão dos recursos culturais como “recipientes” de informação. A partir desse entendimento, o principal objetivo da CRM é determinar os significados completos que não só podem, como devem, ser extraídos dos dados retirados dos recursos. Trata-se, então, de como a pesquisa será conduzida no controle dos recursos. Segundo Merriman (2004, p. 3): A CRM foi, portanto, Arqueologia ‘pública’ pois contou com o apoio público, a fim de convencer os legisladores e empreendedores que os sítios arqueológicos precisavam de proteção ou atenuação de riscos, e muitas vezes se baseou em não-profissionais para fazer o trabalho. Convergindo com esse entendimento, Jameson (2004, p. 22) atesta que a Arqueologia pública pode ser entendida como um campo do conhecimento que abrange “as consequências de conformidade da CRM, bem como de educação em Arqueologia e interpretação do público nas arenas públicas, como escolas, parques e museus”. Nessa mesma linha de raciocínio, é interessante a opinião dos autores Renfrew & Bahn (2007), os quais referem-se à CRM como passível de ser considerada Arqueologia pública, pois faz uso do financiamento público para empreender as pesquisas arqueológicas, sendo entendida pelos autores como gestão pública do patrimônio arqueológico que busca adequar-se aos interesses da disciplina e das coletividades. Como podemos perceber, o surgimento do campo da Arqueologia pública está intimamente conectado com a profissionalização da Arqueologia e com a inserção da responsabilidade profissional. Fernandes (2007) afirma que a partir da segunda metade dos anos 1970 e início de 1980, com a grande demanda de arqueólogos no contexto da CRM, questionou-se sobre a atuação dos profissionais sem uma formação adequada. Sendo assim, outra questão pública é colocada na ordem do dia, qual seja a ética profissional, que também 36
  • 38. é discutida por McGimsey (Public Archaeology, de 1972) (FERNANDES, 2007, p. 15). Box 1 – Legislação de preservação dos recursos culturais e naturais nos Estados Unidos como 22 suporte para a discussão de proteção do patrimônio arqueológico . Fazem parte desses dispositivos algumas leis e decretos como: Lei de Antiguidades (Antiquities Act), de 1906, que marcou o reconhecimento nacional da importância dos recursos arqueológicos, autorizou o presidente a reservar e estabelecer por ordem do executivo ou decreto nacional, os monumentos contendo sítios e estruturas que possuíssem valor histórico ou científico em terras públicas, além de requerer permissões para examinar ou escavar ruínas históricas ou pré- históricas, limitou a emissão de licenças a instituições científicas reconhecidas e proibiu a destruição de qualquer objeto de antiguidade, além de adotar penalidades para as violações. Lei Orgânica do Serviço de Parques Nacionais (National Park Service Organic Act), de 1916, que fundou o Serviço de Parques Nacionais (National Park Service), era encarregado de proteger preciosidades naturais e culturais da nação. Lei de Sítios Históricos (Historic Sites Act), de 1935, que estabeleceu uma política nacional de preservação para o uso público de sítios históricos e arqueológicos, edificações históricas e objetos de importância nacional e inspiração para o benefício do povo dos Estados Unidos. Esta lei também autorizou a criação do conselho consultivo National System Advisory Board, para assessorar o Departamento do Interior nos assuntos relativos ao National Park System e na administração da política nacional. Este conselho, na opinião de Jameson (2004), foi importante para a Arqueologia pública, pois o Departamento do Interior autorizou o desenvolvimento de programas educacionais e pesquisas que buscavam avaliar informações públicas pertinentes à significância de sítios arqueológicos, tanto históricos quanto pré-históricos. Esta lei aumentou a causa pela preservação histórica e provocou interesse público, privado e profissional na Arqueologia americana. Assim, tornaram-se acessíveis ao público o conjunto de sítios históricos, monumentos, parques nacionais e estaduais, etc. Lei de Preservação Histórica Nacional (National Historic Preservation Act– NHPA), de 1966, que estabeleceu a Política Nacional de Meio Ambiente (National Environmental Policy Act), em 1969. Esta lei (NHPA) foi reformada em 1976 e 1980. Decreto-Lei 11593 – Protection of the Cultural Environment (Proteção do Ambiente Cultural), de 1971. Lei de Preservação Histórica e Arqueológica (Archaeological and Historic Preservation Act), de 1974. Este conjunto de leis e decretos mencionados acima transformaram o papel da pesquisa arqueológica e da preservação, fazendo com que a maneira como a Arqueologia era conduzida nos Estados Unidos fosse modificada de forma significativa. No debate subsequente, a Sociedade de Arqueologia Americana (Society for American Archaeology – SAA), criada em 1934, assume um papel de destaque pois, sendo a principal organização profissional dos Estados Unidos, fica a cargo de elaborar uma série de dispositivos referentes ao código de ética e estatuto profissional. Porém, algo que merece atenção é a questão da criação da SAA. Possuindo esta uma perspectiva acadêmico-científica, provocou uma discussão a respeito da validade do registro emitido por esta 22 Realizado a partir de JAMESON (2004), MERRIMAN (2004), RENFREW & BAHN (2007), FERNANDES (2007) e CARNEIRO (2009). 37
  • 39. Instituição, fato que levou à posterior fundação da Sociedade de Arqueólogos Profissionais (Society of Professional Archaeologists – SOPA). São realizados então alguns códigos e normas relevantes23 (FERNANDES, 2007; CARNEIRO, 2009). O primeiro é o Código de Princípios Éticos da SAA (de 1996) e o segundo é o Código de Conduta Profissional e as Normas de Desempenho de Pesquisa do Registro de Arqueólogos Profissionais – ROPA, de 1997. Estes códigos tinham como objetivo definir as responsabilidades dos arqueólogos com o público, clientes, empregadores, etc. (JAMESON, 2004; MERRIMAN, 2004; FERNANDES 2007; CARNEIRO, 2009). Segundo apresentado no Box 2, podemos perceber que uma questão pública que aparece diz respeito à responsabilidade com a transmissão do conhecimento, cujo aspecto consta em diversos pontos apresentados. Por fim, há um aspecto que para os objetivos desse trabalho merece ser destacado, qual seja a responsabilidade com a transmissão do conhecimento produzido a partir das interpretações do registro arqueológico e as apropriações dessas interpretações por parte das comunidades. É nesse sentido que se torna essencial a elaboração de processos pedagógicos que criem um espaço para reflexão crítica. Somente dessa forma, permite-se que os estudantes não somente compreendam o material e os processos sociais que geram e reproduzem a sua própria subjetividade; mais que isso, possibilita- se o questionamento e até mesmo a transformação desses processos (HAMILAKIS, 2004). Segundo Hamilakis (2004, p. 288): Pedagogia em Arqueologia, ou em qualquer outro campo, não é simplesmente a transferência passiva do conhecimento produzido nem a formação de estudantes em certas competências e habilidades, como o atual discurso dominante nos quer fazer acreditar. 23 Sobre o Código de Princípios Éticos (SAA), Código de Conduta Profissional (ROPA) e as Normas de Desempenho de Pesquisa do Registro de Arqueólogos Profissionais (ROPA), ver Box 2. 38
  • 40. Box 2 – Alguns apontamentos relevantes sobre a relação entre Arqueologia e a 24 sociedade nos Códigos da SAA, SOPA e ROPA Código de Princípios Éticos – SAA (1996) Princípio nº02: Responsabilidade social Pesquisas arqueológicas responsáveis, incluindo todos os níveis de atividade profissional, requererem um conhecimento da responsabilidade pública e um comprometimento em fazer todo esforço razoável, em boa-fé, para trocar opiniões ativamente com o(s) grupo(s) afetado(s), com o objetivo de estabelecer uma relação ativa que possa ser benéfica a todas as partes envolvidas. Princípio nº04: Educação pública e divulgação Arqueólogos deveriam divulgar, e participar em esforços de cooperação com outros interessados no registro arqueológico, com o objetivo de tornar maior a preservação, proteção, e intepretação do registro. Em particular, arqueólogos deveriam comprometer-se com: 1) obter apoio popular para a gestão do registro arqueológico; 2) explicar e promover o uso de métodos arqueológicos e técnicas no entendimento do comportamento humano e cultura; e 3) comunicar interpretações arqueológicas do passado. Muitos públicos existem ara a Arqueologia, incluindo alunos e professores; nativos americanos e outras etnias, grupos culturais e religiosos que encontram no registro arqueológico importante aspecto de sua herança cultural; legisladores e oficiais do governo, repórteres, jornalistas, e outros envolvidos na mídia; e outros envolvidos na mídia; e o público em geral. Os arqueólogos que são incapazes de comprometer-se com educação pública e divulgação direta, deveria encorajar e apoiar os esforços de outros nessas atividades. Princípio nº06: Reportagem pública e publicação Dentro de um período razoável, o conhecimento obtido por arqueólogos através da investigação do registro arqueológico, deve ser apresentado de forma acessível (através de publicação ou outras maneiras) a uma grande massa de interessados quando houver uma publicação e distribuição de informações sobre sua natureza e localização. Código de Conduta Profissional – ROPA (1997) I. A responsabilidade do arqueólogo para com a sociedade: I.1 Um arqueólogo deve:  Reconhecer uma sociedade que o represente e publicar resultados de pesquisa para o público de maneira responsável;  Apoiar ativamente a conservação da base de recursos arqueológicos;  Ser sensível e respeitar as preocupações legítimas de grupos, cuja história cultural é objeto de investigação arqueológica;  Evitar e desencorajar declarações exageradas, enganosas ou injustificadas sobre questões arqueológicas que induzam outros a envolver-se em atividades ilegais e antiéticas;  Apoiar e cumprir os termos da Convenção da UNESCO sobre os meios de proibição e prevenção a importação, exportação e transferência de qualquer propriedade cultural, como adotado pela Conferência Geral de 14 de novembro de 1970. Normas de Desempenho de Pesquisa do Registro de Arqueólogos Profissionais – ROPA (1997) VI. O arqueólogo tem responsabilidade pela disseminação apropriada dos resultados de sua pesquisa e distribuidores apropriados com boletim razoável: 6.1 Resultados revistos como contribuições significantes a conhecimentos substantivos do passado ou progressos em teoria, métodos ou técnicas devem ser disseminados a colegas e a outras pessoas interessados por meio apropriados, tais como: publicações, apresentações em encontros profissionais, ou cartas a colegas; 6.2 Pedidos de colegas qualificados para informações de resultados de pesquisa devem ser prontamente atendidos, se é consistente com os direitos prioritários do pesquisador para publicação e com suas outras responsabilidades profissionais; 6.3 Falhas em completar um relatório profissional dentro de 10 anos, após o término do projeto de campo, devem ser interpretados como renúncia dos direitos de primazia do arqueólogo com respeito à análise e publicações de dados. Após a expiração de tal período ou de um período de tempo menos de tempo, o arqueólogo deve determinar a divulgação ou não publicação de tais resultados, mas o dado deve estar plenamente acessível a outros arqueólogos para análise e publicação; 6.4 Ainda que obrigações contratuais devam ser respeitadas, arqueólogos não devem entrar em um novo contrato que proíba o arqueólogo de incluir suas próprias interpretações ou conclusões nos relatórios, ou de um direito contínuo para usar o dado após o término do projeto; 6.5 Arqueólogos têm obrigação em consentir com pedidos razoáveis para interpretações de jornais midiáticos. 24 Aqui optamos por compilar os trechos mais relevantes à nossa pesquisa. Este Box foi elaborado com base em FERNANDES (2007, p. 18, 20 e 22) e CARNEIRO (2009, p. 94, 95, 96). 39
  • 41. Nesse sentido, cabe fazer uma última ponderação, qual seja a de que a “pedagogia é, em parte, uma tecnologia de poder, linguagem e prática que produz e legitima formas de regulação moral e política que construa e ofereça aos seres humanos visões particulares de si e do mundo” (GIROUX apud HAMILAKIS, 2004, p. 288). Essa aproximação serviu para expor o surgimento da Arqueologia pública tendo o caso norte-americano como expressão última desse processo. A próxima seção é dedicada ao estudo da trajetória desse campo do conhecimento na realidade brasileira. 2.2 Arqueologia pública no Brasil e perspectivas atuais Para tomar conhecimento das questões públicas da Arqueologia no Brasil e das tentativas de defesa do patrimônio arqueológico brasileiro, voltamos ao período entre 1920 até 1960, quando então diversos intelectuais estavam envolvidos em debates preservacionistas em contraposição ao discurso de progresso e industrialização (FERNANDES, 2007). Nesse sentido, a fundação da instituição de patrimônio cultural brasileiro, Serviço Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937, com o objetivo de promover, preservar e tornar público o patrimônio, demonstra as preocupações em torno da divulgação, popularização e preservação do patrimônio arqueológico (CARNEIRO, 2009). Sendo assim, cabe elencar o Decreto-Lei 25/3725 publicado pelo então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, já durante o seu período ditatorial. Este Decreto-Lei visa organizar a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Foi justamente devido a este instrumento que todo um código penal foi emitido na década de 1940, o qual, pela primeira vez, visava a punição para a destruição de bens culturais. No Decreto-Lei 25/37, o patrimônio histórico é tido como: [...] o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (BRASIL, 1937). 25 Ver a propósito Anexo B (BRASIL, 1937). 40
  • 42. Em 1952, foi criada a Comissão de Pré-história por Paulo Duarte, que militou pela proteção do patrimônio arqueológico. Esta Comissão tinha como objetivo proteger os sítios arqueológicos (FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; FERNANDES, 2007). As discussões subsequentes, principalmente incitadas por intelectuais como o próprio Paulo Duarte, levaram à aprovação da Lei 3924/6126 pelo Congresso, em 1961. Nessa Lei, os sítios arqueológicos são tomados como sendo monumentos e bens da União (BRASIL, 1961, Art. 1). Dessa forma, fica proibida sua destruição e seu uso com objetivos econômicos, inclusive trazendo penalização para o seu descumprimento (BRASIL, 1961, Art.3 a 5). Outra questão que cabe mencionar é que através desta Lei, fica a cargo do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o comprometimento com a gestão do patrimônio, além de tornar-se o órgão responsável por emitir permissões para intervenções arqueológicas (BRASIL, 1961, Art. 11). Porém, as questões referentes à divulgação das escavações arqueológicas e programas educacionais não constam na Lei nº 3924/61. No mesmo ano em que é instaurada a ditadura militar brasileira (1964) desenvolve-se o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), coordenado pelos arqueólogos americanos Clifford Evans e Betty Meggers, montado em colaboração com o SPHAN e financiado pelo Smithsonian Institution sediado em Washington e algumas instituições brasileiras como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; FERNANDES, 2007; CARNEIRO, 2009; SILVA, 2011). Este Programa, que se insere no contexto da vinda de especialistas estrangeiros, visava realizar um mapeamento de sítios arqueológicos buscando estabelecer um quadro da ocupação pré-histórica brasileira (FERNANDES, 2007; FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; CARNEIRO, 2009; SILVA, 2011). Porém, também foi bastante criticado, principalmente devido à pressão do governo ditatorial, que logrou inviabilizar diversas pesquisas arqueológicas que tivessem uma abordagem mais crítica (FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; SILVA, 2011). No Brasil, o surgimento do campo da Arqueologia pública está intrinsecamente ligado ao processo de redemocratização política, que a partir 26 Ver a propósito Anexo C (BRASIL, 1961). 41
  • 43. de meados da década de 1980 torna-se crucial para sua consolidação. Sendo assim, os debates em torno da divulgação das pesquisas arqueológicas e dos programas educacionais passam a fazer parte do contexto brasileiro após meados da década de 1980. A partir de então, com o fim da censura, pesquisadores encontram novos espaços de comunicação com a sociedade de uma forma geral e com suas pesquisas arqueológicas (CARVALHO & FUNARI, 2007; OLIVEIRA, 2009). Até então, toda investida em divulgação das investigações arqueológicas estavam relacionadas ao processo de musealização da Arqueologia. Ao prestar atenção no contexto internacional, veremos que no ano de 1986 surge o World Archaeological Congress. Dentre suas discussões, aparecem os aspectos sociais da disciplina, num sentido de compreender as relações existentes entre a Arqueologia e a sociedade, sendo este um dos pilares da Arqueologia pública (CARVALHO & FUNARI, 2007). Como demonstrado até agora, entre os anos de 1961 e 1985 foram empreendidas diversas iniciativas com objetivo de estreitar as relações entre Arqueologia e a sociedade de forma geral. Desta maneira procurou-se propiciar maior proteção aos bens culturais, e, além disso, originaram-se diversas ações que buscavam realizar divulgação do conhecimento arqueológico no país. Assim, foram planejadas iniciativas nos próprios trabalhos de campo da Arqueologia, sendo estas voltadas para o envolvimento das comunidades na pesquisa arqueológica, preservação dos vestígios materiais e na própria divulgação (CARVALHO & FUNARI, 2007; FUNARI & GONZÁLEZ, 2008). Em 1990, o Comitê Internacional para a Gestão do Patrimônio Arqueológico (ICOMOS/ICAHM) publicou a Carta Internacional para a Gestão do Patrimônio Arqueológico. Direcionada aos profissionais da área, objetivava estabelecer meios de proteção específicos de vestígios considerados como patrimônio arqueológico. Nesta Carta, o patrimônio arqueológico é definido de forma genérica, englobando: [...] as marcas da existência do homem e se refere aos lugares onde se praticou qualquer tipo de atividade humana, às estruturas e vestígios abandonados de qualquer índole, tanto na superfície como enterrados, ou em baixo d’água, assim como ao material relacionado com os mesmos (ICOMOS/ICAHM, 1990). 42
  • 44. Esta Carta estabelece que, de forma a envolver a sociedade, é imprescindível fornecer ao público geral informações relacionadas ao patrimônio. Esta destaca que as especificidades de cada localidade devem ser consideradas, e que não existe, ademais, um modelo específico para a ação de preservação e educação; por fim, que o passado deve ser respeitado e mostrado como sendo algo multifacetado (CARVALHO & FUNARI, 2007). Desta forma, experiências27 de diversos arqueólogos vêm comprovando que o envolvimento das comunidades é fundamental e primordial (FERREIRA, 2011). Esta forma de fazer Arqueologia, “oferece-nos metodologias propícias para reconsiderarmos o trabalho com o público e enfrentarmos as escolhas quase sempre unilaterais das políticas de representação do patrimônio cultural” (FERREIRA, 2011, p. 29). Como aponta Lúcio Ferreira, nesse campo atenta-se para a necessidade de tornar as comunidades em “agentes e colaboradoras ativas da pesquisa arqueológica”28. Além disso, é necessário realizar entrevistas periódicas e história oral, pois através destas será possível compreender o entendimento, interpretações e apropriações das comunidades para com as pesquisas arqueológicas29. Cristóbal Gnecco e Carolina Hernández trazem algumas questões interessantes sobre a atuação do público e criação de interpretações: O alcance público tem se tornado eticamente obrigatório e estrategicamente necessário. No entanto, para muitos arqueólogos, alcance público é somente um meio de compartilhar resultados – ou seja, não como uma empreitada colaborativa e coletiva, mas como um processo unidirecional pelo qual conhecimento especializado é comunicado para o público. Povos nativos são incluídos nesse processo com a ideia de que eventualmente venham a descobrir a utilidade da informação arqueológica em suas próprias histórias. Em contraste, a Arqueologia pública (ou seja, Arqueologia para e pelo público) é concebida não como um processo unidirecional no qual o sábio arqueólogo aconselha povos ignorantes sobre sua própria história, mas como uma co-produção na qual partes interessadas colaboram, aprendem umas com as outras, e conjuntamente (mas não sem conflito) produzem história. (GNECCO & HERNÁNDEZ, 2008, p. 452). 27 Algumas experiências já foram publicadas, como: MONTENEGRO & APARICIO (2008); GREER et all (2002); GNECCO & ROCABADO (2010); ARDREN (2002); COLLEY (2004); MOSER et all (2002); BARDAVIO et all (2004). 28 FERREIRA, loc. cit. 29 FERREIRA, loc. cit. 43