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editorial      Revista
                                                                                                     Publicação da
                                                                                                     moreira jr. editora ltda.



               Brasileira de
                                                                                                     Rua Henrique Martins, 493 - CEP 04504-000
                                                                                                     Tel.: (011)3884-9911 - Fax: (011)3884-9993
                                                                                                     São Paulo - SP - E-mail:


               Medicina
                                                                                                     editora@moreirajr.com.br
                                                                                                     Web site: www.moreirajr.com.br

                                                                                                     Editor Coordenador
               NEUROPSIQUIATRIA                                                                      Vladimir Bernik

                                                                                                     Conselho Editorial
                                                                                                     Alexandrina Meleiro (FMUSP)
                Abertura de conceitos amplia                                                         Antônio Egídio Nardi (UFRJ)
                                                                                                     Carlos R. de M. Rieder (HC Porto Alegre)
                estratégias terapêuticas                                                             Carmita H.N. Abdo (FMUSP)
                                                                                                     Chei Tung Teng (HC-FMUSP)
                                                                                                     Denise Hack Nicaretta (UFF)
   Sem dúvida existe hoje uma demanda cada vez maior dos serviços psiquiátricos no                   Doris Hupfeld Moreno (HC-FMUSP)
Brasil e no mundo. Preconceitos e mitos caem pela galopante evolução da Psiquiatria                  Fábio Lopes Rocha (IPSEMG)
                                                                                                     Fábio G. Matos (UFCE)
e a busca dos especialistas vem aumentando mais que a paralela formação dos espe-                    Fátima Vasconcellos (APERJ)
cialistas.                                                                                           Hélio Teive (UFPR)
   A primeira consequência deste fenômeno é que a Psiquiatria, e algumas poucas                      Henrique Ballalai Ferraz (UNIFESP-EPM)
outras especialidades médicas mostraram um crescimento científico profundo e de-                     Irismar Reis de Oliveira (UFBA)
talhado, principalmente em pesquisas e em modernidade. Começando pela                                José Alberto Del Porto (UNIFESP-EPM)
                                                                                                     Kalil Duailibi - Fac. de Medicina de Santo
reformulação dos conceitos e dos critérios de diagnóstico, que resultarão numa pró-                  Amaro
xima edição do DSM-5, os quadros patológicos se definem melhor, permitindo o                         Luiz Augusto Franco de Andrade
detalhamento progressivo das patologias nesta especialidade.                                         (Hospital Albert Einstein - SP)
   A imediata resposta vem da ampliação consequente dos esquemas terapêuticos,                       Luiz Gonzaga Vaz Coelho (UFMG)
hoje cada vez mais exatos e precisos, em função da observação de diferentes verten-                  Márcio Bernik (FMUSP)
                                                                                                     Marcos Pacheco de Toledo Ferraz (UNIFESP-
tes de conhecimentos utilizadas para o aprimoramento do diagnóstico. Cada vez                        EPM)
mais o médico tem condições de detalhar o quadro clínico do paciente, resultando                     Orlando Barsottini (UNIFESP-EPM)
numa melhor abordagem terapêutica.                                                                   Ricardo Alberto Moreno (HC-FMUSP)
   A presente edição é um exemplo desta evolução para a modernidade. Falar se hoje                   Ricardo S. Komatsu (FAMEMA)
do Transtorno Afetivo Bipolar já não se baseia mais na limitação do diagnóstico. E,                  Sandra Odebrecht Vargas Nunes (UEL)
                                                                                                     Sérgio Luís Blay - UNIFESP
como tão bem o abordam estes artigos, o Transtorno Bipolar é hoje considerado o                      Vanderci Borges (UNIFESP-EPM)
“Espectro Bipolar”, pois muitos quadros limítrofes foram abrangidos por um diagnós-                  Vanessa de Albuquerque Cítero (UNIFESP)
tico mais amplo, permitindo melhor o entendimento e a busca de soluções terapêuti-                   Vitor Tumas (FM Ribeirão Preto)
cas. Esta busca de melhores soluções tem como consequência imediata a procura de                     Ylmar Corrêa Neto (UFSCA)
medicamentos cada vez mais específicos. O que representa, em última instância,
uma evolução cada vez maior da Psiquiatria.                                                          A Revista Brasileira de Medicina, ISSN 0034-
   Falando do diagnóstico do Espectro Bipolar, além da sintomatologia clínica, a evo-                7264, editada desde 1944, é publicada men-
lução de cada paciente pode ser mais bem individualizada se levarmos em conta                        salmente (de jan/fev a dezembro) pela Moreira
também os aspectos da personalidade. E o entendimento da personalidade, mesmo                        Jr. Editora Ltda. e destina-se a divulgar a inves-
em níveis inconscientes, inserida num todo de vivências e de ações ambientais, pode                  tigação médica brasileira, por meio da publica-
                                                                                                     ção de artigos originais de estudos clínicos e
ser visto a partir de enfoques analíticos. Assim vem abrindo-se horizontes mais am-                  experimentais, considerados de bom nível ci-
plos , que permitem uma adequação melhor do tratamento a cada caso clínico em                        entífico, realizados em nosso meio. Atuar como
particular. Nem sempre colocar de lado as técnicas clássicas e tradicionais é válido, já             instrumento do Ensino continuado em Medici-
que estas sempre incorporaram mais elementos aos diagnósticos clínicos, permitin-                    na, estimulando e promovendo a publicação
do que realmente cada paciente pudesse ser entendido como um universo próprio,                       de artigos de atualização e revisão sistemática
                                                                                                     e de meta-análise, escritos por convite por es-
com sua doença, mas com toda uma personalidade consciente e inconsciente, que,                       pecialistas reconhecidos. Atuar, por meio de
no mínimo, altera a sua resposta à terapêutica instituída.                                           cartas dirigidas ao Editor, como fórum para a
   Um os principais grupos terapêuticos no controle das fases de mania e de hipomania                documentação de experiências pessoais e de-
dos quadros do Espectro Bipolar são os antipsicóticos. Uma necessidade imperiosa                     bates de interesse médico-científico.
no controle dos pacientes, tanto com sintomas positivos quanto os com sintomas
                                                                                                     Os conceitos e opiniões emitidos nos artigos
negativos.                                                                                           são de responsabilidade exclusiva dos auto-
   Estes partem desde a tradicional, e ainda usada, clorpromazina até os medicamen-                  res e nas propagandas são de responsabili-
tos de última geração, cujos efeitos terapêuticos se observam desde o início da sua                  dade exclusiva dos anunciantes.
administração. A adequada seleção dos mesmos, cada um mais apropriado a cada
caso, permite a recuperação mais rápida, mais eficiente e com menos efeitos colaterais.              Todos os artigos publicados na Revista Brasi-
                                                                                                     leira de Medicina terão seus direitos resguar-
   Qual destes deverá ser usado vai depender do quadro clínico de cada paciente e do                 dados pela Moreira Jr. Editora Ltda. e só pode-
objetivo que o psiquiatra traça quanto à sua recuperação. Escolhendo, por outro lado,                rão ser publicados, parcial ou integralmente,
o mais eficiente, mas também o que menos efeitos colaterais apresentem. Estes efei-                  com autorização por escrito da Editora.
tos colaterais, quando não bem explicados e entendidos de parte a parte, o médico e
o paciente/familiares podem ser um obstáculo ao tratamento. Daí a necessidade de                     Revista Brasileira de Medicina está registrada
                                                                                                     na lei de imprensa sob nº 5.142 em 06/05/77
uma comunicação adequada entre ambas as partes.                                                      (3º Cartório de Registro de Títulos e
   E, por falar dos psicóticos atípicos, hoje um realce na moderna Psiquiatria, a pato-              Documentos). Censura Federal Nº 2.340 - P.
logia que também mais se beneficiou com estes avanços terapêuticos foi a clássica                    209/73.
esquizofrenia, conhecida historicamente e descrita por autores de todos os tempos.                   Esta revista figura no INDEX MEDICUS LATINO
Pela relativamente alta prevalência entre as psicoses, o estudo da terapêutica da                    AMERICANO (LILACS), Excerpta Medica, Perio-
                                                                                                     dica, SIIC-DATABASES, Ulrich’s Periodicals Di-
esquizofrenia pela nova classe de antipsicóticos mais modernos, sempre permite                       rectory, Tropical Diseases Bulletin, La Prensa
adicionar novos conhecimentos aos que já possuímos, abrindo os esquemas em uso                       Medica Mundial, Bibliografia Brasileira de Me-
para a luz da modernidade.                                                                           dicina e Database Global Health.

                                                                   Dr. Vladimir Bernik


                                                      revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012         1
Destaque
     índice

                                                4
                                                         Esquizofrenia: antipsicóticos atípicos
                                                         Itiro Shirakawa
                                                         Marcel H. Kaio


                                                         Destaque
                                              12
                                                         Transtorno afetivo bipolar. Atenção às diferenças
                                                         José Gilberto Franco


                                                         Destaque
                                              20         Transtorno de humor (afetivo) bipolar - TAB
                                                         Ricardo Cezar Torresan
                                                         Florence Kerr-Corrêa
                                                         Gabriel Savi Coll


                                                         Artigo comentado
                                              25         Memantina na doença de Alzheimer moderada
                                                         a grave
                                                         Renata Areza-Fegyveres


                                                         Artigo comentado
                                              29         Eficácia comparativa e aceitabilidade de
                                                         12 antidepressiv]os da nova geração:
                                                         uma meta-análise de múltiplos tratamentos
                                                         Elisa Brietzke


                                                         Eventos
                                              33




2   revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
Um passo adiante

RBM-Neuropsiquiatria em busca do aperfeiçoamento contínuo

do seu conteúdo para oferecer ao médico o que de melhor a

medicina vem oferecendo nesta área, inicia uma fase mais di-

nâmica de apresentação de suas matérias. É um passo adiante

no aprofundamento das patologias vinculadas à neuropsiquia-

tria.


Neste número, em entrevista concedida à jornalista Branca

Ferrari, o Dr. José Gilberto Franco amplia o horizonte de abor-

dagem do Transtorno Afetivo Bipolar, comentando aspectos

cruciais do diagnóstico para uma boa evolução do tratamen-

to. Ainda na área do Transtorno Afetivo Bipolar, o Dr. Ricardo

Cezar Torresan, Dra. Florence Kerr-Coorrêa e Dr. Gabriel Salvi

Coll tratam questões pertinentes às causas, diagnóstico e tra-

tamento, com destaque para o fato de que atinge igualmente

homens e mulheres de qualquer raça e está associado a pre-

juízos psicossociais e profissionais importantes.


Já o Dr. Itiro Shirakawa e Dr. Marcelo Kaio falam do tratamento

da Esquizofrenia com antipsicóticos atípicos, oferecendo reco-

mendações básicas, indicações e efeitos adversos dos medica-

mentos em uso no país. Chamam a atenção para as conse-

quências psicológicas e sociais devastadoras deste transtorno

tanto para seus portadores como para seus familiares.




                    revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012   3
Revista
                         Brasileira de
                         Medicina
                         NEUROPSIQUIATRIA




                         Esquizofrenia:
                         antipsicóticos atípicos

                                                                                  RBM - Entre as psicoses como é classificada a es-
                                                                                  quizofrenia?

                                                                                     A esquizofrenia é a mais comum das psicoses crôni-
                                                                                  cas1. Manifesta-se em aproximadamente 1% da popula-
                                                                                  ção, principalmente no sexo masculino e em indivíduos
                                                                                  jovens, estando presente em todas as culturas, regiões
                                                                                  geográficas e estratos sociais. Sendo um transtorno men-
                                                                                  tal de evolução crônica gera, comumente, consequên-
                                                                                  cias psicológicas e sociais devastadoras, tanto para seus
                                                                                  portadores quanto para seus familiares, ceifando sonhos
                                                                                  e aspirações de boa parte deles.
                                                                                     Muitos pesquisadores contribuíram, com o passar dos
                                                                                  anos, para a melhor compreensão da doença. Emil
                                                                                  Kraepelin (1896) enfatizou os aspectos processuais da
                                                                                  patologia, Eugen Bleuler (1911) se notabilizou na defini-
                                                                                  ção dos sinais e sintomas típicos, Kurt Schneider (déca-
                                                                                  da de 30) descreveu os sintomas de primeira ordem, que
                                                                                  retratavam a vivência psicótica em si.
                                                                                     Além desses avanços na descrição psicopatológica da
                         Itiro Shirakawa                                          doença, pôde-se também observar, mais recentemente,
                         Professor titular do Departamento de                     uma importante evolução nas áreas de neurobiologia,
                         Psiquiatria da Universidade Federal de São
                                                                                  neuroimagem e neuropsicologia. A psicofarmacologia,
                         Paulo da Escola Paulista de Medicina
                         (UNIFESP-EPM).                                           em especial, vem contribuindo decisivamente para a
                                                                                  melhoria da clínica e do atendimento aos portadores de
                         Marcel H. Kaio                                           esquizofrenia.
                         Pós-graduando do Departamento de
                         Psiquiatria da Universidade Federal de São
                                                                                  RBM - O que mudou no tratamento da doença ao
                         Paulo da Escola Paulista de Medicina
                         (UNIFESP-EPM).                                           longo do tempo?

                                                                                    A era moderna do tratamento dos transtornos psicóti-
                                                                                  cos se iniciou em 1952 com o descobrimento das propri-
                                                                                  edades antipsicóticas da clorpromazina e seu efeito na
                                                                                  melhora dos sintomas da doença. Inicialmente a clorpro-
                                                                                  mazina foi denominada como fármaco neuroléptico (do


4   revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
destaque

grego neuron e lepsis, em referência a “contenção do             RBM - Quais os elementos essenciais ao diagnósti-
sistema nervoso”), termo utilizado para descrever seus           co apropriado da esquizofrenia?
efeitos inibitórios centrais sobre a psicomotricidade.
   Outros compostos antipsicóticos surgiram e, como a                O diagnóstico precoce da esquizofrenia permite que
clorpromazina, foram considerados pertencentes à clas-           os impactos causados pela doença sejam evitados ou,
se dos fármacos neurolépticos, na qual os efeitos tera-          pelo menos, retardados. O conhecimento e a correta iden-
pêuticos se apresentavam inseparáveis dos sintomas               tificação dos sintomas ainda são as melhores estratégi-
extrapiramidais (SEP), efeitos secundários indesejáveis          as para se detectar as alterações geradas pela patologia
produzidos pelos mesmos2.                                        e, posteriormente, instituir-se o tratamento incisivo dos
   Todavia, o maior benefício desses medicamentos foi            surtos psicóticos.
ter viabilizado a transformação da esquizofrenia em do-              A heterogeneidade da esquizofrenia, muito apontada
ença ambulatorial – até então ainda muito vinculada à            por Bleuler no início do século passado, tem sido com-
institucionalização crônica – e possibilitado aos seus           provada a partir das décadas de 80-90 por pesquisas
doentes usufruir de outras técnicas terapêuticas, como           que procuraram identificar subtipos específicos que a
hospitais-dia e centros de atenção psicossocial. Permi-          definam melhor, tendo se utilizado de técnicas avança-
tiu, também, uma melhor reinserção familiar, reintegra-          das de neuroimagem, estatística e testes neuropsicoló-
ção social e laborativa desses pacientes.                        gicos.
   No panorama atual, o desenvolvimento de novas me-                 Dentre várias abordagens diagnósticas se destaca a
dicações tem priorizado, principalmente, a melhora glo-          de Peter Liddle3, que no início da década de 90 sugeriu
bal dos portadores da doença. Observava-se na prática            uma abordagem dimensional da esquizofrenia. Tal abor-
clínica que o tratamento com os antipsicóticos clássicos         dagem tenta estabelecer dimensões sintomatológicas, as
(de primeira geração) se restringia apenas ao controle           quais podem refletir mais facilmente a heterogeneidade
dos sintomas positivos (ou produtivos) da esquizofrenia          e a variabilidade clínica da patologia.
e não propiciava melhora dos sintomas negativos da                   As abordagens categoriais, por outro lado, tentam di-
doença. O parkinsonismo medicamentoso induzido pela              ferenciar subtipos da esquizofrenia dentro de critérios
diminuição da transmissão dopaminérgica no sistema               sintomatológicos bem definidos, porém com uma des-
nervoso (através do bloqueio de receptores de dopami-            crição de corte transversal, ou seja, procuram classificar
na no sistema nigroestriatal) dificultava a adesão de pa-        um surto a partir de um conjunto de sintomas presentes
cientes e familiares ao tratamento e contribuía para a           na fase aguda.
piora dos sintomas negativos.                                         Vamos nos restringir à classificação dimensional de
                                                                 Liddle que permite, de forma mais prática e objetiva, a
RBM - Quais são esses sintomas positivos e negati-               identificação dos principais sintomas da doença para o
vos?                                                             clínico geral. Liddle distingue três formas principais de
                                                                 esquizofrenia: a forma POSITIVA, que abrange delírios
  Entre os sintomas positivos da esquizofrenia estão os          (distorção da realidade) e alucinações; a forma DESOR-
delírios, as alucinações, a agitação psicomotora. Entre          GANIZADA, que compreende distúrbio da forma do pen-
os negativos se alinham o pensamento empobrecido, o              samento, resposta afetiva inadequada, atitudes inade-
embotamento afetivo, o retraimento social.                       quadas/desorganizadas; a forma NEGATIVA, que inclui
                                                                 discurso de conteúdo empobrecido, afeto embotado
RBM - Como foram contornadas as dificuldades?                    (“achatado”), inibição psicomotora.

   O desafio que se colocava era como lidar com a rela-          RBM - Quais são as recomendações básicas para o
ção intrínseca dos efeitos antipsicóticos das drogas, fun-       tratamento?
damentais para o tratamento e os consequentes efeitos
colaterais destas medicações, sem detrimento ao bem-                Do ponto de vista farmacológico, os antipsicóticos de
estar do paciente. O desenvolvimento dos chamados                primeira geração (típicos) bloqueiam os receptores do-
antipsicóticos atípicos promoveu uma inversão na rela-           paminérgicos do tipo D2 existentes nos sistemas
ção risco/benefício do tratamento com essas drogas con-          mesolímbico, mesocortical, nigroestriatal e tuberoinfun-
tornando aquelas dificuldades.                                   dibular. Considera-se que a base do efeito antipsicótico


                                               revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012   5
Revista
      Brasileira de
      Medicina
      NEUROPSIQUIATRIA



    está no bloqueio de receptores no sistema límbico; a re-                         Tabela 1
    dução da atividade no estriado contribui para o surgi-
                                                                                     Droga              Dose          Perfil de receptor
    mento de sintomas extrapiramidais; que o bloqueio D2                                                recomen-      (afinidade por bloqueio)
    no eixo hipotálamo-hipófise induz a hiperprolactinemia                                              dada
    e a diminuição da dopamina no córtex pré-frontal acar-                                              (mg/dia)
    reta os sintomas negativos.                                                      1 - Quetiapina     150-750       H1 > 5HT2 > alfa > D2
        Já os antipsicóticos de segunda geração apresentam                           2 - Amisulprida    50-1200       D2 > D3 > D1
    como características diferenciais uma menor afinidade
                                                                                     3 - Olanzapina     05-20         5HT2 > D > M > alfa > H1
    pelo receptor D2 e maior afinidade pelos receptores 5-
                                                                                     4 - Risperidona    02-08         5HT2 > D > alfa > H1
    HT2 de serotonina4.
                                                                                     5 - Clozapina      50-900*       5HT2 > D > alfa > M > H1
       Meltzer5 relata que quando a razão D2/5HT2 da atua-
    ção de um neuroléptico for menor que 1, estamos diante                           6 - Ziprasidona    40-160        5HT2 > D2 > 5HT1a
    de um antipsicótico atípico, com menor possibilidade de                          7 - Aripiprazol    15-30         5HT2
    SEP, maior tolerabilidade e melhora dos sintomas nega-
                                                                                  Bloqueio 5HT2: melhora de sintomas negativos.
    tivos.                                                                        * acima de 600 mg/dia - risco de convulsão.
        A serotonina, principalmente a localizada no sistema                      Bloqueio D: efeito antipsicótico.
                                                                                  Bloqueio M: efeito anticolinérgico.
    límbico e em suas projeções corticais, está amplamente                        Bloqueio alfa: efeito hipotensor.
                                                                                  Bloqueio H1: sedação.
    relacionada às funções cognitivas e à manutenção do
    humor. Este mecanismo de ação dos novos antipsicóti-
    cos (menor bloqueio D2 e maior bloqueio 5HT-2) melho-                         RBM - E os efeitos colaterais?
    ra os sintomas positivos e os negativos – sintomas típi-
    cos da esquizofrenia.                                                            Traçamos o perfil dos efeitos colaterais dos antipsicó-
       As justificativas para a relativa ausência de efeitos se-                  ticos atípicos dentro do critério mostrado na Tabela 2.
    cundários indesejáveis de alguns dos antipsicóticos atí-
    picos parecem estar relacionadas à menor ocupação dos                         RBM - É possível especificar as características de
    receptores D2 (50%) e maior ocupação de receptores                            cada um deles, indicações e efeitos adversos?
    5HT2. Estes também demonstram menor propensão para
    provocar hipotensão e taquicardia, bem como efeitos                           1. Risperidona. É um derivado dos benzisoxazoles com
    secundários anticolinérgicos (boca seca, obstipação in-                          efeitos antisserotoninérgicos (5HT2), antidopaminér-
    testinal, distúrbios de acomodação visual), provavelmente                        gicos (D4, D1, D2 e D3) e antiadrenérgicos (alfa-1,
    devido à sua menor afinidade, respectivamente, pelos                             alfa-2) marcantes22, mas que não apresenta atividade
    receptores adrenérgicos (alfa-1 e 2) e receptores mus-                           anticolinérgica. Quando utilizada em doses elevadas
    carínicos, quando comparados aos antipsicóticos de pri-                          (acima de 10 mg/dia) mostrou perfil de efeitos cola-
    meira geração.                                                                   terais – particularmente com a presença dos sinto-
       Os efeitos clínicos dos antipsicóticos atípicos estão                         mas extrapiramidais – semelhante ao observado com
    relacionados às suas propriedades farmacológicas e re-                           o uso de haloperidol. Sua meia-vida de eliminação é
    fletem suas afinidades por vários receptores dos neuro-                          de 20 a 22 horas.
    transmissores. Por sua superior segurança em termos
    de efeitos colaterais neurológicos, existe um consenso                        Indicações
    crescente de que essa nova classe de medicação seja                              É principalmente indicada para os casos de esquizo-
    utilizada como tratamento de primeira linha no tratamen-                      frenia, tanto no tratamento dos primeiros episódios psi-
    to da esquizofrenia e deve ser a primeira escolha para                        cóticos como nas reagudizações da doença ou no trata-
    pacientes de primeiro episódio psicótico6.                                    mento de manutenção. É indicada também nos transtor-
                                                                                  nos delirantes, transtorno esquizoafetivo, no controle dos
    RBM - Que critérios deverão orientar o médico na                              distúrbios do comportamento associados à demência
    indicação dos antipsicóticos atípicos?                                        (agitação e agressividade, sintomatologia psicótica). Em
                                                                                  comparação aos antipsicóticos de primeira geração de-
      Seguir sempre o critério de dose recomendada para cada                      monstrou ser mais efetiva na melhora de sintomas nega-
    droga, de acordo com o perfil do receptor (Tabela 1).                         tivos23 e funções cognitivas específicas24.


6   revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
destaque

  Tabela 2

  Evento                          Típicos           Cloz              Risp            Olanz           Quetp              Zipr            Arip

  SEP                              +/+++              ±             ±/+++*            ±/+*               ±               ±/+*             ±/+
  Discinesia                        +++               ±               ±/+              ± (?)            ± (?)            ± (?)            ± (?)
  Sonolência                       ±/+++            +++                 ±               +‘              ++                ±                ±
  Prolactina                        +++               ±               +++               ±                ±‘               ±                ±
  Peso                              ±/++            +++                 +              +++               +                ±                ±
  Dislipidemia                      ±/+             +++                 +              +++              ++                ±                ±
  Diabetes                          ±/+             +++                 +              +++              ++                ±                ±
  QTc                              ±/+++             ++                 +               +                +                ++               ±
  Hipotensão ortostática            ±/+             +++                ++               +               ++                ±                ±

* dose relacionado; ± mínimo; + leve; +++ marcante comparado a placebo.



Posologia                                                                    Posologia
  Recomenda-se uma dose inicial de 1 mg ao dia, com                            Dividir a dose diária em duas administrações ao dia.
aumento de 1 mg/dia até se atingir a faixa terapêutica
de 4-8 mg/dia, em uma ou duas tomadas diárias.                               Efeitos colaterais
                                                                                Sedação, sonolência e galactorreia, mas tende ser bem
Efeitos colaterais                                                           tolerada. Os sintomas extrapiramidais induzidos pela
   Sedação, hipotensão postural, cefaleia, disfunções                        amisulprida são doses-dependente.
sexuais, taquicardia, ganho de peso (a longo prazo), par-
kinsonismo (em doses acima de 10 mg/dia).                                    Contraindicações
                                                                             - Insuficiência renal (devido à sua excreção renal).
Contraindicações                                                             - Epilepsia (diminui o limiar convulsivante).
- Gravidez e lactação.                                                       - Feocromocitoma.
- Insuficiência renal ou hepática grave.                                     - Gravidez e lactação (mães que necessitam ser medi-
                                                                               cadas devem interromper amamentação).
2. Amisulprida é uma benzamida substituída, antago-
   nista dopaminérgica de alta seletividade por recepto-                     3. Clozapina é uma dibenzodiazepina que apresenta afi-
   res do tipo D2 e D37, mas de pouca afinidade por                             nidade por receptores do tipo D1, D3, D4, colinérgicos
   receptores de outros neurotransmissores. Não se tra-                         e serotonérgicos 5HT2a,c. Foi o primeiro antipsicóti-
   ta de droga nova, porém sua indicação para o trata-                          co a tratar os sintomas da esquizofrenia efetivamen-
   mento das psicoses é recente. Apresenta meia-vida                            te, com riscos mínimos de provocar sintomas extra-
   de eliminação de aproximadamente 12 horas.                                   piramidais e aumento dos níveis de prolactina12,13. Tem
                                                                                meia-vida de eliminação de 10 a 17 horas.
Indicações
   A amisulprida apresentou eficácia tanto em sintomas                       Indicações
positivos quanto em sintomas negativos da esquizofre-                           A clozapina se mostrou mais eficaz que os antipsicó-
nia. Em pacientes com predomínio de sintomas positi-                         ticos de primeira geração no tratamento da esquizofre-
vos, doses mais altas da droga devem ser utilizadas (400                     nia refratária14,15, sendo esta uma de suas principais in-
a 800 mg/dia)8. Já pacientes com sintomas negativos                          dicações. Seus efeitos terapêuticos vão além do controle
devem receber doses entre 50 e 300 mg/dia, que se                            dos sintomas psicóticos: é efetiva para sintomas negati-
mostraram mais efetivas que placebo9,10 e também capa-                       vos, déficits cognitivos específicos, comportamento sui-
zes de atuar em sintomas positivos leves. Doses acima                        cida16,17, além de também ser eficaz no tratamento da
de 1200 mg/dia foram estudadas sem demonstrar van-                           doença bipolar refratária a tratamento18. Por apresentar
tagem em relação à dose de 800 mg/dia11.                                     perfil bastante tolerável em relação à produção de sinto-


                                                          revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012   7
Revista
      Brasileira de
      Medicina
      NEUROPSIQUIATRIA



    mas extrapiramidais é indicada para os pacientes que,                         Indicações
    durante o uso de antipsicóticos convencionais, apresen-                          É eficaz no tratamento de sintomas positivos e negati-
    taram SEP intoleráveis ou que desenvolveram discinesia                        vos da esquizofrenia. Tem sido considerada especialmen-
    tardia. Pode ser também utilizada em pacientes portado-                       te vantajosa em casos de pacientes idosos com transtor-
    res de doença de Parkinson que apresentem quadros                             nos psicóticos25, na psicose da doença de Parkinson in-
    psicóticos quando em uso de levodopa. A clozapina,                            duzida por medicações26 e nas alterações de comporta-
    porém, deve ser indicada após tentativas com pelo me-                         mento de quadros demenciais.
    nos dois dos antipsicóticos tradicionais e passagem pe-
    los antipsicóticos de segunda geração, estes mais segu-                       Posologia
    ros em relação ao risco de causar agranulocitose (devido                         Apesar de apresentar meia-vida de eliminação curta,
    à toxicidade seletiva a leucócitos polimorfonucleares) em                     pode ser administrada duas vezes ao dia, sem maiores
    0,8% dos pacientes expostos à clozapina por pelo me-                          repercussões a seu efeito clínico27. Recomenda-se uma
    nos seis meses19,20.                                                          dose inicial de 50 mg/dia com aumento gradativo: 100
                                                                                  mg/dia no segundo dia, 200 mg/dia no terceiro dia, 300
    Posologia                                                                     mg/dia no quarto dia até atingir 400 mg/dia no quinto
       Iniciar com dose de 25 mg, com aumentos de 25 a                            dia. Essa titulação favorece uma melhor tolerância dos
    50 mg/dia a cada dois a três dias até se atingir a dose                       efeitos colaterais mais comuns na fase inicial do trata-
    terapêutica 200 a 500 mg/dia (média de 300 mg/dia)                            mento. Doses terapêuticas são, em média, de 150 a 400
    após duas a três semanas, divididas em duas a três to-                        mg/dia e, em situações mais graves, podem chegar a
    madas diárias, para se minimizar os efeitos colaterais.                       750 mg/dia.
    Em doses de até 200 mg/dia a administração pode ser
    única, à noite. A dose máxima recomendada é de 900                            Efeitos colaterais
    mg/dia, embora poucos pacientes necessitem de doses                             Sonolência, tontura, hipotensão, pode causar ganho
    superiores a 650 mg/dia. As respostas ao tratamento                           de peso.
    surgem após três meses de uso contínuo da droga, po-
    dendo variar até dois anos, sendo preconizado, em ge-                         Contraindicações
    ral, uma tentativa de pelo menos seis a nove meses de                           Gravidez e lactação.
    uso21.
                                                                                  5. Olanzapina. É um antipsicótico da classe dos tieno-
    Efeitos colaterais                                                               dibenzodiazepínicos que apresenta perfil farmacoló-
      Sedação, hipotensão, taquicardia, constipação, convul-                         gico e estrutura química semelhante à clozapina28,
    sões (doses-dependente, acima de 600 mg/dia), ganho                              contudo não há indicações de que induza discrasias
    de peso e leucopenia.                                                            sanguíneas como aquela droga. Age em receptores
                                                                                     D1 a D4, 5HT2, muscarínicos, adrenérgicos alfa-1 e
    Contraindicações                                                                 histaminérgico H1. A meia-vida de eliminação é de
    - Leucócitos abaixo de 3.500/mm3.                                                30 horas, permitindo administração em dose única
    - Doenças mieloproliferativas.                                                   diária.
    - História de granulocitopenia ou agranulocitose.
    - Psicoses alcoólicas.                                                        Indicações
    - Uso concomitante de carbamazepina.                                             Pode ser utilizada no tratamento da esquizofrenia e
    - Gravidez e lactação.                                                        outros transtornos psicóticos, particularmente naque-
                                                                                  les pacientes que apresentaram alta incidência de sin-
    4. Quetiapina. É uma dibenzotiazepina que se asse-                            tomas extrapiramidais e/ou discinesia tardia com ou-
       melha estruturalmente à clozapina e que interage                           tras medicações; ou em pacientes com sintomas nega-
       com ampla variedade de receptores: exibe alta afini-                       tivos e depressivos predominantes29. A olanzapina já
       dade pelos receptores tipo 5HT2 e 5HT6, H1 e alfa-1                        tem uso aprovado para tratamento da mania aguda em
       e 2, bem como tem afinidade pelo receptor D2 do                            pacientes bipolares. As alterações comportamentais em
       sistema límbico. Tem meia-vida de eliminação de sete                       pacientes com demência também podem ser tratadas
       horas.                                                                     efetivamente30.


8   revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012   9
Revista
       Brasileira de
       Medicina
       NEUROPSIQUIATRIA



     Posologia                                                                         parcial, porém com ação antagonista potente de re-
        A administração única diária facilita a adesão ao trata-                       ceptores 5HT2a. Se caracteriza por não ser um blo-
     mento. A faixa terapêutica se encontra entre 5 e 20 mg/                           queador dopaminérgico central e, sim, um modulador
     dia. A dose inicial de 10 mg/dia é considerada bastante                           ou estabilizador da função, ajustando seus excessos
     tolerável para a maioria dos pacientes, não sendo reco-                           ou deficiências onde se fizer necessário33,34. Tem meia-
     mendada dose acima de 20 mg/dia.                                                  vida de eliminação de 75 horas. É o mais recente an-
                                                                                       tipsicótico no mercado, com sua comercialização ini-
     Efeitos colaterais                                                                ciada em abril de 2003.
       Ganho de peso (não aparentando ser dose-dependente),
     sedação, aumento assintomático das enzimas hepáticas.                         Indicações
                                                                                      O aripiprazol já demonstrou ser mais eficaz que place-
     Contraindicações                                                              bo em estudos que avaliaram episódios agudos, preven-
     - Glaucoma de ângulo estreito.                                                ção de recaídas e melhora dos sintomas negativos e de-
     - Gravidez e lactação.                                                        pressivos. Pode, portanto, ser utilizado em quadros agu-
                                                                                   dos e crônicos da esquizofrenia e também nos transtor-
     6. Ziprasidona. Esta droga difere farmacologicamente                          nos esquizoafetivos. A aplicação na mania aguda de paci-
        dos demais antipsicóticos atípicos por seu efeito ago-                     entes bipolares foi também estudada com melhora signi-
        nista em receptor 5HT1a e por inibição da recaptação                       ficativa dos sintomas e bom perfil de tolerabilidade35.
        de serotonina e noradrenalina31. Tem meia-vida de
        eliminação de três a dez horas.                                            Posologia
                                                                                      A administração deve ser realizada em dose única di-
     Indicações                                                                    ária. A faixa terapêutica é de 15 a 30 mg/dia, podendo
        A ziprasidona se mostrou efetiva no controle de sinto-                     iniciar-se o tratamento com 15 mg/dia, já considerada
     mas positivos e negativos da esquizofrenia32, além de                         dose efetiva.
     benefício na prevenção de recaídas no tratamento a lon-
     go prazo. Parece induzir menor ganho de peso se com-                          Efeitos colaterais
     parado aos demais antipsicóticos atípicos. Demonstrou                           Cefaleia, ansiedade, insônia.
     eficácia ao ser utilizada no controle dos sintomas da
     mania em pacientes bipolares.                                                 Contraindicações
                                                                                     Gravidez e lactação.
     Posologia
        A administração deve ser realizada em duas tomadas                         RBM - Qual a sua avaliação final sobre os antipsi-
     por dia. A faixa terapêutica é de 80 a 160 mg/dia, podendo                    cóticos atípicos?
     iniciar-se o tratamento com 40 mg/dia, de 12/12 horas.
                                                                                      Não há dúvidas de que os antipsicóticos atípicos repre-
     Efeitos colaterais                                                            sentam um avanço no tratamento dos transtornos psicó-
        Sedação, náusea, obstipação intestinal e aumento do                        ticos, em particular, da esquizofrenia. Apesar de terem
     intervalo QTc ao eletrocardiograma, dose-dependente                           custo muito mais elevado que os neurolépticos clássicos,
     (QTc menor que 500 msec: sem relevância clínica em                            se considerada a proporção diante dos custos totais (dire-
     indivíduos hígidos).                                                          tos e indiretos) da doença, os gastos são, na realidade,
                                                                                   modestos. Como o impacto da doença nas despesas dos
     Contraindicações                                                              serviços de assistência à saúde (ambulatórios, hospitais
     - Pacientes com alterações cardíacas.                                         etc.) são substanciais, é muito provável que, cada vez mais,
     - Gravidez e lactação.                                                        programas de saúde mental, em especial, sejam
                                                                                   priorizados nos gastos ligados à saúde pública.
     7. Aripiprazol. Derivado de quinolona, inaugurou uma                             Tornam-se, então, necessárias pesquisas dos vários
        nova classe de antipsicóticos em face dos antagonis-                       fatores que podem estar relacionados à introdução e ao
        tas dopaminérgicos pós-sinápticos clássicos: possui                        uso mais disseminado dos antipsicóticos de segunda
        ação diferenciada por ser um agonista D2 e 5HT1a                           geração na prática clínica, para que estes possam vir a


10   revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
destaque

                                                                                      in the treatment of acute episodes of schizophrenia: a dose-ranging
                                                                                      study vs. haloperidol. Acta Psych Scandinavica 1998; 98(1):65-72.
                                                                                12.   Fitton A, Heel R. Clozapine: a review of its pharmacological properties
     Não há dúvidas de que os antipsicóticos                                          and therapeutic use in schizophrenia. Drugs 1990; 40:722-747.
                                                                                13.   Kurz M, Hummer M, Oberbauer H. Extrapyramidal side-effects of
     atípicos representam um avanço no tra-                                           clozapine and haloperidol. Psychopharmacology 1995; 118:52-56.
                                                                                14.   Kane JM, Honigfeld G, Meltzer HY. Clozapine for the treatment-
     tamento dos transtornos psicóticos, em                                           resistant schizophrenic. Arch Gen Psychiatry 1988; 45:789-796.
                                                                                15.   Fleischhacker WW. Clozapine: a comparison with other novel
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                                                                                16.   Meltzer HY, McGurk SR. The effect of clozapine, risperidone and
     terem custo muito mais elevado que os                                            olanzapine on cognitive function in schizophrenia. Schizophr Bull
                                                                                      1999; 25:233-255.
                                                                                17.   Meltzer HY, Okayli G. Reduction of suicidality during clozapine
     neurolépticos clássicos, se considerada                                          treatment of neuroleptic-resistant schizophrenia: impact on risk-
                                                                                      benefit assessment. Am J Psychiatry 1995; 152:183-190.
     a proporção diante dos custos totais (di-                                  18.   Calabrese JR, Kimmel SE, Woyshville MJ. Clozapine for treatment-
                                                                                      refractory mania. Am J Psychiatry 1996; 153:759-764.
     retos e indiretos) da doença, os gastos                                    19.   Alvir JM, Lieberman JA, Safferman AZ. Clozapine-induced
                                                                                      agranulocytosis: incidence and risk factors in the United States. N
     são, na realidade, modestos.                                                     Engl J Med 1993; 329:162-167.
                                                                                20.   Amsler HA, Teerenhovi L, Barth E. Agranulocytosis in patients treated
                                                                                      with clozapine. A study of the Finnish epidemic. Acta Psychiatr Scand
                                                                                      1977; 56(4):241-248.
                                                                                21.   Remington G, Collins EJ. Clozapine: current status and role in
                                                                                      pharmacotherapy of schizophrenia. Can J Psychiatry 1996; 41:161-
                                                                                      166.
beneficiar mais pacientes portadores das patologias psi-                        22.   Leysen JE, Gommeren W, Eens A. Biochemical profile of risperidone,
                                                                                      a new antipsychotic. J Pharmacol Exp Ther 1988; 247:661-670.
quiátricas mencionadas36.                                                       23.   Moller HJ. The negative component in schizophrenia. Acta Psychiatr
   Vale salientar que o tratamento psicossocial da esqui-                             Scand 1995; 388(Suppl.91):11-14.
                                                                                24.   Green MF, Marshall BD, Wirsching WC. Does risperidone improve
zofrenia (psicoterapia individual ou de grupo, interven-                              verbal working memory in treatment-resistant schizophrenia? Am J
ção familiar, terapia ocupacional, programas de reabili-                              Psychiatry 1997; 154:799-804.
                                                                                25.   McManus DQ, Arvanitis LA, Rowalcyk BB and the Seroquel Trial 48
tação social e profissional) é tão importante quanto o                                Study Group. Quetiapine, a novel antipsychotic: experience in elderly
tratamento medicamentoso. O trabalho em equipe mul-                                   patients with psychotic disorders. J Clin Psychiatry 1999; 60:292-
                                                                                      298.
tidisciplinar em muito otimiza e aumenta as possibilida-                        26.   Fernandez HH, Friedmann JH, Jaques C, Rosenfeld M. Quetiapine for
des de controle da doença, de adesão ao tratamento e                                  the treatment of drug-induced psychosis in Parkinson’s Disease. Mov
                                                                                      Disord 1999; 14:484-487.
de readaptação do paciente à sociedade37.                                       27.   Fleischhacker WW, Link CGG, Horne B. A multicentre, double-blind
                                                                                      randomized comparison of dose and dose regimes of Seroquel in
                                                                                      the Treatment of patients with schizophrenia. Poster presented at
Referências bibliográficas                                                            the 34th ACNP Meeting, 11-15 December, San Juan, 1998.
                                                                                28.   Bymaster FP, Calligaro DO, Falcone JF. Radioceptor binding profile
                                                                                      of the atypical antipsychotic olanzapine. Neuropsychopharmacology
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    Pharmacopsychiatry 1990; 23:125-130.                                              safety of aripiprazole in patients with acute bipolar mania. Am J
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    with primary negative symptoms treated with amisulpride. Am J                     Current Opinion in Psychiatry 2002; 15(Suppl.1):S17-S23.
    Psychiatry 1999; 156:610-616.                                               37.   Shirakawa I. O manejo do paciente com diagnóstico de esquizofre-
11. Puech A, Fleurot O, Rein W. PF. Amisulpride, an atypical antipsychotic,           nia. In: O desafio da Esquizofrenia. 1998; Lemos Editorial, São Paulo.



                                                              revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012       11
Revista
                          Brasileira de
                          Medicina
                          NEUROPSIQUIATRIA




                          Transtorno afetivo bipolar.
                          Atenção às diferenças

                                                                                   RBM - O transtorno afetivo bipolar incide com mai-
                                                                                   or frequência em que faixa etária?

                                                                                      O transtorno afetivo bipolar atinge desde adolescen-
                                                                                   tes até pessoas com idade mais avançada. A maior inci-
                                                                                   dência fica entre o jovem e as pessoas na faixa dos 45
                                                                                   anos mais ou menos e um pouco mais frequente em mu-
                                                                                   lheres. Raramente em idosos e na infância, quando o
                                                                                   diagnóstico é mais difícil.

                                                                                   RBM - Quais as dificuldades para um diagnóstico
                                                                                   adequado de TAB?

                                                                                      Inicialmente é necessário destacar não apenas na psi-
                                                                                   quiatria, como em medicina geral, pelo menos duas ma-
                                                                                   neiras de avaliar a doença: uma é a abordagem descriti-
                                                                                   va, fenomenológica com influência muito grande da in-
                                                                                   dústria farmacêutica, interessada na facilitação da pes-
                                                                                   quisa clínica.
                                                                                      Isso cria uma dificuldade muito grande porque muitas
                                                                                   doenças, descritivamente, podem apresentar o mesmo
                          José Gilberto Franco                                     quadro clínico num determinado momento de sua evolu-
                                                                                   ção.
                          Psiquiatra. Consultor científico da Socieda-
                          de Rorscharch e diretor do Centro de                        Aí, então, fica fácil cometer o erro diagnóstico de con-
                          Estudos Anibal Silveira.                                 fundir psicoses benignas, que são perfeitamente trata-
                                                                                   das, com esquizofrenia, cujo prognóstico é muito reser-
                                                                                   vado.
                                                                                      A outra é a maneira etiopatogênica de estudar a do-
                                                                                   ença, considerando causas, evolução, ambiente, biolo-
                                                                                   gia e principalmente a carga genética que determina e
                                                                                   dá o colorido no quadro clínico, obviamente, sem des-
                                                                                   considerar o seu aspecto sintomatológico. Tudo isso, com
                                                                                   o suporte de uma Teoria de Personalidade consistente,
                                                                                   que permite entender a patogênese dos quadros noso-
                                                                                   lógicos, correlacionando os dados psicológicos com a


12   revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
destaque

fisiologia cerebral e sua disposição heredológica, permi-        exuberantes. De modo geral, os episódios de transtorno
tindo um diagnóstico mais preciso, um prognóstico se-            afetivo bipolar são progressivamente mais graves, se o
guro e até a identificação precoce na constelação familial       paciente não for tratado, evidentemente.
de indivíduos predispostos.                                         Há um aspecto interessante na bipolaridade que con-
   Para esse estudo, Anibal Silveira, aqui no Brasil, de-        vém destacar. São pessoas com inteligência muito
senvolveu todo um sistema na Psiquiatria que envolve             aguçada, até com certa genialidade (cientistas, composi-
uma Teoria de Personalidade correlacionando os elemen-           tores, poetas, artistas). Elas se distinguem em seus cam-
tos patológicos de acordo com a sua gênese nas esferas           pos de atuação. É perceptível nesses pacientes uma dife-
da personalidade, a regência cerebral envolvida, a reper-        renciação intelectual maior do que a média da popula-
cussão sintomática e a carga genética determinante atra-         ção. Tudo isso, fartamente estudado na literatura cientí-
vés da anamnese heredológica. Esta permite pesquisar             fica especializada.
a partir do paciente estudado seus traços de personali-
dade os quais determinam o colorido clínico de sua con-
dição mórbida e elaborar o diagnóstico, um prognóstico
                                                                      No transtorno afetivo bipolar, que se
mais seguro e realizar psiquiatria preventiva buscando
na família os possíveis indivíduos, mesmo com sinais                  desenvolve por fases, quando o quadro
discretos da patologia, que possam ser diagnosticados                 de mania aparece o pensamento fica
mais precocemente.
   Nesse sentido, citamos um caso emblemático que te-                 acelerado, a elaboração se torna mais
mos em nossa clínica. Um paciente na faixa dos 55 anos                dedutiva, o pormenor secundário assu-
tem transtorno afetivo bipolar. Ele toma lítio e ácido
valproico. Ele tem três filhos, dos quais dois apresentam
                                                                      me grande importância e a pessoa tem
TAB e uma filha sem sinais patognomônicos do TAB,                     dificuldade de elaborar uma síntese.
porém intelectualmente superdotada. Este paciente tem
                                                                      Então, prevalece o juízo de valor que ela
um tio com TAB de 82 anos (lúcido e muito inteligente)
que está sendo tratado por nós, o qual tem duas irmãs,                faz em detrimento da noção da verda-
já falecidas, que foram diagnosticadas com TAB. Vemos,                de, da realidade objetiva.
então, a importância da pesquisa genética e dos traços
de personalidade na constelação familial, não só nos ca-
sos de transtorno afetivo bipolar, mas também em toda
condição mórbida estudada. Isso é importante para veri-          RBM - Por que o suicídio é um dos maiores riscos
ficarmos a disposição biológica que está interferindo no         no transtorno afetivo bipolar?
quadro clínico, especialmente no caso do TAB, em que
as primeiras manifestações são mais discretas, mais in-             No transtorno afetivo bipolar, que se desenvolve por
sidiosas, tornando o diagnóstico mais difícil.                   fases, quando o quadro de mania aparece o pensamento
   É importante destacar que no transtorno afetivo bipo-         fica acelerado, a elaboração se torna mais dedutiva, o
lar, especialmente na fase de mania, não existem mani-           pormenor secundário assume grande importância e a
festações de alteração senso-perceptiva, como muitos             pessoa tem dificuldade de elaborar uma síntese. Então,
acreditam. Isso levaria a outra condição clínica. Mesmo          prevalece o juízo de valor que ela faz em detrimento da
depois, na fase de depressão, raramente poderá ocorrer           noção da verdade, da realidade objetiva. O paciente nes-
de forma discreta alguma manifestação de alteração sen-          ta condição passa a vivenciar aquilo que pensa como
so-perceptiva. Isto é patognomônico da bipolaridade.             verdadeiro. Fica incoerente e uma catadupa de pensa-
   Seguindo a história clínica do paciente, a maneira como       mentos gravitam em torno de pormenores irrelevantes,
a doença evolui e os aspectos heredológicos, chegamos            perdendo a noção do que é óbvio. Torna-se muito afeta-
ao diagnóstico. Chamamos a atenção para as diferenças            do, o humor fica instável, fica prolixo, delirante, com
na história clínica do transtorno afetivo bipolar que não        ideias de referência, persecutório, excitado. Compra com-
começa de forma exuberante. Tem evolução insidiosa.              pulsivamente, fica insone, comportamento totalmente
As primeiras crises de mania são discretas, seguidas de          saltuário, não conclui o que começa, porém, permanece
depressão menos intensa. Depois, seguem-se crises mais           com uma resistência física bastante aumentada. Passa a


                                               revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012   13
Revista
       Brasileira de
       Medicina
       NEUROPSIQUIATRIA



     correr grandes riscos até na vida profissional, frequente-                    RBM - Como controla o uso do lítio ao longo do
     mente agressivo e, às vezes, com agitação psicomotora,                        tempo?
     pensamento acelerado, necessitando de atenção médica
     imediata.                                                                         A litioterapia é excelente, mas exige atenção do médi-
        Um dos grandes riscos da bipolaridade surge da mu-                         co para os efeitos secundários por conta do uso prolon-
     dança do quadro da mania para a depressão. É uma                              gado do lítio no TAB. Às vezes é necessária a ajuda do
     depressão singular, diferente das demais. Nesta fase                          endocrinologista, quando as funções tiroidianas ficam
     há um acinte à própria sobrevivência pessoal. A pes-                          muito alteradas, ou do nefrologista, por conta da altera-
     soa é tomada por um impulso de autoeliminação. Na                             ção renal, sem que haja necessidade de interromper a
     fase de depressão o paciente deve ser monitorado por-                         litioterapia. É questão de adequar o tratamento. O pri-
     que pode ser levado ao suicídio ou passa a elaborar                           meiro passo é o paciente interiorizar a necessidade de
     intelectualmente como fazer isso. A medicação é es-                           tomar lítio dentro dos critérios estabelecidos.
     sencial e, às vezes, hospitalização e eletroconvulsote-                           É um medicamento que exige do médico um cuidado
     rapia.                                                                        também na avaliação clínica, posteriormente, para evi-
                                                                                   tar problemas no uso prolongado como é o caso espe-
     RBM - O lítio é considerado a terapia de escolha                              cialmente da bipolaridade. O primeiro passo é levar o
     para o paciente bipolar por contornar eficientemen-                           paciente a interiorizar a necessidade de tomar lítio den-
     te este risco. Qual é a sua opinião?                                          tro dos critérios estabelecidos. Os pacientes que já ti-
                                                                                   veram uma crise entendem bem isso, assim como seus
         O lítio é, hoje, a melhor opção para o tratamento de                      familiares.
     transtorno afetivo bipolar. Se tivéssemos de estabelecer
     uma escala de eficiência, daríamos nota 7 ao lítio e nota                     RBM - Em que consiste esta adequação?
     4 ao ácido valproico, que é o segundo medicamento de
     escolha no caso de TAB (Kennedy, S - Simpósio no Méxi-                           No transtorno afetivo bipolar existem situações parti-
     co,2007 - Laboratório Lilly). Destacadamente, o lítio é a                     culares. Às vezes usamos lítio associado a outros medi-
     melhor opção. Indicamos de forma sistemática e tenho                          camentos como ácido valproico, lamotrigina, oxcarba-
     pacientes que usam há mais de 30 anos com acompa-                             zepina, carbamazepina ou algum neuroléptico associa-
     nhamento sem nenhum grande problema. Preferimos                               do (quetiapina, aripiprazol, olanzapina, risperidona ou
     usar o lítio de ação prolongada porque o paciente cria de                     paliperidona). Quando necessário, utilizamos a bupropi-
     forma mais eficaz o hábito de ingerir o comprimido pela                       ona como antidepressivo.
     manhã e à noite. Assim, evita-se o risco do paciente es-                         No caso do lítio, dependendo da idade do paciente e
     quecer no meio do dia, desequilibrando a dosagem                              da condição clínica, começamos com dosagem pequena
     litêmica.                                                                     e depois vamos aumentando gradativamente, sempre
         O que fazemos na clínica é monitorar regularmente                         com monitoramento através de litemia de quatro em
     o paciente fazendo litemia em janeiro, maio e setem-                          quatro meses, que permite um controle muito eficaz na
     bro, um mês quente, outro frio, outro de meia estação.                        faixa de 0,7 a 1.4 mEq/L.
     Juntamente com a litemia pesquisamos, também, fun-
     ções da tireoide, do rim, glicemia, triglicérides, leuco-                     RBM - Há fatores externos que influenciam a doen-
     grama, eletrocardiograma, dosagem plasmática de                               ça?
     sódio, potássio, fósforo e cálcio. O lítio sendo usado
     adequadamente não apresenta problemas graves. O                                   O componente situacional pode dar um colorido es-
     monitoramento clínico e conscientização do paciente                           pecífico ao quadro clínico que se desenvolve, acentuan-
     são fundamentais para isso porque, uma vez feito o di-                        do ou atenuando alguns sintomas. Inúmeros aconteci-
     agnóstico, ele precisa conscientizar-se de que vai to-                        mentos vitais estressantes podem agravar a predisposi-
     mar a medicação indicada durante muito tempo. Tam-                            ção endógena do TAB, como separações conjugais, con-
     bém a família é orientada e mobilizada para auxiliar                          flitos no trabalho, falências, situações graves em famí-
     neste controle porque toda medicação tem efeitos ad-                          lia. Também as drogas estimulantes do sistema nervoso
     versos, em especial o lítio, se não for respeitada a pres-                    central servem de gatilho para desencadear o processo,
     crição e a orientação médica.                                                 alterando a ciclagem do transtorno afetivo bipolar.


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Revista
       Brasileira de
       Medicina
       NEUROPSIQUIATRIA




                                  Anibal Silveira e a patogênese
                 A harmonia mental advém da subordinação da                        criou a classificação patogenética das doenças
              individualidade à sociabilidade, dos instintos aos                   mentais. E, na década de 70, organizaria uma
              sentimentos, do egoísmo ao altruísmo. Orientan-                      escola orientada por critérios patogenéticos pou-
              do-se por este conceito, o psiquiatra paulista                       co antes de falecer, em 1979, aos 77 anos.
              Anibal Silveira, considerado um dos mestres da                          Palladini resume o critério patogenético de
              psiquiatria brasileira, criou uma original teoria da                 Anibal Silveira como uma avaliação dos fenôme-
              personalidade. Construída sobre base biológica,                      nos psicopatológicos enquanto expressões sis-
              sua teoria vem sendo progressivamente resgata-                       têmicas.
              da pela sua modernidade. Foi em São Paulo que                           “Consiste na filiação dos sintomas e quadros
              Silveira passou a maior par-                                                                 clínicos, respectivamente,
              te de sua vida profissional,                                                                 a sistemas e esferas psí-
              especificamente no Hospital                                                                  quicas e cerebrais. Inclui,
              Juqueri, onde desenvolveu                                                                    também, o estudo da par-
              seus estudos sobre doenças                                                                   ticipação da carga genéti-
              mentais, que resultaram em                                                                   ca em cada entidade clíni-
              numerosos artigos, mais de                                                                   ca. A patogênese indica a
              400, dispersos em centenas                                                                   origem de uma determina-
              de publicações científicas.                                                                  da desordem patológica. É
                 No seu livro “Patogêne-                                                                   cerebropatogênese quan-
              se”, o psiquiatra Paulo                                                                      do relativa à origem e di-
              Palladini esmiúça o pensa-                                                                   nâmica         encefálicas;
              mento de Anibal Silveira.                                                                    psicopatogênese quando
              Mostra em todas as suas                                                                      relativa à origem e dinâmi-
              nuances a sua modernidade                                                                    ca psíquicas...“
              desde o início de sua carrei-                                                                   “O          diagnóstico
              ra profissional. Já em 1931,                                                                 patogenético não deve dei-
              na sua defesa de tese de for-                                                                xar de incluir a investiga-
              mação médica na Faculda-                                                                     ção da época do início da
              de de Medicina de São Paulo, Silveira propunha a                     desordem psíquica considerada, pois a sequên-
              organização de clínicas abertas para tratamento                      cia dos fatos clínicos é fundamental para a avali-
              precoce de doenças mentais considerando a in-                        ação”.
              ternação em hospital fechado como último recur-                         Por fim, ele indica que a escola psiquiátrica
              so. Critério que viria a ser posto em prática                        construída por Anibal Silveira ao longo de meio
              cinquenta anos depois.                                               século constitui-se de sólida teoria e abrange to-
                 Anibal Silveira não parou por aí. Todos os seus                   dos os aspectos relativos às desordens mentais,
              estudos posteriores sobre doenças mentais con-                       sua gênese, diagnóstico, tratamento, prevenção.
              vergiram para a correlação entre cérebro e men-                      O fundamento filosófico, os embasamentos bio-
              te e entre mente e meio social. Além de                              lógico e sociológico, a teoria da personalidade, o
              aprofundar estudos sobre as concepções de psi-                       psicodiagnóstico e psicopatologia pelo critério
              quiatras como o alemão Karl Kleist ou o suíço                        patogenético, destaca Palladini, permitem inter-
              Hermann Rorschach, fundou em 1952, em São                            venções precisas e profundas nos processos en-
              Paulo, uma sociedade com esse nome. Em 1960                          cefálicos, psíquicos e sociais.




18   revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
destaque

   Uma coisa interessante, até paradoxal, é o uso dos                Contudo, a população mais vulnerável para o TAB é
antidepressivos no tratamento da depressão do pacien-             encontrada na elaboração da anamnese heredológica,
te bipolar. Os antidepressivos podem diminuir a ciclagem          onde aparecem na constelação familial, de forma mais
do transtorno afetivo bipolar. O médico tem de proteger           clara, os indivíduos predispostos com elementos que
o paciente com estabilizadores de humor para utilizar o           podem ter algum indicador de TAB para então o especi-
antidepressivo. Se uma pessoa tem um ciclo de crises a            alista fazer o diagnóstico e realizar o tratamento pre-
cada dois anos, ao tomar um antidepressivo esta ciclagem          ventivo.
se encurta e ele passa a ter crises mais próximas. Às                É necessária a adoção de estratégias preventivas e uti-
vezes, o paciente necessita ampliar o tratamento com              lização de fatores de proteção na população mais pre-
outros estabilizantes de humor e neurolépticos. Outras            disposta ao TAB. Alguns países, como os Estados Uni-
vezes, a depressão exige eletroconvulsoterapia ou remite          dos, chegam a gastar bilhões de dólares para prevenir e
com doses da associação sinérgica de venlafaxina e                controlar o TAB.
mirtazapina, que deve ser utilizada pouco tempo e de-                A utilização da anamnese heredológica, a partir de
pois substituída por bupropiona.                                  pacientes que estão sendo tratados, permite identificar
                                                                  na constelação familial elementos sugestivos dessa con-
                                                                  dição mórbida e realizar o tratamento precoce ao lado
                                                                  de orientar esta população sobre os benefícios do trata-
    Certamente o uso exagerado de substân-                        mento profilático.
    cias psicoativas, estimulantes, anfetami-
                                                                  RBM - Como conclusão o que acrescentaria?
    nas, álcool e até antidepressivos em ida-
    de cada vez mais precoce eleva a vulne-                          Quanto ao lítio, vale registrar que seu uso vem sendo
                                                                  estudado na profilaxia dos quadros demenciais, como a
    rabilidade nas populações mais predis-
                                                                  doença de Alzheimer, na profilaxia de algumas formas
    postas, expondo sintomas maníacos                             de enxaqueca e até para potencializar alguns antidepres-
    mais cedo.                                                    sivos, sem contar a sua importância na prevenção do
                                                                  suicídio.
                                                                     Depois, o registro de que o TAB é muito confundido
                                                                  com outras patologias. Kleist já assinalou em seu estudo
RBM - Existem segmentos populacionais com maior                   o que chamou de Fasofrenias (psicoses fásicas), utilizan-
vulnerabilidade para TAB?                                         do também o critério patogênico, como faz Anibal Silveira,
                                                                  ficando mais evidente que ciclotimia, TAB, psicoses be-
   Isso ainda não foi estudado adequadamente, pois ca-            nignas como as esquizoafetivas, tem prognósticos dife-
recemos de dados epidemiológicos por várias razões.               rentes, pois a esfera de personalidade responsável tam-
Uma delas está ligada ao diagnóstico correto. Ainda se            bém é distinta: afetiva no TAB, conativa na ciclotimia e
confunde muito o transtorno afetivo bipolar com ciclo-            na esfera intelectual as formas paranóides (psicose agu-
timia, com psicose benigna, com psicoses de evolução              da de inspiração, alucinose agunda, e psicose de refe-
episódica que Kleist chamava de psicoses degenerativas,           rência).
não por haver degeneração do cérebro, mas porque a                   Umas podem demenciar. TAB não demencia.
própria psicose degenera, para as quais Anibal Silveira              Finalmente, a Psiquiatria exige diagnóstico diferencial
propôs o nome de psicoses diatéticas, denominação que             para que se realize tratamento adequado, estudo epide-
Kleist aceitou. Este tipo de psicose lembra muito o TAB           miológico, prevenção e prognóstico. Tudo é possível com
que também evolui episodicamente. Mas são coisas dis-             a Psiquiatria Patogenética, utilizando a evolução clinica,
tintas.                                                           a anamnese heredológica como instrumento semiológico
   Certamente o uso exagerado de substâncias psico-               importante ou basta uma máquina programada para ava-
ativas, estimulantes, anfetaminas, álcool e até antidepres-       liar sintomas e tabelas para realizar o atendimento clíni-
sivos em idade cada vez mais precoce eleva a vulnerabi-           co dos pacientes.
lidade nas populações mais predispostas, expondo sin-
tomas maníacos mais cedo.


                                                revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012   19
Revista
                          Brasileira de                                                                                   destaque
                          Medicina
                          NEUROPSIQUIATRIA




                                     Transtorno de humor
                                     (afetivo) bipolar - TAB

                                                                                   RBM - Qual é a incidência de TAB no Brasil e a ida-
                                                                                   de em que se manifesta? Há alguma informação
                                                                                   sobre prevalência geográfica no país?

                                                                                      O transtorno bipolar (TAB) é um problema médico
                                                                                   crônico que se mantém durante toda a vida, assim como
                                                                                   o diabetes e a hipertensão arterial. Tem morbidade ele-
                                                                                   vada, com risco de morte por suicídio, mas é passível
            Ricardo Cezar                                                          de tratamento, com bom controle do quadro. O TAB
                 Torresan                                                          começa em geral entre 14 e 30 anos de idade, podendo
           Departamento de                                                         inclusive se iniciar na infância, sendo raro seu início em
     Neurologia, Psicologia e                                                      idades mais avançadas. A idade média de início se en-
     Psiquiatria da Faculda-
          de de Medicina de                                                        contra entre 20 e 24 anos. A forma de determinar o
           Botucatu, UNESP.                                                        início da doença não é consenso na literatura. Em geral,
                                                                                   os sintomas aparecem pela primeira vez antes que os
                                                                                   pacientes satisfaçam os critérios diagnósticos e o pri-
                                                                                   meiro contato clínico se dá ainda mais tarde. A datação
                                                                                   dos sintomas iniciais seria muito imprecisa, pois exige
                                                                                   a rememoração por parte dos portadores que poderiam
                                                                                   ser sugestionados pelos entrevistadores. A literatura é
                                                                                   consistente na observação de uma lacuna de tempo sig-
                   Florence                                                        nificativa entre o início da doença e o primeiro trata-
                Kerr-Corrêa                                                        mento. Estabelecer o início do TAB pode ser de extrema
           Departamento de                                                         importância para indivíduos geneticamente vulneráveis
     Neurologia, Psicologia e                                                      e para seus clínicos, já que pode oferecer pistas quanto
     Psiquiatria da Faculda-                                                       ao curso futuro.
          de de Medicina de
           Botucatu, UNESP.                                                           Com a introdução do conceito de espectro bipolar,
                                                                                   ampliando as fronteiras diagnósticas, as estimativas de
                                                                                   prevalências encontradas são substancialmente mais al-
                                                    Gabriel Savi Coll              tas. São escassos os trabalhos nacionais sobre a preva-
                                  Centro de Saúde Escola da Faculdade              lência do TAB, não sendo possível passar um panorama
                                      de Medicina de Botucatu, UNESP.              regional de sua ocorrência, com estudos principalmente
                                                                                   ocorrendo na região Sudeste. Em amostras populacio-
                                                                                   nais a prevalência de TAB I varia entre 0,5% e 3,3%; a de
                                                                                   TAB II entre 0,3% e 8,4%; e considerando-se o “espectro


20   revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
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  • 1. editorial Revista Publicação da moreira jr. editora ltda. Brasileira de Rua Henrique Martins, 493 - CEP 04504-000 Tel.: (011)3884-9911 - Fax: (011)3884-9993 São Paulo - SP - E-mail: Medicina editora@moreirajr.com.br Web site: www.moreirajr.com.br Editor Coordenador NEUROPSIQUIATRIA Vladimir Bernik Conselho Editorial Alexandrina Meleiro (FMUSP) Abertura de conceitos amplia Antônio Egídio Nardi (UFRJ) Carlos R. de M. Rieder (HC Porto Alegre) estratégias terapêuticas Carmita H.N. Abdo (FMUSP) Chei Tung Teng (HC-FMUSP) Denise Hack Nicaretta (UFF) Sem dúvida existe hoje uma demanda cada vez maior dos serviços psiquiátricos no Doris Hupfeld Moreno (HC-FMUSP) Brasil e no mundo. Preconceitos e mitos caem pela galopante evolução da Psiquiatria Fábio Lopes Rocha (IPSEMG) Fábio G. Matos (UFCE) e a busca dos especialistas vem aumentando mais que a paralela formação dos espe- Fátima Vasconcellos (APERJ) cialistas. Hélio Teive (UFPR) A primeira consequência deste fenômeno é que a Psiquiatria, e algumas poucas Henrique Ballalai Ferraz (UNIFESP-EPM) outras especialidades médicas mostraram um crescimento científico profundo e de- Irismar Reis de Oliveira (UFBA) talhado, principalmente em pesquisas e em modernidade. Começando pela José Alberto Del Porto (UNIFESP-EPM) Kalil Duailibi - Fac. de Medicina de Santo reformulação dos conceitos e dos critérios de diagnóstico, que resultarão numa pró- Amaro xima edição do DSM-5, os quadros patológicos se definem melhor, permitindo o Luiz Augusto Franco de Andrade detalhamento progressivo das patologias nesta especialidade. (Hospital Albert Einstein - SP) A imediata resposta vem da ampliação consequente dos esquemas terapêuticos, Luiz Gonzaga Vaz Coelho (UFMG) hoje cada vez mais exatos e precisos, em função da observação de diferentes verten- Márcio Bernik (FMUSP) Marcos Pacheco de Toledo Ferraz (UNIFESP- tes de conhecimentos utilizadas para o aprimoramento do diagnóstico. Cada vez EPM) mais o médico tem condições de detalhar o quadro clínico do paciente, resultando Orlando Barsottini (UNIFESP-EPM) numa melhor abordagem terapêutica. Ricardo Alberto Moreno (HC-FMUSP) A presente edição é um exemplo desta evolução para a modernidade. Falar se hoje Ricardo S. Komatsu (FAMEMA) do Transtorno Afetivo Bipolar já não se baseia mais na limitação do diagnóstico. E, Sandra Odebrecht Vargas Nunes (UEL) Sérgio Luís Blay - UNIFESP como tão bem o abordam estes artigos, o Transtorno Bipolar é hoje considerado o Vanderci Borges (UNIFESP-EPM) “Espectro Bipolar”, pois muitos quadros limítrofes foram abrangidos por um diagnós- Vanessa de Albuquerque Cítero (UNIFESP) tico mais amplo, permitindo melhor o entendimento e a busca de soluções terapêuti- Vitor Tumas (FM Ribeirão Preto) cas. Esta busca de melhores soluções tem como consequência imediata a procura de Ylmar Corrêa Neto (UFSCA) medicamentos cada vez mais específicos. O que representa, em última instância, uma evolução cada vez maior da Psiquiatria. A Revista Brasileira de Medicina, ISSN 0034- Falando do diagnóstico do Espectro Bipolar, além da sintomatologia clínica, a evo- 7264, editada desde 1944, é publicada men- lução de cada paciente pode ser mais bem individualizada se levarmos em conta salmente (de jan/fev a dezembro) pela Moreira também os aspectos da personalidade. E o entendimento da personalidade, mesmo Jr. Editora Ltda. e destina-se a divulgar a inves- em níveis inconscientes, inserida num todo de vivências e de ações ambientais, pode tigação médica brasileira, por meio da publica- ção de artigos originais de estudos clínicos e ser visto a partir de enfoques analíticos. Assim vem abrindo-se horizontes mais am- experimentais, considerados de bom nível ci- plos , que permitem uma adequação melhor do tratamento a cada caso clínico em entífico, realizados em nosso meio. Atuar como particular. Nem sempre colocar de lado as técnicas clássicas e tradicionais é válido, já instrumento do Ensino continuado em Medici- que estas sempre incorporaram mais elementos aos diagnósticos clínicos, permitin- na, estimulando e promovendo a publicação do que realmente cada paciente pudesse ser entendido como um universo próprio, de artigos de atualização e revisão sistemática e de meta-análise, escritos por convite por es- com sua doença, mas com toda uma personalidade consciente e inconsciente, que, pecialistas reconhecidos. Atuar, por meio de no mínimo, altera a sua resposta à terapêutica instituída. cartas dirigidas ao Editor, como fórum para a Um os principais grupos terapêuticos no controle das fases de mania e de hipomania documentação de experiências pessoais e de- dos quadros do Espectro Bipolar são os antipsicóticos. Uma necessidade imperiosa bates de interesse médico-científico. no controle dos pacientes, tanto com sintomas positivos quanto os com sintomas Os conceitos e opiniões emitidos nos artigos negativos. são de responsabilidade exclusiva dos auto- Estes partem desde a tradicional, e ainda usada, clorpromazina até os medicamen- res e nas propagandas são de responsabili- tos de última geração, cujos efeitos terapêuticos se observam desde o início da sua dade exclusiva dos anunciantes. administração. A adequada seleção dos mesmos, cada um mais apropriado a cada caso, permite a recuperação mais rápida, mais eficiente e com menos efeitos colaterais. Todos os artigos publicados na Revista Brasi- leira de Medicina terão seus direitos resguar- Qual destes deverá ser usado vai depender do quadro clínico de cada paciente e do dados pela Moreira Jr. Editora Ltda. e só pode- objetivo que o psiquiatra traça quanto à sua recuperação. Escolhendo, por outro lado, rão ser publicados, parcial ou integralmente, o mais eficiente, mas também o que menos efeitos colaterais apresentem. Estes efei- com autorização por escrito da Editora. tos colaterais, quando não bem explicados e entendidos de parte a parte, o médico e o paciente/familiares podem ser um obstáculo ao tratamento. Daí a necessidade de Revista Brasileira de Medicina está registrada na lei de imprensa sob nº 5.142 em 06/05/77 uma comunicação adequada entre ambas as partes. (3º Cartório de Registro de Títulos e E, por falar dos psicóticos atípicos, hoje um realce na moderna Psiquiatria, a pato- Documentos). Censura Federal Nº 2.340 - P. logia que também mais se beneficiou com estes avanços terapêuticos foi a clássica 209/73. esquizofrenia, conhecida historicamente e descrita por autores de todos os tempos. Esta revista figura no INDEX MEDICUS LATINO Pela relativamente alta prevalência entre as psicoses, o estudo da terapêutica da AMERICANO (LILACS), Excerpta Medica, Perio- dica, SIIC-DATABASES, Ulrich’s Periodicals Di- esquizofrenia pela nova classe de antipsicóticos mais modernos, sempre permite rectory, Tropical Diseases Bulletin, La Prensa adicionar novos conhecimentos aos que já possuímos, abrindo os esquemas em uso Medica Mundial, Bibliografia Brasileira de Me- para a luz da modernidade. dicina e Database Global Health. Dr. Vladimir Bernik revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 1
  • 2. Destaque índice 4 Esquizofrenia: antipsicóticos atípicos Itiro Shirakawa Marcel H. Kaio Destaque 12 Transtorno afetivo bipolar. Atenção às diferenças José Gilberto Franco Destaque 20 Transtorno de humor (afetivo) bipolar - TAB Ricardo Cezar Torresan Florence Kerr-Corrêa Gabriel Savi Coll Artigo comentado 25 Memantina na doença de Alzheimer moderada a grave Renata Areza-Fegyveres Artigo comentado 29 Eficácia comparativa e aceitabilidade de 12 antidepressiv]os da nova geração: uma meta-análise de múltiplos tratamentos Elisa Brietzke Eventos 33 2 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
  • 3. Um passo adiante RBM-Neuropsiquiatria em busca do aperfeiçoamento contínuo do seu conteúdo para oferecer ao médico o que de melhor a medicina vem oferecendo nesta área, inicia uma fase mais di- nâmica de apresentação de suas matérias. É um passo adiante no aprofundamento das patologias vinculadas à neuropsiquia- tria. Neste número, em entrevista concedida à jornalista Branca Ferrari, o Dr. José Gilberto Franco amplia o horizonte de abor- dagem do Transtorno Afetivo Bipolar, comentando aspectos cruciais do diagnóstico para uma boa evolução do tratamen- to. Ainda na área do Transtorno Afetivo Bipolar, o Dr. Ricardo Cezar Torresan, Dra. Florence Kerr-Coorrêa e Dr. Gabriel Salvi Coll tratam questões pertinentes às causas, diagnóstico e tra- tamento, com destaque para o fato de que atinge igualmente homens e mulheres de qualquer raça e está associado a pre- juízos psicossociais e profissionais importantes. Já o Dr. Itiro Shirakawa e Dr. Marcelo Kaio falam do tratamento da Esquizofrenia com antipsicóticos atípicos, oferecendo reco- mendações básicas, indicações e efeitos adversos dos medica- mentos em uso no país. Chamam a atenção para as conse- quências psicológicas e sociais devastadoras deste transtorno tanto para seus portadores como para seus familiares. revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 3
  • 4. Revista Brasileira de Medicina NEUROPSIQUIATRIA Esquizofrenia: antipsicóticos atípicos RBM - Entre as psicoses como é classificada a es- quizofrenia? A esquizofrenia é a mais comum das psicoses crôni- cas1. Manifesta-se em aproximadamente 1% da popula- ção, principalmente no sexo masculino e em indivíduos jovens, estando presente em todas as culturas, regiões geográficas e estratos sociais. Sendo um transtorno men- tal de evolução crônica gera, comumente, consequên- cias psicológicas e sociais devastadoras, tanto para seus portadores quanto para seus familiares, ceifando sonhos e aspirações de boa parte deles. Muitos pesquisadores contribuíram, com o passar dos anos, para a melhor compreensão da doença. Emil Kraepelin (1896) enfatizou os aspectos processuais da patologia, Eugen Bleuler (1911) se notabilizou na defini- ção dos sinais e sintomas típicos, Kurt Schneider (déca- da de 30) descreveu os sintomas de primeira ordem, que retratavam a vivência psicótica em si. Além desses avanços na descrição psicopatológica da Itiro Shirakawa doença, pôde-se também observar, mais recentemente, Professor titular do Departamento de uma importante evolução nas áreas de neurobiologia, Psiquiatria da Universidade Federal de São neuroimagem e neuropsicologia. A psicofarmacologia, Paulo da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). em especial, vem contribuindo decisivamente para a melhoria da clínica e do atendimento aos portadores de Marcel H. Kaio esquizofrenia. Pós-graduando do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São RBM - O que mudou no tratamento da doença ao Paulo da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). longo do tempo? A era moderna do tratamento dos transtornos psicóti- cos se iniciou em 1952 com o descobrimento das propri- edades antipsicóticas da clorpromazina e seu efeito na melhora dos sintomas da doença. Inicialmente a clorpro- mazina foi denominada como fármaco neuroléptico (do 4 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
  • 5. destaque grego neuron e lepsis, em referência a “contenção do RBM - Quais os elementos essenciais ao diagnósti- sistema nervoso”), termo utilizado para descrever seus co apropriado da esquizofrenia? efeitos inibitórios centrais sobre a psicomotricidade. Outros compostos antipsicóticos surgiram e, como a O diagnóstico precoce da esquizofrenia permite que clorpromazina, foram considerados pertencentes à clas- os impactos causados pela doença sejam evitados ou, se dos fármacos neurolépticos, na qual os efeitos tera- pelo menos, retardados. O conhecimento e a correta iden- pêuticos se apresentavam inseparáveis dos sintomas tificação dos sintomas ainda são as melhores estratégi- extrapiramidais (SEP), efeitos secundários indesejáveis as para se detectar as alterações geradas pela patologia produzidos pelos mesmos2. e, posteriormente, instituir-se o tratamento incisivo dos Todavia, o maior benefício desses medicamentos foi surtos psicóticos. ter viabilizado a transformação da esquizofrenia em do- A heterogeneidade da esquizofrenia, muito apontada ença ambulatorial – até então ainda muito vinculada à por Bleuler no início do século passado, tem sido com- institucionalização crônica – e possibilitado aos seus provada a partir das décadas de 80-90 por pesquisas doentes usufruir de outras técnicas terapêuticas, como que procuraram identificar subtipos específicos que a hospitais-dia e centros de atenção psicossocial. Permi- definam melhor, tendo se utilizado de técnicas avança- tiu, também, uma melhor reinserção familiar, reintegra- das de neuroimagem, estatística e testes neuropsicoló- ção social e laborativa desses pacientes. gicos. No panorama atual, o desenvolvimento de novas me- Dentre várias abordagens diagnósticas se destaca a dicações tem priorizado, principalmente, a melhora glo- de Peter Liddle3, que no início da década de 90 sugeriu bal dos portadores da doença. Observava-se na prática uma abordagem dimensional da esquizofrenia. Tal abor- clínica que o tratamento com os antipsicóticos clássicos dagem tenta estabelecer dimensões sintomatológicas, as (de primeira geração) se restringia apenas ao controle quais podem refletir mais facilmente a heterogeneidade dos sintomas positivos (ou produtivos) da esquizofrenia e a variabilidade clínica da patologia. e não propiciava melhora dos sintomas negativos da As abordagens categoriais, por outro lado, tentam di- doença. O parkinsonismo medicamentoso induzido pela ferenciar subtipos da esquizofrenia dentro de critérios diminuição da transmissão dopaminérgica no sistema sintomatológicos bem definidos, porém com uma des- nervoso (através do bloqueio de receptores de dopami- crição de corte transversal, ou seja, procuram classificar na no sistema nigroestriatal) dificultava a adesão de pa- um surto a partir de um conjunto de sintomas presentes cientes e familiares ao tratamento e contribuía para a na fase aguda. piora dos sintomas negativos. Vamos nos restringir à classificação dimensional de Liddle que permite, de forma mais prática e objetiva, a RBM - Quais são esses sintomas positivos e negati- identificação dos principais sintomas da doença para o vos? clínico geral. Liddle distingue três formas principais de esquizofrenia: a forma POSITIVA, que abrange delírios Entre os sintomas positivos da esquizofrenia estão os (distorção da realidade) e alucinações; a forma DESOR- delírios, as alucinações, a agitação psicomotora. Entre GANIZADA, que compreende distúrbio da forma do pen- os negativos se alinham o pensamento empobrecido, o samento, resposta afetiva inadequada, atitudes inade- embotamento afetivo, o retraimento social. quadas/desorganizadas; a forma NEGATIVA, que inclui discurso de conteúdo empobrecido, afeto embotado RBM - Como foram contornadas as dificuldades? (“achatado”), inibição psicomotora. O desafio que se colocava era como lidar com a rela- RBM - Quais são as recomendações básicas para o ção intrínseca dos efeitos antipsicóticos das drogas, fun- tratamento? damentais para o tratamento e os consequentes efeitos colaterais destas medicações, sem detrimento ao bem- Do ponto de vista farmacológico, os antipsicóticos de estar do paciente. O desenvolvimento dos chamados primeira geração (típicos) bloqueiam os receptores do- antipsicóticos atípicos promoveu uma inversão na rela- paminérgicos do tipo D2 existentes nos sistemas ção risco/benefício do tratamento com essas drogas con- mesolímbico, mesocortical, nigroestriatal e tuberoinfun- tornando aquelas dificuldades. dibular. Considera-se que a base do efeito antipsicótico revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 5
  • 6. Revista Brasileira de Medicina NEUROPSIQUIATRIA está no bloqueio de receptores no sistema límbico; a re- Tabela 1 dução da atividade no estriado contribui para o surgi- Droga Dose Perfil de receptor mento de sintomas extrapiramidais; que o bloqueio D2 recomen- (afinidade por bloqueio) no eixo hipotálamo-hipófise induz a hiperprolactinemia dada e a diminuição da dopamina no córtex pré-frontal acar- (mg/dia) reta os sintomas negativos. 1 - Quetiapina 150-750 H1 > 5HT2 > alfa > D2 Já os antipsicóticos de segunda geração apresentam 2 - Amisulprida 50-1200 D2 > D3 > D1 como características diferenciais uma menor afinidade 3 - Olanzapina 05-20 5HT2 > D > M > alfa > H1 pelo receptor D2 e maior afinidade pelos receptores 5- 4 - Risperidona 02-08 5HT2 > D > alfa > H1 HT2 de serotonina4. 5 - Clozapina 50-900* 5HT2 > D > alfa > M > H1 Meltzer5 relata que quando a razão D2/5HT2 da atua- ção de um neuroléptico for menor que 1, estamos diante 6 - Ziprasidona 40-160 5HT2 > D2 > 5HT1a de um antipsicótico atípico, com menor possibilidade de 7 - Aripiprazol 15-30 5HT2 SEP, maior tolerabilidade e melhora dos sintomas nega- Bloqueio 5HT2: melhora de sintomas negativos. tivos. * acima de 600 mg/dia - risco de convulsão. A serotonina, principalmente a localizada no sistema Bloqueio D: efeito antipsicótico. Bloqueio M: efeito anticolinérgico. límbico e em suas projeções corticais, está amplamente Bloqueio alfa: efeito hipotensor. Bloqueio H1: sedação. relacionada às funções cognitivas e à manutenção do humor. Este mecanismo de ação dos novos antipsicóti- cos (menor bloqueio D2 e maior bloqueio 5HT-2) melho- RBM - E os efeitos colaterais? ra os sintomas positivos e os negativos – sintomas típi- cos da esquizofrenia. Traçamos o perfil dos efeitos colaterais dos antipsicó- As justificativas para a relativa ausência de efeitos se- ticos atípicos dentro do critério mostrado na Tabela 2. cundários indesejáveis de alguns dos antipsicóticos atí- picos parecem estar relacionadas à menor ocupação dos RBM - É possível especificar as características de receptores D2 (50%) e maior ocupação de receptores cada um deles, indicações e efeitos adversos? 5HT2. Estes também demonstram menor propensão para provocar hipotensão e taquicardia, bem como efeitos 1. Risperidona. É um derivado dos benzisoxazoles com secundários anticolinérgicos (boca seca, obstipação in- efeitos antisserotoninérgicos (5HT2), antidopaminér- testinal, distúrbios de acomodação visual), provavelmente gicos (D4, D1, D2 e D3) e antiadrenérgicos (alfa-1, devido à sua menor afinidade, respectivamente, pelos alfa-2) marcantes22, mas que não apresenta atividade receptores adrenérgicos (alfa-1 e 2) e receptores mus- anticolinérgica. Quando utilizada em doses elevadas carínicos, quando comparados aos antipsicóticos de pri- (acima de 10 mg/dia) mostrou perfil de efeitos cola- meira geração. terais – particularmente com a presença dos sinto- Os efeitos clínicos dos antipsicóticos atípicos estão mas extrapiramidais – semelhante ao observado com relacionados às suas propriedades farmacológicas e re- o uso de haloperidol. Sua meia-vida de eliminação é fletem suas afinidades por vários receptores dos neuro- de 20 a 22 horas. transmissores. Por sua superior segurança em termos de efeitos colaterais neurológicos, existe um consenso Indicações crescente de que essa nova classe de medicação seja É principalmente indicada para os casos de esquizo- utilizada como tratamento de primeira linha no tratamen- frenia, tanto no tratamento dos primeiros episódios psi- to da esquizofrenia e deve ser a primeira escolha para cóticos como nas reagudizações da doença ou no trata- pacientes de primeiro episódio psicótico6. mento de manutenção. É indicada também nos transtor- nos delirantes, transtorno esquizoafetivo, no controle dos RBM - Que critérios deverão orientar o médico na distúrbios do comportamento associados à demência indicação dos antipsicóticos atípicos? (agitação e agressividade, sintomatologia psicótica). Em comparação aos antipsicóticos de primeira geração de- Seguir sempre o critério de dose recomendada para cada monstrou ser mais efetiva na melhora de sintomas nega- droga, de acordo com o perfil do receptor (Tabela 1). tivos23 e funções cognitivas específicas24. 6 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
  • 7. destaque Tabela 2 Evento Típicos Cloz Risp Olanz Quetp Zipr Arip SEP +/+++ ± ±/+++* ±/+* ± ±/+* ±/+ Discinesia +++ ± ±/+ ± (?) ± (?) ± (?) ± (?) Sonolência ±/+++ +++ ± +‘ ++ ± ± Prolactina +++ ± +++ ± ±‘ ± ± Peso ±/++ +++ + +++ + ± ± Dislipidemia ±/+ +++ + +++ ++ ± ± Diabetes ±/+ +++ + +++ ++ ± ± QTc ±/+++ ++ + + + ++ ± Hipotensão ortostática ±/+ +++ ++ + ++ ± ± * dose relacionado; ± mínimo; + leve; +++ marcante comparado a placebo. Posologia Posologia Recomenda-se uma dose inicial de 1 mg ao dia, com Dividir a dose diária em duas administrações ao dia. aumento de 1 mg/dia até se atingir a faixa terapêutica de 4-8 mg/dia, em uma ou duas tomadas diárias. Efeitos colaterais Sedação, sonolência e galactorreia, mas tende ser bem Efeitos colaterais tolerada. Os sintomas extrapiramidais induzidos pela Sedação, hipotensão postural, cefaleia, disfunções amisulprida são doses-dependente. sexuais, taquicardia, ganho de peso (a longo prazo), par- kinsonismo (em doses acima de 10 mg/dia). Contraindicações - Insuficiência renal (devido à sua excreção renal). Contraindicações - Epilepsia (diminui o limiar convulsivante). - Gravidez e lactação. - Feocromocitoma. - Insuficiência renal ou hepática grave. - Gravidez e lactação (mães que necessitam ser medi- cadas devem interromper amamentação). 2. Amisulprida é uma benzamida substituída, antago- nista dopaminérgica de alta seletividade por recepto- 3. Clozapina é uma dibenzodiazepina que apresenta afi- res do tipo D2 e D37, mas de pouca afinidade por nidade por receptores do tipo D1, D3, D4, colinérgicos receptores de outros neurotransmissores. Não se tra- e serotonérgicos 5HT2a,c. Foi o primeiro antipsicóti- ta de droga nova, porém sua indicação para o trata- co a tratar os sintomas da esquizofrenia efetivamen- mento das psicoses é recente. Apresenta meia-vida te, com riscos mínimos de provocar sintomas extra- de eliminação de aproximadamente 12 horas. piramidais e aumento dos níveis de prolactina12,13. Tem meia-vida de eliminação de 10 a 17 horas. Indicações A amisulprida apresentou eficácia tanto em sintomas Indicações positivos quanto em sintomas negativos da esquizofre- A clozapina se mostrou mais eficaz que os antipsicó- nia. Em pacientes com predomínio de sintomas positi- ticos de primeira geração no tratamento da esquizofre- vos, doses mais altas da droga devem ser utilizadas (400 nia refratária14,15, sendo esta uma de suas principais in- a 800 mg/dia)8. Já pacientes com sintomas negativos dicações. Seus efeitos terapêuticos vão além do controle devem receber doses entre 50 e 300 mg/dia, que se dos sintomas psicóticos: é efetiva para sintomas negati- mostraram mais efetivas que placebo9,10 e também capa- vos, déficits cognitivos específicos, comportamento sui- zes de atuar em sintomas positivos leves. Doses acima cida16,17, além de também ser eficaz no tratamento da de 1200 mg/dia foram estudadas sem demonstrar van- doença bipolar refratária a tratamento18. Por apresentar tagem em relação à dose de 800 mg/dia11. perfil bastante tolerável em relação à produção de sinto- revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 7
  • 8. Revista Brasileira de Medicina NEUROPSIQUIATRIA mas extrapiramidais é indicada para os pacientes que, Indicações durante o uso de antipsicóticos convencionais, apresen- É eficaz no tratamento de sintomas positivos e negati- taram SEP intoleráveis ou que desenvolveram discinesia vos da esquizofrenia. Tem sido considerada especialmen- tardia. Pode ser também utilizada em pacientes portado- te vantajosa em casos de pacientes idosos com transtor- res de doença de Parkinson que apresentem quadros nos psicóticos25, na psicose da doença de Parkinson in- psicóticos quando em uso de levodopa. A clozapina, duzida por medicações26 e nas alterações de comporta- porém, deve ser indicada após tentativas com pelo me- mento de quadros demenciais. nos dois dos antipsicóticos tradicionais e passagem pe- los antipsicóticos de segunda geração, estes mais segu- Posologia ros em relação ao risco de causar agranulocitose (devido Apesar de apresentar meia-vida de eliminação curta, à toxicidade seletiva a leucócitos polimorfonucleares) em pode ser administrada duas vezes ao dia, sem maiores 0,8% dos pacientes expostos à clozapina por pelo me- repercussões a seu efeito clínico27. Recomenda-se uma nos seis meses19,20. dose inicial de 50 mg/dia com aumento gradativo: 100 mg/dia no segundo dia, 200 mg/dia no terceiro dia, 300 Posologia mg/dia no quarto dia até atingir 400 mg/dia no quinto Iniciar com dose de 25 mg, com aumentos de 25 a dia. Essa titulação favorece uma melhor tolerância dos 50 mg/dia a cada dois a três dias até se atingir a dose efeitos colaterais mais comuns na fase inicial do trata- terapêutica 200 a 500 mg/dia (média de 300 mg/dia) mento. Doses terapêuticas são, em média, de 150 a 400 após duas a três semanas, divididas em duas a três to- mg/dia e, em situações mais graves, podem chegar a madas diárias, para se minimizar os efeitos colaterais. 750 mg/dia. Em doses de até 200 mg/dia a administração pode ser única, à noite. A dose máxima recomendada é de 900 Efeitos colaterais mg/dia, embora poucos pacientes necessitem de doses Sonolência, tontura, hipotensão, pode causar ganho superiores a 650 mg/dia. As respostas ao tratamento de peso. surgem após três meses de uso contínuo da droga, po- dendo variar até dois anos, sendo preconizado, em ge- Contraindicações ral, uma tentativa de pelo menos seis a nove meses de Gravidez e lactação. uso21. 5. Olanzapina. É um antipsicótico da classe dos tieno- Efeitos colaterais dibenzodiazepínicos que apresenta perfil farmacoló- Sedação, hipotensão, taquicardia, constipação, convul- gico e estrutura química semelhante à clozapina28, sões (doses-dependente, acima de 600 mg/dia), ganho contudo não há indicações de que induza discrasias de peso e leucopenia. sanguíneas como aquela droga. Age em receptores D1 a D4, 5HT2, muscarínicos, adrenérgicos alfa-1 e Contraindicações histaminérgico H1. A meia-vida de eliminação é de - Leucócitos abaixo de 3.500/mm3. 30 horas, permitindo administração em dose única - Doenças mieloproliferativas. diária. - História de granulocitopenia ou agranulocitose. - Psicoses alcoólicas. Indicações - Uso concomitante de carbamazepina. Pode ser utilizada no tratamento da esquizofrenia e - Gravidez e lactação. outros transtornos psicóticos, particularmente naque- les pacientes que apresentaram alta incidência de sin- 4. Quetiapina. É uma dibenzotiazepina que se asse- tomas extrapiramidais e/ou discinesia tardia com ou- melha estruturalmente à clozapina e que interage tras medicações; ou em pacientes com sintomas nega- com ampla variedade de receptores: exibe alta afini- tivos e depressivos predominantes29. A olanzapina já dade pelos receptores tipo 5HT2 e 5HT6, H1 e alfa-1 tem uso aprovado para tratamento da mania aguda em e 2, bem como tem afinidade pelo receptor D2 do pacientes bipolares. As alterações comportamentais em sistema límbico. Tem meia-vida de eliminação de sete pacientes com demência também podem ser tratadas horas. efetivamente30. 8 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
  • 9. revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 9
  • 10. Revista Brasileira de Medicina NEUROPSIQUIATRIA Posologia parcial, porém com ação antagonista potente de re- A administração única diária facilita a adesão ao trata- ceptores 5HT2a. Se caracteriza por não ser um blo- mento. A faixa terapêutica se encontra entre 5 e 20 mg/ queador dopaminérgico central e, sim, um modulador dia. A dose inicial de 10 mg/dia é considerada bastante ou estabilizador da função, ajustando seus excessos tolerável para a maioria dos pacientes, não sendo reco- ou deficiências onde se fizer necessário33,34. Tem meia- mendada dose acima de 20 mg/dia. vida de eliminação de 75 horas. É o mais recente an- tipsicótico no mercado, com sua comercialização ini- Efeitos colaterais ciada em abril de 2003. Ganho de peso (não aparentando ser dose-dependente), sedação, aumento assintomático das enzimas hepáticas. Indicações O aripiprazol já demonstrou ser mais eficaz que place- Contraindicações bo em estudos que avaliaram episódios agudos, preven- - Glaucoma de ângulo estreito. ção de recaídas e melhora dos sintomas negativos e de- - Gravidez e lactação. pressivos. Pode, portanto, ser utilizado em quadros agu- dos e crônicos da esquizofrenia e também nos transtor- 6. Ziprasidona. Esta droga difere farmacologicamente nos esquizoafetivos. A aplicação na mania aguda de paci- dos demais antipsicóticos atípicos por seu efeito ago- entes bipolares foi também estudada com melhora signi- nista em receptor 5HT1a e por inibição da recaptação ficativa dos sintomas e bom perfil de tolerabilidade35. de serotonina e noradrenalina31. Tem meia-vida de eliminação de três a dez horas. Posologia A administração deve ser realizada em dose única di- Indicações ária. A faixa terapêutica é de 15 a 30 mg/dia, podendo A ziprasidona se mostrou efetiva no controle de sinto- iniciar-se o tratamento com 15 mg/dia, já considerada mas positivos e negativos da esquizofrenia32, além de dose efetiva. benefício na prevenção de recaídas no tratamento a lon- go prazo. Parece induzir menor ganho de peso se com- Efeitos colaterais parado aos demais antipsicóticos atípicos. Demonstrou Cefaleia, ansiedade, insônia. eficácia ao ser utilizada no controle dos sintomas da mania em pacientes bipolares. Contraindicações Gravidez e lactação. Posologia A administração deve ser realizada em duas tomadas RBM - Qual a sua avaliação final sobre os antipsi- por dia. A faixa terapêutica é de 80 a 160 mg/dia, podendo cóticos atípicos? iniciar-se o tratamento com 40 mg/dia, de 12/12 horas. Não há dúvidas de que os antipsicóticos atípicos repre- Efeitos colaterais sentam um avanço no tratamento dos transtornos psicó- Sedação, náusea, obstipação intestinal e aumento do ticos, em particular, da esquizofrenia. Apesar de terem intervalo QTc ao eletrocardiograma, dose-dependente custo muito mais elevado que os neurolépticos clássicos, (QTc menor que 500 msec: sem relevância clínica em se considerada a proporção diante dos custos totais (dire- indivíduos hígidos). tos e indiretos) da doença, os gastos são, na realidade, modestos. Como o impacto da doença nas despesas dos Contraindicações serviços de assistência à saúde (ambulatórios, hospitais - Pacientes com alterações cardíacas. etc.) são substanciais, é muito provável que, cada vez mais, - Gravidez e lactação. programas de saúde mental, em especial, sejam priorizados nos gastos ligados à saúde pública. 7. Aripiprazol. Derivado de quinolona, inaugurou uma Tornam-se, então, necessárias pesquisas dos vários nova classe de antipsicóticos em face dos antagonis- fatores que podem estar relacionados à introdução e ao tas dopaminérgicos pós-sinápticos clássicos: possui uso mais disseminado dos antipsicóticos de segunda ação diferenciada por ser um agonista D2 e 5HT1a geração na prática clínica, para que estes possam vir a 10 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
  • 11. destaque in the treatment of acute episodes of schizophrenia: a dose-ranging study vs. haloperidol. Acta Psych Scandinavica 1998; 98(1):65-72. 12. Fitton A, Heel R. Clozapine: a review of its pharmacological properties Não há dúvidas de que os antipsicóticos and therapeutic use in schizophrenia. Drugs 1990; 40:722-747. 13. Kurz M, Hummer M, Oberbauer H. Extrapyramidal side-effects of atípicos representam um avanço no tra- clozapine and haloperidol. Psychopharmacology 1995; 118:52-56. 14. Kane JM, Honigfeld G, Meltzer HY. Clozapine for the treatment- tamento dos transtornos psicóticos, em resistant schizophrenic. Arch Gen Psychiatry 1988; 45:789-796. 15. Fleischhacker WW. Clozapine: a comparison with other novel particular, da esquizofrenia. Apesar de antipsychotics. J Clin Psychiatry 1999; 60(Suppl.12):30-34. 16. Meltzer HY, McGurk SR. The effect of clozapine, risperidone and terem custo muito mais elevado que os olanzapine on cognitive function in schizophrenia. 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J Clin Psychiatry 1999; 60:292- 298. tidisciplinar em muito otimiza e aumenta as possibilida- 26. Fernandez HH, Friedmann JH, Jaques C, Rosenfeld M. Quetiapine for des de controle da doença, de adesão ao tratamento e the treatment of drug-induced psychosis in Parkinson’s Disease. Mov Disord 1999; 14:484-487. de readaptação do paciente à sociedade37. 27. Fleischhacker WW, Link CGG, Horne B. A multicentre, double-blind randomized comparison of dose and dose regimes of Seroquel in the Treatment of patients with schizophrenia. Poster presented at Referências bibliográficas the 34th ACNP Meeting, 11-15 December, San Juan, 1998. 28. Bymaster FP, Calligaro DO, Falcone JF. Radioceptor binding profile of the atypical antipsychotic olanzapine. Neuropsychopharmacology 1. Roder V, Brenner H, Hodel B, Kienzle N. Terapia Integrada da Esqui- 1996; 14:87-96 zofrenia 2002; Lemos Editorial, São Paulo. 29. Tollefson GD, Sanger TM, Lu Y. Depressive signs and symptoms in 2. Deniker P. 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  • 12. Revista Brasileira de Medicina NEUROPSIQUIATRIA Transtorno afetivo bipolar. Atenção às diferenças RBM - O transtorno afetivo bipolar incide com mai- or frequência em que faixa etária? O transtorno afetivo bipolar atinge desde adolescen- tes até pessoas com idade mais avançada. A maior inci- dência fica entre o jovem e as pessoas na faixa dos 45 anos mais ou menos e um pouco mais frequente em mu- lheres. Raramente em idosos e na infância, quando o diagnóstico é mais difícil. RBM - Quais as dificuldades para um diagnóstico adequado de TAB? Inicialmente é necessário destacar não apenas na psi- quiatria, como em medicina geral, pelo menos duas ma- neiras de avaliar a doença: uma é a abordagem descriti- va, fenomenológica com influência muito grande da in- dústria farmacêutica, interessada na facilitação da pes- quisa clínica. Isso cria uma dificuldade muito grande porque muitas doenças, descritivamente, podem apresentar o mesmo José Gilberto Franco quadro clínico num determinado momento de sua evolu- ção. Psiquiatra. Consultor científico da Socieda- de Rorscharch e diretor do Centro de Aí, então, fica fácil cometer o erro diagnóstico de con- Estudos Anibal Silveira. fundir psicoses benignas, que são perfeitamente trata- das, com esquizofrenia, cujo prognóstico é muito reser- vado. A outra é a maneira etiopatogênica de estudar a do- ença, considerando causas, evolução, ambiente, biolo- gia e principalmente a carga genética que determina e dá o colorido no quadro clínico, obviamente, sem des- considerar o seu aspecto sintomatológico. Tudo isso, com o suporte de uma Teoria de Personalidade consistente, que permite entender a patogênese dos quadros noso- lógicos, correlacionando os dados psicológicos com a 12 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
  • 13. destaque fisiologia cerebral e sua disposição heredológica, permi- exuberantes. De modo geral, os episódios de transtorno tindo um diagnóstico mais preciso, um prognóstico se- afetivo bipolar são progressivamente mais graves, se o guro e até a identificação precoce na constelação familial paciente não for tratado, evidentemente. de indivíduos predispostos. Há um aspecto interessante na bipolaridade que con- Para esse estudo, Anibal Silveira, aqui no Brasil, de- vém destacar. São pessoas com inteligência muito senvolveu todo um sistema na Psiquiatria que envolve aguçada, até com certa genialidade (cientistas, composi- uma Teoria de Personalidade correlacionando os elemen- tores, poetas, artistas). Elas se distinguem em seus cam- tos patológicos de acordo com a sua gênese nas esferas pos de atuação. É perceptível nesses pacientes uma dife- da personalidade, a regência cerebral envolvida, a reper- renciação intelectual maior do que a média da popula- cussão sintomática e a carga genética determinante atra- ção. Tudo isso, fartamente estudado na literatura cientí- vés da anamnese heredológica. Esta permite pesquisar fica especializada. a partir do paciente estudado seus traços de personali- dade os quais determinam o colorido clínico de sua con- dição mórbida e elaborar o diagnóstico, um prognóstico No transtorno afetivo bipolar, que se mais seguro e realizar psiquiatria preventiva buscando na família os possíveis indivíduos, mesmo com sinais desenvolve por fases, quando o quadro discretos da patologia, que possam ser diagnosticados de mania aparece o pensamento fica mais precocemente. Nesse sentido, citamos um caso emblemático que te- acelerado, a elaboração se torna mais mos em nossa clínica. Um paciente na faixa dos 55 anos dedutiva, o pormenor secundário assu- tem transtorno afetivo bipolar. Ele toma lítio e ácido valproico. Ele tem três filhos, dos quais dois apresentam me grande importância e a pessoa tem TAB e uma filha sem sinais patognomônicos do TAB, dificuldade de elaborar uma síntese. porém intelectualmente superdotada. Este paciente tem Então, prevalece o juízo de valor que ela um tio com TAB de 82 anos (lúcido e muito inteligente) que está sendo tratado por nós, o qual tem duas irmãs, faz em detrimento da noção da verda- já falecidas, que foram diagnosticadas com TAB. Vemos, de, da realidade objetiva. então, a importância da pesquisa genética e dos traços de personalidade na constelação familial, não só nos ca- sos de transtorno afetivo bipolar, mas também em toda condição mórbida estudada. Isso é importante para veri- RBM - Por que o suicídio é um dos maiores riscos ficarmos a disposição biológica que está interferindo no no transtorno afetivo bipolar? quadro clínico, especialmente no caso do TAB, em que as primeiras manifestações são mais discretas, mais in- No transtorno afetivo bipolar, que se desenvolve por sidiosas, tornando o diagnóstico mais difícil. fases, quando o quadro de mania aparece o pensamento É importante destacar que no transtorno afetivo bipo- fica acelerado, a elaboração se torna mais dedutiva, o lar, especialmente na fase de mania, não existem mani- pormenor secundário assume grande importância e a festações de alteração senso-perceptiva, como muitos pessoa tem dificuldade de elaborar uma síntese. Então, acreditam. Isso levaria a outra condição clínica. Mesmo prevalece o juízo de valor que ela faz em detrimento da depois, na fase de depressão, raramente poderá ocorrer noção da verdade, da realidade objetiva. O paciente nes- de forma discreta alguma manifestação de alteração sen- ta condição passa a vivenciar aquilo que pensa como so-perceptiva. Isto é patognomônico da bipolaridade. verdadeiro. Fica incoerente e uma catadupa de pensa- Seguindo a história clínica do paciente, a maneira como mentos gravitam em torno de pormenores irrelevantes, a doença evolui e os aspectos heredológicos, chegamos perdendo a noção do que é óbvio. Torna-se muito afeta- ao diagnóstico. Chamamos a atenção para as diferenças do, o humor fica instável, fica prolixo, delirante, com na história clínica do transtorno afetivo bipolar que não ideias de referência, persecutório, excitado. Compra com- começa de forma exuberante. Tem evolução insidiosa. pulsivamente, fica insone, comportamento totalmente As primeiras crises de mania são discretas, seguidas de saltuário, não conclui o que começa, porém, permanece depressão menos intensa. Depois, seguem-se crises mais com uma resistência física bastante aumentada. Passa a revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 13
  • 14. Revista Brasileira de Medicina NEUROPSIQUIATRIA correr grandes riscos até na vida profissional, frequente- RBM - Como controla o uso do lítio ao longo do mente agressivo e, às vezes, com agitação psicomotora, tempo? pensamento acelerado, necessitando de atenção médica imediata. A litioterapia é excelente, mas exige atenção do médi- Um dos grandes riscos da bipolaridade surge da mu- co para os efeitos secundários por conta do uso prolon- dança do quadro da mania para a depressão. É uma gado do lítio no TAB. Às vezes é necessária a ajuda do depressão singular, diferente das demais. Nesta fase endocrinologista, quando as funções tiroidianas ficam há um acinte à própria sobrevivência pessoal. A pes- muito alteradas, ou do nefrologista, por conta da altera- soa é tomada por um impulso de autoeliminação. Na ção renal, sem que haja necessidade de interromper a fase de depressão o paciente deve ser monitorado por- litioterapia. É questão de adequar o tratamento. O pri- que pode ser levado ao suicídio ou passa a elaborar meiro passo é o paciente interiorizar a necessidade de intelectualmente como fazer isso. A medicação é es- tomar lítio dentro dos critérios estabelecidos. sencial e, às vezes, hospitalização e eletroconvulsote- É um medicamento que exige do médico um cuidado rapia. também na avaliação clínica, posteriormente, para evi- tar problemas no uso prolongado como é o caso espe- RBM - O lítio é considerado a terapia de escolha cialmente da bipolaridade. O primeiro passo é levar o para o paciente bipolar por contornar eficientemen- paciente a interiorizar a necessidade de tomar lítio den- te este risco. Qual é a sua opinião? tro dos critérios estabelecidos. Os pacientes que já ti- veram uma crise entendem bem isso, assim como seus O lítio é, hoje, a melhor opção para o tratamento de familiares. transtorno afetivo bipolar. Se tivéssemos de estabelecer uma escala de eficiência, daríamos nota 7 ao lítio e nota RBM - Em que consiste esta adequação? 4 ao ácido valproico, que é o segundo medicamento de escolha no caso de TAB (Kennedy, S - Simpósio no Méxi- No transtorno afetivo bipolar existem situações parti- co,2007 - Laboratório Lilly). Destacadamente, o lítio é a culares. Às vezes usamos lítio associado a outros medi- melhor opção. Indicamos de forma sistemática e tenho camentos como ácido valproico, lamotrigina, oxcarba- pacientes que usam há mais de 30 anos com acompa- zepina, carbamazepina ou algum neuroléptico associa- nhamento sem nenhum grande problema. Preferimos do (quetiapina, aripiprazol, olanzapina, risperidona ou usar o lítio de ação prolongada porque o paciente cria de paliperidona). Quando necessário, utilizamos a bupropi- forma mais eficaz o hábito de ingerir o comprimido pela ona como antidepressivo. manhã e à noite. Assim, evita-se o risco do paciente es- No caso do lítio, dependendo da idade do paciente e quecer no meio do dia, desequilibrando a dosagem da condição clínica, começamos com dosagem pequena litêmica. e depois vamos aumentando gradativamente, sempre O que fazemos na clínica é monitorar regularmente com monitoramento através de litemia de quatro em o paciente fazendo litemia em janeiro, maio e setem- quatro meses, que permite um controle muito eficaz na bro, um mês quente, outro frio, outro de meia estação. faixa de 0,7 a 1.4 mEq/L. Juntamente com a litemia pesquisamos, também, fun- ções da tireoide, do rim, glicemia, triglicérides, leuco- RBM - Há fatores externos que influenciam a doen- grama, eletrocardiograma, dosagem plasmática de ça? sódio, potássio, fósforo e cálcio. O lítio sendo usado adequadamente não apresenta problemas graves. O O componente situacional pode dar um colorido es- monitoramento clínico e conscientização do paciente pecífico ao quadro clínico que se desenvolve, acentuan- são fundamentais para isso porque, uma vez feito o di- do ou atenuando alguns sintomas. Inúmeros aconteci- agnóstico, ele precisa conscientizar-se de que vai to- mentos vitais estressantes podem agravar a predisposi- mar a medicação indicada durante muito tempo. Tam- ção endógena do TAB, como separações conjugais, con- bém a família é orientada e mobilizada para auxiliar flitos no trabalho, falências, situações graves em famí- neste controle porque toda medicação tem efeitos ad- lia. Também as drogas estimulantes do sistema nervoso versos, em especial o lítio, se não for respeitada a pres- central servem de gatilho para desencadear o processo, crição e a orientação médica. alterando a ciclagem do transtorno afetivo bipolar. 14 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
  • 15. revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 15
  • 16. 16 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
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  • 18. Revista Brasileira de Medicina NEUROPSIQUIATRIA Anibal Silveira e a patogênese A harmonia mental advém da subordinação da criou a classificação patogenética das doenças individualidade à sociabilidade, dos instintos aos mentais. E, na década de 70, organizaria uma sentimentos, do egoísmo ao altruísmo. Orientan- escola orientada por critérios patogenéticos pou- do-se por este conceito, o psiquiatra paulista co antes de falecer, em 1979, aos 77 anos. Anibal Silveira, considerado um dos mestres da Palladini resume o critério patogenético de psiquiatria brasileira, criou uma original teoria da Anibal Silveira como uma avaliação dos fenôme- personalidade. Construída sobre base biológica, nos psicopatológicos enquanto expressões sis- sua teoria vem sendo progressivamente resgata- têmicas. da pela sua modernidade. Foi em São Paulo que “Consiste na filiação dos sintomas e quadros Silveira passou a maior par- clínicos, respectivamente, te de sua vida profissional, a sistemas e esferas psí- especificamente no Hospital quicas e cerebrais. Inclui, Juqueri, onde desenvolveu também, o estudo da par- seus estudos sobre doenças ticipação da carga genéti- mentais, que resultaram em ca em cada entidade clíni- numerosos artigos, mais de ca. A patogênese indica a 400, dispersos em centenas origem de uma determina- de publicações científicas. da desordem patológica. É No seu livro “Patogêne- cerebropatogênese quan- se”, o psiquiatra Paulo do relativa à origem e di- Palladini esmiúça o pensa- nâmica encefálicas; mento de Anibal Silveira. psicopatogênese quando Mostra em todas as suas relativa à origem e dinâmi- nuances a sua modernidade ca psíquicas...“ desde o início de sua carrei- “O diagnóstico ra profissional. Já em 1931, patogenético não deve dei- na sua defesa de tese de for- xar de incluir a investiga- mação médica na Faculda- ção da época do início da de de Medicina de São Paulo, Silveira propunha a desordem psíquica considerada, pois a sequên- organização de clínicas abertas para tratamento cia dos fatos clínicos é fundamental para a avali- precoce de doenças mentais considerando a in- ação”. ternação em hospital fechado como último recur- Por fim, ele indica que a escola psiquiátrica so. Critério que viria a ser posto em prática construída por Anibal Silveira ao longo de meio cinquenta anos depois. século constitui-se de sólida teoria e abrange to- Anibal Silveira não parou por aí. Todos os seus dos os aspectos relativos às desordens mentais, estudos posteriores sobre doenças mentais con- sua gênese, diagnóstico, tratamento, prevenção. vergiram para a correlação entre cérebro e men- O fundamento filosófico, os embasamentos bio- te e entre mente e meio social. Além de lógico e sociológico, a teoria da personalidade, o aprofundar estudos sobre as concepções de psi- psicodiagnóstico e psicopatologia pelo critério quiatras como o alemão Karl Kleist ou o suíço patogenético, destaca Palladini, permitem inter- Hermann Rorschach, fundou em 1952, em São venções precisas e profundas nos processos en- Paulo, uma sociedade com esse nome. Em 1960 cefálicos, psíquicos e sociais. 18 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
  • 19. destaque Uma coisa interessante, até paradoxal, é o uso dos Contudo, a população mais vulnerável para o TAB é antidepressivos no tratamento da depressão do pacien- encontrada na elaboração da anamnese heredológica, te bipolar. Os antidepressivos podem diminuir a ciclagem onde aparecem na constelação familial, de forma mais do transtorno afetivo bipolar. O médico tem de proteger clara, os indivíduos predispostos com elementos que o paciente com estabilizadores de humor para utilizar o podem ter algum indicador de TAB para então o especi- antidepressivo. Se uma pessoa tem um ciclo de crises a alista fazer o diagnóstico e realizar o tratamento pre- cada dois anos, ao tomar um antidepressivo esta ciclagem ventivo. se encurta e ele passa a ter crises mais próximas. Às É necessária a adoção de estratégias preventivas e uti- vezes, o paciente necessita ampliar o tratamento com lização de fatores de proteção na população mais pre- outros estabilizantes de humor e neurolépticos. Outras disposta ao TAB. Alguns países, como os Estados Uni- vezes, a depressão exige eletroconvulsoterapia ou remite dos, chegam a gastar bilhões de dólares para prevenir e com doses da associação sinérgica de venlafaxina e controlar o TAB. mirtazapina, que deve ser utilizada pouco tempo e de- A utilização da anamnese heredológica, a partir de pois substituída por bupropiona. pacientes que estão sendo tratados, permite identificar na constelação familial elementos sugestivos dessa con- dição mórbida e realizar o tratamento precoce ao lado de orientar esta população sobre os benefícios do trata- Certamente o uso exagerado de substân- mento profilático. cias psicoativas, estimulantes, anfetami- RBM - Como conclusão o que acrescentaria? nas, álcool e até antidepressivos em ida- de cada vez mais precoce eleva a vulne- Quanto ao lítio, vale registrar que seu uso vem sendo estudado na profilaxia dos quadros demenciais, como a rabilidade nas populações mais predis- doença de Alzheimer, na profilaxia de algumas formas postas, expondo sintomas maníacos de enxaqueca e até para potencializar alguns antidepres- mais cedo. sivos, sem contar a sua importância na prevenção do suicídio. Depois, o registro de que o TAB é muito confundido com outras patologias. Kleist já assinalou em seu estudo RBM - Existem segmentos populacionais com maior o que chamou de Fasofrenias (psicoses fásicas), utilizan- vulnerabilidade para TAB? do também o critério patogênico, como faz Anibal Silveira, ficando mais evidente que ciclotimia, TAB, psicoses be- Isso ainda não foi estudado adequadamente, pois ca- nignas como as esquizoafetivas, tem prognósticos dife- recemos de dados epidemiológicos por várias razões. rentes, pois a esfera de personalidade responsável tam- Uma delas está ligada ao diagnóstico correto. Ainda se bém é distinta: afetiva no TAB, conativa na ciclotimia e confunde muito o transtorno afetivo bipolar com ciclo- na esfera intelectual as formas paranóides (psicose agu- timia, com psicose benigna, com psicoses de evolução da de inspiração, alucinose agunda, e psicose de refe- episódica que Kleist chamava de psicoses degenerativas, rência). não por haver degeneração do cérebro, mas porque a Umas podem demenciar. TAB não demencia. própria psicose degenera, para as quais Anibal Silveira Finalmente, a Psiquiatria exige diagnóstico diferencial propôs o nome de psicoses diatéticas, denominação que para que se realize tratamento adequado, estudo epide- Kleist aceitou. Este tipo de psicose lembra muito o TAB miológico, prevenção e prognóstico. Tudo é possível com que também evolui episodicamente. Mas são coisas dis- a Psiquiatria Patogenética, utilizando a evolução clinica, tintas. a anamnese heredológica como instrumento semiológico Certamente o uso exagerado de substâncias psico- importante ou basta uma máquina programada para ava- ativas, estimulantes, anfetaminas, álcool e até antidepres- liar sintomas e tabelas para realizar o atendimento clíni- sivos em idade cada vez mais precoce eleva a vulnerabi- co dos pacientes. lidade nas populações mais predispostas, expondo sin- tomas maníacos mais cedo. revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 19
  • 20. Revista Brasileira de destaque Medicina NEUROPSIQUIATRIA Transtorno de humor (afetivo) bipolar - TAB RBM - Qual é a incidência de TAB no Brasil e a ida- de em que se manifesta? Há alguma informação sobre prevalência geográfica no país? O transtorno bipolar (TAB) é um problema médico crônico que se mantém durante toda a vida, assim como o diabetes e a hipertensão arterial. Tem morbidade ele- vada, com risco de morte por suicídio, mas é passível Ricardo Cezar de tratamento, com bom controle do quadro. O TAB Torresan começa em geral entre 14 e 30 anos de idade, podendo Departamento de inclusive se iniciar na infância, sendo raro seu início em Neurologia, Psicologia e idades mais avançadas. A idade média de início se en- Psiquiatria da Faculda- de de Medicina de contra entre 20 e 24 anos. A forma de determinar o Botucatu, UNESP. início da doença não é consenso na literatura. Em geral, os sintomas aparecem pela primeira vez antes que os pacientes satisfaçam os critérios diagnósticos e o pri- meiro contato clínico se dá ainda mais tarde. A datação dos sintomas iniciais seria muito imprecisa, pois exige a rememoração por parte dos portadores que poderiam ser sugestionados pelos entrevistadores. A literatura é consistente na observação de uma lacuna de tempo sig- Florence nificativa entre o início da doença e o primeiro trata- Kerr-Corrêa mento. Estabelecer o início do TAB pode ser de extrema Departamento de importância para indivíduos geneticamente vulneráveis Neurologia, Psicologia e e para seus clínicos, já que pode oferecer pistas quanto Psiquiatria da Faculda- ao curso futuro. de de Medicina de Botucatu, UNESP. Com a introdução do conceito de espectro bipolar, ampliando as fronteiras diagnósticas, as estimativas de prevalências encontradas são substancialmente mais al- Gabriel Savi Coll tas. São escassos os trabalhos nacionais sobre a preva- Centro de Saúde Escola da Faculdade lência do TAB, não sendo possível passar um panorama de Medicina de Botucatu, UNESP. regional de sua ocorrência, com estudos principalmente ocorrendo na região Sudeste. Em amostras populacio- nais a prevalência de TAB I varia entre 0,5% e 3,3%; a de TAB II entre 0,3% e 8,4%; e considerando-se o “espectro 20 revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012
  • 21. revista brasileira de medicina - edição especial/neuropsiquiatria - vol. 69 - abril de 2012 21