O documento contém vários poemas de diferentes autores portugueses como Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Alberto Caeiro. Os poemas tratam de temas como a natureza, sensações, memórias e a identidade.
2. Fernando Pessoa 19-08-1933
Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem,
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.
Ténue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade,
Atrai e dói,
Segue-o meu ser em liberdade,
Vazio encanto ébrio de si,
Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?
Nada e nem faz,
Só de segui-lo me perdi.
3. Fernando Pessoa 1915-1920
Um princípio leve de primavera fria,
Um sabor primaveril a longínquo verão
Nesta manhã, que o sol se enfia
No meu coração
Soluço improfícuo da saciedade da vida
Baldada imprecisão de sonhar e querer.
Passo por um desalento como na descida
Que vae ter a viver.
4. sombras que a lua leva
Sombras que a lua leva
No seu rosto sombrio,
Pálidas sombras no frio,
Halos que a hora eleva,
E em quem o é vazio.
Numero oculto d’astros
Postos em redemoinho
Congruente alabastros
Fernando Pessoa 12-2-1917
5. Rosa dos ventos
Não foi por acaso que o meu sangue que veio do sul se cruzou com o meu
sangue que veio do norte.
Não foi por acaso que o meu sangue que veio do oriente se cruzou com o
meu sangue que veio do ocidente.
Não foi por acaso nada de quem sou agora.
Em mim se cruzaram finalmente todos os lados da terra.
A natureza e o tempo me valeram; séculos e séculos ansiosos por este
resultado um dia
e até hoje fui sempre futuro.
Faço hoje a idade do antigo e agora nasço novo como ao principio:
Foi a natureza que me guardou a semente apesar das épocas e gerações.
Cheguei ao fim do fio da continuidade e agora sou o que até ao fim fui
desejo:
O centro do mundo já não é no meio da terra vai por onde anda a rosa dos
ventos
vai para onde ela vai
Agora chego a cada instante pela primeira vez à vida
já não sou o caso pessoal
mas sim a própria pessoa Almada Negreiros, Poemas
6. Alberto Caeiro
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.