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anos quando entrei
no Estádio do Pa-
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ra vez. Senti o chão
tremer sob a turbu-
lência da multidão.
Quisfugir,masnãopude.Parei
de respirar, ouvi meu coração
aosgolpes,fecheiosolhosqua-
se chorando, e me deixei levar
pela mão que me puxava com
força.Umminutodepois,eues-
queciacompletamenteomedo
eparticipava de uma das maio-
res aventuras que a cidade já
viveu, a comemoração do 4.º
Centenário.”
A memória do evento, em 11
dejulhode1954,foitãointensa,
que é assim, com flashes de ta-
to, cor e som, que Domício Pa-
checo e Silva, hoje advogado de
64anos,recontaaprimeirame-
mória de sua vida.
Oanúnciopublicadonodia8
de julho de 1954 no Estado já
adiantava que os próximos
três dias seriam históricos:
“Tudo pronto para as festas da
cidade em homenagem ao 4.º
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menagearia a Revolução de
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lha da Força Aérea despejaria
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pel prateado. No dia 10, festas
infantisemtodososbairros.E,
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marcado como a primeira me-
mória de Pacheco: um grande
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dio do Pacaembu.
Pachecolembrabemdostam-
boresetrombetasqueacompa-
nharam os trapezistas e palha-
ços. Mas ele conta que o ponto
altoda festaforam os globosda
morte, nos quais motociclistas
executarammanobras“quedei-
xaram todos sem respiração”.
Como recordação, guardou
por muitos anos os triângulos
de papel prateado jogados dos
aviões.“Nojardimdeinfânciae
nosprimeirosanosdocursopri-
mário,euemeuscolegasdeclas-
setrocávamosfigurinhasnore-
creioemuitasvezesnegociáva-
mos as papeletas prateadas,
muitovalorizadasnaquelenos-
so comércio infantil.”
Mesmocomsó3anosnaépo-
ca, a memória é forte. “Acho
queaexplicaçãoésimples:qual
éacriançapequenaquenãogos-
ta de festas de aniversário? De-
vo ter ficado em expectativa ao
aguardar o grande aniversário
da cidade, que em seguida se
revelouo maior,o mais espeta-
cular e o mais festivo aniversá-
rio que já presenciei em toda a
minha vida.”
Alémdisso,háumaligaçãoes-
pecial com o Pacaembu. Seu
avô, de quem herdou o nome,
foio idealizador doestádio. Ele
ainda lembra de ouvir o outro
Domício Pacheco e Silva con-
tar: “De um estalo percebi que
seria possível aproveitar o vale
para servir de campo de espor-
tes e a encosta das montanhas
para as arquibancadas. Evitaria
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ra e dispensaria boa parte das
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preliminar”, lembra o neto.
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co à cidade, inaugurado em
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papaBentoXVI,em2007.Hoje,
ésededoMuseudoFutebol,su-
cessodepúbliconacidade.Mas
o futuro é incerto. Desde 2005,
uma liminar veta apresenta-
çõesmusicaisnolocal,apedido
dos moradores do bairro. E,
comainauguraçãodaArenaCo-
rinthians e do Allianz Parque,
do Palmeiras, resta saber qual
vaiser o uso que será dado para
o Pacaembu. / DANIEL TRIELLI
Domício
Pacheco e
Silva. ‘Senti
o chão
tremer sob a
turbulência
da multidão.
Quis fugir’
HÉLVIOROMERO/ESTADÃO
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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 25 DE JANEIRO DE 2015 Especial H3
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E
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m uma manhã de 1992,
o analista de sistemas
André Zelenkovas, ho-
je com 41 anos, estava
prestesachegaraoBlo-
coBdoInstitutodeMa-
temática e Estatística
(IME) da USP, para as aulas de
Ciência da Computação. Nem
entrou no prédio. Foi parado
naportaporcolegas,queavisa-
ram de uma passeata na Aveni-
daPaulistaparaexigiroimpea-
chment do presidente Fernan-
doCollor.“Arrumamosumaca-
rona na Brasília de alguém ru-
mo à Paulista.”
Zelenkovas conta que, na
aglomeraçãodemilharesdema-
nifestantes, foi “empurrado
por uma senhora baixinha”,
que fez com que ele perdesse o
equilíbrioepisassenopédamu-
lher. “Só então me dei conta de
queeraaprefeitaLuizaErundi-
na. Mal pude esboçar reação ou
pedir desculpas, veio um segu-
rança de mais de 2 metros de
altura, uma verdadeira parede
demúsculos,eme enxotoudali
como uma mosca. Fui parar na
outra pista da avenida”, conta.
Diasdepois,Zelenkovasesta-
va na aula de álgebra “desespe-
rado para ficar acordado, bri-
gando contra o efeito da feijoa-
da do Crusp (Conjunto Residen-
cial da USP)”, quando um alu-
no entrou na sala e convocou
todos para um comício no Vale
do Anhangabaú. “A professora,
dona Marli, foi muito simpáti-
ca: ‘Vocês estão aqui fazendo o
quê? Vão defender o seu futu-
ro!’”.Elefoie,assim,participou
de dois atos históricos da rede-
mocratização do País. / D.T.
omeçou pe-
queno, mas
com barulho.
Em 6 de junho
de2013,basta-
ram cerca de
mil pessoas para fechar as Ave-
nidasPaulista,23deMaioe9de
Julho. Era o Movimento Passe
Livre (MPL), que queria barrar
a alta da tarifa de ônibus, que
passava de R$ 3 para R$ 3,20.
Alguns encapuzados, os black
blocs,depredavamlojaseincen-
diavam sacos de lixo. A Polícia
Militarrespondeucombombas
de gás e balas de borracha.
Nos dias seguintes vieram
mais protestos. O número de
participantes aumentava, e a
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tensa. Até que em 13 de junho
houve a repressão mais violen-
ta, na Consolação. “Paulistano
fica refém de bombas e tiros de
borracha”, relatou o Estado.
Nasredessociais,apareciamre-
latos de excessos dos policiais.
A violência da repressão foi
um dos motivos que levaram a
designer Mariana Eller, de 33
anos, e o empresário Eduardo
Suga, de 46, na época namora-
dos e hoje casados, a participar
do ato marcado para o dia 17.
Elesaindanãosabiam,maspar-
ticipariam da maior manifesta-
ção de junho de 2013.
Como muitos dos mais de
50 mil manifestantes (segun-
do a PM) que apareceram no
Largo da Batata no dia 17, Ma-
riana e Eduardo não estavam
ali para defender, necessaria-
mente, o passe livre de ônibus
ou que a tarifa voltasse a R$ 3.
“Meu anseio era por uma mu-
dança na representatividade e
não pela manutenção das tari-
fas, ainda que considerasse is-
so uma reivindicação justa”,
diz Eduardo.
Mariana nunca tinha ido a
umamanifestação. Eduardofoi
aumcomíciopró-Lulaem1989,
naSé.“Mearrependodeterpar-
ticipado da campanha do PT,
mas não das manifestações de
junho de 2013.”
Nodia17 de junho, Marianae
Eduardopegaramometrôlota-
doatéaEstaçãoFariaLima.As-
sim que saíram na rua, viram
queoqueacontecianaqueledia
eradiferente.“Percebemosque
o protesto era muito maior do
que as reivindicações do MPL”,
conta Eduardo. “Quando al-
guém ameaçava quebrar algu-
macoisa,aspessoasaoredorde-
saprovavam”, lembra Mariana.
No fim, a tarifa não aumen-
touem2013eficouemR$3atéo
começo deste ano, quando su-
biuparaR$3,50.Agora,oMovi-
mentoPasseLivreorganizano-
vas manifestações.
Oúnicoatoqueatraiuocasal
desde então foi o organizado
emprolda eleiçãode AécioNe-
ves (PSDB) no segundo turno
doanopassado,naAvenidaPau-
lista. Eles garantem que junho
de 2013 valeu a pena. “Percebe-
mos que, diante de uma mani-
festaçãocomoessa,aclassepo-
lítica treme e a mudança pode
acontecer”,completaEduardo.
/ DANIEL TRIELLI
Mariana e
Eduardo.
‘Nosso anseio
era por
mudança’
HÉLVIOROMERO/ESTADÃO
e
%HermesFileInfo:H-7:20150125:
O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 25 DE JANEIRO DE 2015 Especial H7

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  • 2. fe ta 4ºdose te t oostt 44oosttt 444oo odiaemqueo virou estád odiaemqudiaem d o rcoc cen te ná rio u tinha menos de 3 anos quando entrei no Estádio do Pa- caembupelaprimei- ra vez. Senti o chão tremer sob a turbu- lência da multidão. Quisfugir,masnãopude.Parei de respirar, ouvi meu coração aosgolpes,fecheiosolhosqua- se chorando, e me deixei levar pela mão que me puxava com força.Umminutodepois,eues- queciacompletamenteomedo eparticipava de uma das maio- res aventuras que a cidade já viveu, a comemoração do 4.º Centenário.” A memória do evento, em 11 dejulhode1954,foitãointensa, que é assim, com flashes de ta- to, cor e som, que Domício Pa- checo e Silva, hoje advogado de 64anos,recontaaprimeirame- mória de sua vida. Oanúnciopublicadonodia8 de julho de 1954 no Estado já adiantava que os próximos três dias seriam históricos: “Tudo pronto para as festas da cidade em homenagem ao 4.º Centenário”, que também ho- menagearia a Revolução de 1932. No dia 9, uma esquadri- lha da Força Aérea despejaria 30milhõesdetriângulosdepa- pel prateado. No dia 10, festas infantisemtodososbairros.E, no dia 11, o evento que ficaria marcado como a primeira me- mória de Pacheco: um grande circo seria montado no Está- dio do Pacaembu. Pachecolembrabemdostam- boresetrombetasqueacompa- nharam os trapezistas e palha- ços. Mas ele conta que o ponto altoda festaforam os globosda morte, nos quais motociclistas executarammanobras“quedei- xaram todos sem respiração”. Como recordação, guardou por muitos anos os triângulos de papel prateado jogados dos aviões.“Nojardimdeinfânciae nosprimeirosanosdocursopri- mário,euemeuscolegasdeclas- setrocávamosfigurinhasnore- creioemuitasvezesnegociáva- mos as papeletas prateadas, muitovalorizadasnaquelenos- so comércio infantil.” Mesmocomsó3anosnaépo- ca, a memória é forte. “Acho queaexplicaçãoésimples:qual éacriançapequenaquenãogos- ta de festas de aniversário? De- vo ter ficado em expectativa ao aguardar o grande aniversário da cidade, que em seguida se revelouo maior,o mais espeta- cular e o mais festivo aniversá- rio que já presenciei em toda a minha vida.” Alémdisso,háumaligaçãoes- pecial com o Pacaembu. Seu avô, de quem herdou o nome, foio idealizador doestádio. Ele ainda lembra de ouvir o outro Domício Pacheco e Silva con- tar: “De um estalo percebi que seria possível aproveitar o vale para servir de campo de espor- tes e a encosta das montanhas para as arquibancadas. Evitaria grandesmovimentaçõesdeter- ra e dispensaria boa parte das caríssimas estruturas de con- creto para as arquibancadas”, diziaoavô.“Elenãosóacompa- nhou os levantamentos topo- gráficoscomodesenhouascur- vasde nível epreparou, mesmo não sendo arquiteto, o projeto preliminar”, lembra o neto. O presente do avô de Pache- co à cidade, inaugurado em 1940, foi utilizado em finais de campeonato, jogos da Copa de 1950, shows e até na visita do papaBentoXVI,em2007.Hoje, ésededoMuseudoFutebol,su- cessodepúbliconacidade.Mas o futuro é incerto. Desde 2005, uma liminar veta apresenta- çõesmusicaisnolocal,apedido dos moradores do bairro. E, comainauguraçãodaArenaCo- rinthians e do Allianz Parque, do Palmeiras, resta saber qual vaiser o uso que será dado para o Pacaembu. / DANIEL TRIELLI Domício Pacheco e Silva. ‘Senti o chão tremer sob a turbulência da multidão. Quis fugir’ HÉLVIOROMERO/ESTADÃO %HermesFileInfo:H-3:20150125: O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 25 DE JANEIRO DE 2015 Especial H3
  • 3. JUnho IS RI AH óT AS C n TAD PIN caraS ANTES VIERAM MIL lotamasruaspara OS E virou protestaro o m uma manhã de 1992, o analista de sistemas André Zelenkovas, ho- je com 41 anos, estava prestesachegaraoBlo- coBdoInstitutodeMa- temática e Estatística (IME) da USP, para as aulas de Ciência da Computação. Nem entrou no prédio. Foi parado naportaporcolegas,queavisa- ram de uma passeata na Aveni- daPaulistaparaexigiroimpea- chment do presidente Fernan- doCollor.“Arrumamosumaca- rona na Brasília de alguém ru- mo à Paulista.” Zelenkovas conta que, na aglomeraçãodemilharesdema- nifestantes, foi “empurrado por uma senhora baixinha”, que fez com que ele perdesse o equilíbrioepisassenopédamu- lher. “Só então me dei conta de queeraaprefeitaLuizaErundi- na. Mal pude esboçar reação ou pedir desculpas, veio um segu- rança de mais de 2 metros de altura, uma verdadeira parede demúsculos,eme enxotoudali como uma mosca. Fui parar na outra pista da avenida”, conta. Diasdepois,Zelenkovasesta- va na aula de álgebra “desespe- rado para ficar acordado, bri- gando contra o efeito da feijoa- da do Crusp (Conjunto Residen- cial da USP)”, quando um alu- no entrou na sala e convocou todos para um comício no Vale do Anhangabaú. “A professora, dona Marli, foi muito simpáti- ca: ‘Vocês estão aqui fazendo o quê? Vão defender o seu futu- ro!’”.Elefoie,assim,participou de dois atos históricos da rede- mocratização do País. / D.T. omeçou pe- queno, mas com barulho. Em 6 de junho de2013,basta- ram cerca de mil pessoas para fechar as Ave- nidasPaulista,23deMaioe9de Julho. Era o Movimento Passe Livre (MPL), que queria barrar a alta da tarifa de ônibus, que passava de R$ 3 para R$ 3,20. Alguns encapuzados, os black blocs,depredavamlojaseincen- diavam sacos de lixo. A Polícia Militarrespondeucombombas de gás e balas de borracha. Nos dias seguintes vieram mais protestos. O número de participantes aumentava, e a resposta da PM ficava mais in- tensa. Até que em 13 de junho houve a repressão mais violen- ta, na Consolação. “Paulistano fica refém de bombas e tiros de borracha”, relatou o Estado. Nasredessociais,apareciamre- latos de excessos dos policiais. A violência da repressão foi um dos motivos que levaram a designer Mariana Eller, de 33 anos, e o empresário Eduardo Suga, de 46, na época namora- dos e hoje casados, a participar do ato marcado para o dia 17. Elesaindanãosabiam,maspar- ticipariam da maior manifesta- ção de junho de 2013. Como muitos dos mais de 50 mil manifestantes (segun- do a PM) que apareceram no Largo da Batata no dia 17, Ma- riana e Eduardo não estavam ali para defender, necessaria- mente, o passe livre de ônibus ou que a tarifa voltasse a R$ 3. “Meu anseio era por uma mu- dança na representatividade e não pela manutenção das tari- fas, ainda que considerasse is- so uma reivindicação justa”, diz Eduardo. Mariana nunca tinha ido a umamanifestação. Eduardofoi aumcomíciopró-Lulaem1989, naSé.“Mearrependodeterpar- ticipado da campanha do PT, mas não das manifestações de junho de 2013.” Nodia17 de junho, Marianae Eduardopegaramometrôlota- doatéaEstaçãoFariaLima.As- sim que saíram na rua, viram queoqueacontecianaqueledia eradiferente.“Percebemosque o protesto era muito maior do que as reivindicações do MPL”, conta Eduardo. “Quando al- guém ameaçava quebrar algu- macoisa,aspessoasaoredorde- saprovavam”, lembra Mariana. No fim, a tarifa não aumen- touem2013eficouemR$3atéo começo deste ano, quando su- biuparaR$3,50.Agora,oMovi- mentoPasseLivreorganizano- vas manifestações. Oúnicoatoqueatraiuocasal desde então foi o organizado emprolda eleiçãode AécioNe- ves (PSDB) no segundo turno doanopassado,naAvenidaPau- lista. Eles garantem que junho de 2013 valeu a pena. “Percebe- mos que, diante de uma mani- festaçãocomoessa,aclassepo- lítica treme e a mudança pode acontecer”,completaEduardo. / DANIEL TRIELLI Mariana e Eduardo. ‘Nosso anseio era por mudança’ HÉLVIOROMERO/ESTADÃO e %HermesFileInfo:H-7:20150125: O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 25 DE JANEIRO DE 2015 Especial H7