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Indução matemática
Publicado em Setembro 15, 2009 por Américo Tavares

Reuno aqui, para comodidade de leitura, algumas entradas já publicadas sobre o princípio da
indução matemática.

§1. Por este princípio, a demonstração da veracidade de uma determinada proposição
matemática         para todos os inteiros       , comporta dois passos:

(1) Verifica-se a sua validade para um dado valor inteiro   (normalmente, 0 ou 1) da variável de
indução .

(2) Assume-se que é válida para o inteiro e demonstra-se que é também válida para               isto
é, que                      .

Vamos demonstrar de seguida o Teorema Binomial por este princípio.

Teorema: Para todo o valor de natural, tem-se




qualquer que seja o valor real de

Demonstração:



O    teorema     verifica-se     para                                        e                  logo


                        Admitimos agora que o teorema é válido para                      isto é, que


                        e      demonstremos    que     o    é   igualmente       para          Como
                                    vem




Manipulamos o segundo membro (lado direito) até obter                        De facto,

pela identidade de Pascal e porque
Mas, como




provámos, como pretendíamos, que                                       e assim acabámos a
demonstração.

A partir do desenvolvimento de         deduz-se imediatamente o de

Corolário: Quaisquer que sejam os reais e e o natural é válida a fórmula




Demonstração: Admitamos que

Como, para         tem-se



e




ou seja a fórmula ainda é válida   .

§2. O Princípio de indução matemática é o seguinte axioma de Peano:

Se o conjunto A, contido em N, for tal que 1 pertence a A e n+1 pertence igualmente a A sempre
que n seja elemento de A, então A = N. [N aqui é o conjunto dos naturais 1, 2, 3, ... ].

Uma propriedade P diz-se hereditária quando, sendo verdadeira para o inteiro n, é também
verdadeira para o sucessor de n (n+1).

Assim, o Princípio de Indução equivale a afirmar que uma dada proposição, verdadeira para n=1
e hereditária, implica que seja verdadeira para todos os naturais 1, 2, 3, … .

Por isso, a aplicação deste método comporta as duas etapas (ou passos) conhecidos

    1. Demonstração de que uma dada proposição é válida para n=1. (Caso Base).
    2. Demonstração de que a proposição é hereditária. (Etapa de Indução).

Este princípio nada ou quase nada tem a ver com o método de indução próprio das ciências
naturais, que se caracteriza por se estabelecer uma lei geral observando a repetição do mesmo
fenómeno em inúmeros casos particulares.
§3. Nem todas as provas por indução têm o mesmo grau de dificuldade. Enquanto a do 1º.
exemplo é extremamente simples e natural, a do 2º. obtive-a após tentativas, recorrendo a uma
identidade algébrica auxiliar — a ser usada no passo de indução — cuja demonstração me
pareceu mais simples do que a identidade inicialmente apresentada, que pode ser deduzida a
partir da regra de Ruffini de divisão de um polinómio em , de grau , por       .

Exemplo 1: prove por indução matemática




Para       a igualdade verifica-se:




Admite-se que se verifica para




e prova-se que nesse caso também se verifica para      , ou seja, devemos chegar a




Vejamos: se




então, somando      a ambos os membros da igualdade e simplificando o segundo membro,
deduzimos sucessivamente




Ora, como provamos deste modo que a igualdade se verifica para qualquer inteiro      .

Exemplo 2: se for um inteiro positivo, prove




Para       , temos                                        .
Antes de aplicar a hipótese de indução, a ideia fundamental consiste em mostrar a validade da
identidade auxiliar



em que



                                                        .

De facto




e




Mas




e




Subtraindo membro a membro, vem




pelo que fica provada a identidade   da qual se tira




Assim, admitindo que
resulta que




como se queria mostrar.

§ 4. Exercício 1: prove que existe apenas um número natural que verifica a relação



Sugestão: utilize o princípio de indução para provar que a relação não é satisfeita por nenhum
natural superior a seis.

Esta ideia é devida a Vishal Lama (neste comentário em inglês).

§ 5. Exercício 2: podemos demonstrar que

De facto substituindo em




 por , ficamos com, que vemos ser verdadeiro, visto que da equação funcional da função gama




se obtém, para


                                                                  .

Admitimos agora que




e fazemos, na equação funcional,            . Como vem sucessivamente




demonstra-se desta forma o passo de indução.

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Princípio indução matemática

  • 1. Indução matemática Publicado em Setembro 15, 2009 por Américo Tavares Reuno aqui, para comodidade de leitura, algumas entradas já publicadas sobre o princípio da indução matemática. §1. Por este princípio, a demonstração da veracidade de uma determinada proposição matemática para todos os inteiros , comporta dois passos: (1) Verifica-se a sua validade para um dado valor inteiro (normalmente, 0 ou 1) da variável de indução . (2) Assume-se que é válida para o inteiro e demonstra-se que é também válida para isto é, que . Vamos demonstrar de seguida o Teorema Binomial por este princípio. Teorema: Para todo o valor de natural, tem-se qualquer que seja o valor real de Demonstração: O teorema verifica-se para e logo Admitimos agora que o teorema é válido para isto é, que e demonstremos que o é igualmente para Como vem Manipulamos o segundo membro (lado direito) até obter De facto, pela identidade de Pascal e porque
  • 2. Mas, como provámos, como pretendíamos, que e assim acabámos a demonstração. A partir do desenvolvimento de deduz-se imediatamente o de Corolário: Quaisquer que sejam os reais e e o natural é válida a fórmula Demonstração: Admitamos que Como, para tem-se e ou seja a fórmula ainda é válida . §2. O Princípio de indução matemática é o seguinte axioma de Peano: Se o conjunto A, contido em N, for tal que 1 pertence a A e n+1 pertence igualmente a A sempre que n seja elemento de A, então A = N. [N aqui é o conjunto dos naturais 1, 2, 3, ... ]. Uma propriedade P diz-se hereditária quando, sendo verdadeira para o inteiro n, é também verdadeira para o sucessor de n (n+1). Assim, o Princípio de Indução equivale a afirmar que uma dada proposição, verdadeira para n=1 e hereditária, implica que seja verdadeira para todos os naturais 1, 2, 3, … . Por isso, a aplicação deste método comporta as duas etapas (ou passos) conhecidos 1. Demonstração de que uma dada proposição é válida para n=1. (Caso Base). 2. Demonstração de que a proposição é hereditária. (Etapa de Indução). Este princípio nada ou quase nada tem a ver com o método de indução próprio das ciências naturais, que se caracteriza por se estabelecer uma lei geral observando a repetição do mesmo fenómeno em inúmeros casos particulares.
  • 3. §3. Nem todas as provas por indução têm o mesmo grau de dificuldade. Enquanto a do 1º. exemplo é extremamente simples e natural, a do 2º. obtive-a após tentativas, recorrendo a uma identidade algébrica auxiliar — a ser usada no passo de indução — cuja demonstração me pareceu mais simples do que a identidade inicialmente apresentada, que pode ser deduzida a partir da regra de Ruffini de divisão de um polinómio em , de grau , por . Exemplo 1: prove por indução matemática Para a igualdade verifica-se: Admite-se que se verifica para e prova-se que nesse caso também se verifica para , ou seja, devemos chegar a Vejamos: se então, somando a ambos os membros da igualdade e simplificando o segundo membro, deduzimos sucessivamente Ora, como provamos deste modo que a igualdade se verifica para qualquer inteiro . Exemplo 2: se for um inteiro positivo, prove Para , temos .
  • 4. Antes de aplicar a hipótese de indução, a ideia fundamental consiste em mostrar a validade da identidade auxiliar em que . De facto e Mas e Subtraindo membro a membro, vem pelo que fica provada a identidade da qual se tira Assim, admitindo que
  • 5. resulta que como se queria mostrar. § 4. Exercício 1: prove que existe apenas um número natural que verifica a relação Sugestão: utilize o princípio de indução para provar que a relação não é satisfeita por nenhum natural superior a seis. Esta ideia é devida a Vishal Lama (neste comentário em inglês). § 5. Exercício 2: podemos demonstrar que De facto substituindo em por , ficamos com, que vemos ser verdadeiro, visto que da equação funcional da função gama se obtém, para . Admitimos agora que e fazemos, na equação funcional, . Como vem sucessivamente demonstra-se desta forma o passo de indução.