1. FURTO I
Professora Cristiane Dupret
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2. Tema: Furto I.
1) Considerações gerais: a) Definição e
evolução histórica. Conceito de patrimônio;
b) Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva do furto
simples; c) O furto agravado; d) O furto
privilegiado; e) O furto de energia. 2)
Aspectos controvertidos. 3) Concurso de
crimes. 4) Pena e ação penal.
3. Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem,
coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e
multa.
1º - A pena aumenta-se de um terço, se
o crime é praticado durante o repouso noturno.
2º - Se o criminoso é primário, e é de
pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode
substituir a pena de reclusão pela de detenção,
diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar
somente a pena de multa.
3º - Equipara-se à coisa móvel a energia
elétrica ou qualquer outra que tenha valor
econômico.
4. 1. ANÁLISE HISTÓRICA
O Código Criminal do Império incluía em seu
texto o furto de uso com a seguinte redação:
“Também cometerá furto e incorrerá nas
penas do artigo antecedente o que, tendo
para algum fim recebido a coisa alheia por
vontade de seu dono, se arrogar depois o
domínio ou uso que lhe não fora
transferido”.
Tratava-se de furto não por subtração mas
por apropriação de quem recebera a coisa
“por vontade de seu dono”.
5. O Código Penal de 1890 consignou que era
crime de furto:
“apropriar-se de coisa alheia que lhe
houvesse sido confiada ou consignada por
qualquer título, com obrigação de a restituir,
ou dela fazer uso determinado.”
Ou seja, confundia-se o crime de furto com
o de apropriação indébita.
6. 2. BEM JURÍDICO TUTELADO E OBJETO
MATERIAL
Surge controvérsia na doutrina quanto ao
bem jurídico tutelado no crime de furto. Para
Nelson Hungria tutelava-se apenas a
propriedade. Para Rogério Greco e Guilherme
de Souza Nucci, tutela-se a propriedade e a
posse, ficando excluída a detenção. Para
grande parte da doutrina, no entanto, tutela-
se a propriedade, a posse e a detenção.
Objeto material é a coisa sobre a qual recai a
conduta.
7. Não pode ser objeto material do crime de
furto a res nullius (coisa de ninguém, a res
derelicta (coisa abandonada) e a res
commune omnium (coisa de uso de todos).
Desta forma, não pode ser objeto de furto,
um guarda chuva jogado em uma lixeira, a
areia da praia etc. No entanto, a res
deperdicta (coisa perdida) pode ser objeto
material de crime patrimonial, mas do crime
patrimonial do art. 169, II, apropriação de
coisa achada.
8. O objeto material é a coisa alheia móvel. Ou
seja, passível de deslocamento, de remoção,
de retirada. O conceito de coisa alheia móvel
do direito penal não equivale ao do Direito
Civil. Dessa forma, não temos a equiparação
que o direito civil faz de coisas móveis a
coisas imóveis. A janela de um imóvel não é
coisa imóvel para o direito penal, mas sim
coisa móvel, que pode ser objeto material do
crime de furto. Casas pré fabricadaspré-
fabricadas também podem ser objeto
material do crime de furto, assim como
animais, que são considerados como
patrimônios.
9. 3. ELEMENTO SUBJETIVO
É necessário o dolo de subtrair. Além do
dolo, exige-se o elemento subjetivo especial.
Trata-se de delito de intenção, o animus
furandi, o animus rem sibi habendi,
consubstanciado na especial intenção para si
ou para outrem. Devido a esta especial
intenção é que o furto de uso constitui fato
atípico.
10. 4. SUJEITOS DO DELITO
Trata-se de crime comum, que pode ser
praticado por qualquer pessoa em face de
qualquer pessoa. Eventual especial qualidade
do sujeito ativo pode modificar a tipificação.
Se o sujeito ativo for funcionário público e
se valer dessa especial qualidade para a
subtração, o delito será de peculato furto.
11. 5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Esta é questão mais controvertida que envolve o
crime de furto. No Direito Romano temos quatro
teorias que envolvem a consumação do furto:
a) Teoria da contrectatio – o crime estaria
consumado quando o agente tocava a coisa com
a finalidade de subtraí-la
b) Teoria da illactio – o crime estaria
consumado quando o agente conseguia levar a
coisa ao lugar que era destinado
c) Teoria da amotio – o crime estaria
consumado com a deslocação da coisa
d) Teoria da ablatio – o crime estaria
consumado com a apreensão da coisa
12. Na doutrina nacional, há grande controvérsia
entre a consumação com a saída da coisa da
esfera de vigilância ou disponibilidade da
vítima ou ainda com a posse mansa e
tranquila exercida pelo agente. Para Rogério
Greco, o crime apenas estará consumado
quando o agente exerce a posse mansa e
pacífica da res.
13. Luiz Regis Prado sustenta ser aceitável, em meio ao
dissídio doutrinário, a exigência da posse tranquila
da res furtiva, invertendo-se o poder de disposição
sobre coisa que antes estava sobre o domínio da
vítima. Para Cezar Roberto Bitencourt , consuma-se
o furto com a retirada da coisa da esfera de
disponibilidade da vítima, assegurando-se, em
consequência, a posse tranquila, mesmo passageira,
por parte do agente; em outros termos, consuma-
se, para o autor, quando a coisa daí da posse da
vítima, ingressando na do agente. A posse de quem
detinha a coisa é substituída pela posse do agente,
em verdadeira inversão ilícita. Para Fernando Capez ,
a consumação ocorre com a inversão da posse, no
momento em que o bem passa da esfera de
disponibilidade da vítima para a do autor, não se
exigindo a posse tranquila e desvigiada da res.
Neste sentido, também Damásio de Jesus.
14. 6. MODALIDADE OMISSIVA
É plenamente possível quando o agente é
garantidor, desde que sua omissão seja
dolosa, tendo em vista que inexiste o crime
de furto na modalidade culposa. Desta
forma, o policial que se omite quando o furto
está sendo praticado deve por ele responder
na modalidade omissiva.
15. 7. FURTO MAJORADO – REPOUSO NOTURNO
Para Rogerio Greco, se os bens se encontram
igualmente vigiados, não há possibilidade de
aplicação da majorante. Segundo Fernando Capez , a
melhor orientação doutrinária é a de Magalhães
Noronha, que assim estabelece: “período de sossego
noturno é o tempo em que a vida das cidades e dos
campos desaparece, em que seus habitantes se
retiram, e as ruas e as estradas se despovoam,
facilitando essas circunstâncias a prática do crime.
Seja ou não habitada a casa, estejam ou não seus
moradores dormindo, cabe a majoração se o crime
ocorreu naquele período. Neste mesmo sentido, Luiz
Regis Prado .
Para Cezar Roberto Bitencourt, a casa precisa estar
habitada, já em horário de repouso, porque nestas
circunstâncias, afrouxa-se a vigilância do sujeito
passivo, facilitando não só a impunidade mas
também o êxito do empreendimento delituoso.
16. A maior controvérsia existente envolve o
lugar, no que tange à aplicação da
majorante, existindo as correntes abaixo
citadas:
a) o lugar deve ser habitado com pessoas
repousando
b) o lugar não precisa ser habitado
c) os moradores não devem estar acordados
d) não se exige a presença de moradores
Ressalte-se que a majorante, por questão
topográfica, somente pode ser aplicada ao
furto simples, não incidindo sobre o furto
qualificado.
17. 8. FURTO PRIVILEGIADO
Para o reconhecimento do furto privilegiado
previsto no parágrafo segundo, exige-se a
presença de dois requisitos: primariedade
(elemento objetivo, consubstanciado na não
reincidência) e pequeno valor da coisa
furtada (elemento normativo, a exigir uma
valoração pelo magistrado). A jurisprudência
vem considerando como pequeno valor até
um salário mínimo, independente das
condições da vítima, sendo o valor aferido
objetivamente.
18. Primeiramente deve ser analisada a
possibilidade de aplicação do princípio da
insignificância, pois o referido princípio
exclui a tipicidade material, o que é muito
mais benéfico para o agente. Apenas na
impossibilidade de se aplicar o princípio da
insignificância é que será aplicável o furto de
pequeno valor, modalidade privilegiada do
crime.
19. Para o reconhecimento do princípio da
insignificância, a jurisprudência do STF e do
STJ tem exigido quatro requisitos
cumulativos:
a) mínima ofensividade da conduta
b) reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento
c) ausência de risco social
d) Inexpressividade da lesão jurídica causada
20. Presentes os requisitos do furto privilegiado,
vem-se entendendo que o reconhecimento
do privilégio é direito público subjetivo do
réu e não apenas mera faculdade ou
discricionariedade judicial.
Tanto o STF quanto o STJ, em decisões
recentes, vem reconhecendo a possibilidade
de reconhecimento do furto qualificado e
privilegiado.
21. 9. FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA
São modalidades de energia a solar, térmica,
sonora, atômica, mecânica, genética. Ressalte-
se que a subtração de sinal de TV a cabo não
caracteriza crime de furto. Primeiramente por
não se caracterizar coisa móvel por não ser
suscetível de deslocamento e por também não
ser modalidade de energia a ser equiparável a
coisa alheia móvel, pois energia é aquilo que se
gasta.
Neste sentido, Rogério Greco. Recentemente
(Informativo 623), o STF reconheceu a
atipicidade desta conduta no que tange ao furto
(HC 97261/RS). No entanto, a conduta pode
caracterizar estelionato (para alguns) ou crime
previsto em lei especial.
22. Lei 9472/97:
Art. 183. Desenvolver clandestinamente
atividades de telecomunicação:
Pena - detenção de dois a quatro anos,
aumentada da metade se houver dano a
terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil
reais).
Parágrafo único. Incorre na mesma pena
quem, direta ou indiretamente, concorrer
para o crime.
23. É importante destacar que a energia elétrica
pode ser objeto material do crime de furto ou do
crime de estelionato. Apenas será objeto
material do crime de furto se houver subtração.
Desta forma, se o agente fizer um gato,
puxando a fiação elétrica da rua para dentro de
casa, estará praticando furto, mas se adulterar o
relógio medidor para pagar menos energia,
estará praticando estelionato, pois estará
obtendo uma vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, mediante artifício, induzindo alguém em
erro. Neste último caso, não há subtração, pois
o agente estará recebendo a mesma energia que
recebe todos os meses, apenas estará realizando
uma adulteração para pagar menos pela anergia
energia que já recebe, praticando, portanto,
estelionato.
24. Art. 35 da Lei 8.977/95:
Art. 35. Constitui ilícito penal a interceptação
ou a recepção não autorizada dos sinais de
TV a Cabo.
25. 10. SUBTRAÇÃO POR ARREBATAMENTO /
TROMBADA
Apesar de alguns entendimentos em sentido
contrário (Francisco Dirceu Barros),
caracteriza-se o furto, pois a violência é
contra a coisa. No entanto, há julgados que
reconhecem a figura do roubo quando a
vítima se machuca no arrebatamento, como
hipóteses em que a vítima leva um tombo ao
ser empurrada pelo agente.
26. 11. FURTO DE USO
Fato atípico por ausência de ânimo de
assenhoramento definitivo da coisa, desde que a
coisa seja devolvida sem que o titular do direito
provoque, que não haja dano à coisa, que esta não
pereça.
12. CRIME IMPOSSÍVEL OU TENTATIVA DE FURTO?
Loja com sistema antifurto ou com fiscalização de
segurança – tentativa, entendimento pacífico do STJ.
Automóvel com dispositivo antifurto ou defeitos
mecânicos – tentativa.
Punguista que enfia a mão no bolso errado das
vestes da vítima – tentativa. Caso o bem não esteja
em bolso nenhum, há crime impossível.
27. 13. FURTO FAMÉLICO
Fato típico, mas lícito, pela excludente da ilicitude
estado de necessidade. É a subtração praticada para
saciar a fome do agente e/ou de sua família.
14. CADÁVER
Pode ser objeto material do furto quando tenha valor
econômico. Ex.: cadáver pertencente a uma
universidade. Caso contrário, o crime praticado será
o de subtração de cadáver – art. 211, CP.
15. SUBTRAÇÃO EM TÚMULO OU SEPULTURAS
Em regra, não há furto, pois as coisas ali deixadas
pelos familiares foram abandonadas. Trata-se de res
derelicta, que não pode ser objeto material de crime
patrimonial. Se houver subtração de bens que estão
com um cadáver na rua, haverá crime contra o
patrimônio dos herdeiros, e não vilipêndio a
cadáver.
28. CASOS CONCRETOS
1ª QUESTÃO:
MÉVIO, gerente de um restaurante situado no centro desta
cidade, ao verificar que um funcionário de uma empresa
prestadora de serviços à Telemar fazia consertos num aparelho
de telefonia público, vulgarmente conhecido como "orelhão",
solicitou que o mesmo promovesse uma ligação, por extensão,
com o interior de sua loja, de forma a que pudesse utilizar o
sinal próprio conectado em máquinas que processam
autorização em compras com cartão de crédito, sustentando
para tanto que, como tais ligações são vinculadas a prefixo
0800, e, portanto, gratuitas, não haveria prejuízo para aquela
concessionária de serviço público, nem tal iniciativa
configuraria crime. A conexão foi feita, tendo sido suscitado
pela Telemar que tal procedimento causava prejuízo coletivo
pelo desvio de sinal, já tão concorrido no centro desta cidade,
como também, indiretamente, a ela própria, em face daquele
estabelecimento comercial, que, desta forma, deixava de
efetuar o pagamento correspondente pela assinatura de uma
linha telefônica convencional, concluindo por apontar que,
desta forma, haveria a prática de delito. Decida a questão.
29. RESPOSTA:
Procede a manifestação da empresa
concessionária de serviço público, sendo certo
que o apossamento clandestino e desautorizado
de sinal telefônico configura furto energético,
nos termos do art. 155, 3º, do Código Penal,
merecendo destaque o fato de que a existência
de prejuízo é fator preponderante para a
caracterização da prática de crime, notadamente
sendo este do gênero patrimonial. Caso tenha se
iniciado a utilização do mecanismo produzido
para aquele estabelecimento comercial,
considerar-se-á consumado o crime em
questão; caso contrário, este permanecerá na
esfera da tentativa.
30. 2ª QUESTÃO:
JOSENILDO foi denunciado pelo MP pela prática
de furto qualificado pelo concurso de pessoas. O
fato se deu da seguinte forma: o réu,
acompanhado de um comparsa, subtraiu uma
bolsa contendo R$ 56,00 de dentro de um
automóvel que se encontrava parado com o
vidro aberto. A defesa pleiteou a absolvição do
acusado por entender que na hipótese incide o
princípio da insignificância ou da bagatela, pelo
ínfimo valor da importância subtraída ou, na
eventualidade de o Juiz assim não entender,
requereu a aplicação do privilégio de que trata o
parágrafo 2º do art. 155 do CP. Decida a
questão.
31. RESPOSTA:
STJ: HC nº 149.517-SP - Rel. Min. Laurita
Vaz: HABEAS CORPUS . FURTO QUALIFICADO
TENTADO. CONCURSO DE PESSOAS.
RECONHECIMENTO DA FIGURA PRIVILEGIADA.
POSSIBILIDADE. MODIFICAÇÃO DA
JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ. REQUISITOS
PREENCHIDOS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA ESTATAL. OCORRÊNCIA. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO.