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Cinthia Lopes Henriques




JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR
                    KADAFI:
Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images




                             Belo Horizonte
            Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)
                                  2012
Cinthia Lopes Henriques




JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR
                    KADAFI:
Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images




                          Monografia apresentada ao Departamento de Comunicação e Design
                          (ICD) do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), como
                          requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Jornalismo
                          Orientadora: Lorena Tárcia




                             Belo Horizonte
            Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)
                                   2012
AGRADECIMENTOS


Enfim, chegou o momento! Foram quatro anos de muitas coisas sérias, mas também de muitas
brincadeiras e descontração. O meu muito obrigado aos meus pais, que me deram o apoio
necessário para que eu pudesse investir nessa empreitada. A minha mãe, Maria Tereza, por toda
paciência e dedicação. Ao meu pai, João, um abraço especial de dever cumprido!

Aos meus queridos amigos, Clésio, Fê, Lucas, Cleiton, Mateus o meu agradecimento por
entenderem a minha ausência e por fazerem parte de tantos momentos especiais. Quantas brejas
eu deixei de compartilhar com vocês? Ah que saudade! A Lô, metade do diploma é seu! A minha
amiga Rá, que sempre me fez dar boas gargalhadas e me ajudou com bons conselhos. Ao Marco,
simplesmente por me receber de braços abertos quando eu mais precisei e por acreditar nos meus
sonhos. Ao Bruno, pelas palavras mágicas e sóbrias. Ao Bê, por ser o FDP mais gente boa que eu
conheço. A minha amiga Vanessa Seixas, por compartilhar o desespero de laudas e laudas. E
quantas foram? Perdi a conta! Ao Bruno Frade, pelas horas e horas de desabafo! Ao Glaydston,
por compartilhar suas nerdices, me dar o apoio técnico necessário e mais que isso ser o parceiro
ideal em projetos ousados.

A coisa mais bonitinha e graciosa do mundo, meu sobrinho Bernardo, que no meio dessa
empreitada resolveu que estava na hora de nascer. Aos meus irmãos e cunhadas, pela
compreensão.

A minha querida orientadora, Lorena Tárcia, que me ajudou nos momentos de apuros. Pela
paciência, delicadeza e cordialidade com que sempre me tratou. O meu muito obrigado. Sigo com
a certeza de que você é um grande exemplo na minha vida. Aos meus mestres, que me
acompanharam durante toda esta caminhada, em especial a Angela Moura, por embarcar junto
nos projetos mais malucos, ao Maurício Guilherme pelas sutilezas e a Virgínia Palmerston pelo
carinho.

Na delicadeza, na suavidade e na vontade de quem quer voltar eu encerro mais uma etapa. A
todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste momento,
OBRIGADA. Um caminho novo está começa a ser desenhado agora e eu sigo com a certeza de
que valeu a pena. A todos esses que eu citei acima, mais uma vez OBRIGADA, conto com cada
um nas próximas expedições. SALUDOS!!!


Enfim, formei! Vamos comemorar?!
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Página informado captura de Muammar Kadafi ............................................................ 41
Figura 2 - Página do jornal O Estado de S. Paulo com primeiras fotos do corpo de Muammar
Kadafi ............................................................................................................................................ 43
Figura 3 - Detalhe da primeira imagem de kadafi divulgada em que é possível perceber os ícones
do dispositivo de câmera Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional, kadafi-morre-
de-ferimentos-na-captura-diz-governo-provisorio, 787987,0. htm ............................................... 44
Figura 4 - Galeria de fotos sobre a queda de Kadafi ..................................................................... 45
Figura 5 - Vídeo do colunista Lourival Sant’Anna na página do jornal O Estado de S. Paulo ..... 47
Figura 6 - Vídeo mostra corpo de Kadafi exposto na página do jornal O Estado de S. Paulo ...... 48
Figura 7 - Matéria da página do O Estado de S. Paulo sobre o uso de celulares no registro da
morte de Kadafi ............................................................................................................................. 49
Figura 8 - Primeira matéria sobre a morte do ex-ditador líbio na página do El País .................... 50
Figura 9 - Vídeo postado na página do El País sobre os últimos momentos de Kadafi................ 51
Figura 10 – Primeira notícia sobre a morte de Muammar Kadafi divulgada através do twitter ... 52
Figura 11 Matéria do jornal El País reprodudiza da agência Reuters ........................................... 53
Figura 12 - Matéria do El País sobre as últimas horas de vida de Muammar Kadafi ................... 54
Figura 13 Vídeo do YouTube mostra últimos minutos de vida do ex-ditador Líbio ..................... 57
Figura 14 - Artigo opinativo sobre morte do ex-ditador da Líbia ................................................. 59
Figura 15 - Depoimento do jornalista líbio Mohamed al Seguir sobre o envio de informações à
imprensa internacional ................................................................................................................... 60
Figura 16 - Galeria de fotos sobre a captura de Kadafi ................................................................. 61
Figura 17 - Foto de Muammar Kadafi utilizada no Google Images .............................................. 62
Figura 18 - Fotos de Kadafi postadas em blog americano ............................................................ 63
Figura 19 - Fotos sobre a queda de Kadafi em fotoblog ............................................................... 64
Figura 20 - Cobertura do site Global Post sobre a morte de Kadafi .............................................. 65
Figura 21 - Cobertura da morte de Kadafi no site do jornal inglês The Guardian ........................ 66
Figura 22 - Cobertura do Daily Mail da morte de Kadafi ............................................................. 67
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 7
1 JORNALISMO PARTICIPATIVO E/OU COLABORATIVO .................................................. 9
1.1 Sociedade em Rede e autocomunicação de massa .................................................................... 9
1.2 Webjornalismo ......................................................................................................................... 12
1.3 Jornalismo participativo, internet e ciberativismo ................................................................... 14
1.4 Jornalismo Participativo e os critérios de noticiabilidade ....................................................... 18
2 GLOBALIZAÇÃO E JORNALISMO INTERNACIONAL .................................................... 21
2.1 Tecnologias, identidades e informação ................................................................................... 21
2.2 Jornalismo internacional e Internet ......................................................................................... 23
3 PRIMAVERA ÁRABE E O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO .............................................. 27
3.1 Primavera Árabe ...................................................................................................................... 27
3.2 Os levantes no Oriente Médio e as redes sociais ..................................................................... 28
3.3 Confrontos na Líbia ................................................................................................................. 31
3.3.1 Breve história Líbia .............................................................................................................. 31
3.3.1 Muammar Kadafi .................................................................................................................. 33
4 JORNALISMO PARTICPATIVO E A COBERTURA DA MORTE DE MUAMMAR
KADAFI ........................................................................................................................................ 36
4.1 Metodologia ............................................................................................................................. 36
4.2 Apresentação do objeto ........................................................................................................... 38
4.3 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal O Estado de S. Paulo .................... 39
4.4 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal El País .......................................... 49
4.5 Google Images ......................................................................................................................... 62
CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 68
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 70
ANEXOS ....................................................................................................................................... 73
7



INTRODUÇÃO

A comunicação talvez tenha sido a área do conhecimento que mais tenha se transformado nas
últimas décadas. As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) mudaram a forma como
nos relacionamos. Como resultado desse fator, os paradigmas das relações sociais foram
alterados. A noção de tempo, espaço e sociedade projeta o nascimento de uma nova identidade
global. Fatos que antes eram isolados ao local do acontecimento, agora ganham repercussão
mundial mobilizando pessoas em diversos países.


Foi assim que em 2011, o mundo árabe passou por profundas transformações, a Primavera Árabe,
um fenômeno novo bastante disseminado através da internet. As rebeliões começaram depois que
imagens de Mohamed Bouazzi ateando fogo ao próprio corpo em protesto ao regime do seu país,
a Tunísia, circularam pela internet, como consequência três ditadores caíram


O movimento que começou na Tunísia tirou do poder Ben Ali, em seguida, atingiu o Egito,
levando a expulsão de Hosni Mubarak. E em outubro de 2011, o ex-ditador Muammar Kadafi foi
capturado e morto por insurgentes. Minutos depois da morte, imagens dos seus últimos minutos
de vida e do seu corpo foram publicadas na internet. Em uma espécie de pedagogia da mídia
várias pessoas registraram o momento e compartilharam através da rede.


Uma das imagens mais utilizadas pela imprensa mostra várias pessoas com celulares em torno do
corpo do ex-líder tirando fotos. A partir daí, nosso objetivo de pesquisa é buscar entender através
da cobertura da morte de Muammar Kadafi nas versões online do jornal espanhol El País, do
jornal brasileiro O Estado de S. Paulo e de resultados obtidos através do Google Images se houve
uma contribuição significante do jornalismo participativo. Afinal, foram os cidadãos que deram
repercussão ao caso, ou foi a lógica das grandes mídias que prevaleceu?


Para tanto, nosso estudo foi dividido em quatro capítulos. O primeiro trata do jornalismo
participativo e as mudanças de paradigmas que a colaboração de usuários trouxe para a
comunicação. No segundo capítulo entramos na discussão sobre a globalização, as identidades e
o jornalismo internacional.
8



Ao chegarmos ao terceiro capítulo nossa discussão está voltada para a Primavera Árabe,
passamos aqui pela origem dos levantes; pela história líbia até chegarmos à história de Muammar
Kadafi. Tentamos entender, a partir deste capítulo, quais foram às motivações para o surgimento
dos levantes e qual a efetiva contribuição das redes sociais para a eclosão de revoltas.


Ainda que as TIC se apresentem como ferramenta de potenciais mudanças de paradigmas para a
comunicação existe um protocolo no jornalismo que barra o acesso efetivo do cidadão as
coberturas midiáticas. No quarto e último capítulo, buscamos analisar quais foram às fontes de
informação utilizadas pelos veículos. Buscamos compreender qual a proporção de utilização do
jornalismo participativo na cobertura dos grandes veículos de massa e também por veículos não
oficiais.


É impossível traçarmos na totalidade os rumos do jornalismo participativo, uma vez que suas
implicações ainda são muito recentes e apresentam dificuldades pontuais ao trabalho do
pesquisador. Avaliar a origem das informações é um dos principais empecilhos ao trabalho, uma
vez que a grande mídia ainda impõe restrições ao uso de material fornecido por cidadãos. Muitas
vezes existe apenas a citação de que determinado material foi cedido ou fornecido, mas não
existe uma contextualização dos fatores de que como isso teria ocorrido.
9



1 JORNALISMO PARTICIPATIVO E/OU COLABORATIVO

1.1 Sociedade em Rede e autocomunicação de massa

Manuel Castells (1999, p. 353) discorre sobre o surgimento do alfabeto na Grécia em meados do
ano 700 a.C. e afirma que “essa tecnologia conceitual, segundo os principais estudiosos clássicos
como Havelock, constituiu a base para o desenvolvimento da filosofia ocidental e da ciência
como a conhecemos hoje.”


Essa tecnologia permitiu o desenvolvimento da comunicação humana, ocupando o espaço vago
que existia entre a comunicação oral e a escrita. Entretanto, esse processo não aconteceu de uma
única vez. De acordo com Havelock (apud CASTELLS, 1999, p. 353) foram pelo menos três mil
anos para que a sociedade se tornasse alfabética.


Sobre a evolução da comunicação, Castells afirma que estamos passando por uma transformação
tecnológica parecida com a do surgimento do alfabeto:


                  [...] ou seja, a integração de vários modos de comunicação em uma rede interativa. Ou, em
                  outras palavras, a formação de um Supertexto e uma Metalinguagem que, pela primeira vez na
                  história, integra no mesmo sistema as modalidades escrita, oral e audiovisual da comunicação
                  humana. (CASTELLS, 1999, p. 354)


A transformação da nova mídia influencia as relações sociais e culturais dos indivíduos. O
aspecto multimídia está modificando o “caráter da comunicação” e a partir deste aspecto surge a
cultura da virtualidade real.


O crescimento da televisão depois da Segunda Guerra modificou os outros meios de
comunicação. A rápida expansão da televisão se deve ao fato de que “as pessoas são atraídas para
o caminho de menor resistência”. (Castells, 1999, p. 355) A televisão representa um rompimento
com a Galáxia de Informação de Gutenberg e apresenta-se como uma grande mídia.
Aconstelação da internet é o alicerce da comunicação globalizada.
10



As “culturas são formadas por processos de comunicação e todas as formas de comunicação são
baseadas na produção e consumo de sinais” (CASTELLS, 1999, p. 358), não ocorrendo, portanto,
separação entre “realidade” e representação simbólica.


Ainda analisando as mudanças da era da informação, em Comunicación y Poder, Castells (2009)
afirma que as novas lutas sociais apresentam-se em uma nova forma, o uso das tecnologias de
comunicação e as redes sociais mudaram as táticas de luta no mundo todo. Articuladas pela
internet as reivindicações ecoam por todo o mundo e mobilizam um número muito grande de
pessoas.


O ponto central para entender as transformações que as novas tecnologias trouxeram é passar
pela compreensão de como surge e estrutura-se o poder. A detenção do monopólio das forças de
repressão pelos Estados é uma das formas de ostentar o domínio, mas a construção de
significados é outra maneira utilizada pelas nações. “Cuanto mayor es el papel de la construcción
de significado en nombre de interes e valores específicos a la hora de afirmar el poder de uma
relación, menos necesidad hay de recurrrir a la violência (legítima o no).” (CASTELLS, 2009, p.
35)


É nesse sentido que Castells (2009) avalia como os mecanismos de dominação passaram por
transformações e entraram em uma nova fase, a esfera pública foi ampliada e como consequência
houve um aumento da atividade política.


O termo “autocomunicación” é evidenciado para retratar uma comunicação feita sem
intermediários (mídia). A expansão do número de computadores foi um fator decisivo para a
evolução desse processo, que se caracteriza pelo uso de uma plataforma massiva, mas que é cada
vez mais utilizada para produção de conteúdo em caráter pessoal.


A definição de comunicação, que é compartilhar significados, depende do contexto em que
acontecem as relações sociais e que acionam a informação e a comunicação. Assim, ao cunhar o
termo “autocomunicación de masas”, Castells (2009) afirma que essa nova forma de
comunicação é de massa, porque potencialmente pode chegar a uma audiência global.
11


                  La comunicación de masas tradicional es unidirecional (el mensaje se envía de uno a muchos,
                  en libros, periódicos, películas, radio y televisión). Obviamente, algunas formas de
                  interactividad pueden incorporarse a la comunicación de masas através de otros médios de
                  comunicación. [...] No obstante, la comunicación de masas suele ser predominante
                  unidireccional. Sin embargo, com la difusión de Internet, ha surgido uma nueva forma de
                  comunicación interactiva caracterizada por la capacidad para enviar mensajes de muchos a
                  muchos. (CASTELLS, 2009 p. 88)



O “sistema de comunicação digital global” é um reflexo das relações de poder, mas não
representa o ponto de vista de uma cultura dominante. Existe aqui um sistema aberto às
tecnologias de autocomunicação.


                  No obstante, y precisamente porque el processo es tan diverso y porque las tecnologias de
                  comunicación son tan versátiles, el nuevo sistema de comunicación digital global se vuelve más
                  inclusivo y compreensivo de todas las formas y contenidos de la comunicación social.
                  (CASTELLS, 1999, p. 123)



Pierre Levy (1999) fala da relação entre a construção da realidade e a comunicação, destacando a
vocação para construir um universo cultural. De acordo com o autor, a sociedade está
condicionada pela técnica. O processo de virtualização pode ser entendido como tudo aquilo que
gera mobilização concreta sem estar preso a um local e tempo. Ele define assim a cultura da
universalidade:

                  Grande parte das formas culturais derivadas da escrita tem vocação para a universalidade, mas
                  cada uma totaliza sobre um atrator diferente: as religiões universais sobre o sentido, a filosofia
                  (incluindo a filosofia política) sobre a razão, a ciência sobre a exatidão reprodutível (os fatos),
                  as mídias sobre uma captação em um espetáculo siderante, batizado de "comunicação". Em
                  todos os casos, a totalização ocorre sobre a identidade da significação. Cada uma à sua maneira,
                  essas máquinas culturais tentam recolocar, no plano de realidade que inventam uma forma de
                  coincidência com elas mesmas dos coletivos que reúnem. (LEVY, 1999, p. 118)

Levy (1999) discorre sobre os conceitos de totalidade da cibercultura:

                  Por meio dos computadores e das redes, as pessoas mais diversas podem entrar em contato, dar
                  as mãos ao redor do mundo. Em vez de se construir com base na identidade do sentido, o novo
                  universal se realiza por imersão. Estamos todos no mesmo banho, no mesmo dilúvio de
                  comunicação. Não pode mais haver, portanto, um fechamento semântico ou uma totalização.
                  (LEVY, 1999, pp. 120, 121)



O autor afirma que “a cibercultura inventa uma outra forma de fazer advir a presença virtual do
humano frente a si mesmo que não pela imposição da unidade de sentido.” (Levy, 2009, p. 248)
12



1.2 Webjornalismo

A atividade jornalística teve seu início antes da Revolução Industrial, mais precisamente entre os
séculos XV e XVI, mas é apenas durante a Revolução Francesa que o jornalismo destaca-se
como ferramenta de divulgação do que é de interesse público para a sociedade.


O jornalismo passa por sua segunda revolução com a ascensão das novas tecnologias. A primeira
aconteceu a partir da década de 1950 com a invenção da rotativa e da industrialização do
jornalismo.


As novas tecnologias rompem com o padrão de comunicação vertical que existia no jornalismo
tradicional. No novo modelo, a principal característica é uma comunicação horizontal, de muitos
para muitos. A principal característica desse modelo é a quebra de paradigma com o modelo
“emissor-meio-mensagem-receptor”, levando-se em consideração que o receptor passa a ser
também produtor e mediador das informações. . Prado (2011) afirma que se a primeira Revolução
Industrial foi britânica, a primeira revolução tecnológica é americana, mais precisamente
localizada no Vale do Silício.


Magaly Prado (2011, p.182), defende que não existe mais a separação entre “produtor de mídia e
consumidor”. De acordo com a autora, no final dos anos 1990 o rápido crescimento da internet
ampliou a cultura do “faç@ você mesmo”, que permitiu aos usuários se tornarem produtores de
conteúdo. A autora faz um levantamento das várias fases da web até a contemporaneidade.

                  A primeira fase – web 1.0 – é a da publicação com browser, portais, sites, homepages,
                  linguagem HTML, e-mail, livros de visita, fóruns, chats, álbuns de fotos, os primeiros sistemas
                  de busca etc. A segunda fase é a da cooperação, com redes de relacionamento, blogs, marketing
                  viral, social bookmarking (folksonomia), webjornalismo participativo, escrita coletiva,
                  velocidade e convergência. (PRADO, 2011, p. 189)



Targino (2009, p. 135) faz a categorização do webjornalismo em três gerações. Sendo a primeira,
a fase de transposição ou reprodução em que os “mass media se limitam a disponibilizar a versão
do material impresso, a cada dia”. A segunda geração é a fase da metáfora em que os sites ainda
reproduzem conteúdo da versão impressa, mas já existem ferramentas de interatividade. Já a
13



terceira geração, é designada de hipermidiática, pois os recursos de interatividade aumentam com
o uso da hipertextualidade.


A adesão ao webjornalismo reduz custos e diminui burocracia nos grandes veículos e como
consequências disso as redações estão cada vez menores e o perfil dos jornalistas mudou
completamente. É necessário que o webjornalista saiba administrar as mais variadas mídias
disponíveis, o que Prado (2011) nomeia de profissional “multimídia e multitarefeiro”.


O desafio desses novos profissionais é em linhas gerais saber lidar com as mídias e qual
tratamento aplicar para cada uma delas, sem cair na superficialidade das informações. Com as
novas ferramentas móveis, as notícias podem ser acessadas em qualquer lugar, a qualquer hora e
sendo atualizadas em tempo real. Além disso, as fontes de informação se multiplicam a cada dia.
O desafio dos veículos tradicionais é entender como despertar o interesse do usuário pelo seu
conteúdo.


A cultura digital se transformou nos últimos anos, a evolução das ferramentas de
compartilhamento de dados e a convergência de mídias proporcionaram que o usuário passasse a
gerar informação.    “O usuário comum participando e gerando conteúdo começou com o
surgimento das ferramentas amigáveis, ou seja, mais fáceis de publicação e distribuição, como a
dos blogs”. (PRADO, 2011, p. 184)


Prado (2011) afirma que os sistemas de tagueamento, a introdução de palavras chaves que
sintetizam o assunto tratado, ajudaram na formação de “comunidades” ou grupos online que se
juntam para discutir um assunto de interesse comum.

                 A vantagem das tags é que são personalizáveis, isto é, não precisam ser palavras
                 institucionalizadas ou rótulos controlados ou predefinidos. Por esse motivo, são sistemas de
                 folksonomia, criado por Thomas Vander Wal, um designer da informação e expressam um tipo
                 de organização criada por pessoas. (PRADO, 2010, p.184)
14



1.3 Jornalismo participativo, internet e ciberativismo

De acordo com Lindemann1 (2006, apud PRADO, 2011, p.45): a “idéia de transformar
internautas comuns em repórteres surge, no mundo, em iniciativas como Slashdot, Ohmy News,
Wikinews”. Prado (2011) afirma que em algumas plataformas de jornalismo colaborativo existe
uma edição das informações enviadas pelo público. Mas o objetivo desses sites é ser uma opção
para o usuário às já conhecidas mídias.


O envio de vídeos pelos usuários se tornou cada vez mais comum no jornalismo participativo. De
acordo com Prado (2011), a partir de 18 de novembro de 2009, o YouTube criou o YouTube
Direct, um canal que permite que qualquer usuário inclua vídeos nas páginas dos jornais, sem que
seja necessário fazer cadastro. Essa ferramenta possibilita que os veículos escolham quais são os
vídeos relevantes de acordo com o assunto.

                     O webjornalismo participativo pode ser definido como hipertexto cooperativo de interação
                     mútua: não há apenas um produtor, como nas mídias de massa, mas todos os usuários podem
                     vir a ser produtores de notícias. Esse tipo de interação ainda é pouco explorada e, por suas
                     características, gera questionamentos quando comparadas ao jornalismo clássico. (FONSECA;
                     LINDEMANN, apud PRADO, 2010, p. 88).



O processo de identificação, mobilização e articulação de causas sociais que ocorre no cotidiano
é potencializado nas redes sociais digitais. Os indivíduos ampliam o debate e os canais de difusão
reforçando, sensibilizando e projetando problemáticas.

                     Na dinâmica das redes, os fenômenos que popularmente conhecemos como “efeitos cascata ou
                     em cascata” são exemplos de ação coletiva que pode ser induzida pelo poder público,
                     principalmente em situações onde a resolução do problema comum depende de uma adesão do
                     maior número de atores sociais possível. A importância dos fluxos de informação para a
                     realização de ações coletivas coordenadas também aparece claramente em regimes totalitários,
                     onde o direito à reunião e ao trabalho dos jornalistas são normalmente diminuídos ou
                     eliminados, como estratégia de combate aos opositores. A sequência de eventos conhecida
                     como “Primavera Árabe”, onde em vários países, ditaduras antigas tem enfrentado oposição nas
                     ruas, é um exemplo das possiblidades de análise com um olhar interdisciplinar que envolva
                     teorias de Rede e de Comunicação. A utilização de redes sociais para contornar as restrições de
                     comunicação nesses cenários e potencialmente gerar mudanças em escala e velocidade inéditas
                     também reforça o interesse desse tipo de abordagem e sua utilidade para a compreensão de
                     situações e sistemas de considerável complexidade. (SANTOS, 2012, p.68)




1
    LINDERMANN, Cristiane. (livro) In: PRADO, Magaly. Webjornalismo. Rio de Janeiro: LTC, 2011. p.33.
15



O ciberativismo parte da esfera pública para a privada. As relações são construídas através de
interesses em comum que criam e unem grupos dispostos a mobilizaram-se em favor de uma
causa.

                 É importante ressaltar o papel dos mecanismos automatizados de busca e seleção de pessoas
                 que compartilham interesses ou amigos comuns. Em plataformas como o Facebook e o Twitter
                 tais mecanismos estão presentes e potencializam o crescimento das redes pessoais bem como a
                 quantidade de usuários dessas plataformas a um ritmo intenso e em curtos períodos de tempo.
                 Em fevereiro de 2012 o Facebook já tinha mais de 845 milhões de usuários ativos. (SANTOS,
                 2012, p. 59)



O desenvolvimento das mídias sociais digitais alterou o comportamento dos indivíduos nas
relações humanas. As ferramentas tecnológicas permitem a formação de redes em defesa de um
interesses em comum estruturadas em uma nova forma de cidadania da era globalizada.



                 Diferentemente dos anos 60, quando a circulação da informação era monopólio das grandes
                 organizações, atualmente, o avanço das tecnologias tem possibilitado o envolvimento dos
                 indivíduos na produção e compartilhamento de conteúdo midiático alterando os padrões de
                 consumo e permitindo que se configure a noção de cultura participativa. A convergência de
                 diferentes mídias tem servido a estratégias de um número crescente de movimentos sociais,
                 uma vez que os usuários aprenderam novas formas de interagir com o conteúdo que encontram.
                 Essa cultura participativa acompanha o desenvolvimento tecnológico que sustenta a
                 convergência midiática e cria demandas que as mídias de massa ainda não estão aptas a
                 satisfazer. (GREGOLIN, 2012, p. 12)




A construção da notícia ganhou um novo formato mais interativo e “democrático”. Os usuários
abandonaram o papel de receptores e participam do ciclo de criação, repercussão e reprodução de
informações de forma ativa e fundamental, inclusive para os veículos tradicionais.


Com a expansão das redes sociais, o fluxo de informação inverteu-se de forma considerável. As
notícias até então saíam das redações de veículos tradicionais, chegavam ao público final e eram
repercutidas em um ciclo que passava do espaço público para o espaço privado. Concomitante
com o crescimento das plataformas convergentes ocorreu uma inversão do fluxo de informações,
que trouxe uma reorganização no consumo de notícias. A partir deste momento, os veículos
tradicionais buscam pautas nas redes sociais.
16


                   O modelo transmissionista (emissor>mensagem>canal>receptor), que parecia para alguns ser o
                   modelo natural da comunicação de massa, ganha nova maquiagem. O fluxo jornalista > notícia
                   >jornal >leitor, por exemplo, renova-se em jornalista>notícia>site> “usuário”. (PRIMO,
                   TRÄSEL, 2006, p. 2)



Dentro dessa perspectiva, as mídias online agregaram algumas características à produção de
noticias, a saber, a ampla cobertura; a informação não tem limite geográfico; o acesso de milhares
de usuários à rede mundial de computadores; e o aspecto de simultaneidade e instantaneidade.


Castells (2006) destaca ainda a formação de redes de comunicação alternativas, que surgiram na
efervescência da participação dos usuários em plataformas digitais e tornaram-se ferramentas de
circulação e atualização de informações.

                   A constituição de redes de comunicação autônomas chega também aos meios de comunicação
                   mais tradicionais. As televisões de rua e as rádios alternativas – como a TV Orfeo em Bolonha,
                   a Zaléa TV em Paris, a Occupen las Ondas em Barcelona, a TV Piqueteros em Buenos Aires – e
                   uma enorme quantidade de mídias alternativas, ligadas em rede, formam um sistema de
                                                                             2
                   informação verdadeiramente novo. (CASTELLS, 2006)



O papel do profissional de jornalismo neste novo contexto do novo fluxo de informação deixa de
ser exclusivo como filtro para as informações. Com essas novas características, a apuração dos
fatos depende fundamentalmente das relações entre cidadãos e jornalistas.

                   Historicamente encarregados de informar os sistemas democráticos, seu futuro dependerá não
                   de quão bem informam, mas, sobretudo, de quão encorajam e mantêm diálogos com os
                   cidadãos, em alusão à cidadania e a temas de interesse do indivíduo como eixo central do
                   noticiário, em que o papel de selecionar e produzir conteúdos noticiosos deixa de ser privilegio
                   de uma classe profissional. (TARGINO, 2009, p. 170)



A internet democratizou o acesso às fontes e, além disso, criou um novo espaço onde
potencialmente qualquer usuário, desde que, preparado tecnicamente, pode ser utilizado como
fonte. Mais uma vez, quebrando o paradigma de fontes oficiais e da posição dos jornalistas como
únicos e exclusivos mediadores das informações.



2
 CASTELLS, 2006. A era da intercomunicação. Diplô Brasil. Disponível em http:<//diplo.org.br/2006-08,a1379>.
Acesso em 23. Set. 2012.
17


                 A novidade do jornalismo digital reside no fato de que, quando fixa um entorno de arquitetura
                 descentralizada, altera a relação de forças entre os diversos tipos de fontes porque concede a
                 todos os usuários o status de fontes potenciais para os jornalistas. Se cada indivíduo ou
                 instituição, desde que munido das condições técnicas adequadas, pode inserir conteúdos no
                 ciberespaço devido a facilidade de domínio de áreas cada vez mais vastas, fica evidenciada
                 tanto uma certa diluição do papel do jornalista como único intermediário para filtrar as
                 mensagens autorizadas a entrar na esfera pública, quanto das fontes profissionais como
                 detentoras do quase monopólio do acesso aos jornalistas. A possibilidade de dispensa de
                 intermediários entre as fontes e usuários implode com a lógica do predomínio das fontes
                 profissionais porque transforma os próprios usuários em fontes não menos importantes.
                 (MACHADO, 2002, p. 6)



Retomando à questão dos veículos tradicionais, com a ascensão das novas mídias, cidadãos,
ONG’s e movimentos sociais conseguem atrair espaço entre os mass media para questões de seus
interesses. Utilizando o ciberativismo, cidadãos emplacam pautas nos veículos, criando um
processo de repercussão ainda maior e acrescentando o “valor” credibilidade as informações
repassadas. Uma vez que os veículos tradicionais ainda são vistos como referência. Os
desdobramentos de tais tendências ainda são recentes e é impossível de se fazer uma avaliação
completa. É o que avalia Santos (2012).


                 As redes e as tecnologias de informação e comunicação têm gerado impactos sociais, culturais e
                 políticos que provavelmente ainda não possamos avaliar na totalidade, basicamente por
                 estarmos no meio do processo e fazermos parte dele, estando cientes disso ou não. (SANTOS,
                 2012, p. 67)



Newman (2009) destaca pelo menos três características que fazem com que o jornalismo
participativo contribua para que as empresas de comunicação abram espaço para este segmento
de jornalismo.

                 • Contar histórias melhores: construção de uma visão Dan Gillmor: há sempre alguém que sabe
                 mais do que você, organizações de notícias estão utilizando o crowdsourcing de comentários,
                 fotos, vídeos e ideias. Esses suplementos e complementos aliados as suas próprias fontes de
                 obtenção de notícias enriquecem a saída da informação.

                 • Fazer um relacionamento melhor: usuários engajados tendem a ser mais leais e passar mais
                 tempo, tornando-os mais valiosos para os anunciantes ou para a promoção e venda de serviços
                 de outras empresas.

                 • Obter novos usuários: com o público gastando mais e mais tempo com redes sociais, estes se
                 tornaram o lugar mais óbvio para procurar o "difícil acesso" ou se reconectar com os partidários
                 anteriores. (NEWMAN, 2009, p. 7, tradução nossa)
18



Newman (2009) destaca ainda a necessidade dos veículos prepararem seus profissionais para
lidar com o jornalismo participativo, pensando assim em uma lógica de cooperação produtiva e
responsável com os leitores e usuários. “Um desafio fundamental para muitas organizações de
notícias é incentivar mais jornalistas a se envolverem com essas ferramentas, e usá-los para fazer
contatos, por crowdsourcing e como um canal para suas reportagens.” (NEWMAN, 2009, p. 38,
tradução de nossa)


1.4 Jornalismo Participativo e os critérios de noticiabilidade

O jornalismo participativo trouxe uma nova lógica de valores-notícia para a comunicação. A
informação circula de forma diferente e estabelece novos paradigmas. O leitor também participa
do processo de “apuração” e demonstra seus interesses, interferindo diretamente na práxis
jornalística. Targino (2009) define o conceito de ciber-cidadão, aquele que exercita a cidadania
utilizando o ciberespaço.

                 A multiplicação dos difusores altera as relações entre os jornalistas e as fontes porque
                 transforma os usuários do sistema em fontes. Enquanto no jornalismo convencional em que
                 muitas vezes declarações são transcritas como notícias predomina o uso das fontes oficiais, no
                 jornalismo digital a participação dos usuários contribui para a utilização de fontes
                 independentes, desvinculadas de forma direta dos casos publicados. Com a descentralização da
                 redação ocorre uma inversão no fluxo de notícias, antes muito dependente das fontes
                 organizadas. O próprio jornalista necessita rastrear nas redes os dados antes de redigir a matéria
                 solicitada ou mesmo quando apura a veracidade dos conteúdos das matérias enviadas pelos
                 colaboradores. O alargamento do conceito de fontes coloca na ordem do dia a reflexão sobre as
                 consequências para o jornalismo da incorporação dos usuários no circuito de produção de
                 conteúdos. (MACHADO, 2002, p. 10)




Os critérios de noticiabilidade em jornalismo participativo são bastante variados. A questão é
focada na descentralização do emissor de informações, ou seja, a democratização no processo de
informações que circulam pelo espaço público. Experiências obtidas através das insurreições
iniciadas pelas plataformas digitais, como a Primavera Árabe, sugerem que os temas que ganham
notoriedade são aqueles voltados para o interesse coletivo. Neste sentido, reivindicações sociais,
denúncias de abuso de poder, corrupção e irregularidades administrativas tornam-se as principais
informações a ganhar repercussão.
19



Robert Fisk (2011), correspondente do jornal inglês The Independent, ao relatar as revoltas árabes
no Egito destacou a importância que as redes sociais tiveram para burlar a censura dos jornais
que apoiavam o regime de Hosni Mubarak.

                   Esta é uma revolução pelo Twitter e pelo Facebook e há muito que a tecnologia derrubou as
                   normas caducas da censura. Os homens de Mubarak parece terem perdido toda iniciativa. Os
                   jornais de seu partido estão cheios de autoengano: jogam as notas sobre as manifestações para
                   os pés da primeira página, como se com isso fossem tirar as multidões das ruas; como se, de
                   fato, pelo apequenamento das notas os protestos jamais tivessem ocorrido. Mas não se precisa
                   ler os jornais para saber o que se tem falado. A sujeira e as cidades perdidas, confusas, os
                   esgotos a céu aberto e a corrupção de todo funcionário público, as prisões superlotadas, as
                   eleições risíveis, todo o vasto e esclerosado edifício do poder levou, por fim, os egípcios às
                         3
                   ruas. (FISK, 2011)



O relato de experiências como essa apontada por Fisk (2011) não são novos. O que diferencia os
últimos protestos é a intensidade com que os usuários utilizaram a rede para se mobilizarem e
projetarem as informações em nível global. Em artigo publicado pela revista Veja em 2011, Jady
Pavão Júnior e Rafael Sbarai (2011) fazem um levantamento histórico do uso das TIC no mundo
todo.

                   2001- Filipinas - Milhares de pessoas trocam mensagens de texto no celular (SMS) para
                   coordenar protestos que culminam no impeachment do presidente Joseph Estrada.

                   2004 - Espanha - Mensagens de texto acusando o premiê José María Aznar de mentir sobre o
                   atentado ao metrô de Madri influenciam a eleição e impõem derrota ao primeiro-ministro nas
                   urnas.

                   2006 - Bielorrúsia - A tentativa de revolução começa por e-mail, mas não vai longe: o protesto
                   não tem força para derrubar o ditador Aleksandr Lucashenko, que em seguida tenta controlar a
                   rede.

                   2009 - Irã - Ativistas usam celulares e redes sociais para coordenar protestos contra fraudes nas
                   eleições. Em resposta, o governo bloqueia o acesso ao Twitter e ao Facebook.

                   2009 - Moldávia - Ações na web reúnem mais de 10.000 manifestantes anti-governo, que
                   responde com perfis falsos no Facebook para atrapalhar os manifestantes.

                   2010 - Tailândia - O movimento Red Shirt, que se opõe ao governo militar que comanda o país,
                   usa redes sociais para coordenar suas ações. A ação é esmagada e dezenas de pessoas morrem.

                   2011 - Tunísia - O ditador Zine El Abidine Ali cai após convulsão popular. As redes sociais são
                   usadas como meio de comunicação entre os manifestantes.


3
    FISK, Robert. Esta é uma revolução pelo twitter. Carta Maior,jan./2011. Disponível                          em
<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17341>. Acesso em 16. Abr. 2012.
20


                 2011 - Egito - Motivados pelos acontecimentos da Tunísia, os egípcios saem às ruas contra o
                 ditador Hosni Mubarak, que tenta bloquear o Twitter, ferramenta de coordenação do
                 movimento. (PAVAO JR. e SBARAI, 2011)



Irene García Medina e Pedro Álvaro Pereira Correia (2011) destacam o papel da simultaneidade
que as TIC trouxeram para a comunicação e relata que o processo de atualização de informações
tornou-se um processo infinito.


                 Internet, telefones, celulares, PDAs, televisão digital terrestre e outras tecnologias interativas
                 têm democratizado as comunicações de mercado. Seja qual for à mensagem que a empresa
                 deseja transmitir é cada vez mais necessário superar as barreiras de acessibilidade, relevância,
                 contexto e sedução da mensagem para se conectar ao receptor. O surgimento das redes sociais
                 revive a arte de contar histórias, qualquer que seja o conteúdo (filmes, publicidade, informação
                 comercial, apresentação da empresa). Uma boa história é divertida, sensual e emocional,
                 carregada de significados, é instrutivo, porque é não intrusiva. Por convite promove a
                 participação, a coesão e a interatividade de seus destinatários. As imagens da comunicação da
                 marca e organizações são correspondidas ou se desenrolam contra o pano de fundo de um tele
                 series com um número ilimitado de capítulos. (CORREIA, Pedro; MEDINA, Irene 2011, p.130,
                 tradução nossa)



Mais importante do que a forma como as matérias são produzidas é a colaboração do cidadão
com o processo de produção das notícias. Targino (2009) chama atenção para o processo de
mutação que o jornalismo vem passando nos últimos anos.



                 A trajetória do jornalismo nos regimes democráticos, decerto, incluindo o Brasil, mostra o
                 jornalismo em constante mutação e em busca de um novo fazer jornalístico, em que
                 invariavelmente, tanto a pretensão de vigiar os governantes ou ser por eles vigiados, como a
                 proteção aos cidadãos contra os abusos do poder estão presentes. (TARGINO, 2009, p. 75-76)
21



2 GLOBALIZAÇÃO E JORNALISMO INTERNACIONAL

2.1 Tecnologias, identidades e informação

O fenômeno da globalização ganhou novos desdobramentos na última década com o advento das
TICs. A formação das identidades culturais no ambiente do novo espaço global é um dos pontos
mais discutidos. Com a evolução das plataformas tecnológicas, noções de espaço, tempo e
sociedade perderam seu significado original, passando a ganhar novas características mais
efêmeras, com o estímulo ao consumo unificado, que desperta em pessoas de diferentes países e
até então diversas culturas a necessidade de consumir os mesmos produtos e serviços. De acordo
com Hall (2006, p. 73), as “identificações globais” são fixadas acima da cultura nacional e criam
um fluxo de deslocamento e até extinção das “identidades nacionais”.


                 Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de
                 “identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os
                 mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão
                 bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. (HALL, 206, p. 74)


Hall (2006) defende que os fluxos da globalização são desequilibrados, tornando-a um processo
que parte do Ocidente para as periferias do mundo, o que a torna um processo essencialmente
ocidental. Entretanto, o autor destaca que se de certa forma as identidades globais estão
substituindo as identidades nacionais, as periferias também participam do efeito equalizador da
globalização.


                 As sociedades da periferia têm estado sempre abertas às influencias culturais ocidentais e,
                 agora, mais do que nunca. A ideia de que esse são lugares “fechados” -etnicamente puros,
                 culturalmente tradicionais e intocados até ontem pelas rupturas da modernidade – é uma
                 fantasia ocidental sobre a “alteridade” : uma “fantasia colonial” sobre a periferia, mantida pelo
                 Ocidente, que tende a gostar de seus nativos apenas como “puros” e de seus lugares exóticos
                 apenas como “intocados”. Entretanto, as evidências sugerem que a globalização está tendo
                 efeitos em toda parte, incluindo o Ocidente, e a “periferia” também está vivendo seu efeito
                 pluralizador, embora num ritmo mais lento e “desigual.” (HALL, 2006, p. 80)



Anthony Giddens (1991) propõe uma discussão focada nos novos processos de relações sociais
que a globalização permite.

                 A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala
                 mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são
22


                  modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo
                  dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção inversa às relações
                  muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização
                  quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. Assim, quem quer
                  que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de que o que ocorre
                  numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores — tais como dinheiro mundial e
                  mercados de bens — operando a uma distância indefinida da vizinhança em questão.
                  (GIDDENS, 1991, p.60 – 61)



Ao analisar o fluxo de informação na sociedade globalizada, Giddens afirma que as “notícias”
desempenham um papel fundamental nas relações sociais culturais, ou seja, os sujeitos têm hoje
uma noção mais ampla dos acontecimentos globais.

                  A questão aqui não é que essas pessoas estejam contingentemente conscientes de muitos
                  eventos, de todas as partes do mundo, dos quais, antes, elas permaneceriam ignorantes. É que a
                  extensão global das instituições da modernidade seria impossível não fosse pela concentração
                  de conhecimentos que é representada pelas "notícias". Isto é talvez menos óbvio na consciência
                  cultural geral do que em contextos mais específicos. (GIDDENS, 1991, p.71)



A visão de uma globalização que atinge a todas as civilizações que é compartilhada por Giddens
(1991) e por Hall (2006) é contestada por Samuel Huntington (2001), que rejeita a ideia de uma
“civilização universal”, que compartilha práticas e crenças comuns em diferentes lugares do
mundo. Para ele, mesmo as TICs provocando uma maior interação entre as pessoas do mundo,
elas não conseguem “criar” uma “cultura universal”.

                  O conceito de uma civilização universal é um nítido produto da civilização ocidental. No século
                  XIX, a ideia do “fardo do homem branco” ajudou a justificar a expansão do domínio político e
                  econômico ocidental sobre as sociedades não-ocidentais. No final do século XX, o conceito de
                  uma civilização universal ajuda a justificar o predomínio cultural do Ocidente sobre outras
                  sociedades e a necessidade para essas sociedades de imitar as práticas e as instituições
                  ocidentais. O universalismo é a ideologia do Ocidente para confrontações com culturas não-
                  ocidentais. (HUNTINGTON, 2001, p. 78)



Castells (2000, p. 257) afirma que, “de modo geral, a globalização/localização da mídia e da
comunicação eletrônica equivale à descentralização e desestatização da informação, duas
tendências que, por ora, são indissociáveis”.


Esse fatores da globalização afetaram o jornalismo internacional. Com a disseminação das novas
tecnologias, as informações globais ganharam canais mais flexíveis de comunicação. Este
23



sentimento de pertencimento a uma mesma nação global, endossado por Hall (2006) e por
Giddens (1991), cria um processo de inversão no jornalismo internacional.


                 Pragmaticamente, para o Jornalismo Internacional, isto significa o advento de novos fluxos de
                 informação que abandonam a rigidez hierárquica e centralizadora dos sistemas das agências
                 (apuração redação central clientes) e a concentração da pauta em um número limitado de fontes
                 e assuntos. Em outras palavras, o fluxo de informação em redes estende o leque de opções que o
                 repórter-redator de Inter tem à sua frente e permite que ele, na prática profissional, liberte-se de
                 todos os níveis prévios de filtros e gatekeepings e vá direto à origem primária das informações,
                 conferindo plena manuseabilidade sobre a matéria-prima das notícias. (AGUIAR, 2008, p. 60)



2.2 Jornalismo internacional e Internet

O jornalismo internacional é a especialidade que trata de assuntos exteriores à localização
geográfica que o jornalista está inserido. Sendo assim, essa é uma das áreas do jornalismo que
mais agregam conteúdo.


                 Jornalismo Internacional é, assim, uma especialização jornalística cuja definição é, por
                 natureza, relativa. Ao contrário do que ocorre com as definições de tipo temáticas (Jornalismo
                 Econômico, Político, Cultural, Esportivo...), de suporte (Telejornalismo, Radiojornalismo,
                 Webjornalismo, de Revista...) ou de linguagem (Literário, Investigativo, de Precisão, de
                 Resistência...), que têm – a princípio – descrições universalmente válidas, o Jornalismo
                 Internacional conta com a particularidade de variar seu objeto de interesse de acordo com a
                 procedência nacional do repórter que apura e com a localização (física; geográfica) do veículo
                 ao qual a matéria se destina. É desta forma que, nesta área, o que for exterior para uns não o
                 será para outros; e o assunto que é “doméstico” para um país é “internacional” para todos os
                 demais. (AGUIAR, 2008, p. 17)



Natali (2004) faz um resgate do surgimento do jornalismo internacional e aponta que a origem do
segmento teria ocorrido durante o século XVI, após um banqueiro alemão ter criado um
newsletter, que trazia informações voltadas para o setor de negócios como cotações de
mercadorias e “notícias” sobre política dos países europeus. O autor aponta que, já no século
seguinte, as publicações que traziam um panorama sobre a situação política e econômica dos
países europeus cresceram significativamente no continente e com isso as trocas de informações
tornaram-se fundamentais para o mundo dos negócios.
24



Assim como em todas as editorias, o trabalho jornalístico na editoria internacional passou por
grandes transformações nas últimas décadas. Talvez pela questão do acesso a informação, a seção
internacional tenha sido uma das que mais teve seu trabalho facilitado pela evolução das TIC.


As agências de notícias foram durante muito tempo as principais fontes de divulgação do
noticiário internacional. Era através das agências de notícias que veículos de comunicação do
mundo inteiro noticiavam os acontecimentos mais importantes do globo. De acordo com Natali
(2004), foram as agências de notícia que deram viabilidade econômica ao jornalismo
internacional. As notícias produzidas pelas agências têm um custo inferior daquelas produzidas
por correspondentes exclusivos. Quando vários veículos pagam pela informação, como acontece
com as informações vendidas por agências de notícias, o custo é repartido.


                  Assim, a dinâmica da informação em uma agência de notícias de grande porte, como as já
                  citadas, gera um fluxo de informações sistêmico, linear e centralizado: a informação é inserida
                  no sistema interno da empresa pelo correspondente no exterior, transmitida para a redação
                  central e, de lá, redistribuída para os escritórios locais e regionais que, por sua vez, encaminham
                  a notícia (que é a informação depois de “manufaturada”) para os respectivos clientes. Na
                  prática, e fundamentalmente, o sistema de uma agência funciona mediando o contato entre as
                  fontes primárias e o cliente. (AGUIAR, 2008, p. 28)



Os jornalistas do noticiário internacional têm uma rotina um pouco diferente das outras editorias.
A primeira etapa é a seleção das notícias que entrarão naquela edição. Esse processo exige um
conhecimento vasto sobre a política internacional e uma capacidade de análise ao verificar o que
merece ser publicado, levando em consideração fatores como o que é relevante dentro do
contexto de cada país, a linha editorial e a importância que será atribuída a cada informação.


Na discussão sobre os critérios de noticiabilidade na editoria internacional, Natali (2004)
acrescenta que alguns fatores são privilegiados, a saber, guerras, eleições em países vizinhos,
epidemias e tragédias inesperadas, levando em consideração tanto a localização geográfica
quanto política do fato ocorrido.
25



Outra figura marcante dentro do jornalismo internacional é o correspondente internacional. Esse
profissional é aquele que ou foi enviado para acompanhar uma situação especial ou vive no país e
repassa as informações do país em que vive e de territórios vizinhos para seu veículo. Os
jornalistas que residem no país são preferencialmente nomeados de correspondente internacional
e os jornalistas que vão acompanhar algum evento específico são nomeados como enviados
especiais.


Aproximando o fato para nosso objeto de pesquisa o correspondente ou enviado especial que
cobre guerras tem uma dificuldade ainda maior para ter acesso às informações uma vez que a sua
própria vida está em risco e é necessário um aparato mínimo para que ele consiga exercer sua
função. Entre esses fatores podemos destacar o idioma, a falta de conhecimento físico do local, as
particularidades e peculiaridades, levando em consideração cultura, religião e tradições. Todos
esses pontos apresentam-se como um dificultador do trabalho do jornalista. Os correspondentes
internacionais apresentam-se como filtro das informações, privilegiando uma visão de quem pode
presenciar os acontecimentos in loco.


Clóvis Rossi (2000) destacou como o roteiro de informações no jornalismo segue uma lógica dos
países capitalistas através das agências de notícias que estão em sua maioria sediadas na Europa
ou nos Estados Unidos.


                 Vejamos alguns números ilustrativos: a Associated Press, com sede central em Nova York, tem
                 8.500 assinantes em mais de cem países; a Reuters, britânica, está estabelecida em 69 países e
                 vende seu material para 6.500 clientes (dos quais 4.700 são jornais); a France Presse, com suas
                 92 sucursais no Exterior, atinge 12.400 assinantes. (ROSSI, 2000, p. 83)



A produção jornalística passou por grandes transformações com o aumento do acesso às redes
nas últimas décadas. Com o desenvolvimento das TIC, a produção de conteúdo na editoria de
jornalismo internacional mudou estruturalmente seus paradigmas na forma de transmitir
informações. É importante analisarmos que as mudanças demonstram, não apenas, uma evolução
das TICs, mas uma alteração dos modelos econômicos e sociais das comunidades modernas.
26



A forma como recebemos a notícia foi alterada. Este processo marca o fim da dependência,
mesmo que não completamente, dos veículos de imprensa com as agências de notícia e
acrescenta novas características à editoria: aumento do volume de informações, memória
ilimitada (atualizações em tempo real), multimidialidade, acesso rápido e facilitado as fontes de
informação e pesquisa. A convergência é tendência predominante no paradigma tecnológico pós-
industrial. Na prática, isso significa que as ferramentas de trabalho do jornalista estão agora
integradas e se complementam para a articulação do fluxo informativo em redes. (AGUIAR,
2008, p. 76)


As ferramentas que estão inseridas no contexto da internet facilitaram muito a vida dos jornalistas
da editoria internacional. O e-mail revolucionou a forma de contatar as fontes, como destaca
Aguiar (2008, p. 78) o “e-mail veio representar um grande facilitador para atingir pessoas em
outros países, incluindo o fato de não depender da sincronia (a pessoa lê e responde quando
puder, o que ajuda no caso de fusos horários distantes)”.
27



3 PRIMAVERA ÁRABE E O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO

3.1 Primavera Árabe

O movimento denominado Primavera Árabe, que atingiu os países do norte da África e do
Oriente Médio no final de 2010, começou após a autoimolação do jovem tunisiano Mohamed
Bouazizi, em protesto contra a situação política da Tunísia. De lá pra cá, três ditadores já caíram.
O último deles foi Muammar Kadafi, ditador líbio por 42 anos, deposto depois que rebeldes
apoiados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte - (OTAN) tomaram Trípoli.


Países como Tunísia, Egito, Líbia, Marrocos, Bahrein, Iêmen e Iraque entraram em estado de
caos após diversas manifestações contra a situação política e econômica, reivindicando direitos
democráticos e enfrentaram graves crises estruturais após o início das insurreições. Autores como
Joffe (2011) e Ramonet (2011) atribuem diferentes causas para a explosão de revoltas que tomou
conta desses países. Para Joffe (2011), a própria característica autoritária dos Estados árabes
impulsionou as crises.


                   [...] a recusa em tolerar a participação popular activa no processo de governação viria a servir
                   como impulsionador das crises que os regimes enfrentaram a partir do momento em que foi
                   encontrado o agente catalítico apropriado. E, claro, a natureza do agente catalítico explica a
                   cronologia das crises. Essa natureza, em si mesma, é um reflexo das consequências da repressão
                   e, ironicamente, das concessões de abertura política que os governantes demonstraram nos
                   últimos anos. Com efeito, a evolução das crises em cada Estado deu-se em função das naturezas
                   políticas dos próprios regimes, uma vez que apesar da sua intensa repressão política, os regimes
                   de Ben Ali e de Mubarak, na Tunísia e no Egipto – à semelhança do regime de Bouteflika na
                   Argélia, e ao contrário do regime líbio –, tinham vindo progressivamente a abrir espaço para um
                   certo grau de autonomia de expressão e de acção social e económica. Esse fenómeno estava
                   ligado a processos de liberalização política com o propósito de assegurar que o controlo do
                   regime nunca seria ameaçado. (JOFFE, 2011, p. 86-87)



Existem muitas discussões sobre quais teriam sido as causas atribuídas para o início das revoltas.
Os protestos tiveram diferentes catalisadores em cada país. Entretanto, as próprias características
autoritárias desses Estados provocaram as crises. Ainda que a falta de democracia e a forte
repressão sejam apontados como estopins comuns para as eclosões de movimentos de revolta,
outros fatores, como aponta Ramonet (2011)4, contribuíram para a eclosão das revoltas.

4
 RAMONET, Ignacio. Cinco causas de la insurrección árabe. Le Monde Diplomatique (en Español), nº 185, Março
2011. Disponível em: <http://www.mondediplomatique.es/?url=editorial/0000856412872168
28



Mohamed Habib (2012)5 chama atenção para o fato de que “uma análise coerente dessas revoltas
e suas perspectivas para 2012, deve considerar duas questões: a geopolítica e a econômica. Além
disso, as interferências externas, em especial as do Ocidente dominante, que influenciam cada
país do mundo árabe”.


O Oriente Médio, como lembra Habib (2012), sempre foi alvo dos interesses ocidentais. A
localização estratégica de muitos países juntamente com a propriedade de recursos energéticos,
tornaram esses países o alvo da cobiça americana e europeia. Nos últimos anos, os países
capitalistas apoiaram as ditaduras árabes em prol do desenvolvimento dos seus interesses nos
continentes árabes.

                   A fase atual, é resultado dos interesses do Ocidente pós Primeira Guerra Mundial e envolve a
                   localização e os recursos energéticos do mundo árabe. Os EUA, 3º maior produtor de petróleo e
                   2º maior de gás natural do planeta, não é visto como produtor e sim como grande consumidor,
                   pois precisa do dobro da sua produção para garantir seu padrão de vida. A Europa, por sua vez,
                   depende fortemente do gás e do petróleo árabes, principalmente da Líbia. (HABIB, 2012)6



3.2 Os levantes no Oriente Médio e as redes sociais

A Primavera Árabe trouxe uma nova discussão sobre o uso das TIC como ferramenta de
mobilização e visibilidade para "movimentos sociais organizados ou de livre manifestação cidadã
na sociedade da informação." (FÁTIMA, sd, p.1)


                   [...] A Primavera Árabe foi e ainda é uma revolução de povos insatisfeitos com modelos de
                   governos instaurados e que se utilizaram das redes sociais como ferramentas de organização e
                   mobilização de protestos que culminaram na ocupação pacífica, na maioria dos casos, de ruas
                   praças, bairros e espaços públicos das maiores cidades e pequenas vilas do Norte da África e
                   Oriente Médio. (FÁTIMA, sd, p. 3.)




186811102294251000/editorial//?articulo=8ca803e0-5eba-4c95-908f-64a36ee042fd>. Acesso em: 16 abr. 2012


5
 HABIB, Mohamed. Primavera Árabe de 2012: mais tempestades do que flores. Carta Maior, 2012. Disponível em:
<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19373>. Acesso em: 16 abr. 2012.

6
    Idem 4.
29



Entretanto a importância das plataformas digitais nos países árabes ainda é bastante discutida e
relativizada. De acordo com Fátima (s.d.), a grande mídia atribuiu a queda dos ditadores da
Tunísia e do Egito à internet. Mas, importantes fatores geográficos, políticos e/ou religiosos não
foram contextualizados pela imprensa.


É importante darmos atenção às causas que são atribuídas às origens das manifestações. Para
muitos autores (FATIMA, s.d. e RAMONET, 2011) a onda de rebeliões no Oriente Médio e na
África não é legítima e foi provocada por uma série de interesses históricos, políticos,
econômicos, climáticos e sociais dos países capitalistas ocidentais.


Ignacio Ramonet (2011) afirma que Estados Unidos e Europa apresentavam inúmeros interesses
em derrubar os ditadores dessas nações. Entre eles, o controle do petróleo e a proteção a Israel.
Outro fator levantado pelo autor é o acesso da população às redes sociais e as motivações à que
levaram a população a difundir os protestos pela internet.

                  El Fondo Monetario Internacional (FMI) impuso, a Túnez, Egipto y Libia, programas de
                  privatización de los servicios públicos, reducciones drásticas de los presupuestos del Estado,
                  disminución del número de funcionarios... Unos severos planes de ajuste que empeoraron, si
                  cabe, la vida de los pobres y sobre todo amenazaron con socavar la situación de las clases
                  medias urbanas (las que tienen precisamente acceso al ordenador, al móvil y a las redes
                  sociales) arrojándolas a la pobreza. (Ramonet, 2011)7



Ferramentas como Twitter e Facebook foram fundamentais no processo de mobilização das
manifestações. As redes sociais funcionaram como um projetor de reivindicações de povos
insatisfeitos. O que não significa dizer que as revoltas não teriam acontecido sem as plataformas
digitais. As redes sociais formaram um canal de disseminação de informações e repercussão de
ideias, que acabaram resultando na ocupação de vários espaços públicos. Isso Castells (2011)
define ao dizer que:

                  En la sociedad red la batalla de las imágenes y los marcos mentales, origen de la lucha por las
                  mentes y las almas, se dirime en las redes de comunicación multimedia. Estas redes están
                  programadas por las relaciones de poder incorporadas en ellas. [...] Es decir, el processo de
                  cambio social precisa de la reprogramación de las redes de comunicación en cuanto a sus
                  códigos culturales y los valores e interesses sociales y políticos implícitos que transmiten.
                  (CASTELLS, 2009, p. 396)


7
    idem 4.
30




Ramonet (2011) afirma ter sido determinante para o desenrolar da Primavera Árabe. Uma
população instatisfeita, um evento tido como estopim, que, neste caso, foi a imolação do jovem
tunisiano e a repercussão gerada através das redes sociais. Esses três fatores foram fundamentais
para desencadear a reação que culminou na onda de protestos e na deposição de três ditadores.


                   Añádase a lo precedente: una población muy joven y unos monumentales niveles de paro. Una
                   imposibilidad de emigrar porque Europa ha blindado sus fronteras y establecido
                   descaradamente acuerdos para que las autocracias árabes se encarguen del trabajo sucio de
                   contener a los emigrantes clandestinos. Un acaparamiento de los mejores puestos por las
                   camarillas de las dictaduras más arcaicas del planeta...
                   Faltaba una chispa para encender la pradera. Hubo dos. Ambas en Tunez. Primero, el 17 de
                   diciembre, la auto-immolación por fuego de Mohamed Buazizi, un vendedor ambulante de
                   fruta, como signo de condena de la tiranía. Y segundo, repercutidas por los teléfonos móviles,
                   las redes sociales (Facebook, Twitter), el correo electrónico y el canal Al-Yazeera, las
                   revelaciones de WikiLeaks sobre la realidad concreta del desvergonzado sistema mafioso
                   establecido por el clan Ben Alí-Trabelsí. El papel de las redes sociales ha resultado
                   fundamental. Han permitido franquear el muro del miedo: saber de antemano que decenas de
                   miles de personas van a manifestarse un día D y a una hora H es una garantía de que uno no
                   protestará aislado exponiéndose en solitario a la represión del sistema. El éxito tunecino de esta
                   estrategia del enjambre iba a convulsionar a todo el mundo árabe. (RAMONET, 2011)8



Entretanto, é preciso destacar que se por um lado as redes foram utilizadas como ferramentas de
mobilização, por outro serviram como mecanismos de vigilância. É o que destaca Branco di
Fátima (s.d, p. 4), ao analisar o papel da internet na Primavera Árabe. Quando analisamos os
processos de vigilância utilizados pelas ditaduras árabes, percebemos que as plataformas se
transformaram em um “sofisticado mecanismo de coerção social”.


A rede foi amplamente utilizada como mecanismo de controle e vigilância de cidadãos.
Denúncias feitas por organizações internacionais revelaram a existência de processos de
vigilância sistemática, de massa e personalizada aos opositores políticos dos regimes no norte da
África e Oriente Médio. Com a ajuda de softwares e equipamentos desenvolvidos por empresas
multinacionais e transnacionais do Ocidente, ativistas da Primavera Árabe tiveram suas ações
rastreadas e terminaram presos e assassinados. (FATIMA, s.d, p.4) 9



8
 idem 4.
9
  FÁTIMA, di Branco. Primavera Árabe: vigilância e controle na sociedade da informação. Disponível
em:<http://bocc.ubi.pt/pag/fatima-branco-primavera-arabe-vigilancia-e-controle.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2012.
31



3.3 Confrontos na Líbia

Os levantes árabes se concretizaram como o maior acontecimento no âmbito da política
internacional. De acordo com Ignácio Ramonet:

                 a queda do muro do Medo nas autocracias árabes é o equivalente contemporâneo da queda do
                 muro de Berlim. Um autêntico terremoto mundial. Por produzir-se no epicentro do “foco
                 perturbador” do planeta (este marco de todas as crises que vai do Paquistão ao Saara Ocidental,
                 passando pelo Irã, Afeganistão, Iraque, Líbano, Palestina, Somália, Sudão e Darfur) sua onda de
                 expansão modifica toda a geopolítica internacional. (RAMONET, 2011)10



O movimento que começou na Tunísia e tirou do poder Bem Ali, em seguida, atingiu o Egito,
levando à expulsão de Hosni Mubarakk. E em outubro de 2011, o ex-ditador Líbio Muammar
Kadafi foi capturado e morto por insurgentes.


Foi em Benghazi que os conflitos na Líbia ganharam repercussão. No dia 15 de fevereiro,
famílias líbias foram às ruas pedir a libertação do advogado Fathy Terbil, ativista na luta das
famílias pelo direito de recuperar o corpo de pessoas executadas. A polícia, junto com forças
aliadas do governo de Muammar Kadafi, reprimiu as manifestações com violência e as imagens
das agressões circularam pela internet e pela rede Al Jazeera. Após o episódio, manifestações
surgiram em outras cidades.

3.3.1 Breve história Líbia

Com 6,5 milhões de habitantes, a Líbia se divide em três grandes regiões, controladas por clãs
familiares que estabeleceram núcleos de poder próprios, assim como culturas e reivindicações
distintas. A história da Líbia é uma história de ocupações e desencontros de povos com
interesses, culturas e costumes diferentes tentando ocupar o mesmo território, o que gerou
inúmeros conflitos causados por esse choque cultural.


A região que hoje é denominada Líbia foi durante alguns anos assentamento de povos fenícios,
romanos e turcos. No século II a.C. colonos gregos deram o nome ao país. Em séculos seguintes,
os gregos e fenícios estabeleceram várias colônias pelo país. Basicamente, os gregos ocuparam a


10
     idem 4.
32



região chamada de Cirenaica e os fenícios na região de Tripolitânia. Já no século I a.C o Império
Romano conquistou a região inserindo a influência latina no território conquistado.


A Líbia foi província romana até aproximadamente 455 d.C. , quando uma tribo germânica
oriental dominou o território, mas foi conquistada pelo Império Bizantino nos anos que se
seguiram. Em 643 d.C. a região passou pelo domínio dos árabes. A Tripolitânia foi por mais de
três séculos dominada por Berberes Almoadas e a Cirenaica foi dominada pelo Egito.

No século XVI, os otomanos tomaram a região da Cirenaica e em 1551 o Imperador Solimão,
conhecido como o magnífico dominou a região da Tripolitania ao Império Otomano,
conquistando assim o poder central em Tripoli.

Em 1880, o reinado de Karamanli que havia dominado Tripoli por 120 anos, ajudou a assentar as
regiões de Fezã, Cirenaica e Tripolitânia. Essas regiões pertenciam assim, apenas nominalmente
ao Império Otomano, pois tinham bastante autonomia entre si. Durante o período de 1801 a 1805,
ocorreu a Primeira Guerra Berbere, motivada pelos Corsários, piratas que atacavam navios de
outros países, o conflito teve a interferência americana. Em 1835, o Império Otomano mais uma
vez domina o território líbio.

Quando a Primeira Guerra Mundial estourou a Líbia já havia sido dominada pela Itália. Esse
processo retirou o país do domínio do Império Otomano. Durante o período do fascismo, a Líbia
resistiu contra a Itália. Entretanto, em 1931, o líder da Libia Omar al-Mukhtar, foi morto e os
italianos retomaram o controle da ex-colônia.

Já na Segunda Guerra Mundial, a Líbia foi palco de confronto do Afrika Korps, forças da
Alemanha comandadas pelo general nazista Rommel que atuaram em território líbio com o apoio
de tropas inglesas. Após o fracasso do exército nazifascista, França e Inglaterra dominaram o
território até 1952, quando a ONU outorgou a independência Líbia. A partir daí, o país passa a
ser comandado pela monarquia do rei Idris I. Simpático ao Ocidente, permite intervenções e
benefícios a países capitalistas.

Em 1959, a descoberta de petróleo no país aprofunda a dominação de outros países e a
consequente dependência do país. Em 1969, militares oficiais movidos pelos ideais nacionalistas
33



do líder egípcio Gamal Abdel Nasser, derrubam governo de Idris I. O coronel anti-imperialista
Muammar Kadafi assume o poder e adota uma postura anti-imperialista e defensora das tradições
islâmicas.

3.3.1 Muammar Kadafi

Kadafi nasceu em 1942, na cidade de Sirte, oriundo de uma família de influentes beduínos,
concluiu seus estudos na Academia Militar de Benghazi e foi presidente e chefe do Conselho
Revolucionário da Líbia. Além disso, participou da Real Academia Militar, na Inglaterra, na
cidade de Sandhurst.


Kadafi se apoiou em Mahmud Sulaiman AL-Maghribi para tomar o poder Líbia e em 1º de
setembro de 1969, os dois invadiram Trípoli e depuseram o rei Idris, quando ele fazia uma visita
à capital grega. Após o golpe de estado, o ex-ditador tornou-se líder da revolução líbia, com a
patente de coronel e adotou uma série de medidas contra americanos, que até então eram
apoiados pela monarquia de Idris, chegando a expulsá-los do país.


Durante a década de 1970, Kadafi publicou o Livro Verde, um compilado de normas para a Líbia
que defendia o que ele chamava de democracia islâmica como alternativa aos sistemas
capitalistas e socialistas. O ex-ditador foi presidente do Conselho de Comando da Revolução até
1977, e proclamou a República Árabe Líbia mudando o nome do país para Grande Jamahiriya
Árabe Popular Socialista da Líbia.


                  Quando os Oficiais Livres tomaram o poder, em 1º de setembro de 1969, a Líbia – muito rica
                  em petróleo e gás – tinha 2,5 milhões de habitantes, uma sociedade tribal composta por 75% de
                  beduínos. Apenas três cidades apareciam então: Trípoli, Benghazi e Misurata. As principais
                  mudanças operadas pelos novos governantes foram a abolição da monarquia, a instauração da
                  República Árabe e a consagração do “poder do povo”, num congresso realizado em março de
                  1973. Em 1972, a Lei nº 17 baniu o pluralismo político e proibiu a criação de partidos políticos,
                                                                                                       11
                  como afirma o lema: “Todo membro de partido é um traidor”. (KHECHANA, 2011)




11

KHECHANA, Rachid. As origens da Insurreição. Le Monde Diplomatique Brasil, abr./2011. Disponível em <
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=919>. Acesso em 16. Abr. 2012.
34



Em 1977, passou a ocupar o cargo de secretário-geral do Congresso Geral do Povo e presidente
pela União Socialista Árabe, único partido reconhecido pela Constituição Líbia, que havia sido
promulgada no mesmo ano.


Durante o governo de Muammar Kadafi, a Líbia apresentou altos índices de desenvolvimento
econômico e passou a ter o maior Indíce de Desenvolvimento Humano (IDH) da África. Fatos
polêmicos marcaram o governo de Kadafi.


Após a morte de Saddam Husseim, em 2003, o ditador anunciou que desistiria de continuar a
investir em armas de destruição em massa e que apoiaria a Guerra ao Terror, iniciativa do
governo de George W. Bush contra o terrorismo. Em 2010, conversas de diplomatas americanos
publicadas pelo site Wikileaks denominavam o ex-presidente líbio como excêntrico, cheio de
manias e volúvel.      “O regime líbio era brutal e impiedoso com seus opositores. Tortura e
execuções sumárias refletiram a excentricidade, a loucura assim como a inteligência de Kadafi.”
(RAMADAN, 2011) 12


                   O regime de Kadafi era uma ditadura. Isto é incontestável. Não havia a mais mínima liberdade
                   de expressão, de organização, de manifestação, de formar sindicatos. Nada. Na “Jamayria” não
                   havia partidos. Ao simular um sistema político que seria uma espécie de “assembleia
                   permanente”, o que o coronel impunha de fato, com mão de ferro, era uma ditadura policial
                   onde quem mandava era ele e os filhos. Um bom teste que proponho aos defensores de Kadafi:
                   seria ou não possível formar na Líbia um partido que defendesse as vossas ideias? Já sabem a
                   resposta: em poucas horas estariam todos presos se o tentassem, por mais que se desfizessem
                   em                  elogios                 ao                “Grande                   Líder”.
                   Há muito que Kadafi tinha deixado de ser independente do imperialismo. A revolução de
                   Kadafi fez parte das revoluções nacionalistas árabes dos anos 50 e 60, que se inspiraram na de
                   Gamal Abdel Nasser do Egito. Durante alguns anos, apesar das suas excentricidades e
                   megalomania, o “líder da revolução” aplicou uma política que em nada agradava aos Estados
                                                                 13
                   Unidos. Mas depois mudou. ( LEIRIA, 2011)




Em 20 de outubro de 2011, rebeldes capturaram o ex-ditador em Sirte, sua cidade natal, onde ele
havia passado os últimos meses fugindo de insurgentes e acabou sendo capturado em um buraco
12
     RAMADAN, Tariq. Sobre a Líbia e a Síria. Carta Maior, ago./2011.                           Disponível     em:
<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18356>.

13
     LEIRIA, Luis. Kadafi, Assad e a esquerda.                Esquerda.net,   ago./2011.   Disponível    em:    <
http://www.esquerda.net/opiniao/khadafi-assad-e-esquerda>.
35



de esgoto. Os rebeldes retiraram o ex-líder do esgoto ainda com vida e seguiram com ele pela
cidade torturando-o até a morte.


Vídeos e fotos, que circularam pela internet, do momento da captura mostram Kadafi ferido, mas
ainda com vida. Kadafi chega a questionar os rebeldes sobre o que ele teria feito contra eles. As
imagens que aparecem na sequência desse são as do corpo do ex-ditador já morto em exposição.
36



4 JORNALISMO PARTICPATIVO E A COBERTURA DA MORTE DE MUAMMAR
KADAFI

4.1 Metodologia

Esta pesquisa foi desenvolvida por meio de análise bibliográfica sobre Jornalismo Participativo
e/ou Colaborativo, Jornalismo Internacional e Primavera Árabe. Em um primeiro plano, foram
analisados o conteúdo das versões online dos jornais El País e O Estado de S. Paulo, no período
de 20 a 21 de outubro de 2011, que se configura como o dia da morte de Muammar Kadafi e dia
posterior, respectivamente.


Em segundo plano, foram analisados, também por meio de análise de conteúdo, os cinco
primeiros resultados obtidos através de uma busca realizada na plataforma Google Images
americana, com uma das imagens mais “midiáticas” da morte do ex-ditador, ou seja, uma das
fotos mais utilizadas pelos veículos de imprensa de todo o mundo, durante os dias 20, 21 e 22 de
outubro de 2011.


São três eixos teóricos que fundamentam a pesquisa de análise na cobertura da morte do ex-
ditador líbio Muammar Kadafi. O objetivo é verificar se houve a utilização de jornalismo
participativo na cobertura feita pela “grande” imprensa, aqui representada pelos jornais El País e
O Estado de S. Paulo. Através do resultado obtido pela busca no Google Images traçamos um
paralelo, observando e analisando em quais veículos essa imagem aparece e observando se está
vinculada à grande imprensa ou a canais alternativos. A metodologia utilizada nas duas etapas é
análise de conteúdo.


No caso dos jornais El País e O Estado de S. Paulo, o recorte das datas foi escolhido porque é o
período que compreende desde a primeira notícia da morte do ex-ditador, no calor dos
acontecimentos, até a repercussão com atualização de novas informações sobre a morte. Ele é
importante para perceber como a mídia creditou suas fontes e perceber qual foi à contribuição do
jornalismo participativo na cobertura dos jornais, verificando a origem creditada das informações
contidas nas matérias.
37



A busca pelas matérias foi orientada pelo recorte de tempo do dia 20 e 21 de outubro e pelos
marcadores Khadafi, Kadafi, Gaddafi, Gadafi e Qaddafi, em razão das várias grafias utilizadas na
tradução do nome para as línguas latinas e germânicas. A coleta de material foi realizada em
período retroativo buscando material do dia da morte do ex-ditador, 20 de outubro de 2011, e do
dia posterior, 21 de outubro de 2011. Foram excluídas postagens, matérias e notícias que apenas
citavam o nome de Kadafi nesse período, pois nosso objetivo é analisar efetivamente a cobertura
de sua morte.


Já no caso das mídias obtidas através do Google Images o recorte dos dias 20 a 22 de outubro tem
a intenção de traçar um micro panorama da cobertura da morte de Kadafi em canais de
comunicação de outras partes do mundo. Os veículos foram obtidos através de uma busca
realizada com uma imagem aplicada a ferramenta Google Images, que busca através de sua
tecnologia de pesquisa todas as imagens que têm características iguais a que está sendo dada
como modelo e apresenta os resultados por ordem de relevância levando em consideração
aspectos como número de acesso das páginas e similaridade das imagens.


Para Fonseca (2006) o método da análise de conteúdo é estruturado em três fases, a préanálise, a
exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Fonseca (2006)
chama atenção para o caráter híbrido da análise de conteúdo, que varia entre a pesquisa
qualitativa e quantitativa. Neste sentido Fonseca diz que:


                  No contexto dos métodos de pesquisa em comunicação de massa, a análise de conteúdo ocupa-
                  se basicamente com a análise de mensagens, o mesmo ocorrendo com a análise semiológica ou
                  analise de discurso. As principais diferenças entre essas modalidades são que apenas a análise
                  de conteúdo cumpre com os requisitos de sistematicidade e confiabilidade. (FONSECA, 2006,
                  p. 286)


Para melhor compreensão do corpus (anexos), ele será dividido em duas categorias de análise,
sendo:

Categoria da análise quantitativa:

- Ferramentas utilizadas para interagir com os leitores;
- Número de comentários
Categoria de análise qualitativa:
38



- Critérios de noticiabilidade;
- Como se dá a participação dos usuários na construção da notícia;
- A fonte das informações da matéria;
- Análise dos atores e do contexto no qual são postados os conteúdos dos jornais;


4.2 Apresentação do objeto

O El País é um jornal espanhol do grupo Prisa - Grupo Promotora de Informaciones - foi
fundado em 1976 por José Ortega Spottorno e é o jornal de maior circulação na Espanha. A
primeira tiragem foi de 180 mil exemplares. Na década de 1980, o jornal é o segundo periódico
de informações, atrás apenas do La Vanguardia. Em 1996, durante o aniversário de 20 anos do
periódico nasce o El País Digital. Em 2011, o jornal passou por uma grande reformulação
focando sua atuação no ambiente multimídia. O periódico espanhol se define como um diário
global, independente, de qualidade e defensor da democracia pluralista. A sede do jornal está
localizada em Madrid, mas mantém redações em Barcelona, Bilbao. Sevilla, Valência e Santiago
de Compostela. Já na década de 1990, o jornal demonstrava sua postura inovadora ao lidar com
as novas tecnologias e foi o segundo jornal da Espanha a implantar uma edição eletrônica. Já em
2002, passou a cobra pelo acesso as páginas do jornal. Mas em 2005, liberou o acesso novamente
o acesso a maior parte das informações. Em 2009, atingido pela crise mundial o jornal passou
por uma redução de custos a proposta do veículo foi integrar as redações para atender uma
proposta de jornalismo convergente e atender as exigências do orçamento.



O jornal O Estado de S. Paulo foi fundado em 1875 com o nome A Província de São Paulo. É o
mais antigo jornal paulista ainda em circulação. Fundado por um grupo de 16 pessoas entre eles
Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense, o objetivo de sua criação era ser um
diário republicano. A história do jornal acompanhou o crescimento da capital paulista. A tiragem
inicial do jornal era de 2.000 exemplares, um número expressivo comparado com a população da
capital que era de 31 mil habitantes. Em 1902, Júlio Mesquita tronou-se o único proprietário do
jornal. A partir de então o jornal reforça sua postura republicana e adota campanhas de oposição
ao governo. No ano 2000, os sites da Agência Estado, o Estado de S. Paulo e do extinto Jornal da
Tarde tornam-se um único site o Estadao.com.br, voltado para atualizações em tempo real.
39



Atualmente, apresenta forte apoio à centro-direita brasileira e tem reforçado sua atuação no
ambiente digital.



O Google Images é uma ferramenta que pesquisa na web todos os tipos de conteúdo relacionado
a uma imagem específica. Quando a imagem é aplicada a busca o resultado traz imagens
similares, páginas relevantes e outros resultados. Os robôs do Google analisam dezenas de fatores
nas páginas como legendas, descrições e outras informações contextuais. A ferramenta aplica
algoritmos para evitar que imagens duplicadas apareçam no resultado e garantir que os resultados
mais relevantes levando em consideração alguns critérios como número de acesso das páginas e
componentes similares das imagens.



4.3 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal O Estado de S. Paulo

Durante o dia 20 de outubro de 2011, data da morte de Kadafi, o portal do jornal O Estado de S.
Paulo criou uma página exclusiva que atualizava as informações sobre a morte do líder líbio em
tempo real com a apuração das informações. A primeira atualização da página intitulada “AO
VIVO: A captura e morte de Muammar Kadafi” foi às 9h05min e a última aconteceu às
13h53min. Entretanto, o jornal já havia noticiado à captura de Kadafi algumas horas antes. Essa
página reuniu as primeiras informações, mas à cobertura continuou com novas atualizações
durante todo o dia.


O Estadão noticiou em sua página online a tomada de Sirte às 7h34 do dia 20 de outubro de 2011,
por meio da reprodução da Reuters. Com o título “Forças do governo líbio anunciam tomada de
Sirte” vem acompanhada de uma foto com o crédito Maurício Lima/NYT e é apenas o relato da
dominação da cidade, não cita em momento algum a captura de Kadafi. As notícias relacionadas
a Kadafi foram colocadas em uma página especial exclusivamente dedicada à Primavera Árabe.


Às 8h58, a notícia “Forças do novo regime da Líbia capturam Sirta” traz mais informações sobre
a tomada da cidade natal do ex-ditador e elementos interessantes para esta análise. A matéria cita
que “Um correspondente da France Presse ouviu disparos esporádicos no bairro durante a
manhã” (O Estado de S. Paulo, 20/10/2011). Com esta informação temos a noção de que
40



correspondentes de agências internacionais também acompanharam a derrubada de Kadafi, que
seria confirmada no noticiário internacional pouco tempo depois. As informações na rede muitas
vezes dão a impressão de que não havia jornalistas no local.


A primeira notícia sobre a captura de Kadafi foi postada no site do O Estado de S. Paulo às 9h29,
através de uma pequena nota de aproximadamente cinco linhas, reproduzida da Reuters com a
informação de que um oficial da alta patente do Conselho Nacional de Transição (CNT) teria
informado à agência, por telefone, sobre a captura de Kadafi. “Ele foi capturado. Ele está ferido
nas duas pernas... Ele foi levado pela ambulância, disse o oficial de alta patente do CNT à
Reuters por telefone”.


Às 9h30, o jornal publicou mais uma notícia sobre a captura. Dessa vez, a fonte era dada como
uma “televisão líbia”. A notícia “Televisão Líbia anuncia captura de Kadafi” é curta, com apenas
duas linhas e de acordo com a página foi postada diretamente de Sirte.


Em um primeiro momento, podemos perceber que o jornal privilegiou noticiar os fatos e somente
depois ir atualizando as informações com uma apuração mais detalhada. Neste momento da
cobertura, apesar de ter um correspondente na Líbia, o jornalista Andrei Netto, o jornal
privilegiou as informações das agências de notícias. Essa é uma tendência citada por Rossi
(2000) ao falar do monopólio das agências no noticiário internacional.


Nesse caso as fontes eram os canais de comunicação locais e as agências. Atualizando as
informações que foram publicadas anteriormente, às 9h39 foi publicada uma notícia de Trípoli,
onde estava o correspondente do jornal. A postagem trouxe o título “Líbia: comandante rebelde
diz que Kadafi foi capturado” (Figura 1), reunia informações de três veículos, a Al-Jazeera, a
Lybia lil Ahrar e a France Presse e afirmava que o ministro da informação do governo líbio
também havia sido capturado. Além disso, a matéria levanta pela primeira vez a possibilidade de
Kadafi estar morto, em razão de uma batalha, mas afirma não existir nenhuma confirmação.


A notícia ainda traz a fala de um comandante do CNT, desta vez foi citado o nome da fonte,
Mohamed Leith, creditado através da agência de notícias France Presse. De acordo com a fonte
41



da agência de notícias francesa, citada na matéria, que teria visto o ex-ditador, ele estava muito
ferido, mas ainda “respirando”. A matéria diz que não existem informações do local exato da
captura e da então localização de Kadafi e tem uma foto de Kadafi com créditos dados a
Alessandro Di Meo/EFE e com a seguinte legenda: Ex-líder da Líbia Muammar Kadafi pode
estar morto.
                    "Ele foi capturado. Está gravemente ferido, mas ainda respirando", afirmou o comandante do
                    CNT Mohamed Leith à France Presse. Ele afirmou ter visto Kadafi, que usava um uniforme
                    cáqui e um turbante. O canal de TV "Libya lil Ahrar" também afirmou que o ex-líder estava sob
                    custódia. Não foi informado o local exato da captura, nem se sabe onde Kadafi se encontra
                    agora. (O ESTADO DE S. PAULO, 20 de outubro de 2011)




                              Figura 1: Página informado captura de Muammar Kadafi
   Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional, Líbia-comandante-rebelde-diz-que-kadafi-foi-capturado,
                                                    787976,0. htm




Alguns minutos depois, às 9h45, um podcast de 06h54min, com o mesmo título da matéria citada
acima, trazia o comentário em áudio do colunista de internacional do Grupo Estado Lourival
Sant’Ana. De acordo com o podcast, “a fonte primária da informação é o Conselho Militar de
Misurata [...] mas ainda não existe uma imagem do Kadafi.” Portanto, não há uma prova
JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR KADAFI: Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images
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JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR KADAFI: Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images

  • 1. Cinthia Lopes Henriques JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR KADAFI: Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images Belo Horizonte Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) 2012
  • 2.
  • 3. Cinthia Lopes Henriques JORNALISMO PARTICIPATIVO E A MORTE DE MUAMMAR KADAFI: Uma análise dos Jornais El País e o Estado de S. Paulo e do Google Images Monografia apresentada ao Departamento de Comunicação e Design (ICD) do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Jornalismo Orientadora: Lorena Tárcia Belo Horizonte Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) 2012
  • 4. AGRADECIMENTOS Enfim, chegou o momento! Foram quatro anos de muitas coisas sérias, mas também de muitas brincadeiras e descontração. O meu muito obrigado aos meus pais, que me deram o apoio necessário para que eu pudesse investir nessa empreitada. A minha mãe, Maria Tereza, por toda paciência e dedicação. Ao meu pai, João, um abraço especial de dever cumprido! Aos meus queridos amigos, Clésio, Fê, Lucas, Cleiton, Mateus o meu agradecimento por entenderem a minha ausência e por fazerem parte de tantos momentos especiais. Quantas brejas eu deixei de compartilhar com vocês? Ah que saudade! A Lô, metade do diploma é seu! A minha amiga Rá, que sempre me fez dar boas gargalhadas e me ajudou com bons conselhos. Ao Marco, simplesmente por me receber de braços abertos quando eu mais precisei e por acreditar nos meus sonhos. Ao Bruno, pelas palavras mágicas e sóbrias. Ao Bê, por ser o FDP mais gente boa que eu conheço. A minha amiga Vanessa Seixas, por compartilhar o desespero de laudas e laudas. E quantas foram? Perdi a conta! Ao Bruno Frade, pelas horas e horas de desabafo! Ao Glaydston, por compartilhar suas nerdices, me dar o apoio técnico necessário e mais que isso ser o parceiro ideal em projetos ousados. A coisa mais bonitinha e graciosa do mundo, meu sobrinho Bernardo, que no meio dessa empreitada resolveu que estava na hora de nascer. Aos meus irmãos e cunhadas, pela compreensão. A minha querida orientadora, Lorena Tárcia, que me ajudou nos momentos de apuros. Pela paciência, delicadeza e cordialidade com que sempre me tratou. O meu muito obrigado. Sigo com a certeza de que você é um grande exemplo na minha vida. Aos meus mestres, que me acompanharam durante toda esta caminhada, em especial a Angela Moura, por embarcar junto nos projetos mais malucos, ao Maurício Guilherme pelas sutilezas e a Virgínia Palmerston pelo carinho. Na delicadeza, na suavidade e na vontade de quem quer voltar eu encerro mais uma etapa. A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste momento, OBRIGADA. Um caminho novo está começa a ser desenhado agora e eu sigo com a certeza de que valeu a pena. A todos esses que eu citei acima, mais uma vez OBRIGADA, conto com cada um nas próximas expedições. SALUDOS!!! Enfim, formei! Vamos comemorar?!
  • 5. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Página informado captura de Muammar Kadafi ............................................................ 41 Figura 2 - Página do jornal O Estado de S. Paulo com primeiras fotos do corpo de Muammar Kadafi ............................................................................................................................................ 43 Figura 3 - Detalhe da primeira imagem de kadafi divulgada em que é possível perceber os ícones do dispositivo de câmera Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional, kadafi-morre- de-ferimentos-na-captura-diz-governo-provisorio, 787987,0. htm ............................................... 44 Figura 4 - Galeria de fotos sobre a queda de Kadafi ..................................................................... 45 Figura 5 - Vídeo do colunista Lourival Sant’Anna na página do jornal O Estado de S. Paulo ..... 47 Figura 6 - Vídeo mostra corpo de Kadafi exposto na página do jornal O Estado de S. Paulo ...... 48 Figura 7 - Matéria da página do O Estado de S. Paulo sobre o uso de celulares no registro da morte de Kadafi ............................................................................................................................. 49 Figura 8 - Primeira matéria sobre a morte do ex-ditador líbio na página do El País .................... 50 Figura 9 - Vídeo postado na página do El País sobre os últimos momentos de Kadafi................ 51 Figura 10 – Primeira notícia sobre a morte de Muammar Kadafi divulgada através do twitter ... 52 Figura 11 Matéria do jornal El País reprodudiza da agência Reuters ........................................... 53 Figura 12 - Matéria do El País sobre as últimas horas de vida de Muammar Kadafi ................... 54 Figura 13 Vídeo do YouTube mostra últimos minutos de vida do ex-ditador Líbio ..................... 57 Figura 14 - Artigo opinativo sobre morte do ex-ditador da Líbia ................................................. 59 Figura 15 - Depoimento do jornalista líbio Mohamed al Seguir sobre o envio de informações à imprensa internacional ................................................................................................................... 60 Figura 16 - Galeria de fotos sobre a captura de Kadafi ................................................................. 61 Figura 17 - Foto de Muammar Kadafi utilizada no Google Images .............................................. 62 Figura 18 - Fotos de Kadafi postadas em blog americano ............................................................ 63 Figura 19 - Fotos sobre a queda de Kadafi em fotoblog ............................................................... 64 Figura 20 - Cobertura do site Global Post sobre a morte de Kadafi .............................................. 65 Figura 21 - Cobertura da morte de Kadafi no site do jornal inglês The Guardian ........................ 66 Figura 22 - Cobertura do Daily Mail da morte de Kadafi ............................................................. 67
  • 6. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 7 1 JORNALISMO PARTICIPATIVO E/OU COLABORATIVO .................................................. 9 1.1 Sociedade em Rede e autocomunicação de massa .................................................................... 9 1.2 Webjornalismo ......................................................................................................................... 12 1.3 Jornalismo participativo, internet e ciberativismo ................................................................... 14 1.4 Jornalismo Participativo e os critérios de noticiabilidade ....................................................... 18 2 GLOBALIZAÇÃO E JORNALISMO INTERNACIONAL .................................................... 21 2.1 Tecnologias, identidades e informação ................................................................................... 21 2.2 Jornalismo internacional e Internet ......................................................................................... 23 3 PRIMAVERA ÁRABE E O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO .............................................. 27 3.1 Primavera Árabe ...................................................................................................................... 27 3.2 Os levantes no Oriente Médio e as redes sociais ..................................................................... 28 3.3 Confrontos na Líbia ................................................................................................................. 31 3.3.1 Breve história Líbia .............................................................................................................. 31 3.3.1 Muammar Kadafi .................................................................................................................. 33 4 JORNALISMO PARTICPATIVO E A COBERTURA DA MORTE DE MUAMMAR KADAFI ........................................................................................................................................ 36 4.1 Metodologia ............................................................................................................................. 36 4.2 Apresentação do objeto ........................................................................................................... 38 4.3 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal O Estado de S. Paulo .................... 39 4.4 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal El País .......................................... 49 4.5 Google Images ......................................................................................................................... 62 CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 68 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 70 ANEXOS ....................................................................................................................................... 73
  • 7. 7 INTRODUÇÃO A comunicação talvez tenha sido a área do conhecimento que mais tenha se transformado nas últimas décadas. As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) mudaram a forma como nos relacionamos. Como resultado desse fator, os paradigmas das relações sociais foram alterados. A noção de tempo, espaço e sociedade projeta o nascimento de uma nova identidade global. Fatos que antes eram isolados ao local do acontecimento, agora ganham repercussão mundial mobilizando pessoas em diversos países. Foi assim que em 2011, o mundo árabe passou por profundas transformações, a Primavera Árabe, um fenômeno novo bastante disseminado através da internet. As rebeliões começaram depois que imagens de Mohamed Bouazzi ateando fogo ao próprio corpo em protesto ao regime do seu país, a Tunísia, circularam pela internet, como consequência três ditadores caíram O movimento que começou na Tunísia tirou do poder Ben Ali, em seguida, atingiu o Egito, levando a expulsão de Hosni Mubarak. E em outubro de 2011, o ex-ditador Muammar Kadafi foi capturado e morto por insurgentes. Minutos depois da morte, imagens dos seus últimos minutos de vida e do seu corpo foram publicadas na internet. Em uma espécie de pedagogia da mídia várias pessoas registraram o momento e compartilharam através da rede. Uma das imagens mais utilizadas pela imprensa mostra várias pessoas com celulares em torno do corpo do ex-líder tirando fotos. A partir daí, nosso objetivo de pesquisa é buscar entender através da cobertura da morte de Muammar Kadafi nas versões online do jornal espanhol El País, do jornal brasileiro O Estado de S. Paulo e de resultados obtidos através do Google Images se houve uma contribuição significante do jornalismo participativo. Afinal, foram os cidadãos que deram repercussão ao caso, ou foi a lógica das grandes mídias que prevaleceu? Para tanto, nosso estudo foi dividido em quatro capítulos. O primeiro trata do jornalismo participativo e as mudanças de paradigmas que a colaboração de usuários trouxe para a comunicação. No segundo capítulo entramos na discussão sobre a globalização, as identidades e o jornalismo internacional.
  • 8. 8 Ao chegarmos ao terceiro capítulo nossa discussão está voltada para a Primavera Árabe, passamos aqui pela origem dos levantes; pela história líbia até chegarmos à história de Muammar Kadafi. Tentamos entender, a partir deste capítulo, quais foram às motivações para o surgimento dos levantes e qual a efetiva contribuição das redes sociais para a eclosão de revoltas. Ainda que as TIC se apresentem como ferramenta de potenciais mudanças de paradigmas para a comunicação existe um protocolo no jornalismo que barra o acesso efetivo do cidadão as coberturas midiáticas. No quarto e último capítulo, buscamos analisar quais foram às fontes de informação utilizadas pelos veículos. Buscamos compreender qual a proporção de utilização do jornalismo participativo na cobertura dos grandes veículos de massa e também por veículos não oficiais. É impossível traçarmos na totalidade os rumos do jornalismo participativo, uma vez que suas implicações ainda são muito recentes e apresentam dificuldades pontuais ao trabalho do pesquisador. Avaliar a origem das informações é um dos principais empecilhos ao trabalho, uma vez que a grande mídia ainda impõe restrições ao uso de material fornecido por cidadãos. Muitas vezes existe apenas a citação de que determinado material foi cedido ou fornecido, mas não existe uma contextualização dos fatores de que como isso teria ocorrido.
  • 9. 9 1 JORNALISMO PARTICIPATIVO E/OU COLABORATIVO 1.1 Sociedade em Rede e autocomunicação de massa Manuel Castells (1999, p. 353) discorre sobre o surgimento do alfabeto na Grécia em meados do ano 700 a.C. e afirma que “essa tecnologia conceitual, segundo os principais estudiosos clássicos como Havelock, constituiu a base para o desenvolvimento da filosofia ocidental e da ciência como a conhecemos hoje.” Essa tecnologia permitiu o desenvolvimento da comunicação humana, ocupando o espaço vago que existia entre a comunicação oral e a escrita. Entretanto, esse processo não aconteceu de uma única vez. De acordo com Havelock (apud CASTELLS, 1999, p. 353) foram pelo menos três mil anos para que a sociedade se tornasse alfabética. Sobre a evolução da comunicação, Castells afirma que estamos passando por uma transformação tecnológica parecida com a do surgimento do alfabeto: [...] ou seja, a integração de vários modos de comunicação em uma rede interativa. Ou, em outras palavras, a formação de um Supertexto e uma Metalinguagem que, pela primeira vez na história, integra no mesmo sistema as modalidades escrita, oral e audiovisual da comunicação humana. (CASTELLS, 1999, p. 354) A transformação da nova mídia influencia as relações sociais e culturais dos indivíduos. O aspecto multimídia está modificando o “caráter da comunicação” e a partir deste aspecto surge a cultura da virtualidade real. O crescimento da televisão depois da Segunda Guerra modificou os outros meios de comunicação. A rápida expansão da televisão se deve ao fato de que “as pessoas são atraídas para o caminho de menor resistência”. (Castells, 1999, p. 355) A televisão representa um rompimento com a Galáxia de Informação de Gutenberg e apresenta-se como uma grande mídia. Aconstelação da internet é o alicerce da comunicação globalizada.
  • 10. 10 As “culturas são formadas por processos de comunicação e todas as formas de comunicação são baseadas na produção e consumo de sinais” (CASTELLS, 1999, p. 358), não ocorrendo, portanto, separação entre “realidade” e representação simbólica. Ainda analisando as mudanças da era da informação, em Comunicación y Poder, Castells (2009) afirma que as novas lutas sociais apresentam-se em uma nova forma, o uso das tecnologias de comunicação e as redes sociais mudaram as táticas de luta no mundo todo. Articuladas pela internet as reivindicações ecoam por todo o mundo e mobilizam um número muito grande de pessoas. O ponto central para entender as transformações que as novas tecnologias trouxeram é passar pela compreensão de como surge e estrutura-se o poder. A detenção do monopólio das forças de repressão pelos Estados é uma das formas de ostentar o domínio, mas a construção de significados é outra maneira utilizada pelas nações. “Cuanto mayor es el papel de la construcción de significado en nombre de interes e valores específicos a la hora de afirmar el poder de uma relación, menos necesidad hay de recurrrir a la violência (legítima o no).” (CASTELLS, 2009, p. 35) É nesse sentido que Castells (2009) avalia como os mecanismos de dominação passaram por transformações e entraram em uma nova fase, a esfera pública foi ampliada e como consequência houve um aumento da atividade política. O termo “autocomunicación” é evidenciado para retratar uma comunicação feita sem intermediários (mídia). A expansão do número de computadores foi um fator decisivo para a evolução desse processo, que se caracteriza pelo uso de uma plataforma massiva, mas que é cada vez mais utilizada para produção de conteúdo em caráter pessoal. A definição de comunicação, que é compartilhar significados, depende do contexto em que acontecem as relações sociais e que acionam a informação e a comunicação. Assim, ao cunhar o termo “autocomunicación de masas”, Castells (2009) afirma que essa nova forma de comunicação é de massa, porque potencialmente pode chegar a uma audiência global.
  • 11. 11 La comunicación de masas tradicional es unidirecional (el mensaje se envía de uno a muchos, en libros, periódicos, películas, radio y televisión). Obviamente, algunas formas de interactividad pueden incorporarse a la comunicación de masas através de otros médios de comunicación. [...] No obstante, la comunicación de masas suele ser predominante unidireccional. Sin embargo, com la difusión de Internet, ha surgido uma nueva forma de comunicación interactiva caracterizada por la capacidad para enviar mensajes de muchos a muchos. (CASTELLS, 2009 p. 88) O “sistema de comunicação digital global” é um reflexo das relações de poder, mas não representa o ponto de vista de uma cultura dominante. Existe aqui um sistema aberto às tecnologias de autocomunicação. No obstante, y precisamente porque el processo es tan diverso y porque las tecnologias de comunicación son tan versátiles, el nuevo sistema de comunicación digital global se vuelve más inclusivo y compreensivo de todas las formas y contenidos de la comunicación social. (CASTELLS, 1999, p. 123) Pierre Levy (1999) fala da relação entre a construção da realidade e a comunicação, destacando a vocação para construir um universo cultural. De acordo com o autor, a sociedade está condicionada pela técnica. O processo de virtualização pode ser entendido como tudo aquilo que gera mobilização concreta sem estar preso a um local e tempo. Ele define assim a cultura da universalidade: Grande parte das formas culturais derivadas da escrita tem vocação para a universalidade, mas cada uma totaliza sobre um atrator diferente: as religiões universais sobre o sentido, a filosofia (incluindo a filosofia política) sobre a razão, a ciência sobre a exatidão reprodutível (os fatos), as mídias sobre uma captação em um espetáculo siderante, batizado de "comunicação". Em todos os casos, a totalização ocorre sobre a identidade da significação. Cada uma à sua maneira, essas máquinas culturais tentam recolocar, no plano de realidade que inventam uma forma de coincidência com elas mesmas dos coletivos que reúnem. (LEVY, 1999, p. 118) Levy (1999) discorre sobre os conceitos de totalidade da cibercultura: Por meio dos computadores e das redes, as pessoas mais diversas podem entrar em contato, dar as mãos ao redor do mundo. Em vez de se construir com base na identidade do sentido, o novo universal se realiza por imersão. Estamos todos no mesmo banho, no mesmo dilúvio de comunicação. Não pode mais haver, portanto, um fechamento semântico ou uma totalização. (LEVY, 1999, pp. 120, 121) O autor afirma que “a cibercultura inventa uma outra forma de fazer advir a presença virtual do humano frente a si mesmo que não pela imposição da unidade de sentido.” (Levy, 2009, p. 248)
  • 12. 12 1.2 Webjornalismo A atividade jornalística teve seu início antes da Revolução Industrial, mais precisamente entre os séculos XV e XVI, mas é apenas durante a Revolução Francesa que o jornalismo destaca-se como ferramenta de divulgação do que é de interesse público para a sociedade. O jornalismo passa por sua segunda revolução com a ascensão das novas tecnologias. A primeira aconteceu a partir da década de 1950 com a invenção da rotativa e da industrialização do jornalismo. As novas tecnologias rompem com o padrão de comunicação vertical que existia no jornalismo tradicional. No novo modelo, a principal característica é uma comunicação horizontal, de muitos para muitos. A principal característica desse modelo é a quebra de paradigma com o modelo “emissor-meio-mensagem-receptor”, levando-se em consideração que o receptor passa a ser também produtor e mediador das informações. . Prado (2011) afirma que se a primeira Revolução Industrial foi britânica, a primeira revolução tecnológica é americana, mais precisamente localizada no Vale do Silício. Magaly Prado (2011, p.182), defende que não existe mais a separação entre “produtor de mídia e consumidor”. De acordo com a autora, no final dos anos 1990 o rápido crescimento da internet ampliou a cultura do “faç@ você mesmo”, que permitiu aos usuários se tornarem produtores de conteúdo. A autora faz um levantamento das várias fases da web até a contemporaneidade. A primeira fase – web 1.0 – é a da publicação com browser, portais, sites, homepages, linguagem HTML, e-mail, livros de visita, fóruns, chats, álbuns de fotos, os primeiros sistemas de busca etc. A segunda fase é a da cooperação, com redes de relacionamento, blogs, marketing viral, social bookmarking (folksonomia), webjornalismo participativo, escrita coletiva, velocidade e convergência. (PRADO, 2011, p. 189) Targino (2009, p. 135) faz a categorização do webjornalismo em três gerações. Sendo a primeira, a fase de transposição ou reprodução em que os “mass media se limitam a disponibilizar a versão do material impresso, a cada dia”. A segunda geração é a fase da metáfora em que os sites ainda reproduzem conteúdo da versão impressa, mas já existem ferramentas de interatividade. Já a
  • 13. 13 terceira geração, é designada de hipermidiática, pois os recursos de interatividade aumentam com o uso da hipertextualidade. A adesão ao webjornalismo reduz custos e diminui burocracia nos grandes veículos e como consequências disso as redações estão cada vez menores e o perfil dos jornalistas mudou completamente. É necessário que o webjornalista saiba administrar as mais variadas mídias disponíveis, o que Prado (2011) nomeia de profissional “multimídia e multitarefeiro”. O desafio desses novos profissionais é em linhas gerais saber lidar com as mídias e qual tratamento aplicar para cada uma delas, sem cair na superficialidade das informações. Com as novas ferramentas móveis, as notícias podem ser acessadas em qualquer lugar, a qualquer hora e sendo atualizadas em tempo real. Além disso, as fontes de informação se multiplicam a cada dia. O desafio dos veículos tradicionais é entender como despertar o interesse do usuário pelo seu conteúdo. A cultura digital se transformou nos últimos anos, a evolução das ferramentas de compartilhamento de dados e a convergência de mídias proporcionaram que o usuário passasse a gerar informação. “O usuário comum participando e gerando conteúdo começou com o surgimento das ferramentas amigáveis, ou seja, mais fáceis de publicação e distribuição, como a dos blogs”. (PRADO, 2011, p. 184) Prado (2011) afirma que os sistemas de tagueamento, a introdução de palavras chaves que sintetizam o assunto tratado, ajudaram na formação de “comunidades” ou grupos online que se juntam para discutir um assunto de interesse comum. A vantagem das tags é que são personalizáveis, isto é, não precisam ser palavras institucionalizadas ou rótulos controlados ou predefinidos. Por esse motivo, são sistemas de folksonomia, criado por Thomas Vander Wal, um designer da informação e expressam um tipo de organização criada por pessoas. (PRADO, 2010, p.184)
  • 14. 14 1.3 Jornalismo participativo, internet e ciberativismo De acordo com Lindemann1 (2006, apud PRADO, 2011, p.45): a “idéia de transformar internautas comuns em repórteres surge, no mundo, em iniciativas como Slashdot, Ohmy News, Wikinews”. Prado (2011) afirma que em algumas plataformas de jornalismo colaborativo existe uma edição das informações enviadas pelo público. Mas o objetivo desses sites é ser uma opção para o usuário às já conhecidas mídias. O envio de vídeos pelos usuários se tornou cada vez mais comum no jornalismo participativo. De acordo com Prado (2011), a partir de 18 de novembro de 2009, o YouTube criou o YouTube Direct, um canal que permite que qualquer usuário inclua vídeos nas páginas dos jornais, sem que seja necessário fazer cadastro. Essa ferramenta possibilita que os veículos escolham quais são os vídeos relevantes de acordo com o assunto. O webjornalismo participativo pode ser definido como hipertexto cooperativo de interação mútua: não há apenas um produtor, como nas mídias de massa, mas todos os usuários podem vir a ser produtores de notícias. Esse tipo de interação ainda é pouco explorada e, por suas características, gera questionamentos quando comparadas ao jornalismo clássico. (FONSECA; LINDEMANN, apud PRADO, 2010, p. 88). O processo de identificação, mobilização e articulação de causas sociais que ocorre no cotidiano é potencializado nas redes sociais digitais. Os indivíduos ampliam o debate e os canais de difusão reforçando, sensibilizando e projetando problemáticas. Na dinâmica das redes, os fenômenos que popularmente conhecemos como “efeitos cascata ou em cascata” são exemplos de ação coletiva que pode ser induzida pelo poder público, principalmente em situações onde a resolução do problema comum depende de uma adesão do maior número de atores sociais possível. A importância dos fluxos de informação para a realização de ações coletivas coordenadas também aparece claramente em regimes totalitários, onde o direito à reunião e ao trabalho dos jornalistas são normalmente diminuídos ou eliminados, como estratégia de combate aos opositores. A sequência de eventos conhecida como “Primavera Árabe”, onde em vários países, ditaduras antigas tem enfrentado oposição nas ruas, é um exemplo das possiblidades de análise com um olhar interdisciplinar que envolva teorias de Rede e de Comunicação. A utilização de redes sociais para contornar as restrições de comunicação nesses cenários e potencialmente gerar mudanças em escala e velocidade inéditas também reforça o interesse desse tipo de abordagem e sua utilidade para a compreensão de situações e sistemas de considerável complexidade. (SANTOS, 2012, p.68) 1 LINDERMANN, Cristiane. (livro) In: PRADO, Magaly. Webjornalismo. Rio de Janeiro: LTC, 2011. p.33.
  • 15. 15 O ciberativismo parte da esfera pública para a privada. As relações são construídas através de interesses em comum que criam e unem grupos dispostos a mobilizaram-se em favor de uma causa. É importante ressaltar o papel dos mecanismos automatizados de busca e seleção de pessoas que compartilham interesses ou amigos comuns. Em plataformas como o Facebook e o Twitter tais mecanismos estão presentes e potencializam o crescimento das redes pessoais bem como a quantidade de usuários dessas plataformas a um ritmo intenso e em curtos períodos de tempo. Em fevereiro de 2012 o Facebook já tinha mais de 845 milhões de usuários ativos. (SANTOS, 2012, p. 59) O desenvolvimento das mídias sociais digitais alterou o comportamento dos indivíduos nas relações humanas. As ferramentas tecnológicas permitem a formação de redes em defesa de um interesses em comum estruturadas em uma nova forma de cidadania da era globalizada. Diferentemente dos anos 60, quando a circulação da informação era monopólio das grandes organizações, atualmente, o avanço das tecnologias tem possibilitado o envolvimento dos indivíduos na produção e compartilhamento de conteúdo midiático alterando os padrões de consumo e permitindo que se configure a noção de cultura participativa. A convergência de diferentes mídias tem servido a estratégias de um número crescente de movimentos sociais, uma vez que os usuários aprenderam novas formas de interagir com o conteúdo que encontram. Essa cultura participativa acompanha o desenvolvimento tecnológico que sustenta a convergência midiática e cria demandas que as mídias de massa ainda não estão aptas a satisfazer. (GREGOLIN, 2012, p. 12) A construção da notícia ganhou um novo formato mais interativo e “democrático”. Os usuários abandonaram o papel de receptores e participam do ciclo de criação, repercussão e reprodução de informações de forma ativa e fundamental, inclusive para os veículos tradicionais. Com a expansão das redes sociais, o fluxo de informação inverteu-se de forma considerável. As notícias até então saíam das redações de veículos tradicionais, chegavam ao público final e eram repercutidas em um ciclo que passava do espaço público para o espaço privado. Concomitante com o crescimento das plataformas convergentes ocorreu uma inversão do fluxo de informações, que trouxe uma reorganização no consumo de notícias. A partir deste momento, os veículos tradicionais buscam pautas nas redes sociais.
  • 16. 16 O modelo transmissionista (emissor>mensagem>canal>receptor), que parecia para alguns ser o modelo natural da comunicação de massa, ganha nova maquiagem. O fluxo jornalista > notícia >jornal >leitor, por exemplo, renova-se em jornalista>notícia>site> “usuário”. (PRIMO, TRÄSEL, 2006, p. 2) Dentro dessa perspectiva, as mídias online agregaram algumas características à produção de noticias, a saber, a ampla cobertura; a informação não tem limite geográfico; o acesso de milhares de usuários à rede mundial de computadores; e o aspecto de simultaneidade e instantaneidade. Castells (2006) destaca ainda a formação de redes de comunicação alternativas, que surgiram na efervescência da participação dos usuários em plataformas digitais e tornaram-se ferramentas de circulação e atualização de informações. A constituição de redes de comunicação autônomas chega também aos meios de comunicação mais tradicionais. As televisões de rua e as rádios alternativas – como a TV Orfeo em Bolonha, a Zaléa TV em Paris, a Occupen las Ondas em Barcelona, a TV Piqueteros em Buenos Aires – e uma enorme quantidade de mídias alternativas, ligadas em rede, formam um sistema de 2 informação verdadeiramente novo. (CASTELLS, 2006) O papel do profissional de jornalismo neste novo contexto do novo fluxo de informação deixa de ser exclusivo como filtro para as informações. Com essas novas características, a apuração dos fatos depende fundamentalmente das relações entre cidadãos e jornalistas. Historicamente encarregados de informar os sistemas democráticos, seu futuro dependerá não de quão bem informam, mas, sobretudo, de quão encorajam e mantêm diálogos com os cidadãos, em alusão à cidadania e a temas de interesse do indivíduo como eixo central do noticiário, em que o papel de selecionar e produzir conteúdos noticiosos deixa de ser privilegio de uma classe profissional. (TARGINO, 2009, p. 170) A internet democratizou o acesso às fontes e, além disso, criou um novo espaço onde potencialmente qualquer usuário, desde que, preparado tecnicamente, pode ser utilizado como fonte. Mais uma vez, quebrando o paradigma de fontes oficiais e da posição dos jornalistas como únicos e exclusivos mediadores das informações. 2 CASTELLS, 2006. A era da intercomunicação. Diplô Brasil. Disponível em http:<//diplo.org.br/2006-08,a1379>. Acesso em 23. Set. 2012.
  • 17. 17 A novidade do jornalismo digital reside no fato de que, quando fixa um entorno de arquitetura descentralizada, altera a relação de forças entre os diversos tipos de fontes porque concede a todos os usuários o status de fontes potenciais para os jornalistas. Se cada indivíduo ou instituição, desde que munido das condições técnicas adequadas, pode inserir conteúdos no ciberespaço devido a facilidade de domínio de áreas cada vez mais vastas, fica evidenciada tanto uma certa diluição do papel do jornalista como único intermediário para filtrar as mensagens autorizadas a entrar na esfera pública, quanto das fontes profissionais como detentoras do quase monopólio do acesso aos jornalistas. A possibilidade de dispensa de intermediários entre as fontes e usuários implode com a lógica do predomínio das fontes profissionais porque transforma os próprios usuários em fontes não menos importantes. (MACHADO, 2002, p. 6) Retomando à questão dos veículos tradicionais, com a ascensão das novas mídias, cidadãos, ONG’s e movimentos sociais conseguem atrair espaço entre os mass media para questões de seus interesses. Utilizando o ciberativismo, cidadãos emplacam pautas nos veículos, criando um processo de repercussão ainda maior e acrescentando o “valor” credibilidade as informações repassadas. Uma vez que os veículos tradicionais ainda são vistos como referência. Os desdobramentos de tais tendências ainda são recentes e é impossível de se fazer uma avaliação completa. É o que avalia Santos (2012). As redes e as tecnologias de informação e comunicação têm gerado impactos sociais, culturais e políticos que provavelmente ainda não possamos avaliar na totalidade, basicamente por estarmos no meio do processo e fazermos parte dele, estando cientes disso ou não. (SANTOS, 2012, p. 67) Newman (2009) destaca pelo menos três características que fazem com que o jornalismo participativo contribua para que as empresas de comunicação abram espaço para este segmento de jornalismo. • Contar histórias melhores: construção de uma visão Dan Gillmor: há sempre alguém que sabe mais do que você, organizações de notícias estão utilizando o crowdsourcing de comentários, fotos, vídeos e ideias. Esses suplementos e complementos aliados as suas próprias fontes de obtenção de notícias enriquecem a saída da informação. • Fazer um relacionamento melhor: usuários engajados tendem a ser mais leais e passar mais tempo, tornando-os mais valiosos para os anunciantes ou para a promoção e venda de serviços de outras empresas. • Obter novos usuários: com o público gastando mais e mais tempo com redes sociais, estes se tornaram o lugar mais óbvio para procurar o "difícil acesso" ou se reconectar com os partidários anteriores. (NEWMAN, 2009, p. 7, tradução nossa)
  • 18. 18 Newman (2009) destaca ainda a necessidade dos veículos prepararem seus profissionais para lidar com o jornalismo participativo, pensando assim em uma lógica de cooperação produtiva e responsável com os leitores e usuários. “Um desafio fundamental para muitas organizações de notícias é incentivar mais jornalistas a se envolverem com essas ferramentas, e usá-los para fazer contatos, por crowdsourcing e como um canal para suas reportagens.” (NEWMAN, 2009, p. 38, tradução de nossa) 1.4 Jornalismo Participativo e os critérios de noticiabilidade O jornalismo participativo trouxe uma nova lógica de valores-notícia para a comunicação. A informação circula de forma diferente e estabelece novos paradigmas. O leitor também participa do processo de “apuração” e demonstra seus interesses, interferindo diretamente na práxis jornalística. Targino (2009) define o conceito de ciber-cidadão, aquele que exercita a cidadania utilizando o ciberespaço. A multiplicação dos difusores altera as relações entre os jornalistas e as fontes porque transforma os usuários do sistema em fontes. Enquanto no jornalismo convencional em que muitas vezes declarações são transcritas como notícias predomina o uso das fontes oficiais, no jornalismo digital a participação dos usuários contribui para a utilização de fontes independentes, desvinculadas de forma direta dos casos publicados. Com a descentralização da redação ocorre uma inversão no fluxo de notícias, antes muito dependente das fontes organizadas. O próprio jornalista necessita rastrear nas redes os dados antes de redigir a matéria solicitada ou mesmo quando apura a veracidade dos conteúdos das matérias enviadas pelos colaboradores. O alargamento do conceito de fontes coloca na ordem do dia a reflexão sobre as consequências para o jornalismo da incorporação dos usuários no circuito de produção de conteúdos. (MACHADO, 2002, p. 10) Os critérios de noticiabilidade em jornalismo participativo são bastante variados. A questão é focada na descentralização do emissor de informações, ou seja, a democratização no processo de informações que circulam pelo espaço público. Experiências obtidas através das insurreições iniciadas pelas plataformas digitais, como a Primavera Árabe, sugerem que os temas que ganham notoriedade são aqueles voltados para o interesse coletivo. Neste sentido, reivindicações sociais, denúncias de abuso de poder, corrupção e irregularidades administrativas tornam-se as principais informações a ganhar repercussão.
  • 19. 19 Robert Fisk (2011), correspondente do jornal inglês The Independent, ao relatar as revoltas árabes no Egito destacou a importância que as redes sociais tiveram para burlar a censura dos jornais que apoiavam o regime de Hosni Mubarak. Esta é uma revolução pelo Twitter e pelo Facebook e há muito que a tecnologia derrubou as normas caducas da censura. Os homens de Mubarak parece terem perdido toda iniciativa. Os jornais de seu partido estão cheios de autoengano: jogam as notas sobre as manifestações para os pés da primeira página, como se com isso fossem tirar as multidões das ruas; como se, de fato, pelo apequenamento das notas os protestos jamais tivessem ocorrido. Mas não se precisa ler os jornais para saber o que se tem falado. A sujeira e as cidades perdidas, confusas, os esgotos a céu aberto e a corrupção de todo funcionário público, as prisões superlotadas, as eleições risíveis, todo o vasto e esclerosado edifício do poder levou, por fim, os egípcios às 3 ruas. (FISK, 2011) O relato de experiências como essa apontada por Fisk (2011) não são novos. O que diferencia os últimos protestos é a intensidade com que os usuários utilizaram a rede para se mobilizarem e projetarem as informações em nível global. Em artigo publicado pela revista Veja em 2011, Jady Pavão Júnior e Rafael Sbarai (2011) fazem um levantamento histórico do uso das TIC no mundo todo. 2001- Filipinas - Milhares de pessoas trocam mensagens de texto no celular (SMS) para coordenar protestos que culminam no impeachment do presidente Joseph Estrada. 2004 - Espanha - Mensagens de texto acusando o premiê José María Aznar de mentir sobre o atentado ao metrô de Madri influenciam a eleição e impõem derrota ao primeiro-ministro nas urnas. 2006 - Bielorrúsia - A tentativa de revolução começa por e-mail, mas não vai longe: o protesto não tem força para derrubar o ditador Aleksandr Lucashenko, que em seguida tenta controlar a rede. 2009 - Irã - Ativistas usam celulares e redes sociais para coordenar protestos contra fraudes nas eleições. Em resposta, o governo bloqueia o acesso ao Twitter e ao Facebook. 2009 - Moldávia - Ações na web reúnem mais de 10.000 manifestantes anti-governo, que responde com perfis falsos no Facebook para atrapalhar os manifestantes. 2010 - Tailândia - O movimento Red Shirt, que se opõe ao governo militar que comanda o país, usa redes sociais para coordenar suas ações. A ação é esmagada e dezenas de pessoas morrem. 2011 - Tunísia - O ditador Zine El Abidine Ali cai após convulsão popular. As redes sociais são usadas como meio de comunicação entre os manifestantes. 3 FISK, Robert. Esta é uma revolução pelo twitter. Carta Maior,jan./2011. Disponível em <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17341>. Acesso em 16. Abr. 2012.
  • 20. 20 2011 - Egito - Motivados pelos acontecimentos da Tunísia, os egípcios saem às ruas contra o ditador Hosni Mubarak, que tenta bloquear o Twitter, ferramenta de coordenação do movimento. (PAVAO JR. e SBARAI, 2011) Irene García Medina e Pedro Álvaro Pereira Correia (2011) destacam o papel da simultaneidade que as TIC trouxeram para a comunicação e relata que o processo de atualização de informações tornou-se um processo infinito. Internet, telefones, celulares, PDAs, televisão digital terrestre e outras tecnologias interativas têm democratizado as comunicações de mercado. Seja qual for à mensagem que a empresa deseja transmitir é cada vez mais necessário superar as barreiras de acessibilidade, relevância, contexto e sedução da mensagem para se conectar ao receptor. O surgimento das redes sociais revive a arte de contar histórias, qualquer que seja o conteúdo (filmes, publicidade, informação comercial, apresentação da empresa). Uma boa história é divertida, sensual e emocional, carregada de significados, é instrutivo, porque é não intrusiva. Por convite promove a participação, a coesão e a interatividade de seus destinatários. As imagens da comunicação da marca e organizações são correspondidas ou se desenrolam contra o pano de fundo de um tele series com um número ilimitado de capítulos. (CORREIA, Pedro; MEDINA, Irene 2011, p.130, tradução nossa) Mais importante do que a forma como as matérias são produzidas é a colaboração do cidadão com o processo de produção das notícias. Targino (2009) chama atenção para o processo de mutação que o jornalismo vem passando nos últimos anos. A trajetória do jornalismo nos regimes democráticos, decerto, incluindo o Brasil, mostra o jornalismo em constante mutação e em busca de um novo fazer jornalístico, em que invariavelmente, tanto a pretensão de vigiar os governantes ou ser por eles vigiados, como a proteção aos cidadãos contra os abusos do poder estão presentes. (TARGINO, 2009, p. 75-76)
  • 21. 21 2 GLOBALIZAÇÃO E JORNALISMO INTERNACIONAL 2.1 Tecnologias, identidades e informação O fenômeno da globalização ganhou novos desdobramentos na última década com o advento das TICs. A formação das identidades culturais no ambiente do novo espaço global é um dos pontos mais discutidos. Com a evolução das plataformas tecnológicas, noções de espaço, tempo e sociedade perderam seu significado original, passando a ganhar novas características mais efêmeras, com o estímulo ao consumo unificado, que desperta em pessoas de diferentes países e até então diversas culturas a necessidade de consumir os mesmos produtos e serviços. De acordo com Hall (2006, p. 73), as “identificações globais” são fixadas acima da cultura nacional e criam um fluxo de deslocamento e até extinção das “identidades nacionais”. Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. (HALL, 206, p. 74) Hall (2006) defende que os fluxos da globalização são desequilibrados, tornando-a um processo que parte do Ocidente para as periferias do mundo, o que a torna um processo essencialmente ocidental. Entretanto, o autor destaca que se de certa forma as identidades globais estão substituindo as identidades nacionais, as periferias também participam do efeito equalizador da globalização. As sociedades da periferia têm estado sempre abertas às influencias culturais ocidentais e, agora, mais do que nunca. A ideia de que esse são lugares “fechados” -etnicamente puros, culturalmente tradicionais e intocados até ontem pelas rupturas da modernidade – é uma fantasia ocidental sobre a “alteridade” : uma “fantasia colonial” sobre a periferia, mantida pelo Ocidente, que tende a gostar de seus nativos apenas como “puros” e de seus lugares exóticos apenas como “intocados”. Entretanto, as evidências sugerem que a globalização está tendo efeitos em toda parte, incluindo o Ocidente, e a “periferia” também está vivendo seu efeito pluralizador, embora num ritmo mais lento e “desigual.” (HALL, 2006, p. 80) Anthony Giddens (1991) propõe uma discussão focada nos novos processos de relações sociais que a globalização permite. A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são
  • 22. 22 modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção inversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. Assim, quem quer que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de que o que ocorre numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores — tais como dinheiro mundial e mercados de bens — operando a uma distância indefinida da vizinhança em questão. (GIDDENS, 1991, p.60 – 61) Ao analisar o fluxo de informação na sociedade globalizada, Giddens afirma que as “notícias” desempenham um papel fundamental nas relações sociais culturais, ou seja, os sujeitos têm hoje uma noção mais ampla dos acontecimentos globais. A questão aqui não é que essas pessoas estejam contingentemente conscientes de muitos eventos, de todas as partes do mundo, dos quais, antes, elas permaneceriam ignorantes. É que a extensão global das instituições da modernidade seria impossível não fosse pela concentração de conhecimentos que é representada pelas "notícias". Isto é talvez menos óbvio na consciência cultural geral do que em contextos mais específicos. (GIDDENS, 1991, p.71) A visão de uma globalização que atinge a todas as civilizações que é compartilhada por Giddens (1991) e por Hall (2006) é contestada por Samuel Huntington (2001), que rejeita a ideia de uma “civilização universal”, que compartilha práticas e crenças comuns em diferentes lugares do mundo. Para ele, mesmo as TICs provocando uma maior interação entre as pessoas do mundo, elas não conseguem “criar” uma “cultura universal”. O conceito de uma civilização universal é um nítido produto da civilização ocidental. No século XIX, a ideia do “fardo do homem branco” ajudou a justificar a expansão do domínio político e econômico ocidental sobre as sociedades não-ocidentais. No final do século XX, o conceito de uma civilização universal ajuda a justificar o predomínio cultural do Ocidente sobre outras sociedades e a necessidade para essas sociedades de imitar as práticas e as instituições ocidentais. O universalismo é a ideologia do Ocidente para confrontações com culturas não- ocidentais. (HUNTINGTON, 2001, p. 78) Castells (2000, p. 257) afirma que, “de modo geral, a globalização/localização da mídia e da comunicação eletrônica equivale à descentralização e desestatização da informação, duas tendências que, por ora, são indissociáveis”. Esse fatores da globalização afetaram o jornalismo internacional. Com a disseminação das novas tecnologias, as informações globais ganharam canais mais flexíveis de comunicação. Este
  • 23. 23 sentimento de pertencimento a uma mesma nação global, endossado por Hall (2006) e por Giddens (1991), cria um processo de inversão no jornalismo internacional. Pragmaticamente, para o Jornalismo Internacional, isto significa o advento de novos fluxos de informação que abandonam a rigidez hierárquica e centralizadora dos sistemas das agências (apuração redação central clientes) e a concentração da pauta em um número limitado de fontes e assuntos. Em outras palavras, o fluxo de informação em redes estende o leque de opções que o repórter-redator de Inter tem à sua frente e permite que ele, na prática profissional, liberte-se de todos os níveis prévios de filtros e gatekeepings e vá direto à origem primária das informações, conferindo plena manuseabilidade sobre a matéria-prima das notícias. (AGUIAR, 2008, p. 60) 2.2 Jornalismo internacional e Internet O jornalismo internacional é a especialidade que trata de assuntos exteriores à localização geográfica que o jornalista está inserido. Sendo assim, essa é uma das áreas do jornalismo que mais agregam conteúdo. Jornalismo Internacional é, assim, uma especialização jornalística cuja definição é, por natureza, relativa. Ao contrário do que ocorre com as definições de tipo temáticas (Jornalismo Econômico, Político, Cultural, Esportivo...), de suporte (Telejornalismo, Radiojornalismo, Webjornalismo, de Revista...) ou de linguagem (Literário, Investigativo, de Precisão, de Resistência...), que têm – a princípio – descrições universalmente válidas, o Jornalismo Internacional conta com a particularidade de variar seu objeto de interesse de acordo com a procedência nacional do repórter que apura e com a localização (física; geográfica) do veículo ao qual a matéria se destina. É desta forma que, nesta área, o que for exterior para uns não o será para outros; e o assunto que é “doméstico” para um país é “internacional” para todos os demais. (AGUIAR, 2008, p. 17) Natali (2004) faz um resgate do surgimento do jornalismo internacional e aponta que a origem do segmento teria ocorrido durante o século XVI, após um banqueiro alemão ter criado um newsletter, que trazia informações voltadas para o setor de negócios como cotações de mercadorias e “notícias” sobre política dos países europeus. O autor aponta que, já no século seguinte, as publicações que traziam um panorama sobre a situação política e econômica dos países europeus cresceram significativamente no continente e com isso as trocas de informações tornaram-se fundamentais para o mundo dos negócios.
  • 24. 24 Assim como em todas as editorias, o trabalho jornalístico na editoria internacional passou por grandes transformações nas últimas décadas. Talvez pela questão do acesso a informação, a seção internacional tenha sido uma das que mais teve seu trabalho facilitado pela evolução das TIC. As agências de notícias foram durante muito tempo as principais fontes de divulgação do noticiário internacional. Era através das agências de notícias que veículos de comunicação do mundo inteiro noticiavam os acontecimentos mais importantes do globo. De acordo com Natali (2004), foram as agências de notícia que deram viabilidade econômica ao jornalismo internacional. As notícias produzidas pelas agências têm um custo inferior daquelas produzidas por correspondentes exclusivos. Quando vários veículos pagam pela informação, como acontece com as informações vendidas por agências de notícias, o custo é repartido. Assim, a dinâmica da informação em uma agência de notícias de grande porte, como as já citadas, gera um fluxo de informações sistêmico, linear e centralizado: a informação é inserida no sistema interno da empresa pelo correspondente no exterior, transmitida para a redação central e, de lá, redistribuída para os escritórios locais e regionais que, por sua vez, encaminham a notícia (que é a informação depois de “manufaturada”) para os respectivos clientes. Na prática, e fundamentalmente, o sistema de uma agência funciona mediando o contato entre as fontes primárias e o cliente. (AGUIAR, 2008, p. 28) Os jornalistas do noticiário internacional têm uma rotina um pouco diferente das outras editorias. A primeira etapa é a seleção das notícias que entrarão naquela edição. Esse processo exige um conhecimento vasto sobre a política internacional e uma capacidade de análise ao verificar o que merece ser publicado, levando em consideração fatores como o que é relevante dentro do contexto de cada país, a linha editorial e a importância que será atribuída a cada informação. Na discussão sobre os critérios de noticiabilidade na editoria internacional, Natali (2004) acrescenta que alguns fatores são privilegiados, a saber, guerras, eleições em países vizinhos, epidemias e tragédias inesperadas, levando em consideração tanto a localização geográfica quanto política do fato ocorrido.
  • 25. 25 Outra figura marcante dentro do jornalismo internacional é o correspondente internacional. Esse profissional é aquele que ou foi enviado para acompanhar uma situação especial ou vive no país e repassa as informações do país em que vive e de territórios vizinhos para seu veículo. Os jornalistas que residem no país são preferencialmente nomeados de correspondente internacional e os jornalistas que vão acompanhar algum evento específico são nomeados como enviados especiais. Aproximando o fato para nosso objeto de pesquisa o correspondente ou enviado especial que cobre guerras tem uma dificuldade ainda maior para ter acesso às informações uma vez que a sua própria vida está em risco e é necessário um aparato mínimo para que ele consiga exercer sua função. Entre esses fatores podemos destacar o idioma, a falta de conhecimento físico do local, as particularidades e peculiaridades, levando em consideração cultura, religião e tradições. Todos esses pontos apresentam-se como um dificultador do trabalho do jornalista. Os correspondentes internacionais apresentam-se como filtro das informações, privilegiando uma visão de quem pode presenciar os acontecimentos in loco. Clóvis Rossi (2000) destacou como o roteiro de informações no jornalismo segue uma lógica dos países capitalistas através das agências de notícias que estão em sua maioria sediadas na Europa ou nos Estados Unidos. Vejamos alguns números ilustrativos: a Associated Press, com sede central em Nova York, tem 8.500 assinantes em mais de cem países; a Reuters, britânica, está estabelecida em 69 países e vende seu material para 6.500 clientes (dos quais 4.700 são jornais); a France Presse, com suas 92 sucursais no Exterior, atinge 12.400 assinantes. (ROSSI, 2000, p. 83) A produção jornalística passou por grandes transformações com o aumento do acesso às redes nas últimas décadas. Com o desenvolvimento das TIC, a produção de conteúdo na editoria de jornalismo internacional mudou estruturalmente seus paradigmas na forma de transmitir informações. É importante analisarmos que as mudanças demonstram, não apenas, uma evolução das TICs, mas uma alteração dos modelos econômicos e sociais das comunidades modernas.
  • 26. 26 A forma como recebemos a notícia foi alterada. Este processo marca o fim da dependência, mesmo que não completamente, dos veículos de imprensa com as agências de notícia e acrescenta novas características à editoria: aumento do volume de informações, memória ilimitada (atualizações em tempo real), multimidialidade, acesso rápido e facilitado as fontes de informação e pesquisa. A convergência é tendência predominante no paradigma tecnológico pós- industrial. Na prática, isso significa que as ferramentas de trabalho do jornalista estão agora integradas e se complementam para a articulação do fluxo informativo em redes. (AGUIAR, 2008, p. 76) As ferramentas que estão inseridas no contexto da internet facilitaram muito a vida dos jornalistas da editoria internacional. O e-mail revolucionou a forma de contatar as fontes, como destaca Aguiar (2008, p. 78) o “e-mail veio representar um grande facilitador para atingir pessoas em outros países, incluindo o fato de não depender da sincronia (a pessoa lê e responde quando puder, o que ajuda no caso de fusos horários distantes)”.
  • 27. 27 3 PRIMAVERA ÁRABE E O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO 3.1 Primavera Árabe O movimento denominado Primavera Árabe, que atingiu os países do norte da África e do Oriente Médio no final de 2010, começou após a autoimolação do jovem tunisiano Mohamed Bouazizi, em protesto contra a situação política da Tunísia. De lá pra cá, três ditadores já caíram. O último deles foi Muammar Kadafi, ditador líbio por 42 anos, deposto depois que rebeldes apoiados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte - (OTAN) tomaram Trípoli. Países como Tunísia, Egito, Líbia, Marrocos, Bahrein, Iêmen e Iraque entraram em estado de caos após diversas manifestações contra a situação política e econômica, reivindicando direitos democráticos e enfrentaram graves crises estruturais após o início das insurreições. Autores como Joffe (2011) e Ramonet (2011) atribuem diferentes causas para a explosão de revoltas que tomou conta desses países. Para Joffe (2011), a própria característica autoritária dos Estados árabes impulsionou as crises. [...] a recusa em tolerar a participação popular activa no processo de governação viria a servir como impulsionador das crises que os regimes enfrentaram a partir do momento em que foi encontrado o agente catalítico apropriado. E, claro, a natureza do agente catalítico explica a cronologia das crises. Essa natureza, em si mesma, é um reflexo das consequências da repressão e, ironicamente, das concessões de abertura política que os governantes demonstraram nos últimos anos. Com efeito, a evolução das crises em cada Estado deu-se em função das naturezas políticas dos próprios regimes, uma vez que apesar da sua intensa repressão política, os regimes de Ben Ali e de Mubarak, na Tunísia e no Egipto – à semelhança do regime de Bouteflika na Argélia, e ao contrário do regime líbio –, tinham vindo progressivamente a abrir espaço para um certo grau de autonomia de expressão e de acção social e económica. Esse fenómeno estava ligado a processos de liberalização política com o propósito de assegurar que o controlo do regime nunca seria ameaçado. (JOFFE, 2011, p. 86-87) Existem muitas discussões sobre quais teriam sido as causas atribuídas para o início das revoltas. Os protestos tiveram diferentes catalisadores em cada país. Entretanto, as próprias características autoritárias desses Estados provocaram as crises. Ainda que a falta de democracia e a forte repressão sejam apontados como estopins comuns para as eclosões de movimentos de revolta, outros fatores, como aponta Ramonet (2011)4, contribuíram para a eclosão das revoltas. 4 RAMONET, Ignacio. Cinco causas de la insurrección árabe. Le Monde Diplomatique (en Español), nº 185, Março 2011. Disponível em: <http://www.mondediplomatique.es/?url=editorial/0000856412872168
  • 28. 28 Mohamed Habib (2012)5 chama atenção para o fato de que “uma análise coerente dessas revoltas e suas perspectivas para 2012, deve considerar duas questões: a geopolítica e a econômica. Além disso, as interferências externas, em especial as do Ocidente dominante, que influenciam cada país do mundo árabe”. O Oriente Médio, como lembra Habib (2012), sempre foi alvo dos interesses ocidentais. A localização estratégica de muitos países juntamente com a propriedade de recursos energéticos, tornaram esses países o alvo da cobiça americana e europeia. Nos últimos anos, os países capitalistas apoiaram as ditaduras árabes em prol do desenvolvimento dos seus interesses nos continentes árabes. A fase atual, é resultado dos interesses do Ocidente pós Primeira Guerra Mundial e envolve a localização e os recursos energéticos do mundo árabe. Os EUA, 3º maior produtor de petróleo e 2º maior de gás natural do planeta, não é visto como produtor e sim como grande consumidor, pois precisa do dobro da sua produção para garantir seu padrão de vida. A Europa, por sua vez, depende fortemente do gás e do petróleo árabes, principalmente da Líbia. (HABIB, 2012)6 3.2 Os levantes no Oriente Médio e as redes sociais A Primavera Árabe trouxe uma nova discussão sobre o uso das TIC como ferramenta de mobilização e visibilidade para "movimentos sociais organizados ou de livre manifestação cidadã na sociedade da informação." (FÁTIMA, sd, p.1) [...] A Primavera Árabe foi e ainda é uma revolução de povos insatisfeitos com modelos de governos instaurados e que se utilizaram das redes sociais como ferramentas de organização e mobilização de protestos que culminaram na ocupação pacífica, na maioria dos casos, de ruas praças, bairros e espaços públicos das maiores cidades e pequenas vilas do Norte da África e Oriente Médio. (FÁTIMA, sd, p. 3.) 186811102294251000/editorial//?articulo=8ca803e0-5eba-4c95-908f-64a36ee042fd>. Acesso em: 16 abr. 2012 5 HABIB, Mohamed. Primavera Árabe de 2012: mais tempestades do que flores. Carta Maior, 2012. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19373>. Acesso em: 16 abr. 2012. 6 Idem 4.
  • 29. 29 Entretanto a importância das plataformas digitais nos países árabes ainda é bastante discutida e relativizada. De acordo com Fátima (s.d.), a grande mídia atribuiu a queda dos ditadores da Tunísia e do Egito à internet. Mas, importantes fatores geográficos, políticos e/ou religiosos não foram contextualizados pela imprensa. É importante darmos atenção às causas que são atribuídas às origens das manifestações. Para muitos autores (FATIMA, s.d. e RAMONET, 2011) a onda de rebeliões no Oriente Médio e na África não é legítima e foi provocada por uma série de interesses históricos, políticos, econômicos, climáticos e sociais dos países capitalistas ocidentais. Ignacio Ramonet (2011) afirma que Estados Unidos e Europa apresentavam inúmeros interesses em derrubar os ditadores dessas nações. Entre eles, o controle do petróleo e a proteção a Israel. Outro fator levantado pelo autor é o acesso da população às redes sociais e as motivações à que levaram a população a difundir os protestos pela internet. El Fondo Monetario Internacional (FMI) impuso, a Túnez, Egipto y Libia, programas de privatización de los servicios públicos, reducciones drásticas de los presupuestos del Estado, disminución del número de funcionarios... Unos severos planes de ajuste que empeoraron, si cabe, la vida de los pobres y sobre todo amenazaron con socavar la situación de las clases medias urbanas (las que tienen precisamente acceso al ordenador, al móvil y a las redes sociales) arrojándolas a la pobreza. (Ramonet, 2011)7 Ferramentas como Twitter e Facebook foram fundamentais no processo de mobilização das manifestações. As redes sociais funcionaram como um projetor de reivindicações de povos insatisfeitos. O que não significa dizer que as revoltas não teriam acontecido sem as plataformas digitais. As redes sociais formaram um canal de disseminação de informações e repercussão de ideias, que acabaram resultando na ocupação de vários espaços públicos. Isso Castells (2011) define ao dizer que: En la sociedad red la batalla de las imágenes y los marcos mentales, origen de la lucha por las mentes y las almas, se dirime en las redes de comunicación multimedia. Estas redes están programadas por las relaciones de poder incorporadas en ellas. [...] Es decir, el processo de cambio social precisa de la reprogramación de las redes de comunicación en cuanto a sus códigos culturales y los valores e interesses sociales y políticos implícitos que transmiten. (CASTELLS, 2009, p. 396) 7 idem 4.
  • 30. 30 Ramonet (2011) afirma ter sido determinante para o desenrolar da Primavera Árabe. Uma população instatisfeita, um evento tido como estopim, que, neste caso, foi a imolação do jovem tunisiano e a repercussão gerada através das redes sociais. Esses três fatores foram fundamentais para desencadear a reação que culminou na onda de protestos e na deposição de três ditadores. Añádase a lo precedente: una población muy joven y unos monumentales niveles de paro. Una imposibilidad de emigrar porque Europa ha blindado sus fronteras y establecido descaradamente acuerdos para que las autocracias árabes se encarguen del trabajo sucio de contener a los emigrantes clandestinos. Un acaparamiento de los mejores puestos por las camarillas de las dictaduras más arcaicas del planeta... Faltaba una chispa para encender la pradera. Hubo dos. Ambas en Tunez. Primero, el 17 de diciembre, la auto-immolación por fuego de Mohamed Buazizi, un vendedor ambulante de fruta, como signo de condena de la tiranía. Y segundo, repercutidas por los teléfonos móviles, las redes sociales (Facebook, Twitter), el correo electrónico y el canal Al-Yazeera, las revelaciones de WikiLeaks sobre la realidad concreta del desvergonzado sistema mafioso establecido por el clan Ben Alí-Trabelsí. El papel de las redes sociales ha resultado fundamental. Han permitido franquear el muro del miedo: saber de antemano que decenas de miles de personas van a manifestarse un día D y a una hora H es una garantía de que uno no protestará aislado exponiéndose en solitario a la represión del sistema. El éxito tunecino de esta estrategia del enjambre iba a convulsionar a todo el mundo árabe. (RAMONET, 2011)8 Entretanto, é preciso destacar que se por um lado as redes foram utilizadas como ferramentas de mobilização, por outro serviram como mecanismos de vigilância. É o que destaca Branco di Fátima (s.d, p. 4), ao analisar o papel da internet na Primavera Árabe. Quando analisamos os processos de vigilância utilizados pelas ditaduras árabes, percebemos que as plataformas se transformaram em um “sofisticado mecanismo de coerção social”. A rede foi amplamente utilizada como mecanismo de controle e vigilância de cidadãos. Denúncias feitas por organizações internacionais revelaram a existência de processos de vigilância sistemática, de massa e personalizada aos opositores políticos dos regimes no norte da África e Oriente Médio. Com a ajuda de softwares e equipamentos desenvolvidos por empresas multinacionais e transnacionais do Ocidente, ativistas da Primavera Árabe tiveram suas ações rastreadas e terminaram presos e assassinados. (FATIMA, s.d, p.4) 9 8 idem 4. 9 FÁTIMA, di Branco. Primavera Árabe: vigilância e controle na sociedade da informação. Disponível em:<http://bocc.ubi.pt/pag/fatima-branco-primavera-arabe-vigilancia-e-controle.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2012.
  • 31. 31 3.3 Confrontos na Líbia Os levantes árabes se concretizaram como o maior acontecimento no âmbito da política internacional. De acordo com Ignácio Ramonet: a queda do muro do Medo nas autocracias árabes é o equivalente contemporâneo da queda do muro de Berlim. Um autêntico terremoto mundial. Por produzir-se no epicentro do “foco perturbador” do planeta (este marco de todas as crises que vai do Paquistão ao Saara Ocidental, passando pelo Irã, Afeganistão, Iraque, Líbano, Palestina, Somália, Sudão e Darfur) sua onda de expansão modifica toda a geopolítica internacional. (RAMONET, 2011)10 O movimento que começou na Tunísia e tirou do poder Bem Ali, em seguida, atingiu o Egito, levando à expulsão de Hosni Mubarakk. E em outubro de 2011, o ex-ditador Líbio Muammar Kadafi foi capturado e morto por insurgentes. Foi em Benghazi que os conflitos na Líbia ganharam repercussão. No dia 15 de fevereiro, famílias líbias foram às ruas pedir a libertação do advogado Fathy Terbil, ativista na luta das famílias pelo direito de recuperar o corpo de pessoas executadas. A polícia, junto com forças aliadas do governo de Muammar Kadafi, reprimiu as manifestações com violência e as imagens das agressões circularam pela internet e pela rede Al Jazeera. Após o episódio, manifestações surgiram em outras cidades. 3.3.1 Breve história Líbia Com 6,5 milhões de habitantes, a Líbia se divide em três grandes regiões, controladas por clãs familiares que estabeleceram núcleos de poder próprios, assim como culturas e reivindicações distintas. A história da Líbia é uma história de ocupações e desencontros de povos com interesses, culturas e costumes diferentes tentando ocupar o mesmo território, o que gerou inúmeros conflitos causados por esse choque cultural. A região que hoje é denominada Líbia foi durante alguns anos assentamento de povos fenícios, romanos e turcos. No século II a.C. colonos gregos deram o nome ao país. Em séculos seguintes, os gregos e fenícios estabeleceram várias colônias pelo país. Basicamente, os gregos ocuparam a 10 idem 4.
  • 32. 32 região chamada de Cirenaica e os fenícios na região de Tripolitânia. Já no século I a.C o Império Romano conquistou a região inserindo a influência latina no território conquistado. A Líbia foi província romana até aproximadamente 455 d.C. , quando uma tribo germânica oriental dominou o território, mas foi conquistada pelo Império Bizantino nos anos que se seguiram. Em 643 d.C. a região passou pelo domínio dos árabes. A Tripolitânia foi por mais de três séculos dominada por Berberes Almoadas e a Cirenaica foi dominada pelo Egito. No século XVI, os otomanos tomaram a região da Cirenaica e em 1551 o Imperador Solimão, conhecido como o magnífico dominou a região da Tripolitania ao Império Otomano, conquistando assim o poder central em Tripoli. Em 1880, o reinado de Karamanli que havia dominado Tripoli por 120 anos, ajudou a assentar as regiões de Fezã, Cirenaica e Tripolitânia. Essas regiões pertenciam assim, apenas nominalmente ao Império Otomano, pois tinham bastante autonomia entre si. Durante o período de 1801 a 1805, ocorreu a Primeira Guerra Berbere, motivada pelos Corsários, piratas que atacavam navios de outros países, o conflito teve a interferência americana. Em 1835, o Império Otomano mais uma vez domina o território líbio. Quando a Primeira Guerra Mundial estourou a Líbia já havia sido dominada pela Itália. Esse processo retirou o país do domínio do Império Otomano. Durante o período do fascismo, a Líbia resistiu contra a Itália. Entretanto, em 1931, o líder da Libia Omar al-Mukhtar, foi morto e os italianos retomaram o controle da ex-colônia. Já na Segunda Guerra Mundial, a Líbia foi palco de confronto do Afrika Korps, forças da Alemanha comandadas pelo general nazista Rommel que atuaram em território líbio com o apoio de tropas inglesas. Após o fracasso do exército nazifascista, França e Inglaterra dominaram o território até 1952, quando a ONU outorgou a independência Líbia. A partir daí, o país passa a ser comandado pela monarquia do rei Idris I. Simpático ao Ocidente, permite intervenções e benefícios a países capitalistas. Em 1959, a descoberta de petróleo no país aprofunda a dominação de outros países e a consequente dependência do país. Em 1969, militares oficiais movidos pelos ideais nacionalistas
  • 33. 33 do líder egípcio Gamal Abdel Nasser, derrubam governo de Idris I. O coronel anti-imperialista Muammar Kadafi assume o poder e adota uma postura anti-imperialista e defensora das tradições islâmicas. 3.3.1 Muammar Kadafi Kadafi nasceu em 1942, na cidade de Sirte, oriundo de uma família de influentes beduínos, concluiu seus estudos na Academia Militar de Benghazi e foi presidente e chefe do Conselho Revolucionário da Líbia. Além disso, participou da Real Academia Militar, na Inglaterra, na cidade de Sandhurst. Kadafi se apoiou em Mahmud Sulaiman AL-Maghribi para tomar o poder Líbia e em 1º de setembro de 1969, os dois invadiram Trípoli e depuseram o rei Idris, quando ele fazia uma visita à capital grega. Após o golpe de estado, o ex-ditador tornou-se líder da revolução líbia, com a patente de coronel e adotou uma série de medidas contra americanos, que até então eram apoiados pela monarquia de Idris, chegando a expulsá-los do país. Durante a década de 1970, Kadafi publicou o Livro Verde, um compilado de normas para a Líbia que defendia o que ele chamava de democracia islâmica como alternativa aos sistemas capitalistas e socialistas. O ex-ditador foi presidente do Conselho de Comando da Revolução até 1977, e proclamou a República Árabe Líbia mudando o nome do país para Grande Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia. Quando os Oficiais Livres tomaram o poder, em 1º de setembro de 1969, a Líbia – muito rica em petróleo e gás – tinha 2,5 milhões de habitantes, uma sociedade tribal composta por 75% de beduínos. Apenas três cidades apareciam então: Trípoli, Benghazi e Misurata. As principais mudanças operadas pelos novos governantes foram a abolição da monarquia, a instauração da República Árabe e a consagração do “poder do povo”, num congresso realizado em março de 1973. Em 1972, a Lei nº 17 baniu o pluralismo político e proibiu a criação de partidos políticos, 11 como afirma o lema: “Todo membro de partido é um traidor”. (KHECHANA, 2011) 11 KHECHANA, Rachid. As origens da Insurreição. Le Monde Diplomatique Brasil, abr./2011. Disponível em < http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=919>. Acesso em 16. Abr. 2012.
  • 34. 34 Em 1977, passou a ocupar o cargo de secretário-geral do Congresso Geral do Povo e presidente pela União Socialista Árabe, único partido reconhecido pela Constituição Líbia, que havia sido promulgada no mesmo ano. Durante o governo de Muammar Kadafi, a Líbia apresentou altos índices de desenvolvimento econômico e passou a ter o maior Indíce de Desenvolvimento Humano (IDH) da África. Fatos polêmicos marcaram o governo de Kadafi. Após a morte de Saddam Husseim, em 2003, o ditador anunciou que desistiria de continuar a investir em armas de destruição em massa e que apoiaria a Guerra ao Terror, iniciativa do governo de George W. Bush contra o terrorismo. Em 2010, conversas de diplomatas americanos publicadas pelo site Wikileaks denominavam o ex-presidente líbio como excêntrico, cheio de manias e volúvel. “O regime líbio era brutal e impiedoso com seus opositores. Tortura e execuções sumárias refletiram a excentricidade, a loucura assim como a inteligência de Kadafi.” (RAMADAN, 2011) 12 O regime de Kadafi era uma ditadura. Isto é incontestável. Não havia a mais mínima liberdade de expressão, de organização, de manifestação, de formar sindicatos. Nada. Na “Jamayria” não havia partidos. Ao simular um sistema político que seria uma espécie de “assembleia permanente”, o que o coronel impunha de fato, com mão de ferro, era uma ditadura policial onde quem mandava era ele e os filhos. Um bom teste que proponho aos defensores de Kadafi: seria ou não possível formar na Líbia um partido que defendesse as vossas ideias? Já sabem a resposta: em poucas horas estariam todos presos se o tentassem, por mais que se desfizessem em elogios ao “Grande Líder”. Há muito que Kadafi tinha deixado de ser independente do imperialismo. A revolução de Kadafi fez parte das revoluções nacionalistas árabes dos anos 50 e 60, que se inspiraram na de Gamal Abdel Nasser do Egito. Durante alguns anos, apesar das suas excentricidades e megalomania, o “líder da revolução” aplicou uma política que em nada agradava aos Estados 13 Unidos. Mas depois mudou. ( LEIRIA, 2011) Em 20 de outubro de 2011, rebeldes capturaram o ex-ditador em Sirte, sua cidade natal, onde ele havia passado os últimos meses fugindo de insurgentes e acabou sendo capturado em um buraco 12 RAMADAN, Tariq. Sobre a Líbia e a Síria. Carta Maior, ago./2011. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18356>. 13 LEIRIA, Luis. Kadafi, Assad e a esquerda. Esquerda.net, ago./2011. Disponível em: < http://www.esquerda.net/opiniao/khadafi-assad-e-esquerda>.
  • 35. 35 de esgoto. Os rebeldes retiraram o ex-líder do esgoto ainda com vida e seguiram com ele pela cidade torturando-o até a morte. Vídeos e fotos, que circularam pela internet, do momento da captura mostram Kadafi ferido, mas ainda com vida. Kadafi chega a questionar os rebeldes sobre o que ele teria feito contra eles. As imagens que aparecem na sequência desse são as do corpo do ex-ditador já morto em exposição.
  • 36. 36 4 JORNALISMO PARTICPATIVO E A COBERTURA DA MORTE DE MUAMMAR KADAFI 4.1 Metodologia Esta pesquisa foi desenvolvida por meio de análise bibliográfica sobre Jornalismo Participativo e/ou Colaborativo, Jornalismo Internacional e Primavera Árabe. Em um primeiro plano, foram analisados o conteúdo das versões online dos jornais El País e O Estado de S. Paulo, no período de 20 a 21 de outubro de 2011, que se configura como o dia da morte de Muammar Kadafi e dia posterior, respectivamente. Em segundo plano, foram analisados, também por meio de análise de conteúdo, os cinco primeiros resultados obtidos através de uma busca realizada na plataforma Google Images americana, com uma das imagens mais “midiáticas” da morte do ex-ditador, ou seja, uma das fotos mais utilizadas pelos veículos de imprensa de todo o mundo, durante os dias 20, 21 e 22 de outubro de 2011. São três eixos teóricos que fundamentam a pesquisa de análise na cobertura da morte do ex- ditador líbio Muammar Kadafi. O objetivo é verificar se houve a utilização de jornalismo participativo na cobertura feita pela “grande” imprensa, aqui representada pelos jornais El País e O Estado de S. Paulo. Através do resultado obtido pela busca no Google Images traçamos um paralelo, observando e analisando em quais veículos essa imagem aparece e observando se está vinculada à grande imprensa ou a canais alternativos. A metodologia utilizada nas duas etapas é análise de conteúdo. No caso dos jornais El País e O Estado de S. Paulo, o recorte das datas foi escolhido porque é o período que compreende desde a primeira notícia da morte do ex-ditador, no calor dos acontecimentos, até a repercussão com atualização de novas informações sobre a morte. Ele é importante para perceber como a mídia creditou suas fontes e perceber qual foi à contribuição do jornalismo participativo na cobertura dos jornais, verificando a origem creditada das informações contidas nas matérias.
  • 37. 37 A busca pelas matérias foi orientada pelo recorte de tempo do dia 20 e 21 de outubro e pelos marcadores Khadafi, Kadafi, Gaddafi, Gadafi e Qaddafi, em razão das várias grafias utilizadas na tradução do nome para as línguas latinas e germânicas. A coleta de material foi realizada em período retroativo buscando material do dia da morte do ex-ditador, 20 de outubro de 2011, e do dia posterior, 21 de outubro de 2011. Foram excluídas postagens, matérias e notícias que apenas citavam o nome de Kadafi nesse período, pois nosso objetivo é analisar efetivamente a cobertura de sua morte. Já no caso das mídias obtidas através do Google Images o recorte dos dias 20 a 22 de outubro tem a intenção de traçar um micro panorama da cobertura da morte de Kadafi em canais de comunicação de outras partes do mundo. Os veículos foram obtidos através de uma busca realizada com uma imagem aplicada a ferramenta Google Images, que busca através de sua tecnologia de pesquisa todas as imagens que têm características iguais a que está sendo dada como modelo e apresenta os resultados por ordem de relevância levando em consideração aspectos como número de acesso das páginas e similaridade das imagens. Para Fonseca (2006) o método da análise de conteúdo é estruturado em três fases, a préanálise, a exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Fonseca (2006) chama atenção para o caráter híbrido da análise de conteúdo, que varia entre a pesquisa qualitativa e quantitativa. Neste sentido Fonseca diz que: No contexto dos métodos de pesquisa em comunicação de massa, a análise de conteúdo ocupa- se basicamente com a análise de mensagens, o mesmo ocorrendo com a análise semiológica ou analise de discurso. As principais diferenças entre essas modalidades são que apenas a análise de conteúdo cumpre com os requisitos de sistematicidade e confiabilidade. (FONSECA, 2006, p. 286) Para melhor compreensão do corpus (anexos), ele será dividido em duas categorias de análise, sendo: Categoria da análise quantitativa: - Ferramentas utilizadas para interagir com os leitores; - Número de comentários Categoria de análise qualitativa:
  • 38. 38 - Critérios de noticiabilidade; - Como se dá a participação dos usuários na construção da notícia; - A fonte das informações da matéria; - Análise dos atores e do contexto no qual são postados os conteúdos dos jornais; 4.2 Apresentação do objeto O El País é um jornal espanhol do grupo Prisa - Grupo Promotora de Informaciones - foi fundado em 1976 por José Ortega Spottorno e é o jornal de maior circulação na Espanha. A primeira tiragem foi de 180 mil exemplares. Na década de 1980, o jornal é o segundo periódico de informações, atrás apenas do La Vanguardia. Em 1996, durante o aniversário de 20 anos do periódico nasce o El País Digital. Em 2011, o jornal passou por uma grande reformulação focando sua atuação no ambiente multimídia. O periódico espanhol se define como um diário global, independente, de qualidade e defensor da democracia pluralista. A sede do jornal está localizada em Madrid, mas mantém redações em Barcelona, Bilbao. Sevilla, Valência e Santiago de Compostela. Já na década de 1990, o jornal demonstrava sua postura inovadora ao lidar com as novas tecnologias e foi o segundo jornal da Espanha a implantar uma edição eletrônica. Já em 2002, passou a cobra pelo acesso as páginas do jornal. Mas em 2005, liberou o acesso novamente o acesso a maior parte das informações. Em 2009, atingido pela crise mundial o jornal passou por uma redução de custos a proposta do veículo foi integrar as redações para atender uma proposta de jornalismo convergente e atender as exigências do orçamento. O jornal O Estado de S. Paulo foi fundado em 1875 com o nome A Província de São Paulo. É o mais antigo jornal paulista ainda em circulação. Fundado por um grupo de 16 pessoas entre eles Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense, o objetivo de sua criação era ser um diário republicano. A história do jornal acompanhou o crescimento da capital paulista. A tiragem inicial do jornal era de 2.000 exemplares, um número expressivo comparado com a população da capital que era de 31 mil habitantes. Em 1902, Júlio Mesquita tronou-se o único proprietário do jornal. A partir de então o jornal reforça sua postura republicana e adota campanhas de oposição ao governo. No ano 2000, os sites da Agência Estado, o Estado de S. Paulo e do extinto Jornal da Tarde tornam-se um único site o Estadao.com.br, voltado para atualizações em tempo real.
  • 39. 39 Atualmente, apresenta forte apoio à centro-direita brasileira e tem reforçado sua atuação no ambiente digital. O Google Images é uma ferramenta que pesquisa na web todos os tipos de conteúdo relacionado a uma imagem específica. Quando a imagem é aplicada a busca o resultado traz imagens similares, páginas relevantes e outros resultados. Os robôs do Google analisam dezenas de fatores nas páginas como legendas, descrições e outras informações contextuais. A ferramenta aplica algoritmos para evitar que imagens duplicadas apareçam no resultado e garantir que os resultados mais relevantes levando em consideração alguns critérios como número de acesso das páginas e componentes similares das imagens. 4.3 Cobertura da morte de Kadafi da versão online do jornal O Estado de S. Paulo Durante o dia 20 de outubro de 2011, data da morte de Kadafi, o portal do jornal O Estado de S. Paulo criou uma página exclusiva que atualizava as informações sobre a morte do líder líbio em tempo real com a apuração das informações. A primeira atualização da página intitulada “AO VIVO: A captura e morte de Muammar Kadafi” foi às 9h05min e a última aconteceu às 13h53min. Entretanto, o jornal já havia noticiado à captura de Kadafi algumas horas antes. Essa página reuniu as primeiras informações, mas à cobertura continuou com novas atualizações durante todo o dia. O Estadão noticiou em sua página online a tomada de Sirte às 7h34 do dia 20 de outubro de 2011, por meio da reprodução da Reuters. Com o título “Forças do governo líbio anunciam tomada de Sirte” vem acompanhada de uma foto com o crédito Maurício Lima/NYT e é apenas o relato da dominação da cidade, não cita em momento algum a captura de Kadafi. As notícias relacionadas a Kadafi foram colocadas em uma página especial exclusivamente dedicada à Primavera Árabe. Às 8h58, a notícia “Forças do novo regime da Líbia capturam Sirta” traz mais informações sobre a tomada da cidade natal do ex-ditador e elementos interessantes para esta análise. A matéria cita que “Um correspondente da France Presse ouviu disparos esporádicos no bairro durante a manhã” (O Estado de S. Paulo, 20/10/2011). Com esta informação temos a noção de que
  • 40. 40 correspondentes de agências internacionais também acompanharam a derrubada de Kadafi, que seria confirmada no noticiário internacional pouco tempo depois. As informações na rede muitas vezes dão a impressão de que não havia jornalistas no local. A primeira notícia sobre a captura de Kadafi foi postada no site do O Estado de S. Paulo às 9h29, através de uma pequena nota de aproximadamente cinco linhas, reproduzida da Reuters com a informação de que um oficial da alta patente do Conselho Nacional de Transição (CNT) teria informado à agência, por telefone, sobre a captura de Kadafi. “Ele foi capturado. Ele está ferido nas duas pernas... Ele foi levado pela ambulância, disse o oficial de alta patente do CNT à Reuters por telefone”. Às 9h30, o jornal publicou mais uma notícia sobre a captura. Dessa vez, a fonte era dada como uma “televisão líbia”. A notícia “Televisão Líbia anuncia captura de Kadafi” é curta, com apenas duas linhas e de acordo com a página foi postada diretamente de Sirte. Em um primeiro momento, podemos perceber que o jornal privilegiou noticiar os fatos e somente depois ir atualizando as informações com uma apuração mais detalhada. Neste momento da cobertura, apesar de ter um correspondente na Líbia, o jornalista Andrei Netto, o jornal privilegiou as informações das agências de notícias. Essa é uma tendência citada por Rossi (2000) ao falar do monopólio das agências no noticiário internacional. Nesse caso as fontes eram os canais de comunicação locais e as agências. Atualizando as informações que foram publicadas anteriormente, às 9h39 foi publicada uma notícia de Trípoli, onde estava o correspondente do jornal. A postagem trouxe o título “Líbia: comandante rebelde diz que Kadafi foi capturado” (Figura 1), reunia informações de três veículos, a Al-Jazeera, a Lybia lil Ahrar e a France Presse e afirmava que o ministro da informação do governo líbio também havia sido capturado. Além disso, a matéria levanta pela primeira vez a possibilidade de Kadafi estar morto, em razão de uma batalha, mas afirma não existir nenhuma confirmação. A notícia ainda traz a fala de um comandante do CNT, desta vez foi citado o nome da fonte, Mohamed Leith, creditado através da agência de notícias France Presse. De acordo com a fonte
  • 41. 41 da agência de notícias francesa, citada na matéria, que teria visto o ex-ditador, ele estava muito ferido, mas ainda “respirando”. A matéria diz que não existem informações do local exato da captura e da então localização de Kadafi e tem uma foto de Kadafi com créditos dados a Alessandro Di Meo/EFE e com a seguinte legenda: Ex-líder da Líbia Muammar Kadafi pode estar morto. "Ele foi capturado. Está gravemente ferido, mas ainda respirando", afirmou o comandante do CNT Mohamed Leith à France Presse. Ele afirmou ter visto Kadafi, que usava um uniforme cáqui e um turbante. O canal de TV "Libya lil Ahrar" também afirmou que o ex-líder estava sob custódia. Não foi informado o local exato da captura, nem se sabe onde Kadafi se encontra agora. (O ESTADO DE S. PAULO, 20 de outubro de 2011) Figura 1: Página informado captura de Muammar Kadafi Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional, Líbia-comandante-rebelde-diz-que-kadafi-foi-capturado, 787976,0. htm Alguns minutos depois, às 9h45, um podcast de 06h54min, com o mesmo título da matéria citada acima, trazia o comentário em áudio do colunista de internacional do Grupo Estado Lourival Sant’Ana. De acordo com o podcast, “a fonte primária da informação é o Conselho Militar de Misurata [...] mas ainda não existe uma imagem do Kadafi.” Portanto, não há uma prova