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EDIÇÃO Nº23                                                                          ANO 11– JULHO DE 2010




                          Desta vez resolvemos fazer diferente.     e reunidos em um dossiê, dividido em
                      Não que sejamos vaidosos, mas estas           duas partes, por causa do espaço. Nele
    BOCA DO INFERNO   páginas que estão em tuas mãos, caro
                      leitor, são parte de um Senhor Jornal,
                      ou melhor, é o Senhor Boca do Inferno,
                                                                    vocês encontrarão Literatura, Língua e
                                                                    Cultura dos países de Língua Portuguesa
                                                                    sob a perspectiva daqueles nossos
                      um periódico de naipe, como dizem por         colegas de curso lá do leste europeu, o
                      aí. Bem, esta introdução nada modesta         que é um privilégio, afinal estudamos
                      é para dizer que nossas edições estão         sempre a cultura alheia mas pouco
                      ficando cada vez mais aprimoradas, com        vemos da nossa cultura sob outros
                      textos científicos, de criação literária e,   pontos de vista que não o nosso(p.10).
                      principalmente, participação ativa da
                                                                       Na seção Arte & Manha, bem, lá vocês
                      comunidade acadêmica.
                                                                    vão ver. Oito autores colaboraram, com
                         As páginas do Boca, neste número 23,       mini-contos, contos, poemas, enfim...
                      vêm com recheio internacional. Textos         Isso demonstra a democracia que a
                      de alunos de Letras da Universidade de        gestão prometeu quando era chapa, não
                      Zagreb, da Croácia, foram selecionados        é mesmo?


                                                     Nesta edição
                         Editorial                                                                 2
                         Bons dias! (ou não)                                                       2
                         Enquanto isso, na Croácia...                                              2
                         Boquejando
                         Tréplica sem Réplica                                                      3
                         Boca aberto? Boca aberta!
                         Semana de Avaliação do Curso de Letras                                    4
                         A Aleatoriedade do Saber                                                  4
                         Abrindo a boca: Letras ufpr
                         Letras UFPR: quem poderá nos defender?                                    5
                         Dossiê croácia
                         O papel da infância na obra de Luandino Vieira e L. B. Honwana            9
                         Graus de vocábulos de obscenidade nas cantigas trovadorescas              11
                         Diferenças entre cantigas de escárnio e cantigas de mal dizer             12
                         O causo do lobisomem e três bruxas                                        15
                         resenha
                         Marguerite Duras – O Amante                                               17
                         sub-realidade
                         So did Mine                                                               18
                         Arte & manha
                         T. e G.                                                                   19
                         Diatribe – Encômio do Café                                                20
                         Ela era Maria                                                             21
                         Sobre Cólera & Maçãs                                                      21
                         Nome                                                                      22
                         Coisas Sem Nome                                                           23
                         Momento                                                                   23
                         finalmentes
                         Expediente                                                                24




                  Jornal do Centro Acadêmico de Letras da Universidade Federal do Paraná
2

                           Bons dias! (ou não)
               “Quizas, quizas, quizas...”, diria Osvaldo Farrés para a situação
            em que estamos cá nos últimos andares do velho Dom Pedro I. Com
            os mais recentes (e constantes) palpites do governo federal sobre o
            currículo do curso, nos vemos numa barafunda sem tamanho, seja
            em opiniões a respeito das alterações introduzidas pelas autoridades,
            seja pela dificuldade em nos encaixarmos nesta nova ordem. Quem
            tem que dançar conforme a música, como sempre, somos nós, que
            temos que escolher entre aceitar e aceitar. Contudo, mesmo com
            algumas imposições, nós temos o direito—e o dever—de dar nossos
            pitacos para o ajuste da coisa toda. E isto deve acontecer em breve,
            na Semana de Avaliação Acadêmica do curso. Mas, antes, para que
            os colegas possam ter noção do que pode ser feito (ou pelo menos o
            que deveria), nós trazemos à mesa um histórico sobre este assunto e
            também sobre outras discussões que estiveram (e ainda estão, mesmo
            que não oficialmente) na boca do povo e da pova.
               Bem, esperamos que, com as devidas precauções tomadas e
            medidas avaliadas, tenhamos em breve um bom resultado na
            negociação de acordos para resolução dos abacaxis que temos em
            mãos. Nós, Centro Acadêmico de Letras, manteremos a posição de
            defesa dos direitos discentes, que é nosso carro-chefe, ainda que
            nossas opiniões divirjam de uns e outros. Afinal, não precisamos de
EDITORIAL




            mentores para saber o que queremos, não é? (p. 5)

                  Enquanto isso, na Croácia...
               ... as Letras Lusófonas ganham espaço. Na edição anterior, o Boca
            publicou matéria do Professor Paulo Soethe (DELEM) sobre o pacto
            de cooperação entre a UFPR e a Universidade de Zagreb (Croácia).
            Segundo o artigo, após visitas de professores da área de Letras,
            especialmente de Língua Portuguesa à UFPR, intensificaram-se as
            negociações para que um acordo entre lá e cá fosse efetuado, o que
            ocorreu em fins de 2007. Em seguida, no Leitorado de Língua e
            Literatura Portuguesa em Zagreb, passou a ministrar aulas o professor
            José Luiz Foureaux de Sousa, da Federal de Ouro Preto (UFOP).
               Em contato com o Boca, através do próprio Professor Paulo, o
            professor Foureaux e a professora Majda Bojic, que também esteve
            na UFPR (em 2008), em atividades que visavam o desenvolvimento
            da cooperação, enviaram para publicação os resultados de trabalhos
            de discentes croatas. Nós resolvemos publicar como um dossiê,
            que contém artigos e textos de criação literária daqueles alunos.
            Importante ressaltar que os trabalhos são, aos olhos do Conselho
            Editorial deste jornal, muito bem redigidos, em se tratando de
            textos em língua estrangeira (caso do Português para os croatas).
               A esta parceria deixamos o registro de agradecimento pelo
            trabalho realizado pelos responsáveis da UFPR pelo convênio,
            Professor Paulo Soethe e Professora Patrícia Cardozo, assim como
            para os professores de Zagreb, que colaboram para o sucesso desta
            iniciativa, enriquecedora para nós tanto quanto para a Universidade
            croata. Para vocês verem como nossa língua mãe ganhou prestígio
            nestas terras de além-mar...


BOCA DO INFERNO N°23
3

                            Tréplica sem réplica
   A crítica à ultima edição foi, ainda que           no acompanhamento e aprendizagem
velada, ferrenha. O artigo da quarta página,          durante a graduação, por exemplo. Daí a
aquele sobre o CELIN, rendeu pano para                baixa quantidade de estagiários.
a manga. Discussões e apertões à parte,           03. Demanda de línguas estrangeiras:
conseguimos fazer algum movimento nesta               em algumas áreas, não há oferta da
já cansada e cansativa calmaria, entre aspas,         Universidade para atuação, como em
em que nos encontramos. Em reunião com                hebraico, chinês e iorubá, por exemplo,
a Direção do CELIN, ouvimos o que tinha a             por isso há contratação de associados
dizer o destinatário das nossas críticas, que         (pelo Ceilin) que não são da UFPR, por
considerou algumas de nossas posições como            vezes nem de Letras.
“inverdades”, conforme palavras que ouvimos.
                                                  04. “Capacitação em formação de professores”:
   Explicamos agora então que as inverdades           este curso não serve para dar certificação
eram verdades sim, mas para aqueles que               equivalente à licenciatura, mas sim para
não tinham conhecimento da real situação e            capacitar o pleiteante à vaga de professor,
dos mecanismos daquele Centro e também                de maneira que este obtenha os requisitos
de outras entidades próximas a ele. Portanto,         mínimos para a prática de ensino dentro
agora que recebemos as devidas explicações            de uma escola de línguas como o CELIN.
por parte da direção do órgão alvo de nosso           Esta capacitação é dada a qualquer
artigo-quase-denúncia, podemos dizer que              pessoa que tenha conhecimento de língua
algumas de nossas verdades eram aquelas que           estrangeira, inclusive alunos de letras.
tem alguém que só conhece um lado da moeda.




                                                                                                    BOQUEJANDO
                                                  05. O CELIN não é uma escola de aplicação
Naquela ocasião, o nosso interesse era garantir       porque a instituição que tem este caráter
o direito de uma parte (bem grande, diga-se)          visa outra forma de atuação, não voltada à
dos alunos deste curso, o que consideramos            comunidade, mas sim à pratica de ensino
uma boa razão para reclamar e criticar.               e aplicação de metodologias do curso
   Com esta nossa reivindicação, o CELIN              de licenciatura. O Centro de Línguas na
tomou parte e procurou, com todo direito,             UFPR é na verdade um órgão voltado para
responder ao nosso artigo, para esclarecer            a Extensão, isto é, ao público externo/
as nossas dúvidas e botar os pingos nos ii,           comunidade, o que o incompatibiliza com
ainda que não oficialmente, isto é, através           a postura de centro de aplicação/prática
deste jornal. Importante citar que o Conselho         de ensino de LEM para graduandos.
Editorial ficou, como sempre o fez, aberto para      Outras questões foram discutidas, mas apenas
publicação de resposta. Ainda sim, a Direção      para esclarecer estes cinco pontos principais.
não teve interesse em fazer isso.                 Diante disso, nos resta apenas a resignação.
   Na reunião com os representantes daquele       Como dissemos antes, imaginávamos que
Centro, convocada pelos próprios, obtivemos       era esta unidade uma escola de aplicação dos
respostas aos questionamentos do referido         ensinamentos que recebemos. Segundo o
artigo. Estas respostas, salvo engano, são as     próprio CELIN, não é. O pedido então, apesar
que seguem, resumidamente:                        destes fatos, que deitaram por terra nossas
                                                  crenças sobre o objetivo primordial daquele
01. Licenciatura para entrar no CELIN: no
                                                  Centro, é que os alunos procurem fazer o curso
     mercado de trabalho, o profissional de
                                                  de capacitação citado acima, porque ele é o
     língua estrangeira não precisa de fato ser
                                                  acesso ao CELIN para quem deseja aprimorar a
     licenciado. Isto vale também para aquele
                                                  prática de ensino de LEM em escolas de línguas
     que pleiteia vaga de docente/estagiário no
                                                  ou mesmo iniciar a carreira no magistério.
     CELIN.
02. Estágios: os alunos das licenciaturas,           Informações sobre as datas e períodos em
     em sua maioria, não se interessam em         que a capacitação é ofertada estão disponíveis,
     procurar estágio no CELIN. Além disso,       quando das inscrições, no sítio do CELIN:
     alguns daqueles que têm interesse são        http://www.celin.ufpr.br. Neste sítio, vocês,
     os que ainda não estão preparados para       interessados, também encontrarão uma
     a docência ou não têm capacidade para        descrição das características do Centro e das
     isso, como os que acumulam fracassos         atividades acadêmicas a que ele se propõe.

                                                                                    BOCA DO INFERNO N°23
4

                                     Semana de Avaliação do Curso de Letras
                                                                                   Marcio Guimarães, coordenador do curso de Letras

                               A Coordenação do Curso e o Centro               Alunos e professores compartilham a mesma
                            Acadêmico estão promovendo, nos próximos           posição sobre os destinos do Curso? É possível
                            dias 24, 25 e 26 de agosto, a Semana de            haver discussão, ou vamos nos fechar em blocos
                            Avaliação do Curso de Letras. Esse evento está     monolíticos de opinião?
                            previsto no Projeto Político-Pedagógico do
                                                                                  A idéia geral desta primeira edição da
                            Curso para coincidir com a Semana de Letras.
                                                                               Semana de Avaliação é a de convidar pessoas
                            Porém, devido a certos desdobramentos da
                                                                               de dentro e de fora do Curso para apresentar
                            discussão em torno do Projeto REUNI de
                                                                               propostas para serem discutidas pela nossa
                            Letras, a gestão passada na Coordenação do
                                                                               comunidade. Para quem está chegando agora,
                            Curso, bem como esta gestão, entenderam que
                                                                               é o momento de conhecer melhor o Projeto
                            era melhor não encaminhar certos assuntos
                                                                               Político-Pedagógico do Curso de Letras
                            durante a Semana, que foi tomando um caráter
                                                                               (inclusive, fomos cobrados com relação a isso
                            de encontro acadêmico.
                                                                               no último processo de avaliação).
                               No entanto, temos muita coisa a conversar. A
                                                                                  Para os alunos, a Semana de Avaliação conta
BOCA ABERTO? BOCA ABERTA!




                            Coordenação tem detectado pontos de insatisfação
                                                                               como atividade formativa, com um total de
                            com o Currículo 2007. A Comunidade das Letras,
                                                                               12 horas, pela manhã, e 12 horas, pela noite. A
                            além disso, está em compasso de espera com
                                                                               Programação Geral será divulgada tão logo os
                            relação aos destinos do Curso. Haverá cisão?
                                                                               acertos referentes aos convidados sejam feitos.

                                                    A Aleatoriedade do Saber
                                                                                                               Carta do Leitor, Lélio

                               Você deve estar se perguntando “que             diz que Deus não quis que os homens se
                            patacoada é essa aqui?” Afinal, este é um jornal   comunicassem e colocou um idioma em cada
                            de letras, não de artes, não é? Bem, acontece      cidadão que ajudava na construção da torre.
                            que estas imagens são bem apropriadas para o       Transportando essa ideia para um contexto
                            que quero lhes dizer. Esta aí ao lado é a “Nave    conhecido, nós vemos agora que estão tentando
                            dos Loucos”, de Hieronymus Bosch (1450-            colocar as áreas do conhecimento mais e mais
                            1516). O que podemos perceber é                                distantes uma da outra, até mesmo
                            que até mesmo lá no Renascimento                               aquelas que são muito próximas.
                            vemos que não é só o bonito que                                É como se o conhecimento se
                            prevalece, mesmo nas artes. Na                                 compartimentasse em caixinhas e
                            cena do quadro, pessoas loucas                                 nada de uma caixinha pudesse ser
                            estão à deriva no mar, dentro de                               colocado em outra. Entenderam?
                            um barco. Era assim que os nossos                              Bem, são coisas que nem a nossa
                            antepassados europeus faziam com                               vã filosofia pode explicar. E eu
                            aqueles que não eram considerados                              ouvi dizer que daqui a pouco até
                            dignos de viver entre os “normais”.                            os médicos vão sair da faculdade
                            E nós vemos esta situação se repetir                           sabendo só aquilo que lhe interessa,
                            até hoje, em vários contextos e                                o resto é “só se ele quiser”. Com
                            ambientes, não é verdade minha                                 essa ninguém contava, não?
                            gente? E não estamos falando só                                Então, se vocês também ficaram
                            de loucos, hein? Já a segunda, um                              absurdados, é
                            afresco que representa a Torre                                 melhor começar
                            de Babel, aquela da historinha bíblica que         a pensar em colocar as
                            explica a origem dos idiomas do mundo. Pois        garrinhas para fora, porque
                            é, esta imagem representa uma coisa bem            vai ter cachorro grande
                            moderninha, que anda espreitando a vida            fazendo o que puder para
                            universitária de uma maneira generalizada, a       que isso aconteça. Aí,
                            divisão do conhecimento. Enquanto a bíblia         meus pequenos, quem vai
                                                                               dançar...


BOCA DO INFERNO N°23
5

      rEuNI Letras: quem poderá nos defender?

          rEuNI, o governo
     e a revolução educacional                    quer remediar), continuaram não sanados e
                                                  novos problemas surgiram, deixando as coisas,
   Em 2007, o governo federal criou o             que não estavam tão boas, de mal a pior.
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais, o             E vocês se perguntam: o que eu tenho
REUNI. As metas do Programa eram, entre           com isso? Têm tudo! A nova política que o
outras, a expansão no número de estudantes das    REUNI queria implantar nas universidades
universidades existentes, a criação e ampliação   era de inovação, transformação e inclusão. A
de instituições de ensino superior federais,      proposta é louvável. Entretanto, como a gestão
além da melhoria na qualidade do ensino e         do programa é por resultados, o governo se
pesquisa e na formação dos estudantes de          interessa muito mais na quantidade do que
ensino superior no país. Apesar das excelentes    na qualidade, porque o que vemos é mais e
propostas e intenções, este mesmo governo         mais pessoas entrando na universidade, se




                                                                                                     ABRINDO A BOCA: LETRAS UFPR
pecou em algumas ações, como o plano de metas     amontoando em salas de aula com estrutura
incabível e passível de não ser concretizado      precária (diga-se: até agora na UFPR não vimos
de acordo com a expectativa. E, para nossa        o número de salas de aula e de laboratórios
surpresa, adivinhem o que aconteceu?              aumentar significativamente). O acesso ao
                                                  ensino superior aumentou sim, como vemos nas
    Segundo o relatório do primeiro ano do
                                                  estatísticas (mais de mil vagas só na UFPR desde
REUNI, 53 das 54 universidades federais
                                                  2008), mas sem ter onde botar essas pessoas,
aderiram ao programa. A “aderência”
                                                  o fim é mais que conhecido: definhamento da
generalizada se deveu, muito provavelmente,
                                                  estrutura existente, que não é das melhores; e a
na pia crença dos senhores reitores daquelas
                                                  inevitável perda da qualidade no ensino, pois o
53 instituições que o governo iria cumprir com
todo o contrato que fez, cheio de floreios e      professor se vê obrigado a ministrar aulas para
filigranas, contemplando alunos, professores,     muito mais aluno do que costumava ter em
infra-estrutura adequada. Não precisamos          sala. É como se a Gênesis bíblica se repetisse;
dizer o que foi cumprido do acordo, não é?        enquanto Deus disse: “Faça-se a Luz!”, o
                                                  REUNI diz “Façam-se as vagas!”, mas acontece
   Na UFPR, os estudantes fizeram piquete,        que as vagas precisam de complemento. E este
ocuparam a Reitoria, tentaram até a exaustão      complemento é essencial para a manutenção
a não entrada no Programa; os professores         da qualidade do ensino, até mesmo das vagas
expuseram as deficiências do projeto, as          “feitas”. Os responsáveis por esta mudança
possíveis (depois comprovadas) falhas;            deveriam, antes de qualquer reforma drástica,
tudo em vão. O REUNI foi implementado             rever todo o sistema educacional. Este sim é o
sem nenhum estudo mais profundo das               causador da dificuldade em entrar no ensino
consequências da reestruturação nem do            superior. Se aqueles senhores continuarem a
interesse da comunidade acadêmica, afinal não     descobrir um santo para cobrir outro, quem
era voluntária a participação... Hoje temos uma   vai sair prejudicado será sempre o estudante.
pilha de coisas a resolver, como a exigência de   Para resolver a disparidade entre ensino básico
90% de diplomação (dentro do tempo previsto),
                                                  e superior, é preciso que uma reforma venha
que deixa coordenadores de curso loucos atrás
                                                  pela base e não de cima para baixo, como é a
de planos de trabalho para evitar o sumiço de
                                                  proposta do REUNI.
alunos; a falta de infraestrutura para os novos
cursos e para os que tiveram número de vagas
aumentado; a morosidade nos processos para
                                                              Letras no reuni
conclusão de obras, compras, enfim... Por causa
destas falhas, a metade das metas foi por água       Depois da adesão da UFPR ao REUNI, a
abaixo; os problemas, alguns muito anteriores     Reitoria precisava estabelecer quem seriam os
ao REUNI (como a evasão, que é problema           “escolhidos” ou os “voluntários” para testar o
antigo das federais do país e que o Programa      novo tratamento de choque governamental


                                                                                     BOCA DO INFERNO N°23
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                              para o ensino. Arquitetura, Engenharia             todos os aspectos, teria sido veementemente
                              Elétrica, História, Letras, dentre outros, são     rejeita por aqueles do DELIN. Segundo os
                              cursos que tiveram o dedo daquele programa.        professores do DELIN, a proposta foi sim
                              Dos professores, podemos dizer que nem             rejeitada, mas com base em cálculos feitos pelo
                              todos concordavam, mas como já dissemos,           departamento; cálculos estes que provavam
                              não era um voluntariado... Em Letras, uma          que um leve aumento no número de vagas nas
                              reivindicação foi resolvida: duas habilitações     línguas estrangeiras, causaria, a longo prazo,
                              novas, em Japonês e Polonês. Ainda teve um         um crescimento excessivo nas turmas comuns
                              adendo às habilitações em Francês e Italiano.      a todas as habilitações (linguísticas, línguas
                              Em suma, as alterações produzidas pelo REUNI,      portuguesas, literaturas clássicas e brasileiras),
                              tanto em Letras como em outros cursos, como        crescimento esse que nossas salas de aula
                              História, por exemplo, não estão sendo tão         não comportariam e que seria impossível de
                              bem sucedidas quanto o esperado, por falta de      administrar com o número atual de professores
                              recursos materiais, profissionais e pedagógicos,   no departamento. No DELEM, ouvimos a queixa
                              assim como falta de um planejamento bem            constante de que os alunos de habilitações
                              realizado que previna possíveis problemas que      duplas e até mesmo das simples são pouco
                              venham a surgir (e que de fato surgiram).          “expostos” (não convivem ou não conhecem)
                                                                                 aos professores das línguas estrangeiras e por
ABRINDO A BOCA: LETRAS UFPR




                                         A crise instalada:                      consequência estes teriam menos contato com
                                          o que se passa?                        aqueles; enquanto que os professores do DELIN
                                                                                 desfrutam do contato com todos os alunos do
                                 Nós do Centro Acadêmico decidimos ouvir         curso. Mas, quando se ministra uma disciplina
                              alguns professores do curso, de ambos os           para 70, 80, 90 ou até 100 alunos, que tipo de
                              departamentos, DLLCV (DELIN) e DELEM,              influência ou contato pode se ter? O que nos
                              para tentarmos entender como aconteceu todo        foi dito então pelos professores do DELEM com
                              o processo de inclusão de Letras no REUNI e        quem conversamos, é que a partir da dificuldade
                              qual poderia vir a ser o destino de nosso curso,   de diálogo e impossibilidade de discussão do
                              que hoje trabalha com dois projetos político-      currículo atual, decidiu-se criar novo currículo
                              pedagógicos (PPP) diferentes, coisa que não        com outra proposta que correspondesse àquilo
                              deveria ou poderia ocorrer em um “mesmo”           que o DELEM acredita ser necessário e que não
                              curso de graduação. Todas as conversas             existe atualmente. No currículo atual a exposição
                              tiveram teores distintos, mas alguns relatos       dos alunos às línguas estrangeiras seria muito
                              semelhantes com relação a como se deu todo         pequena, considerando que podemos iniciar o
                              o processo de discussão para a criação destas      curso sem conhecimento algum da língua. Logo,
                              duas novas habilitações (que alguns professores    precisaríamos de muito mais tempo de exposição
                              declaram ser na verdade dois novos cursos, já      à língua e prática desta em sala de aula. O novo
                              que trabalham com um PPP completamente             curso seria então fortemente focado no trabalho
                              diferente daquele que foi estabelecido em          detalhado com a língua estrangeira; literaturas
                              2007). Não tínhamos, nas entrevistas, o objetivo   e teoria da literatura aplicadas a obras da língua
                              de relembrar o desgaste de todo esse processo,     estrangeira e a formação de professores. Desta
                              mas sim entender posicionamentos pessoais          forma, haveria mais vagas para todas as línguas
                              daqueles que participaram de tudo isso (pelo       estrangeiras modernas, liberdade para realizar
                              menos daqueles com quem conversamos).              um trabalhado com mais qualidade e condições
                                                                                 de formar um professor com muito mais
                                                                                 conhecimento da língua.
                                     Mudanças, mudanças...
                                                                                           DELEM x DELIN?
                                 Tudo teria começado então com uma proposta               Não foi bem assim...
                              do DELEM de repensar o atual curso de Letras,
                              rediscutir o currículo 2007, remodelar o modo         Propostas foram feitas pelo DELEM e,
                              de funcionamento do curso e, claro, aumentar       uma após outra, rejeitadas pelo DELIN.
                              as vagas de algumas das línguas estrangeiras       Este considerava seus motivos relevantes,
                              e a carga horária destinada a todas. Segundo       enquanto aquele os considerava egoístas. A
                              alguns professores do DELEM, a proposta, em        partir daí, como a possibilidade de conversa


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7
foi diminuindo cada vez mais, as propostas de      que vemos hoje, muito menos a possibilidade
criação das habilitações de Japonês e Polonês      de qualificação mais profunda na área (no caso
foram desenvolvidas e arranjadas sem a             a língua e sua respectiva literatura) em que o
participação do colegiado de Letras, ainda que     aluno vai atuar.
o colegiado fosse um órgão de consulta. Foram
                                                      Resumindo, o aluno poderia cursar essas
parar na Pró-Reitoria de Graduação, depois
                                                   disciplinas se quisesse, sem a imposição que
de passar pela direção do Setor de Ciências
                                                   há no currículo atual (2007). O que o DELEM
Humanas, Letras e Artes, que considerou
                                                   chamaria de imposição, o DELIN diria ser a
prudente não opinar em um assunto que era
                                                   formação básica, que inclui a “teoria” que,
de sua competência. Os PPPs de ambas as
                                                   quando conhecida, pode ser aplicada a qualquer
habilitações foram elaborados sem qualquer
                                                   língua estrangeira estudada, mesmo que fora
participação do DELIN e a bagunça estava feita!
                                                   do ambiente acadêmico.
Aquilo que, em princípio, segundo professores
do DELEM, deveria ser uma rediscussão do
curso vigente e que evoluiu para a criação de
                                                     Alunos: escolha ou imposição?
um novo curso, que mais tarde englobaria
                                                      Assim, chegamos ao fim das conversas
todas as habilitações em línguas estrangeiras
                                                   com a sensação de que o interesse ali era, em
(menos a área de Alemão, sobre o que falaremos




                                                                                                     ABRINDO A BOCA: LETRAS UFPR
                                                   primeiro lugar, um lugar ao sol, isto é, cada
em breve), deixando então no formato atual
                                                   representante das áreas do conhecimento
apenas as habilitações de português, grego e
                                                   que Letras abrange puxou o peixe para a sua
latim, acabou permanecendo dentro do curso
                                                   brasa, ou a brasa para seu peixe, qualquer que
de Letras por exigência daquele Colegiado. Já
                                                   seja a ordem. Neste caso, não importa muito
o que ouvimos dos professores do DELIN é que
                                                   que pensamos nós, mas sim o que é melhor
as novas habilitações deveriam permanecer
                                                   para cada qual. Os alunos, que já têm a dura
dentro do curso de Letras desde que seguissem
                                                   tarefa de escolher no vestibular por Letras,
o padrão já existente nas outras habilitações, o
                                                   Química ou Aquicultura, teriam que decidir
que não ocorreu, já que o PPP é completamente
                                                   se querem Letras isso, letras aquilo, letras
distinto e não conta com a participação do
                                                   aquele outro, sem opção de mudar, a não ser
DELIN. No entanto, aquele PPP foi aprovado
                                                   fazendo o vestibular de novo. E mais: havendo
pelo Colegiado, ainda que quase 50% dos votos
                                                   uma divisão, ouvimos que os cursos ficariam
foram abstenções.
                                                   mais simples, mais fáceis de administrar e os
   Enquanto o Departamento de Lingüística,         alunos ainda poderiam circular entre ambos
Letras Clássicas e Vernáculas questiona a          os cursos, também ampliando sua formação. É
criação de um curso que teria como foco            mais que sabido que não seria essa facilidade
maior ou exclusivo a formação de professores       toda como vemos agora, pois seriam cursos
de língua estrangeira, sem o enfoque dado          e colegiados diferentes e, por consequência,
atualmente na abordagem teórica, professores       surgiria a velha e desdentada burocracia para
do Departamento de Letras Estrangeiras             tudo mastigar com a gengiva. Teríamos que
Modernas alegam que a divisão entre                nos submeter ao mesmo moroso processo de
pragmática e teoria seria um ledo engano e         matrícula ao qual já nos submetemos quando
que na verdade este novo curso priorizaria         escolhemos disciplinas de Filosofia, História
esta abordagem pragmática desde o início           ou Comunicação Social. Também não teríamos
da graduação, permitindo ao aluno conhecer         o maravilhoso leque de possibilidades que
a teoria e ao mesmo tempo a prática, o que         temos (único nesta Universidade, o que deixa
possibilitaria a ele delinear sua trajetória       o NAA muito insatisfeito), que nos deixa
acadêmica de graduação sem a obrigatoriedade       escolher, entre as quase sessenta opções, sem a
de disciplinas em áreas como Lingüística,          menor cerimônia para largar Licenciatura por
Estudos Clássicos e Teoria da Literatura (esta     Bacharelado, ou Francês por Grego, etc...
última seria, no currículo atual, ministrada
“muito abstratamente”). Estas disciplinas,                  Órfãos da discórdia
num contexto geral, fariam do currículo apenas
uma grande colcha de retalhos, sem direção            A área de Alemão foi a única do DELEM que
específica para cada uma das habilitações,         preferiu (e ainda prefere, até onde sabemos)
modalidades e ênfases, conforme a disposição       permanecer dentro do que hoje é o curso de


                                                                                     BOCA DO INFERNO N°23
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                              Letras. De acordo com o que vimos em reuniões     especialização, que tem como consequência
                              departamentais, e seguindo a mesma linha de       a compartimentalização o conhecimento, o
                              pensamento que nós, a área também acredita        que é tão produtivo quanto o modelo fordista
                              que mais importante do que a formação de          de trabalho, e que é contrária ao próprio
                              professores seria a formação de formadores,       pensamento do REUNI e da Universidade, que
                              com aperfeiçoamento de língua e literatura        defende a amenização das estruturas rígidas
                              brasileiras juntamente com o aprendizado da       de ensino existentes e defende novas práticas
                              língua estrangeira, partindo do princípio de      e metodologias, como o projeto político-
                              que somos brasileiros (ou decidimos estudar       pedagógico da UFPR Litoral, citado como
                              no Brasil, no caso do intercambistas), portanto   inovador até mesmo no relatório de 2008 do
                              é imprescindível esta formação básica da          REUNI/UFPR.
                              cultura nacional.
                                 Outros professores também têm opinião                 “O que será que será?”
                              diversa do fundamentalismo que está em
                              voga. Mas, no caso deles, a intenção é também        As questões que ficam agora, para as quais
                              mudar, apenas ajustando o curso que existe, de    ainda não temos solução para o caso Letras
                              modo que todos saiam satisfeitos. O curso teria   UFPR, são estas: Como será tudo isso? Criar-
ABRINDO A BOCA: LETRAS UFPR




                              uma nova configuração, com redistribuição         se-á um único departamento com a área de
                              da carga horária entre todas as áreas. Este       Alemão e o DELIN? Haverá reestruturação
                              grupo de professores acredita na unidade          do que existe atualmente? E no novo curso,
                              do curso como ele é configurado hoje, mas         haverá realmente mão-de-obra suficiente
                              acredita que é preciso haver mudança, como a      para realizar o trabalho? Seria interessante
                              implementação das disciplinas espelho entre       deixar para o aluno, ao prestar vestibular,
                              os cinco departamentos do curso (proposta         a responsabilidade de decidir de antemão o
                              do DELEM para diminuir o excesso de alunos        tipo de formação que deseja e então optar por
                              em sala, que não vingou antes, mas pode vir       um dos dois cursos? E por que precisaríamos
                              a ser uma solução interessante). Revisão da       dividir em dois um curso que já é tão elaborado
                              disposição das disciplinas na grade, discussão    e plural, que permite ao aluno um trânsito livre
                              do sistema de pré-requisitos e co-requisitos      e uma formação tão abrangente e híbrida?
                              (um dos fatores de retenção, segundo avaliação
                              geral da Universidade, feita pela PROGRAD).          Nosso objetivo em expor toda esta história é,
                              Estes professores deveriam ser ouvidos para       sem dúvida, reabrir o baú velho em que foram
                              que suas idéias ganhassem espaço.                 encerradas, ainda que temporariamente, as
                                                                                pendências que ficaram de 2007, do REUNI,
                                                                                das propostas para Letras e, como parte
                                     previsão “astrológica”                     interessada que somos, descobrir quem
                                                                                efetivamente quer o quê. Temos consciência de
                                 Dentro de toda essa imensa discussão há        que é mexer em um vespeiro, mas, como dizia
                              muitas dúvidas. Se acontecer de a decisão,        o avô de um professor nosso, “diga a verdade e
                              depois de alguma atitude tomada pelas partes      faça o que você diz”. É por isso que acreditamos
                              interessadas, ser favorável à separação, para     ser de extrema importância a participação
                              que finalmente cada lado possa seguir a linha     de todos, alunos e professores, na Semana
                              que acredita ser melhor, para que se acabe        Acadêmica de Avaliação. Também queremos
                              (utopicamente falando) com o “mal-estar”          propor um plebiscito, com voto secreto, para
                              (eufemicamente falando) atual ou talvez para      que tenhamos um dado quantitativo em que
                              simplesmente evitar uma nova discussão            nos fundamentar para tomar uma posição ou
                              precisaremos pensar em muitos pontos a            outra. Para podermos decidir a vida de tantos
                              esclarecer, entre eles a situação da área de      estudantes que hoje estão na educação básica
                              Alemão, que tem o direito de permanecer no        e estarão aqui mais tarde, sem que eles sequer
                              curso atual e que merece ter parte no diálogo     saibam disso, além da nossa própria, afinal
                              com o DELIN; o direito que os alunos têm          poderemos estar lá, nas cátedras de Letras
                              (até agora assegurado) de escolher livremente     desta Universidade, quando este assunto se
                              entre as opções de que o curso dispõe; a não      resolver.


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                    O papel da infância na obra de
                   Luandino Vieira e L. B. Honwana
                                                                                             Katarina Bralić1


                  Introdução                               verificarmos se as três definições deste termo
                                                           no contexto das obras de escritores angolanos
                                                           de fato coincidem com o modo como este tema
   Neste pequeno trabalho vamos tentar
                                                           é tratado por Honwana, é preciso explicarmos
analisar como é que o motivo da infância vem
                                                           brevemente do que é que se trata este seu conto.
elaborado nos contos «As mãos dos pretos»
                                                           O herói da história, um menino, aprende um
de L. B. Honwana e «Estória da galinha e do
                                                           dia com seu professor que as palmas das mãos
ovo» de Luandino Vieira. Vamos tentar provar
                                                           dos negros são mais claras do que o resto do
que este elemento não serve para estes dois
                                                           corpo. Intrigado por este fato, o menino tenta
escritores africanos somente para dar uma
                                                           resolver o «mistério» perguntando aos adultos
visão do mundo infantil e tão diferente da visão
                                                           por que isto é assim, e as explicações dadas por
dos adultos, mas também para exprimir uma
                                                           eles variam bastante, sendo muitas delas em
crítica social. Como vamos ver em adiante, a
                                                           alguns aspetos racistas.
infância no contexto das obras mencionadas
é uma esfera bastante ampla que nos deixa                     A infância no conto de Honwana é o período
espaço para interpretações as mais variadas                em que o menino observa o mundo que o
deste elemento.                                            rodeia, descobrindo nele fatos e fenômenos que




                                                                                                                DOSSIÊ CROÁCIA
                                                           algumas vezes não pode explicar (neste caso, o
                                                           problema das mãos dos negros), usando noções
O papel de infância na obra de L.
                                                           limitadas que possui do mundo e pedindo
 B. Honwana e Luandino Vieira                              aos adultos para o ajudarem a compreender
                                                           aquilo que o confunde. Neste sentido podemos
    No seu livro «Estudos sobre literaturas das            dizer que, de fato, a infância é um lugar de
nações africanas de língua portuguesa» Alfredo             aprendizagem do mundo real, em que o menino,
Margarido afirma que a infância é um tema                  imerso na realidade material, tenta decifrar
comum a muitos escritores angolanos e que                  enigmas que surgem frente aos seus olhos e que
este elemento (i.e. a infância), no contexto da            aos adultos podem parecer banais. O interesse
literatura angolana, pode ser definido como:               do menino branco pela problemática das mãos
A.    lugar de aprendizagem do mundo real,                 dos negros, revela-nos a diferença crucial entre
      mas também do mundo dos mortos e dos                 as crianças e os adultos. Aos adultos, alienados
      espíritos;                                           da natureza e do mundo no seu sentido mais
                                                           amplo e ligados às trivialidades que compõem
B.    altura que desconhece diferenças raciais;            a sua vida quotidiana, nunca lhes viria à mente
                                                           questionar algo, à primeira vista tão banal e
C.    período em que se passa para o mundo dos             tão pouco importante, como é o caso da cor
      adultos, em que a pessoa vem a conhecer              das palmas das mãos de outra raça. Mas ao
      as diferenças raciais, que existem na                menino, cuja curiosidade e imaginação ainda
      sociedade2.                                          não estão embotadas pelos problemas de vida
                                                           e banalidades do quotidiano, tudo parece
   Estas três definições podem ser, com muito
                                                           interessante, tudo anima o seu desejo de
sucesso, aplicadas no estudo da maneira
                                                           conhecer aquilo que o cerca. Por isso, talvez
como a infância é apresentada no conto «As
                                                           seja possível afirmar que o mundo de infância
mãos dos pretos» do escritor moçambicano
                                                           no conto de Honwana não é apenas o lugar
L. B. Honwana. Para entendermos melhor
                                                           de aprendizagem, mas também um período
o significado da infância neste conto e para
                                                           de desejo de conhecer o mundo e curiosidade
                                                           infinitos, porque tudo o que constitui o mundo é
     1 Aluna de graduação do curso de Língua e             novo e desconhecido ao pequeno observador.
Literatura Portuguesa, Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas,Universidade de Zagreb.                               A infância é, como podemos concluir
                                                           partindo do parágrafo anterior, um período
     2 Veja-se Margarido 1980: 360.
                                                           que desconhece muitos fatos e fenômenos

                                                                                              BOCA DO INFERNO N°23
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                 que constituem o universo. Mas é importante        dos adultos, que confirma a validade da terceira
                 destacar que aquilo que a infância também          definição de Margarido no contexto do conto
                 ignora são questões socias, uma das quais é,       por nós estudado.
                 sem dúvida, a das diferenças raciais. Lendo
                 muito atentamente o conto de Honwana,
                 podemos dizer que essa problemática também                                II
                 é elaborada em sua pequena obra. Algumas
                 das explicações dos adultos relacionadas                  Baseados no conto «Estória da galinha
                 ao problema que intriga o menino, contêm           e do ovo» de Luandino Vieira vamos tentar
                 elementos racistas – os negros são comparados      formular três definições da infância no contexto
                 com bichos do mato, somente capazes de             desta sua obra:
                 apanhar o algodão branco de Virgínia; a Dona
                                                                    D. um período em que as crianças estão mais
                 Dores afirma que as suas mãos são mais claras
                                                                       ligadas à natureza;
                 que o resto do corpo para não sujarem a
                 comida que fazem para seus patrões, enquanto       E.   apologia de ingenuidade, benevolência e
                 o Senhor Padre diz que «até os pretos eram              não-depravação de crianças que graças a
                 melhores do que nós»1 . Esta equiparação                estas características conseguem resolver
                 dos negros aos animais, o motivo de sujidade            os problemas, que os adultos são incapazes
                 associado à cor da sua pele, a afirmação de eles        de resolver;
                 serem aptos somente para o trabalho manual e       F.   o símbolo de um mundo novo que
                 o menosprezo com que todas estas personagens            profetiza o estabelecimento de uma nova
                 falam dessa raça são elementos óbvios de                época socio-histórica.
DOSSIÊ CROÁCIA




                 discriminação que o menino, na sua inocência
                 e ingenuidade, não é capaz de detectar. Ele           Para termos menos dificuldades em
                 recebe todas as explicações (discriminatórias      argumentar as nossas teses, vamos contar
                 e não discriminatórias) da mesma maneira,          brevemente o enredo do conto. A Zeca zangou-
                 não fazendo caso aos elementos racistas e          se com a Bina, mulher grávida, por sua galinha
                 recontando-as simplesmente aos leitores, que       ter posto ovo no quintal da outra. Nem velha
                 testemunha a falta total da consciência das        Babeca, respeitada por todos pela sua suposta
                 diferenças raciais nele.                           sabedoria, nem o comerciante Sô Zé, nem o dono
                                                                    de cubatas Sô Vitalino, nem o ex-seminarista
                    A nossa última tese está indiretamente          Azulinho, nem o notário Sô Lemos, perito
                 ligada à terceira definição de infância de         em resolver altercações entre pessoas, nem o
                 Alfredo Margarido, segundo a qual neste            sargento acham solução para esta disputa. O
                 período se passa para o mundo dos adultos,         problema só é resolvido por dois meninos, o
                 em que a pessoa vem a conhecer diferenças          Xico e o Beto, que sabem se comunicar com os
                 raciais. Ainda que neste conto não seja descrita   animais, quando o Beto começa a cantar para
                 esta transição do protagonista para o período      a galinha Cabíri, imitando o galo e salvando-a
                 adulto da sua vida, é preciso destacar que as      do sargento.
                 explicações sobre o problema que o intriga,
                 dadas pelas pessoas que o rodeiam, exercem            A capacidade dos meninos em imitar a língua
                 uma influência importantíssima na formação         animal indica sua ligação à natureza, a sua
                 da sua mundividência, ao mesmo tempo               imersão na realidade material que os rodeia e um
                 instruindo-o no sentido de como é que funciona     entendimento profundo dos fatos e fenômenos
                 a sociedade. Dito em outras palavras, através      pelos quais esta realidade é constituída. Esta
                 das histórias que os adultos narram para           característica das crianças pode ser observada
                 esclarecerem o problema das mãos dos negros,       em antagonismo com a alienação dos adultos em
                 o menino apreende (inconscientemente!)             relação à natureza, bem evidente na negligência
                 a hierarquia social, a relação entre a classe      com a galinha, no desejo de todas as personagens
                 dominante e o estrato reprimido, ou seja, as       mencionadas buscarem tirar uma vantagem
                 diferenças raciais estabelecidas pela sociedade.   material dessa zanga, e no comportamento
                 Levando este fato em consideração, podemos         trocista da velha Babeca para com os dois
                 deduzir que este conto problematiza a fase         meninos ao saber que eles falam com os animais.
                 inicial da transição do menino para o universo     Esse dualismo entre a imersão das crianças na
                                                                    realidade material e a alienação dos adultos para
                                                                    com essa mesma realidade, exprimidas aqui
                    1 Honwana 1972: 111.


BOCA DO INFERNO N°23
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através da relação com a natureza, aproximam          Afinal, a nossa terceira tese atribui à infância
o conto de Luandino Vieira da obra de L. B.        uma dimensão sociohistórica, segundo a qual
Honwana, «As mãos dos pretos», em que, como        este período da vida humana simboliza uma
já destacamos, uma das diferenças mais notáveis    nova geração que vai eliminar o existente
entre crianças e adultos consiste no interesse     sistema sociopolítico, já anacrônico e incapaz
das primeiras no mundo que os rodeia e na          de funcionar no futuro. O fato de terem os
indiferença dos adultos em relação à realidade     meninos resolvido o conflito dos adultos
material.                                          simboliza a vitória da nova geração sobre um
                                                   sistema anacrônico, sendo a incapacidade
   Como já dissemos, quase todas as
                                                   dos adultos de encontrar uma solução
personagens que intervêm no conflito das duas
                                                   satisfatória a expressão do anacronismo e
mulheres querem tirar vantagem, levando
                                                   do mau funcionamento da ordem existente.
a galinha ou o ovo por engano, que, de certo
                                                   Colocando estes elementos no contexto da
modo evidencia a sua esperteza ou a propensão
                                                   história angolana, podemos reparar que a
para cuidar, em primeiro lugar, dos próprios
                                                   nova geração (os meninos) representa os
interesses. Vários protagonistas do conto
                                                   lutadores anticolonialistas, enquanto o sistema
são marcados por vícios diferentes – a Bina
                                                   anacrônico, representado no conto pelos
alimentava a galinha de outrem com milho
                                                   adultos, corresponde à sociedade colonial.
para se aproveitar dela, o Sô Vitalino é um
velho depravado que gosta de incomodar uma
inquilina da sua cubata, não perdendo tempo           Bibliografia
para tocá-la ou tentar seduzi-la quando o seu         Honwana, Luís Bernardo. Nós matámos o Cão-
marido não está lá, a mulher do Sô Lemos é         Tinhoso. Porto: 1972, Edições Afrontamento.




                                                                                                         DOSSIÊ CROÁCIA
prostituta que engana o seu esposo com vários         Laranjeira, Pires. Literaturas africanas de
homens, enquanto o Azulinho é um vaidoso           expressão africana. Lisboa: 1995, Universidade
representante do estrato social assimilado. Os     Aberta.
únicos privados de qualquer vício, os únicos          Margarido, Alfredo. Estudos sobre literaturas
que cuidam da galinha, querendo-a proteger e       das nações africanas de língua portuguesa.
salvar, não tentando aproveitar-se da situação,    Lisboa: 1980, A Regra do Jogo, Edições, Lda.
são dois meninos, que graças a sua bondade,           Vieira, Luandino. Luuanda. Lisboa: 2004,
inocência e altruísmo resolveram o problema.       Caminho.


                     Graus de vocábulos de
             obscenidade nas cantigas trovadorescas
                                                                                           Dejan Rilak


     O objetivo deste curto trabalho é mostrar     frade dizen escaralhado, que, satirizando um
pelos exemplos que o vocabulário de obscenidade    frade cuja paróquia o acreditava um homem
nas cantigas trovadorescas, nomeadamente           santo e casto, revelando na continuação que
nas cantigas de escárnio e maldizer, não é por     este, portanto, tinha muitas amantes, abunda
definição vulgar, obsceno ou pornográfico.         em palavras vulgares, como caralho, foder,
Parafraseando as palavras da Carolina Michaelis,   arreitar. A posição especial está reservada
não nos dedicaremos (só) aos palavrões, mas        para as palavras escaralhado e encaralhado.
ao “nome que as coisas levam na linguagem          Esta invenção lexical poderia se traduzir
empregada“1, e veremos que é mais exato            diretamente como castrado e impotente no que
falar do “vocabulário de obscenidade“ do que       diz respeito à palavra escaralhado, enquanto
do “vocabulário obsceno“. Baseando-se no           encaralhado remete ao tamanho do pénis do
vocabulário de três cantigas, faremos a divisão    clérigo. Indiretamente apresenta-se um aspeto
da obscenidade em três grupos.                     antagonista do par casto/luxurioso. Porém, se
                                                   bem que se trate já de duas palavras obscenas,
  Começaremos pelo exemplo mais óbvio da
                                                   não podemos falar de uma obscenidade sem
obscenidade, cantiga de Fernando Esquío A un
                                                   atingindo o aspeto metafórico da cantiga. O
                                                   que é obsceno, afinal, não são as palavras
   1
       Robert.                                     obscenas, mas a situação à qual estas palavras


                                                                                        BOCA DO INFERNO N°23
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                 se referem, isto é, a postura hipócrita do         interessante na cantiga foi a palavra bem
                 frade. Chamaremos este tipo de obscenidade         (ben). Vejamos os versos seguintes: Abadessa,
                 “obscenidade direta” – é a situação obscena        oí dizer / que erades mui sabedor de todo ben
                 mostrada pelas palavras obscenas.                  / (...) / que havedes bon sén de foder e de todo
                                                                    ben1. Como afirma Regina Michelli, o início
                    Segundo tipo de obscenidade seria
                                                                    da cantiga poderia levar o leitor a pensar em
                 “obscenidade indireta” onde o autor não usa
                                                                    suas qualidades morais, em sua bondade.
                 as palavras obscenas, mas é a situação que é
                                                                    Portanto, “o eu - lírico revela, gradativamente,
                 obscena. Notaremos aqui a cantiga de Joán
                                                                    as verdadeiras habilidades de tal religiosa”2,
                 Airas Don Beeito, home duro que conta a
                                                                    assinalando uma outra possibilidade da leitura
                 história de um homem cuja mulher o traiu
                                                                    da palavra bem, como sinónimo de foder.
                 entrando num ato sexual com o tal Dom Beito.
                                                                    Diferetemente do vocabulário da cantiga de
                 Diferentemente de Esquío, Airas não usa
                                                                    Airas, onde também tínhamos palavras não-
                 palavras vulgares, mas é pelas palavras digamos
                                                                    vulgares tomadas como vulgares, a palavra
                 “normais” que ele consegue criar o ambiente
                                                                    bem na cantiga de Cotón não releva de repente
                 da vulgaridade. A descrição do Dom Beito
                                                                    o seu sentido obsceno.
                 como homem duro refere-se indiretamente ao
                 pénis dele, no sintagma beijar pelo obscuro é         Para concluir confirmaremos o objetivo
                 o sentido da obscuridade que nos revela que        do nosso trabalho que foi mostrar como o
                 se trata de algo “proíbido”, enquanto os versos    vocabulário apresentando a obscenidade não
                 beijar pelo furado, beijar pela fendedura e        tem que ser por definição obsceno ou vulgar.
                 beijar polo buraco a mia senhor descrevem o        Vimos um exemplo onde isto é o caso, um outro
                 ato sexual, utilisando as metáforas para o órgão   onde o ambiente é vulgar, mas as palavras não
DOSSIÊ CROÁCIA




                 sexual feminino.                                   o são, e último onde as palavras que significam,
                                                                    no seu primeiro sentido, uma oposição forte
                    Finalmente, chegamos a “obscenidade
                                                                    à obscenidade, acabam por ser o sinónimo
                 escondida”, onde o leitor não pode facilmente
                                                                    daquilo a que se opõem.
                 reconhecer que atrás as palavras usadas se
                 encontra o mundo da obscenidade. Pegamos no
                                                                    Bibliografia:
                 exemplo a cantiga Abadessa, oí dizer de Afonso
                 Eanes de Cotón na qual um noivo em sua noite          Michelli, R. “O emprego polissêmico da
                 de núpcias procura uma abadessa para lhe           palavra bem nas cantigas trovadorescas”. In:
                                                                    Revista Philologus, Rio de Janeiro, ano 6 (18),
                 ensinar a arte de amor, porque é notório que
                                                                    pp. 88 – 99
                 a abadessa é a profunda conhecedora do sexo.
                 Mesmo que nesta cantiga também haja palavras          Robert, L. “A Obscenidade em Cantigas
                                                                    Trovadorescas”. Universidade Federal de Espírito
                 vulgares, o que nos pareceu especialmente
                                                                    Santo, Vitória, 2005.


                             Diferenças entre cantigas de escárnio
                                    e cantigas de mal dizer
                                                                                                               Ana Kaniški


                    Baseando-se no medieval texto teórico           obsceno, a diferença maior entre as cantigas
                 Arte de Trovar e em vários exemplos das            satíricas é o equívoco, criado através do uso das
                 cantigas de escárnio e cantigas de mal dizer,      palavras do significado ambíguo –que é uma
                 o objetivo deste pequeno papel é demonstrar        característica não inerente às cantigas de mal
                 as diferenças principais entre as cantigas de      dizer, nos quais o nome da pessoa satirizada e
                 género satírico da poesia trovadoresca galego-     o vocabulário obsceno aparece como regra.
                 portuguesa, que, infelizmente, não captaram
                                                                       Na prosa teórica Poética Fragmentária ou
                 o interesse dos críticos dessa posesia que se
                                                                    Arte de Trovar, ou seja, no único texto teórico
                 preoucupavam priariamente com a poesia
                 amorosa. O objetivo do papel, também, é
                 mostrar que, além das diferenças secundárias,          1 Abadessa, ouvi dizer / que é um grande sabedor de
                                                                    todo o bem / (...) / que tem um bom conhecimento de
                 as de exclusão do nome da pessoa satirizada
                                                                    foder e de todo o bem/ (Minha atualização).
                 (frequente, mas não sempre) e do vocabulário
                                                                       2 Michelli


BOCA DO INFERNO N°23
13
conservado sobre a poesia tovadoresca, com                    ligeiramente; e estas palavras chamam os
a qual começa o Cancioneiro da Biblioteca                     clerigos equivocatio.”4, enquanto as cantigas
Nacional de Lisboa, o autor anónimo de pouco                  de mal dizer são: “[...] aquela[s] que fazem
conhecimento da lírica trovadoresca1 distingue                os trobadores ... descubretamente. E[m] elas
três géneros da poesia trovadoresca galego-                   entram palavras que querem dizer mal e non
portuguesa: as cantigas de amor e cantigas de                 aver outro entendimento senom aquel que
amigo que pertencem à poesia amorosa, e as                    querem dizer chãamente.”5
cantigas de escárnio e mal dizer que pertencem
                                                                  Baseando-se na definição dada no Arte de
à poesia satírica. Neste tratado, embora
                                                              Trovar, amplificamos as diferenças entre as
incompleto porque lhe faltam as primeiras
                                                              cantigas satíricas: nas cantigas de mal dizer
páginas2, o autor determina as diferenças
                                                              o tovador bem eloquente, transformando-se
principais das cantigas da poesia satírica.
                                                              num crítico da sociedade medieval sem papas
   Os trovadores galego-portugueses e os críticos             na língua, primariamente descobre o nome
da poesia trovadoresca acreditavam que a maior                da pessoa satirizada e usa o léxico obsceno,
diferença entre as duas cantigas é que nas cantigas           enquanto o trovador das cantigas de escárnio,
de mal dizer o trovador sempre descobre o nome                tendo omitido e o nome e o vocabulário lascivo,
da pessoa satirizada, enquanto o trovador da                  critica a pessoa satirizada usando o equívoco,
cantiga de mal dizer o omite, e ademais, usa o                que exige a inteligência do leitor para descubrir,
léxico obsceno. É um pressuposto que se mostrou               através das várias palavras com o significado
errado. Apesar de essa hipótese teroreticamente               ambíguo, o verdadeiro significado da cantiga
ser bem postulada, na práctica não funcionava.                de escárnio – o satírico. Quer dizer, o equívoco
Se analisarmos uma cantiga de escárnio Maria                  possibilita as duas leituras da cantiga: uma




                                                                                                                          DOSSIÊ CROÁCIA
Peres, a nossa cruzada, escrita por Pero da Ponte             literal e outra metafórica.
[B 1642 / V 1176], veremos que, apesar de esse
                                                                  Se agora, tendo em consideração as
escudeiro e segrel da provável origem galega3
                                                              diferenças principais entre as duas cantigas
declarar o nome da pessoa satirizada, nesse caso
                                                              satíricas, voltarmos para antes mencionada
da mulher chamada Maria Peres, essa cantiga é
                                                              cantiga de Pero da Ponte, veremos que a
uma cantiga de escárnio! Como é que isso seja
                                                              leitura da cantiga à letra é seguinte: Maria
possíviel? A resposta à essa pergunta, bem como
                                                              Peres, a famosa cantadora e bailarina,
a definição entre as duas cantigas satíricas, é
                                                              regressa da peregrinação à Terra Santa,
proposta no tratado Arte de Trovar.
                                                              cheia de indulgências, mas deixa-as roubar,
   Segundo a definição do autor anónimo,                      porque perdeu o loquete da maeta onde as
que foi reproduzida pelas Gonçalves e Ramos                   decidiu guardar depois de ter percibido que
[1983], as cantigas de escárnio são: “[...]                   as indulgências foram mal ganhas. Usando o
aquelas que os trobadores fazem querendo                      duplo sentido da palavra maeta, que significa
dizer mal d’algue[m] em elas, e dizem-lho                     literalmente mala ou baú, o trovador construíu
per palavras cubertas que ajam dous                           o equívoco e tornou possível a leitura metafórica
entedimentos para lhe-lo non entenderem...                    da maeta como palavra obscena para designar
                                                              o sexo da mulher6, como é trovado no quatro
                                                              e quinto verso da segunda estrofe: ca, pois o
    1 Sanlúcar de Barrameda, La literatura medieval           cadead’én foi perder, / sempr’a maeta andou
galego-portuguesa: La lírica, caracterización general,
géneros y autores. La prosa. Tipologia., 2003.. O artigo é
                                                              descadeada. Escolhemos essa cantiga para
disposto em: http://html.rincondelvago.com/literatura-        mostrar que existem várias cantigas de escárnio
medieval-gallego-portuguesa.html. Compare-se: José-           onde os trovadores nomeam diretamente a
Martinho Montero Santalha, Guiseppe Tavani, Arte de           pessoa satirizada e que a definição teórica,
Trovar do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa:       proposta no Arte de Trovar, na práctica não é
Introdução, edição crítica e fac-símile, em: Revista galega
de filoloxía. A análise crítica é disposta em: http://ruc.
                                                              delimitada estritamente.
udc.es/dspace/bitstream/2183/2600/1/RGF-4-rec-3-
definitivo.pdf.                                                   4 Elsa Gonçalves, Maria Ana Ramos, Textos literários:
                                                              A lírica galego-portuguesa (Textos escolhidos)., Lisboa:
   2 Sanlúcar de Barrameda, 2003.
                                                              Editorial Comunicação, 1988, pg.: 23.
    3 Para infomrações adicionais sobre a vida e
                                                                 5 Elsa Gonçalves, Maria Ana Ramos, 1983, pg.: 23.
actividade prolífera do trovador galego Pero de Ponte
veja-se:   http://www.astormentas.com/din/biografia.             6 Elsa Gonçalves, Maria Ana Ramos, 1983, pg.: 190-
asp?autor=P%EAro+da+Ponte.                                    192.


                                                                                                        BOCA DO INFERNO N°23
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                    Resta-nos mostrar a veracidade das diferenças            68] ao seu contemporâneo, ao jogral galego
                 entre duas cantigas satíricas. Numa das suas                Afonso Eanes do Cotom2. Nessa cantiga o
                 conhecidas cantigas satíricas, intitulada [B 1467           Rei Sábio ataca um outro contemporâneo, já
                 / V 1077], o trovador galego Joán Airas não só              mencionado escudeiro e segrel Pero da Ponte
                 omite o vocabulário obsceno, mas já no primeiro             por ter roubado várias cantigas do Cotom,
                 verso da primeira estrofe, em vez de nomear a               sobre que o Rei Sábio trova explicitamente na
                 pessoa satirizada, neste caso uma mulher, ele               primeira estrofe: Pero da Pont’ha feito gran
                 diz: Üa dona, non digu’eu qual. A leitura dessa             pecado / de seus cantares, que el foi furtar /
                 cantiga à letra indica que Joán Aires trova sobre           a Cotón, que, quanto el lazerado / houve gran
                 uma mulher que queria ir à igreja, para assistir            tempo, el x’os quer lograr, / e doutros muitos
                 à missa e sermão, mas desistiu de ir porque foi             que non sei contar, / por que hoj’anda vistido e
                 impedida pelo corvo. Tomando em consideração                honrado. Ademais, o segrel Pero da Ponte está
                 que a palavra corvo tem o sentido ambíguo de                acusado de ter morto o jogral Cotom.
                 homem1, a leitura figurátiva dessa cantiga implica
                 que a mulher desistiu de ir à igreja porque,                   Notamos que as principais características
                 simplesmente, estva deitada com um homem.                   das cantigas de mal dizer, que já destacámos,
                 Portanto, a cantiga de Joán Airas é uma cantiga             são nomeação direta da pessoa satirizada, o uso
                 de escárnio.                                                frequente do vocabulário baixo calão, que não
                                                                             é o caso na cantiga do Rei Sábio. Os trovadores
                    Afinal, analisaremos uma cantiga de mal                  sempre omitiam o uso do equívoco porque o
                 dizer. Dom Afonso, o rei de Castela e Leon,                 alvo principal das cantigas de mal dizer é a
                 dedicou uma cantiga de mal dizer [B 485 / V                 crítica ou escárnio direto da pessoa satirizada.
DOSSIÊ CROÁCIA




                   pero da ponte [B 1642 / V 1176]                               Joán Airas [B 1467 / V 1077]

                            María Pérez, a nossa cruzada,                                 Ũa dona, non digu’eu qual,
                         quando veo da terra d’Ultramar,                                 non aguirou hogano mal:
                           assí veo de pardón carregada                                    polas oitavas de Natal
                         que se non podía con el emerger;                                    ía por sa missa oír,
                                                                                         e houv’un corvo carnaçal,
                         mais furtan-lho, cada u vai maer,                                  e non quis da casa saír.
                         e do perdón ja non lhi ficou nada.
                                                                                          A dona, mui de coraçón,
                         E o perdón é cousa mui preçada                                     oíra sa missa, entón,
                          e que se devía muit’a guardar;                                   e foi por oír o sarmón,
                          mais ela non ha maeta ferrada                                  e vedes que lho foi partir:
                        en que o guarde, nen a pod’haver,                                houve sig’un corv’a carón,
                          ca, pois o cadead’én foi perder,                                  e non quis da casa sair.
                        sempr’a maeta andou descadeada.
                                                                                        A dona disse: «Que será?»
                        Tal maeta como será guardada,                                       E i o clerigu’está ja
                         pois rapazes albergan no logar,                                revestid’e maldizer-mi-á,
                       que non haja seer mui trastornada?                                se me na igreja non vir.
                          Ca, o logar u eles han poder,                                  E diss’o corvo: quá, aca,
                      non ha pardón que s’i possa asconder,                                e non quis da casa saír.
                        assí saben trastornar a pousada!
                                                                                          Nunca taes agoiros vi,
                           E outra cousa vos quero dizer:                                 des aquel día que nací;
                          atal pardón ben se dev’a perder,                              com’aquest’ano houv’aquí;
                         ca muito foi cousa mal gaanhada.                                e ela quis provar de s’ir,
                                                                                         e houv’un corvo sobre si,
                                                                                           e non quis da casa saír.
                      1 “Não se trata de uma ave agoireira que a impedia
                 do seu dever religioso, foi um ser humano, que se lhe pos
                 a caron (ao lado dela, na cama)”. Veja-se: M. Rodrigues
                 Lapa, Cantigas d’escarnho e mal dizer dos cancioneiros
                 medievais galego-portugueses. Madrid: Editorial Galaxia,
                 2ª edição, 1970. Também, esse livro pode servir como
                 fonte das informações adicionais sobre a vida e produção        2 Veja-se: Francisco da Silveira Bueno, Formação
                 lírica desse trovador galego. Disposto em: http://books.    histórica da Língua Portuguesa: O lirismo. Disposto
                 google.pt/books?id=eICwkkcJkZMC&printsec=frontcov           em:      http://www.sibila.com.br/index.php/formacao-
                 er&hl=hr#v=onepage&q=&f=false.                              historica-da-lingua-portuguesa.


BOCA DO INFERNO N°23
15

   Dom Afonso, rei de Castela e                       Bibliografia:
      Leom [B 485 / V 68]                             Barrameda, Sanlúcar de. La literatura medieval
                                                  galego-portuguesa: La lírica, caracterización
                                                  general, géneros y autores. La prosa. Tipologia.,
        Pero da Pont’ha feito gran pecado         2003.. Acessível em: http://html.rincondelvago.
       de seus cantares, que el foi furtar        com/literatura-medieval-gallego-portuguesa.html
       a Cotón, que, quanto el lazerado
                                                      Barros, José D. Assunção. Uma cadeia
    houve gran tempo, el x’os quer lograr,
                                                  de cantigas de escárnio: uma análise sobre a
     e doutros muitos que non sei contar,
                                                  poesiasatírica ibérica do século XIII e suas
     por que hoj’anda vistido e honrado.
                                                  tensões sociais. em: Terra roxa e outras terras:
                                                  revista dos estudos literários. Disposto em:
        E por én foi Cotón mal día nado,
     pois Pero da Ponte herda seu trobar;             Bueno: Francisco da Silveira. Formação
       e mui máis lhi valera que trobado          histórica da Língua Portuguesa: O lirismo.
     nunca houvess’el, assí Deus m’ampar,         Disposto em: http://www.sibila.com.br/index.
       pois que se de quant’el foi lazerar        php/formacao-historica-da-lingua-portuguesa
    serve Don Pedro e non lhi dá én grado.            Gonçalves, Elsa; Ramos, Maria Ana. Textos
                                                  literários: A lírica galego-portuguesa (Textos
         E con dereito seer enforcado             escolhidos)., Lisboa: Editorial Comunicação, 1988
      deve Don Pedro, porque foi filhar           http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/
       a Cotón, pois-lo houve soterrado,          vol6/vol6_2.pdf
      seus cantares, e non quis ende dar              Lapa, M. Rodrigues. Cantigas d’escarnho e
         ũu soldo pera sa alma quitar             mal dizer dos cancioneiros medievais galego-




                                                                                                       DOSSIÊ CROÁCIA
     sequer do que lhi havía emprestado.          portugueses. Madrid: Editorial Galaxia, 2ª
                                                  edição, 1970. Disposto em: http://books.google.
      E por end’é gran traedor provado,           pt/books?id=eICwkkcJkZMC&printsec=frontco
       de que se ja nunca pode salvar,            ver&hl=hr#v=onepage&q=&f=false
       come quen a seu amigo jurado,
                                                      Santalha, José-Martinho Montero. Guiseppe
         bevendo con ele, o foi matar:
                                                  Tavani, Arte de Trovar do Cancioneiro da
        todo polos cantares del levar,
                                                  Biblioteca Nacional de Lisboa: Introdução,
       con os quaes hoj’anda arrufado.
                                                  edição crítica e fac-símile, em: Revista galega
                                                  de filoloxía. Disposto em: http://ruc.udc.es/
      E pois non ha quen no por én retar
                                                  dspace/bitstream/2183/2600/1/RGF-4-rec-3-
     queira, seerá oimais por min retado.
                                                  definitivo.pdf.


             O causo do lobisomem e três bruxas
                                                                                         Ana Kaniški


   Numa yamí quando a iaé cheia, erguida          lobisomem e sua auá, ainda desconhecida a elas.
altamente no céu aberto, iluminava um espaço      A mais velha comentou:
dentro da mata profunda e densa de vegetação,        - Oi, bruxas, sabiam que o nosso lobisomem
precisamente, numa clareira bastante ampla        se casou?
e rodeada pelos altos amapás de ramos tibas
                                                     - Não! Em sério? – As bruxas responderam
que ondulavam gentilmente com a brisa fria,
                                                  unânime ao ouvirem isto. A bruxa mais velha
numa reunião de pessoas e bichos mitológicos,
                                                  continuou:
habitantes dessa mata prolífera, três bruxas
velhas, que chegaram primeiras, comentavam           - Sim! Agora é um abá de família.
o resto de seus colegas que iam chegando na       Provavelmente agora, com as restrições da sua
esperança de novamente verem os velhos amigos     auá mula-sem-cabeça, durante a airequecê
e trocarem as experiências de mundo de além.      cheia ele não pode lamber as auás, nem velhas
Vestidas de manto preto e reunidas em redor da    e menos jovens. Imagina a raiva e ciúme da sua
caldeia em que se preparava a poção, as bruxas,   auá! - Constatou a bruxa mais velha. Ao ouvir a
às quais não escapa nenhum acontecimento e        mais velha bruxa dizer que a auá de lobisomem
novidade do mundo mitológico, estavam perante     é a mula-sem-cabeca, a bruxa mais jovem, que
uma dúvida: o que é que aconteceu com o notório   não quer dizer a mais linda, interveio:


                                                                                      BOCA DO INFERNO N°23
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                    - Eu sabia! Então, é verdade? A sua auá é          - A Dália, – continuou a bruxa mais velha
                 a mula-sem-cabeça? Eu ouvi Saci-Pererê dizer       – ao perceber que o seu marido descobriu o
                 que, antes de se casar com o lobisomem, a sua      seu segredo, transformou-se numa mula-sem-
                 auá tinha estado namorada pelo seu pai. Que        cabeça e saiu galopando em direção à mata,
                 horror! Por isso foi transformada em mula-         nunca mais retornando para a corte real. Por
                 sem-cabeça. O que é que tu ouviste sobre essa      isso eu disse que o lobisomem, durante a
                 auá, Joaninha? Chama-se Tabita, não é? – As        airequecê cheia ele não pode lamber as auás,
                 duas bruxas ficaram estupefatas. Isso não          nem velhas e menos jovens. Quer dizer, o
                 foi que eles sabiam da auá do lobisomem. A         cadáver, que a Dália comia, era o da criança
                 Joaninha acrescentou:                              feminina e agora, por isso, depois de ter sido
                    - Não fales tolices, menina! Senão nunca        castigada e transformada numa mula-sem-
                 serias tão sapiente como nos duas. Ainda tens      cabeça, ela sente a raiva e ciúme quando o
                 muito para apreender!                              nosso lobisomem lambe as auás. Desde aqui
                                                                    essa proibição. – Concluiu a bruxa mais velha.
                    - Sim, sim! Ouça o que ela disse! E a auá do
                 lobisomem chama-se Dália, e não Tabita. –              As três bruxas, envolvidas numa discussão
                 Interrompeu a bruxa mais velha. A Joaninha         veemente sobre os recém-casados e a sua
                 de repente continuou:                              vida, nem notaram que, ao fundo da clareira
                    - O que tu disseste não era a razão que         verde, onde as pessoas bailavam e os bichos
                 a Dália foi transformada numa mula sem a           mitológicos estavam a jogar com as suas crias,
                 cabeça e que solta fogo pelo pescoço. Ademais,     de repente, pela „porta“ feita de duas amapás
                 Iara disse que ela costumava correr pelas matas    grandes, com dignidade e orgulho entrou o
                 e campos, assustando as pessoas e animais de       lobisomem acompanhado pela sua auá Dália.
DOSSIÊ CROÁCIA




                 mundo de além. Mas, isso é uma bobagem! O          À maravilha das pessoas e bichos mitológicos,
                 que passou na verdade foi que a Dália perdeu       a Dália era uma auá formosa com a cabeça
                 a sua virgindade antes de se casar com o           no seu pescoço e não à mula sem cabeça. Por
                 nosso lobisomem. – A bruxa mais velha com          causa da estupefacção, as três bruxas ficaram
                 veemência respondeu:                               sem palavras. Ao mesmo tempo, depois de
                    - Joaninha, tu realmente pensas que foi isto    ter cumprimentado o lobisomem e a Dália, o
                 mesmo que aconteceu?                               membiro da bruxa mais velha, também um
                                                                    feiticeiro, mas ele, bem feito e de bem postura,
                    - Sim. Ontem conversava com Boi Tatá. Ele
                                                                    ao lado das três bruxas, era tipo de abá pelo
                 disse-me isto. Sabes que ele à yamí vê tudo. –
                                                                    qual todas as auás e meninas da floresta se
                 Atreveu-se dizer a Joaninha, por causa de que
                                                                    apaixonavam, ia-se aproximando à bruxa
                 a bruxa mais velha se zangou.
                                                                    mais velha. Por sorte, ele ouviu uma parte da
                    - Essa é boa! Boi Tatá não sabe nada. Ouça      discussão das três bruxas. Furioso, ele diz:
                 bem! A Dália era uma rainha. Ela costumava ir
                 secretamente ao cemitério no período da yamí.          - Mãe, ainda estás a disseminar as bisbilhotices?
                 O rei, o seu marido...- A bruxa mais jovem         Quando é que vais apreender? Jé te disse! Tu e o
                 interrompeu:                                       resto das bruxas são as mexeriqueiras piores que
                                                                    existem nesse mundo mitológico! Lembras-te
                    - Como o seu marido? O lobisomem é o
                                                                    que passou com o Saci-Pererê? Todo o mundo
                 seu marido! Espera! Ela tem dois maridos? –
                                                                    pensava que o Cairós estava aqui para visitar
                 Estranhada, a bruxa mais velha continuou:
                                                                    a nossa comunidade pequena. E por que eles
                    - Não, ela não tem dois maridos. Deixa-         pensavam isso? Porque não sabiam que tu,
                 me continuar, ok? – Disse a bruxa mais             infelizmente, confundiste o Saci-Pererê com
                 velha e continuou com a sua história sobre o       o semideus grego. Pobre Saci-Pererê! Não
                 lobisomem.                                         faltou muito para que ele enlouquecesse. - Um
                    - Agora, onde estava? Ah, sim... O rei, o seu   minutinho depois ouviu-se a voz fraca da bruxa
                 marido, numa yamí, resolveu segui-la para          mais velha:
                 ver o que se estava a acontecer. Ao chegar ao
                 cemitério, deparou-se com a esposa comendo                - Eu juraria que a auá do lobisomem
                 o cadáver de uma criança. Assustado, o rei         era a mula-sem-cabeça! Não sei como poderia
                 soltou um grito horrível.                          equivocar? – Agora vocês não têm nada para
                                                                    dizer? – Perguntou a bruxa mais velha as
                    - E que se passou? – Curiosamente
                                                                    outras com a voz mais alta. Elas responderam:
                 perguntou a Joaninha.


BOCA DO INFERNO N°23
Boca do Inferno número 23
Boca do Inferno número 23
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Boca do Inferno número 23

  • 1. EDIÇÃO Nº23 ANO 11– JULHO DE 2010 Desta vez resolvemos fazer diferente. e reunidos em um dossiê, dividido em Não que sejamos vaidosos, mas estas duas partes, por causa do espaço. Nele BOCA DO INFERNO páginas que estão em tuas mãos, caro leitor, são parte de um Senhor Jornal, ou melhor, é o Senhor Boca do Inferno, vocês encontrarão Literatura, Língua e Cultura dos países de Língua Portuguesa sob a perspectiva daqueles nossos um periódico de naipe, como dizem por colegas de curso lá do leste europeu, o aí. Bem, esta introdução nada modesta que é um privilégio, afinal estudamos é para dizer que nossas edições estão sempre a cultura alheia mas pouco ficando cada vez mais aprimoradas, com vemos da nossa cultura sob outros textos científicos, de criação literária e, pontos de vista que não o nosso(p.10). principalmente, participação ativa da Na seção Arte & Manha, bem, lá vocês comunidade acadêmica. vão ver. Oito autores colaboraram, com As páginas do Boca, neste número 23, mini-contos, contos, poemas, enfim... vêm com recheio internacional. Textos Isso demonstra a democracia que a de alunos de Letras da Universidade de gestão prometeu quando era chapa, não Zagreb, da Croácia, foram selecionados é mesmo? Nesta edição Editorial 2 Bons dias! (ou não) 2 Enquanto isso, na Croácia... 2 Boquejando Tréplica sem Réplica 3 Boca aberto? Boca aberta! Semana de Avaliação do Curso de Letras 4 A Aleatoriedade do Saber 4 Abrindo a boca: Letras ufpr Letras UFPR: quem poderá nos defender? 5 Dossiê croácia O papel da infância na obra de Luandino Vieira e L. B. Honwana 9 Graus de vocábulos de obscenidade nas cantigas trovadorescas 11 Diferenças entre cantigas de escárnio e cantigas de mal dizer 12 O causo do lobisomem e três bruxas 15 resenha Marguerite Duras – O Amante 17 sub-realidade So did Mine 18 Arte & manha T. e G. 19 Diatribe – Encômio do Café 20 Ela era Maria 21 Sobre Cólera & Maçãs 21 Nome 22 Coisas Sem Nome 23 Momento 23 finalmentes Expediente 24 Jornal do Centro Acadêmico de Letras da Universidade Federal do Paraná
  • 2. 2 Bons dias! (ou não) “Quizas, quizas, quizas...”, diria Osvaldo Farrés para a situação em que estamos cá nos últimos andares do velho Dom Pedro I. Com os mais recentes (e constantes) palpites do governo federal sobre o currículo do curso, nos vemos numa barafunda sem tamanho, seja em opiniões a respeito das alterações introduzidas pelas autoridades, seja pela dificuldade em nos encaixarmos nesta nova ordem. Quem tem que dançar conforme a música, como sempre, somos nós, que temos que escolher entre aceitar e aceitar. Contudo, mesmo com algumas imposições, nós temos o direito—e o dever—de dar nossos pitacos para o ajuste da coisa toda. E isto deve acontecer em breve, na Semana de Avaliação Acadêmica do curso. Mas, antes, para que os colegas possam ter noção do que pode ser feito (ou pelo menos o que deveria), nós trazemos à mesa um histórico sobre este assunto e também sobre outras discussões que estiveram (e ainda estão, mesmo que não oficialmente) na boca do povo e da pova. Bem, esperamos que, com as devidas precauções tomadas e medidas avaliadas, tenhamos em breve um bom resultado na negociação de acordos para resolução dos abacaxis que temos em mãos. Nós, Centro Acadêmico de Letras, manteremos a posição de defesa dos direitos discentes, que é nosso carro-chefe, ainda que nossas opiniões divirjam de uns e outros. Afinal, não precisamos de EDITORIAL mentores para saber o que queremos, não é? (p. 5) Enquanto isso, na Croácia... ... as Letras Lusófonas ganham espaço. Na edição anterior, o Boca publicou matéria do Professor Paulo Soethe (DELEM) sobre o pacto de cooperação entre a UFPR e a Universidade de Zagreb (Croácia). Segundo o artigo, após visitas de professores da área de Letras, especialmente de Língua Portuguesa à UFPR, intensificaram-se as negociações para que um acordo entre lá e cá fosse efetuado, o que ocorreu em fins de 2007. Em seguida, no Leitorado de Língua e Literatura Portuguesa em Zagreb, passou a ministrar aulas o professor José Luiz Foureaux de Sousa, da Federal de Ouro Preto (UFOP). Em contato com o Boca, através do próprio Professor Paulo, o professor Foureaux e a professora Majda Bojic, que também esteve na UFPR (em 2008), em atividades que visavam o desenvolvimento da cooperação, enviaram para publicação os resultados de trabalhos de discentes croatas. Nós resolvemos publicar como um dossiê, que contém artigos e textos de criação literária daqueles alunos. Importante ressaltar que os trabalhos são, aos olhos do Conselho Editorial deste jornal, muito bem redigidos, em se tratando de textos em língua estrangeira (caso do Português para os croatas). A esta parceria deixamos o registro de agradecimento pelo trabalho realizado pelos responsáveis da UFPR pelo convênio, Professor Paulo Soethe e Professora Patrícia Cardozo, assim como para os professores de Zagreb, que colaboram para o sucesso desta iniciativa, enriquecedora para nós tanto quanto para a Universidade croata. Para vocês verem como nossa língua mãe ganhou prestígio nestas terras de além-mar... BOCA DO INFERNO N°23
  • 3. 3 Tréplica sem réplica A crítica à ultima edição foi, ainda que no acompanhamento e aprendizagem velada, ferrenha. O artigo da quarta página, durante a graduação, por exemplo. Daí a aquele sobre o CELIN, rendeu pano para baixa quantidade de estagiários. a manga. Discussões e apertões à parte, 03. Demanda de línguas estrangeiras: conseguimos fazer algum movimento nesta em algumas áreas, não há oferta da já cansada e cansativa calmaria, entre aspas, Universidade para atuação, como em em que nos encontramos. Em reunião com hebraico, chinês e iorubá, por exemplo, a Direção do CELIN, ouvimos o que tinha a por isso há contratação de associados dizer o destinatário das nossas críticas, que (pelo Ceilin) que não são da UFPR, por considerou algumas de nossas posições como vezes nem de Letras. “inverdades”, conforme palavras que ouvimos. 04. “Capacitação em formação de professores”: Explicamos agora então que as inverdades este curso não serve para dar certificação eram verdades sim, mas para aqueles que equivalente à licenciatura, mas sim para não tinham conhecimento da real situação e capacitar o pleiteante à vaga de professor, dos mecanismos daquele Centro e também de maneira que este obtenha os requisitos de outras entidades próximas a ele. Portanto, mínimos para a prática de ensino dentro agora que recebemos as devidas explicações de uma escola de línguas como o CELIN. por parte da direção do órgão alvo de nosso Esta capacitação é dada a qualquer artigo-quase-denúncia, podemos dizer que pessoa que tenha conhecimento de língua algumas de nossas verdades eram aquelas que estrangeira, inclusive alunos de letras. tem alguém que só conhece um lado da moeda. BOQUEJANDO 05. O CELIN não é uma escola de aplicação Naquela ocasião, o nosso interesse era garantir porque a instituição que tem este caráter o direito de uma parte (bem grande, diga-se) visa outra forma de atuação, não voltada à dos alunos deste curso, o que consideramos comunidade, mas sim à pratica de ensino uma boa razão para reclamar e criticar. e aplicação de metodologias do curso Com esta nossa reivindicação, o CELIN de licenciatura. O Centro de Línguas na tomou parte e procurou, com todo direito, UFPR é na verdade um órgão voltado para responder ao nosso artigo, para esclarecer a Extensão, isto é, ao público externo/ as nossas dúvidas e botar os pingos nos ii, comunidade, o que o incompatibiliza com ainda que não oficialmente, isto é, através a postura de centro de aplicação/prática deste jornal. Importante citar que o Conselho de ensino de LEM para graduandos. Editorial ficou, como sempre o fez, aberto para Outras questões foram discutidas, mas apenas publicação de resposta. Ainda sim, a Direção para esclarecer estes cinco pontos principais. não teve interesse em fazer isso. Diante disso, nos resta apenas a resignação. Na reunião com os representantes daquele Como dissemos antes, imaginávamos que Centro, convocada pelos próprios, obtivemos era esta unidade uma escola de aplicação dos respostas aos questionamentos do referido ensinamentos que recebemos. Segundo o artigo. Estas respostas, salvo engano, são as próprio CELIN, não é. O pedido então, apesar que seguem, resumidamente: destes fatos, que deitaram por terra nossas crenças sobre o objetivo primordial daquele 01. Licenciatura para entrar no CELIN: no Centro, é que os alunos procurem fazer o curso mercado de trabalho, o profissional de de capacitação citado acima, porque ele é o língua estrangeira não precisa de fato ser acesso ao CELIN para quem deseja aprimorar a licenciado. Isto vale também para aquele prática de ensino de LEM em escolas de línguas que pleiteia vaga de docente/estagiário no ou mesmo iniciar a carreira no magistério. CELIN. 02. Estágios: os alunos das licenciaturas, Informações sobre as datas e períodos em em sua maioria, não se interessam em que a capacitação é ofertada estão disponíveis, procurar estágio no CELIN. Além disso, quando das inscrições, no sítio do CELIN: alguns daqueles que têm interesse são http://www.celin.ufpr.br. Neste sítio, vocês, os que ainda não estão preparados para interessados, também encontrarão uma a docência ou não têm capacidade para descrição das características do Centro e das isso, como os que acumulam fracassos atividades acadêmicas a que ele se propõe. BOCA DO INFERNO N°23
  • 4. 4 Semana de Avaliação do Curso de Letras Marcio Guimarães, coordenador do curso de Letras A Coordenação do Curso e o Centro Alunos e professores compartilham a mesma Acadêmico estão promovendo, nos próximos posição sobre os destinos do Curso? É possível dias 24, 25 e 26 de agosto, a Semana de haver discussão, ou vamos nos fechar em blocos Avaliação do Curso de Letras. Esse evento está monolíticos de opinião? previsto no Projeto Político-Pedagógico do A idéia geral desta primeira edição da Curso para coincidir com a Semana de Letras. Semana de Avaliação é a de convidar pessoas Porém, devido a certos desdobramentos da de dentro e de fora do Curso para apresentar discussão em torno do Projeto REUNI de propostas para serem discutidas pela nossa Letras, a gestão passada na Coordenação do comunidade. Para quem está chegando agora, Curso, bem como esta gestão, entenderam que é o momento de conhecer melhor o Projeto era melhor não encaminhar certos assuntos Político-Pedagógico do Curso de Letras durante a Semana, que foi tomando um caráter (inclusive, fomos cobrados com relação a isso de encontro acadêmico. no último processo de avaliação). No entanto, temos muita coisa a conversar. A Para os alunos, a Semana de Avaliação conta BOCA ABERTO? BOCA ABERTA! Coordenação tem detectado pontos de insatisfação como atividade formativa, com um total de com o Currículo 2007. A Comunidade das Letras, 12 horas, pela manhã, e 12 horas, pela noite. A além disso, está em compasso de espera com Programação Geral será divulgada tão logo os relação aos destinos do Curso. Haverá cisão? acertos referentes aos convidados sejam feitos. A Aleatoriedade do Saber Carta do Leitor, Lélio Você deve estar se perguntando “que diz que Deus não quis que os homens se patacoada é essa aqui?” Afinal, este é um jornal comunicassem e colocou um idioma em cada de letras, não de artes, não é? Bem, acontece cidadão que ajudava na construção da torre. que estas imagens são bem apropriadas para o Transportando essa ideia para um contexto que quero lhes dizer. Esta aí ao lado é a “Nave conhecido, nós vemos agora que estão tentando dos Loucos”, de Hieronymus Bosch (1450- colocar as áreas do conhecimento mais e mais 1516). O que podemos perceber é distantes uma da outra, até mesmo que até mesmo lá no Renascimento aquelas que são muito próximas. vemos que não é só o bonito que É como se o conhecimento se prevalece, mesmo nas artes. Na compartimentasse em caixinhas e cena do quadro, pessoas loucas nada de uma caixinha pudesse ser estão à deriva no mar, dentro de colocado em outra. Entenderam? um barco. Era assim que os nossos Bem, são coisas que nem a nossa antepassados europeus faziam com vã filosofia pode explicar. E eu aqueles que não eram considerados ouvi dizer que daqui a pouco até dignos de viver entre os “normais”. os médicos vão sair da faculdade E nós vemos esta situação se repetir sabendo só aquilo que lhe interessa, até hoje, em vários contextos e o resto é “só se ele quiser”. Com ambientes, não é verdade minha essa ninguém contava, não? gente? E não estamos falando só Então, se vocês também ficaram de loucos, hein? Já a segunda, um absurdados, é afresco que representa a Torre melhor começar de Babel, aquela da historinha bíblica que a pensar em colocar as explica a origem dos idiomas do mundo. Pois garrinhas para fora, porque é, esta imagem representa uma coisa bem vai ter cachorro grande moderninha, que anda espreitando a vida fazendo o que puder para universitária de uma maneira generalizada, a que isso aconteça. Aí, divisão do conhecimento. Enquanto a bíblia meus pequenos, quem vai dançar... BOCA DO INFERNO N°23
  • 5. 5 rEuNI Letras: quem poderá nos defender? rEuNI, o governo e a revolução educacional quer remediar), continuaram não sanados e novos problemas surgiram, deixando as coisas, Em 2007, o governo federal criou o que não estavam tão boas, de mal a pior. Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o E vocês se perguntam: o que eu tenho REUNI. As metas do Programa eram, entre com isso? Têm tudo! A nova política que o outras, a expansão no número de estudantes das REUNI queria implantar nas universidades universidades existentes, a criação e ampliação era de inovação, transformação e inclusão. A de instituições de ensino superior federais, proposta é louvável. Entretanto, como a gestão além da melhoria na qualidade do ensino e do programa é por resultados, o governo se pesquisa e na formação dos estudantes de interessa muito mais na quantidade do que ensino superior no país. Apesar das excelentes na qualidade, porque o que vemos é mais e propostas e intenções, este mesmo governo mais pessoas entrando na universidade, se ABRINDO A BOCA: LETRAS UFPR pecou em algumas ações, como o plano de metas amontoando em salas de aula com estrutura incabível e passível de não ser concretizado precária (diga-se: até agora na UFPR não vimos de acordo com a expectativa. E, para nossa o número de salas de aula e de laboratórios surpresa, adivinhem o que aconteceu? aumentar significativamente). O acesso ao ensino superior aumentou sim, como vemos nas Segundo o relatório do primeiro ano do estatísticas (mais de mil vagas só na UFPR desde REUNI, 53 das 54 universidades federais 2008), mas sem ter onde botar essas pessoas, aderiram ao programa. A “aderência” o fim é mais que conhecido: definhamento da generalizada se deveu, muito provavelmente, estrutura existente, que não é das melhores; e a na pia crença dos senhores reitores daquelas inevitável perda da qualidade no ensino, pois o 53 instituições que o governo iria cumprir com todo o contrato que fez, cheio de floreios e professor se vê obrigado a ministrar aulas para filigranas, contemplando alunos, professores, muito mais aluno do que costumava ter em infra-estrutura adequada. Não precisamos sala. É como se a Gênesis bíblica se repetisse; dizer o que foi cumprido do acordo, não é? enquanto Deus disse: “Faça-se a Luz!”, o REUNI diz “Façam-se as vagas!”, mas acontece Na UFPR, os estudantes fizeram piquete, que as vagas precisam de complemento. E este ocuparam a Reitoria, tentaram até a exaustão complemento é essencial para a manutenção a não entrada no Programa; os professores da qualidade do ensino, até mesmo das vagas expuseram as deficiências do projeto, as “feitas”. Os responsáveis por esta mudança possíveis (depois comprovadas) falhas; deveriam, antes de qualquer reforma drástica, tudo em vão. O REUNI foi implementado rever todo o sistema educacional. Este sim é o sem nenhum estudo mais profundo das causador da dificuldade em entrar no ensino consequências da reestruturação nem do superior. Se aqueles senhores continuarem a interesse da comunidade acadêmica, afinal não descobrir um santo para cobrir outro, quem era voluntária a participação... Hoje temos uma vai sair prejudicado será sempre o estudante. pilha de coisas a resolver, como a exigência de Para resolver a disparidade entre ensino básico 90% de diplomação (dentro do tempo previsto), e superior, é preciso que uma reforma venha que deixa coordenadores de curso loucos atrás pela base e não de cima para baixo, como é a de planos de trabalho para evitar o sumiço de proposta do REUNI. alunos; a falta de infraestrutura para os novos cursos e para os que tiveram número de vagas aumentado; a morosidade nos processos para Letras no reuni conclusão de obras, compras, enfim... Por causa destas falhas, a metade das metas foi por água Depois da adesão da UFPR ao REUNI, a abaixo; os problemas, alguns muito anteriores Reitoria precisava estabelecer quem seriam os ao REUNI (como a evasão, que é problema “escolhidos” ou os “voluntários” para testar o antigo das federais do país e que o Programa novo tratamento de choque governamental BOCA DO INFERNO N°23
  • 6. 6 para o ensino. Arquitetura, Engenharia todos os aspectos, teria sido veementemente Elétrica, História, Letras, dentre outros, são rejeita por aqueles do DELIN. Segundo os cursos que tiveram o dedo daquele programa. professores do DELIN, a proposta foi sim Dos professores, podemos dizer que nem rejeitada, mas com base em cálculos feitos pelo todos concordavam, mas como já dissemos, departamento; cálculos estes que provavam não era um voluntariado... Em Letras, uma que um leve aumento no número de vagas nas reivindicação foi resolvida: duas habilitações línguas estrangeiras, causaria, a longo prazo, novas, em Japonês e Polonês. Ainda teve um um crescimento excessivo nas turmas comuns adendo às habilitações em Francês e Italiano. a todas as habilitações (linguísticas, línguas Em suma, as alterações produzidas pelo REUNI, portuguesas, literaturas clássicas e brasileiras), tanto em Letras como em outros cursos, como crescimento esse que nossas salas de aula História, por exemplo, não estão sendo tão não comportariam e que seria impossível de bem sucedidas quanto o esperado, por falta de administrar com o número atual de professores recursos materiais, profissionais e pedagógicos, no departamento. No DELEM, ouvimos a queixa assim como falta de um planejamento bem constante de que os alunos de habilitações realizado que previna possíveis problemas que duplas e até mesmo das simples são pouco venham a surgir (e que de fato surgiram). “expostos” (não convivem ou não conhecem) aos professores das línguas estrangeiras e por ABRINDO A BOCA: LETRAS UFPR A crise instalada: consequência estes teriam menos contato com o que se passa? aqueles; enquanto que os professores do DELIN desfrutam do contato com todos os alunos do Nós do Centro Acadêmico decidimos ouvir curso. Mas, quando se ministra uma disciplina alguns professores do curso, de ambos os para 70, 80, 90 ou até 100 alunos, que tipo de departamentos, DLLCV (DELIN) e DELEM, influência ou contato pode se ter? O que nos para tentarmos entender como aconteceu todo foi dito então pelos professores do DELEM com o processo de inclusão de Letras no REUNI e quem conversamos, é que a partir da dificuldade qual poderia vir a ser o destino de nosso curso, de diálogo e impossibilidade de discussão do que hoje trabalha com dois projetos político- currículo atual, decidiu-se criar novo currículo pedagógicos (PPP) diferentes, coisa que não com outra proposta que correspondesse àquilo deveria ou poderia ocorrer em um “mesmo” que o DELEM acredita ser necessário e que não curso de graduação. Todas as conversas existe atualmente. No currículo atual a exposição tiveram teores distintos, mas alguns relatos dos alunos às línguas estrangeiras seria muito semelhantes com relação a como se deu todo pequena, considerando que podemos iniciar o o processo de discussão para a criação destas curso sem conhecimento algum da língua. Logo, duas novas habilitações (que alguns professores precisaríamos de muito mais tempo de exposição declaram ser na verdade dois novos cursos, já à língua e prática desta em sala de aula. O novo que trabalham com um PPP completamente curso seria então fortemente focado no trabalho diferente daquele que foi estabelecido em detalhado com a língua estrangeira; literaturas 2007). Não tínhamos, nas entrevistas, o objetivo e teoria da literatura aplicadas a obras da língua de relembrar o desgaste de todo esse processo, estrangeira e a formação de professores. Desta mas sim entender posicionamentos pessoais forma, haveria mais vagas para todas as línguas daqueles que participaram de tudo isso (pelo estrangeiras modernas, liberdade para realizar menos daqueles com quem conversamos). um trabalhado com mais qualidade e condições de formar um professor com muito mais conhecimento da língua. Mudanças, mudanças... DELEM x DELIN? Tudo teria começado então com uma proposta Não foi bem assim... do DELEM de repensar o atual curso de Letras, rediscutir o currículo 2007, remodelar o modo Propostas foram feitas pelo DELEM e, de funcionamento do curso e, claro, aumentar uma após outra, rejeitadas pelo DELIN. as vagas de algumas das línguas estrangeiras Este considerava seus motivos relevantes, e a carga horária destinada a todas. Segundo enquanto aquele os considerava egoístas. A alguns professores do DELEM, a proposta, em partir daí, como a possibilidade de conversa BOCA DO INFERNO N°23
  • 7. 7 foi diminuindo cada vez mais, as propostas de que vemos hoje, muito menos a possibilidade criação das habilitações de Japonês e Polonês de qualificação mais profunda na área (no caso foram desenvolvidas e arranjadas sem a a língua e sua respectiva literatura) em que o participação do colegiado de Letras, ainda que aluno vai atuar. o colegiado fosse um órgão de consulta. Foram Resumindo, o aluno poderia cursar essas parar na Pró-Reitoria de Graduação, depois disciplinas se quisesse, sem a imposição que de passar pela direção do Setor de Ciências há no currículo atual (2007). O que o DELEM Humanas, Letras e Artes, que considerou chamaria de imposição, o DELIN diria ser a prudente não opinar em um assunto que era formação básica, que inclui a “teoria” que, de sua competência. Os PPPs de ambas as quando conhecida, pode ser aplicada a qualquer habilitações foram elaborados sem qualquer língua estrangeira estudada, mesmo que fora participação do DELIN e a bagunça estava feita! do ambiente acadêmico. Aquilo que, em princípio, segundo professores do DELEM, deveria ser uma rediscussão do curso vigente e que evoluiu para a criação de Alunos: escolha ou imposição? um novo curso, que mais tarde englobaria Assim, chegamos ao fim das conversas todas as habilitações em línguas estrangeiras com a sensação de que o interesse ali era, em (menos a área de Alemão, sobre o que falaremos ABRINDO A BOCA: LETRAS UFPR primeiro lugar, um lugar ao sol, isto é, cada em breve), deixando então no formato atual representante das áreas do conhecimento apenas as habilitações de português, grego e que Letras abrange puxou o peixe para a sua latim, acabou permanecendo dentro do curso brasa, ou a brasa para seu peixe, qualquer que de Letras por exigência daquele Colegiado. Já seja a ordem. Neste caso, não importa muito o que ouvimos dos professores do DELIN é que que pensamos nós, mas sim o que é melhor as novas habilitações deveriam permanecer para cada qual. Os alunos, que já têm a dura dentro do curso de Letras desde que seguissem tarefa de escolher no vestibular por Letras, o padrão já existente nas outras habilitações, o Química ou Aquicultura, teriam que decidir que não ocorreu, já que o PPP é completamente se querem Letras isso, letras aquilo, letras distinto e não conta com a participação do aquele outro, sem opção de mudar, a não ser DELIN. No entanto, aquele PPP foi aprovado fazendo o vestibular de novo. E mais: havendo pelo Colegiado, ainda que quase 50% dos votos uma divisão, ouvimos que os cursos ficariam foram abstenções. mais simples, mais fáceis de administrar e os Enquanto o Departamento de Lingüística, alunos ainda poderiam circular entre ambos Letras Clássicas e Vernáculas questiona a os cursos, também ampliando sua formação. É criação de um curso que teria como foco mais que sabido que não seria essa facilidade maior ou exclusivo a formação de professores toda como vemos agora, pois seriam cursos de língua estrangeira, sem o enfoque dado e colegiados diferentes e, por consequência, atualmente na abordagem teórica, professores surgiria a velha e desdentada burocracia para do Departamento de Letras Estrangeiras tudo mastigar com a gengiva. Teríamos que Modernas alegam que a divisão entre nos submeter ao mesmo moroso processo de pragmática e teoria seria um ledo engano e matrícula ao qual já nos submetemos quando que na verdade este novo curso priorizaria escolhemos disciplinas de Filosofia, História esta abordagem pragmática desde o início ou Comunicação Social. Também não teríamos da graduação, permitindo ao aluno conhecer o maravilhoso leque de possibilidades que a teoria e ao mesmo tempo a prática, o que temos (único nesta Universidade, o que deixa possibilitaria a ele delinear sua trajetória o NAA muito insatisfeito), que nos deixa acadêmica de graduação sem a obrigatoriedade escolher, entre as quase sessenta opções, sem a de disciplinas em áreas como Lingüística, menor cerimônia para largar Licenciatura por Estudos Clássicos e Teoria da Literatura (esta Bacharelado, ou Francês por Grego, etc... última seria, no currículo atual, ministrada “muito abstratamente”). Estas disciplinas, Órfãos da discórdia num contexto geral, fariam do currículo apenas uma grande colcha de retalhos, sem direção A área de Alemão foi a única do DELEM que específica para cada uma das habilitações, preferiu (e ainda prefere, até onde sabemos) modalidades e ênfases, conforme a disposição permanecer dentro do que hoje é o curso de BOCA DO INFERNO N°23
  • 8. 8 Letras. De acordo com o que vimos em reuniões especialização, que tem como consequência departamentais, e seguindo a mesma linha de a compartimentalização o conhecimento, o pensamento que nós, a área também acredita que é tão produtivo quanto o modelo fordista que mais importante do que a formação de de trabalho, e que é contrária ao próprio professores seria a formação de formadores, pensamento do REUNI e da Universidade, que com aperfeiçoamento de língua e literatura defende a amenização das estruturas rígidas brasileiras juntamente com o aprendizado da de ensino existentes e defende novas práticas língua estrangeira, partindo do princípio de e metodologias, como o projeto político- que somos brasileiros (ou decidimos estudar pedagógico da UFPR Litoral, citado como no Brasil, no caso do intercambistas), portanto inovador até mesmo no relatório de 2008 do é imprescindível esta formação básica da REUNI/UFPR. cultura nacional. Outros professores também têm opinião “O que será que será?” diversa do fundamentalismo que está em voga. Mas, no caso deles, a intenção é também As questões que ficam agora, para as quais mudar, apenas ajustando o curso que existe, de ainda não temos solução para o caso Letras modo que todos saiam satisfeitos. O curso teria UFPR, são estas: Como será tudo isso? Criar- ABRINDO A BOCA: LETRAS UFPR uma nova configuração, com redistribuição se-á um único departamento com a área de da carga horária entre todas as áreas. Este Alemão e o DELIN? Haverá reestruturação grupo de professores acredita na unidade do que existe atualmente? E no novo curso, do curso como ele é configurado hoje, mas haverá realmente mão-de-obra suficiente acredita que é preciso haver mudança, como a para realizar o trabalho? Seria interessante implementação das disciplinas espelho entre deixar para o aluno, ao prestar vestibular, os cinco departamentos do curso (proposta a responsabilidade de decidir de antemão o do DELEM para diminuir o excesso de alunos tipo de formação que deseja e então optar por em sala, que não vingou antes, mas pode vir um dos dois cursos? E por que precisaríamos a ser uma solução interessante). Revisão da dividir em dois um curso que já é tão elaborado disposição das disciplinas na grade, discussão e plural, que permite ao aluno um trânsito livre do sistema de pré-requisitos e co-requisitos e uma formação tão abrangente e híbrida? (um dos fatores de retenção, segundo avaliação geral da Universidade, feita pela PROGRAD). Nosso objetivo em expor toda esta história é, Estes professores deveriam ser ouvidos para sem dúvida, reabrir o baú velho em que foram que suas idéias ganhassem espaço. encerradas, ainda que temporariamente, as pendências que ficaram de 2007, do REUNI, das propostas para Letras e, como parte previsão “astrológica” interessada que somos, descobrir quem efetivamente quer o quê. Temos consciência de Dentro de toda essa imensa discussão há que é mexer em um vespeiro, mas, como dizia muitas dúvidas. Se acontecer de a decisão, o avô de um professor nosso, “diga a verdade e depois de alguma atitude tomada pelas partes faça o que você diz”. É por isso que acreditamos interessadas, ser favorável à separação, para ser de extrema importância a participação que finalmente cada lado possa seguir a linha de todos, alunos e professores, na Semana que acredita ser melhor, para que se acabe Acadêmica de Avaliação. Também queremos (utopicamente falando) com o “mal-estar” propor um plebiscito, com voto secreto, para (eufemicamente falando) atual ou talvez para que tenhamos um dado quantitativo em que simplesmente evitar uma nova discussão nos fundamentar para tomar uma posição ou precisaremos pensar em muitos pontos a outra. Para podermos decidir a vida de tantos esclarecer, entre eles a situação da área de estudantes que hoje estão na educação básica Alemão, que tem o direito de permanecer no e estarão aqui mais tarde, sem que eles sequer curso atual e que merece ter parte no diálogo saibam disso, além da nossa própria, afinal com o DELIN; o direito que os alunos têm poderemos estar lá, nas cátedras de Letras (até agora assegurado) de escolher livremente desta Universidade, quando este assunto se entre as opções de que o curso dispõe; a não resolver. BOCA DO INFERNO N°23
  • 9. 9 O papel da infância na obra de Luandino Vieira e L. B. Honwana Katarina Bralić1 Introdução verificarmos se as três definições deste termo no contexto das obras de escritores angolanos de fato coincidem com o modo como este tema Neste pequeno trabalho vamos tentar é tratado por Honwana, é preciso explicarmos analisar como é que o motivo da infância vem brevemente do que é que se trata este seu conto. elaborado nos contos «As mãos dos pretos» O herói da história, um menino, aprende um de L. B. Honwana e «Estória da galinha e do dia com seu professor que as palmas das mãos ovo» de Luandino Vieira. Vamos tentar provar dos negros são mais claras do que o resto do que este elemento não serve para estes dois corpo. Intrigado por este fato, o menino tenta escritores africanos somente para dar uma resolver o «mistério» perguntando aos adultos visão do mundo infantil e tão diferente da visão por que isto é assim, e as explicações dadas por dos adultos, mas também para exprimir uma eles variam bastante, sendo muitas delas em crítica social. Como vamos ver em adiante, a alguns aspetos racistas. infância no contexto das obras mencionadas é uma esfera bastante ampla que nos deixa A infância no conto de Honwana é o período espaço para interpretações as mais variadas em que o menino observa o mundo que o deste elemento. rodeia, descobrindo nele fatos e fenômenos que DOSSIÊ CROÁCIA algumas vezes não pode explicar (neste caso, o problema das mãos dos negros), usando noções O papel de infância na obra de L. limitadas que possui do mundo e pedindo B. Honwana e Luandino Vieira aos adultos para o ajudarem a compreender aquilo que o confunde. Neste sentido podemos No seu livro «Estudos sobre literaturas das dizer que, de fato, a infância é um lugar de nações africanas de língua portuguesa» Alfredo aprendizagem do mundo real, em que o menino, Margarido afirma que a infância é um tema imerso na realidade material, tenta decifrar comum a muitos escritores angolanos e que enigmas que surgem frente aos seus olhos e que este elemento (i.e. a infância), no contexto da aos adultos podem parecer banais. O interesse literatura angolana, pode ser definido como: do menino branco pela problemática das mãos A. lugar de aprendizagem do mundo real, dos negros, revela-nos a diferença crucial entre mas também do mundo dos mortos e dos as crianças e os adultos. Aos adultos, alienados espíritos; da natureza e do mundo no seu sentido mais amplo e ligados às trivialidades que compõem B. altura que desconhece diferenças raciais; a sua vida quotidiana, nunca lhes viria à mente questionar algo, à primeira vista tão banal e C. período em que se passa para o mundo dos tão pouco importante, como é o caso da cor adultos, em que a pessoa vem a conhecer das palmas das mãos de outra raça. Mas ao as diferenças raciais, que existem na menino, cuja curiosidade e imaginação ainda sociedade2. não estão embotadas pelos problemas de vida e banalidades do quotidiano, tudo parece Estas três definições podem ser, com muito interessante, tudo anima o seu desejo de sucesso, aplicadas no estudo da maneira conhecer aquilo que o cerca. Por isso, talvez como a infância é apresentada no conto «As seja possível afirmar que o mundo de infância mãos dos pretos» do escritor moçambicano no conto de Honwana não é apenas o lugar L. B. Honwana. Para entendermos melhor de aprendizagem, mas também um período o significado da infância neste conto e para de desejo de conhecer o mundo e curiosidade infinitos, porque tudo o que constitui o mundo é 1 Aluna de graduação do curso de Língua e novo e desconhecido ao pequeno observador. Literatura Portuguesa, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,Universidade de Zagreb. A infância é, como podemos concluir partindo do parágrafo anterior, um período 2 Veja-se Margarido 1980: 360. que desconhece muitos fatos e fenômenos BOCA DO INFERNO N°23
  • 10. 10 que constituem o universo. Mas é importante dos adultos, que confirma a validade da terceira destacar que aquilo que a infância também definição de Margarido no contexto do conto ignora são questões socias, uma das quais é, por nós estudado. sem dúvida, a das diferenças raciais. Lendo muito atentamente o conto de Honwana, podemos dizer que essa problemática também II é elaborada em sua pequena obra. Algumas das explicações dos adultos relacionadas Baseados no conto «Estória da galinha ao problema que intriga o menino, contêm e do ovo» de Luandino Vieira vamos tentar elementos racistas – os negros são comparados formular três definições da infância no contexto com bichos do mato, somente capazes de desta sua obra: apanhar o algodão branco de Virgínia; a Dona D. um período em que as crianças estão mais Dores afirma que as suas mãos são mais claras ligadas à natureza; que o resto do corpo para não sujarem a comida que fazem para seus patrões, enquanto E. apologia de ingenuidade, benevolência e o Senhor Padre diz que «até os pretos eram não-depravação de crianças que graças a melhores do que nós»1 . Esta equiparação estas características conseguem resolver dos negros aos animais, o motivo de sujidade os problemas, que os adultos são incapazes associado à cor da sua pele, a afirmação de eles de resolver; serem aptos somente para o trabalho manual e F. o símbolo de um mundo novo que o menosprezo com que todas estas personagens profetiza o estabelecimento de uma nova falam dessa raça são elementos óbvios de época socio-histórica. DOSSIÊ CROÁCIA discriminação que o menino, na sua inocência e ingenuidade, não é capaz de detectar. Ele Para termos menos dificuldades em recebe todas as explicações (discriminatórias argumentar as nossas teses, vamos contar e não discriminatórias) da mesma maneira, brevemente o enredo do conto. A Zeca zangou- não fazendo caso aos elementos racistas e se com a Bina, mulher grávida, por sua galinha recontando-as simplesmente aos leitores, que ter posto ovo no quintal da outra. Nem velha testemunha a falta total da consciência das Babeca, respeitada por todos pela sua suposta diferenças raciais nele. sabedoria, nem o comerciante Sô Zé, nem o dono de cubatas Sô Vitalino, nem o ex-seminarista A nossa última tese está indiretamente Azulinho, nem o notário Sô Lemos, perito ligada à terceira definição de infância de em resolver altercações entre pessoas, nem o Alfredo Margarido, segundo a qual neste sargento acham solução para esta disputa. O período se passa para o mundo dos adultos, problema só é resolvido por dois meninos, o em que a pessoa vem a conhecer diferenças Xico e o Beto, que sabem se comunicar com os raciais. Ainda que neste conto não seja descrita animais, quando o Beto começa a cantar para esta transição do protagonista para o período a galinha Cabíri, imitando o galo e salvando-a adulto da sua vida, é preciso destacar que as do sargento. explicações sobre o problema que o intriga, dadas pelas pessoas que o rodeiam, exercem A capacidade dos meninos em imitar a língua uma influência importantíssima na formação animal indica sua ligação à natureza, a sua da sua mundividência, ao mesmo tempo imersão na realidade material que os rodeia e um instruindo-o no sentido de como é que funciona entendimento profundo dos fatos e fenômenos a sociedade. Dito em outras palavras, através pelos quais esta realidade é constituída. Esta das histórias que os adultos narram para característica das crianças pode ser observada esclarecerem o problema das mãos dos negros, em antagonismo com a alienação dos adultos em o menino apreende (inconscientemente!) relação à natureza, bem evidente na negligência a hierarquia social, a relação entre a classe com a galinha, no desejo de todas as personagens dominante e o estrato reprimido, ou seja, as mencionadas buscarem tirar uma vantagem diferenças raciais estabelecidas pela sociedade. material dessa zanga, e no comportamento Levando este fato em consideração, podemos trocista da velha Babeca para com os dois deduzir que este conto problematiza a fase meninos ao saber que eles falam com os animais. inicial da transição do menino para o universo Esse dualismo entre a imersão das crianças na realidade material e a alienação dos adultos para com essa mesma realidade, exprimidas aqui 1 Honwana 1972: 111. BOCA DO INFERNO N°23
  • 11. 11 através da relação com a natureza, aproximam Afinal, a nossa terceira tese atribui à infância o conto de Luandino Vieira da obra de L. B. uma dimensão sociohistórica, segundo a qual Honwana, «As mãos dos pretos», em que, como este período da vida humana simboliza uma já destacamos, uma das diferenças mais notáveis nova geração que vai eliminar o existente entre crianças e adultos consiste no interesse sistema sociopolítico, já anacrônico e incapaz das primeiras no mundo que os rodeia e na de funcionar no futuro. O fato de terem os indiferença dos adultos em relação à realidade meninos resolvido o conflito dos adultos material. simboliza a vitória da nova geração sobre um sistema anacrônico, sendo a incapacidade Como já dissemos, quase todas as dos adultos de encontrar uma solução personagens que intervêm no conflito das duas satisfatória a expressão do anacronismo e mulheres querem tirar vantagem, levando do mau funcionamento da ordem existente. a galinha ou o ovo por engano, que, de certo Colocando estes elementos no contexto da modo evidencia a sua esperteza ou a propensão história angolana, podemos reparar que a para cuidar, em primeiro lugar, dos próprios nova geração (os meninos) representa os interesses. Vários protagonistas do conto lutadores anticolonialistas, enquanto o sistema são marcados por vícios diferentes – a Bina anacrônico, representado no conto pelos alimentava a galinha de outrem com milho adultos, corresponde à sociedade colonial. para se aproveitar dela, o Sô Vitalino é um velho depravado que gosta de incomodar uma inquilina da sua cubata, não perdendo tempo Bibliografia para tocá-la ou tentar seduzi-la quando o seu Honwana, Luís Bernardo. Nós matámos o Cão- marido não está lá, a mulher do Sô Lemos é Tinhoso. Porto: 1972, Edições Afrontamento. DOSSIÊ CROÁCIA prostituta que engana o seu esposo com vários Laranjeira, Pires. Literaturas africanas de homens, enquanto o Azulinho é um vaidoso expressão africana. Lisboa: 1995, Universidade representante do estrato social assimilado. Os Aberta. únicos privados de qualquer vício, os únicos Margarido, Alfredo. Estudos sobre literaturas que cuidam da galinha, querendo-a proteger e das nações africanas de língua portuguesa. salvar, não tentando aproveitar-se da situação, Lisboa: 1980, A Regra do Jogo, Edições, Lda. são dois meninos, que graças a sua bondade, Vieira, Luandino. Luuanda. Lisboa: 2004, inocência e altruísmo resolveram o problema. Caminho. Graus de vocábulos de obscenidade nas cantigas trovadorescas Dejan Rilak O objetivo deste curto trabalho é mostrar frade dizen escaralhado, que, satirizando um pelos exemplos que o vocabulário de obscenidade frade cuja paróquia o acreditava um homem nas cantigas trovadorescas, nomeadamente santo e casto, revelando na continuação que nas cantigas de escárnio e maldizer, não é por este, portanto, tinha muitas amantes, abunda definição vulgar, obsceno ou pornográfico. em palavras vulgares, como caralho, foder, Parafraseando as palavras da Carolina Michaelis, arreitar. A posição especial está reservada não nos dedicaremos (só) aos palavrões, mas para as palavras escaralhado e encaralhado. ao “nome que as coisas levam na linguagem Esta invenção lexical poderia se traduzir empregada“1, e veremos que é mais exato diretamente como castrado e impotente no que falar do “vocabulário de obscenidade“ do que diz respeito à palavra escaralhado, enquanto do “vocabulário obsceno“. Baseando-se no encaralhado remete ao tamanho do pénis do vocabulário de três cantigas, faremos a divisão clérigo. Indiretamente apresenta-se um aspeto da obscenidade em três grupos. antagonista do par casto/luxurioso. Porém, se bem que se trate já de duas palavras obscenas, Começaremos pelo exemplo mais óbvio da não podemos falar de uma obscenidade sem obscenidade, cantiga de Fernando Esquío A un atingindo o aspeto metafórico da cantiga. O que é obsceno, afinal, não são as palavras 1 Robert. obscenas, mas a situação à qual estas palavras BOCA DO INFERNO N°23
  • 12. 12 se referem, isto é, a postura hipócrita do interessante na cantiga foi a palavra bem frade. Chamaremos este tipo de obscenidade (ben). Vejamos os versos seguintes: Abadessa, “obscenidade direta” – é a situação obscena oí dizer / que erades mui sabedor de todo ben mostrada pelas palavras obscenas. / (...) / que havedes bon sén de foder e de todo ben1. Como afirma Regina Michelli, o início Segundo tipo de obscenidade seria da cantiga poderia levar o leitor a pensar em “obscenidade indireta” onde o autor não usa suas qualidades morais, em sua bondade. as palavras obscenas, mas é a situação que é Portanto, “o eu - lírico revela, gradativamente, obscena. Notaremos aqui a cantiga de Joán as verdadeiras habilidades de tal religiosa”2, Airas Don Beeito, home duro que conta a assinalando uma outra possibilidade da leitura história de um homem cuja mulher o traiu da palavra bem, como sinónimo de foder. entrando num ato sexual com o tal Dom Beito. Diferetemente do vocabulário da cantiga de Diferentemente de Esquío, Airas não usa Airas, onde também tínhamos palavras não- palavras vulgares, mas é pelas palavras digamos vulgares tomadas como vulgares, a palavra “normais” que ele consegue criar o ambiente bem na cantiga de Cotón não releva de repente da vulgaridade. A descrição do Dom Beito o seu sentido obsceno. como homem duro refere-se indiretamente ao pénis dele, no sintagma beijar pelo obscuro é Para concluir confirmaremos o objetivo o sentido da obscuridade que nos revela que do nosso trabalho que foi mostrar como o se trata de algo “proíbido”, enquanto os versos vocabulário apresentando a obscenidade não beijar pelo furado, beijar pela fendedura e tem que ser por definição obsceno ou vulgar. beijar polo buraco a mia senhor descrevem o Vimos um exemplo onde isto é o caso, um outro ato sexual, utilisando as metáforas para o órgão onde o ambiente é vulgar, mas as palavras não DOSSIÊ CROÁCIA sexual feminino. o são, e último onde as palavras que significam, no seu primeiro sentido, uma oposição forte Finalmente, chegamos a “obscenidade à obscenidade, acabam por ser o sinónimo escondida”, onde o leitor não pode facilmente daquilo a que se opõem. reconhecer que atrás as palavras usadas se encontra o mundo da obscenidade. Pegamos no Bibliografia: exemplo a cantiga Abadessa, oí dizer de Afonso Eanes de Cotón na qual um noivo em sua noite Michelli, R. “O emprego polissêmico da de núpcias procura uma abadessa para lhe palavra bem nas cantigas trovadorescas”. In: Revista Philologus, Rio de Janeiro, ano 6 (18), ensinar a arte de amor, porque é notório que pp. 88 – 99 a abadessa é a profunda conhecedora do sexo. Mesmo que nesta cantiga também haja palavras Robert, L. “A Obscenidade em Cantigas Trovadorescas”. Universidade Federal de Espírito vulgares, o que nos pareceu especialmente Santo, Vitória, 2005. Diferenças entre cantigas de escárnio e cantigas de mal dizer Ana Kaniški Baseando-se no medieval texto teórico obsceno, a diferença maior entre as cantigas Arte de Trovar e em vários exemplos das satíricas é o equívoco, criado através do uso das cantigas de escárnio e cantigas de mal dizer, palavras do significado ambíguo –que é uma o objetivo deste pequeno papel é demonstrar característica não inerente às cantigas de mal as diferenças principais entre as cantigas de dizer, nos quais o nome da pessoa satirizada e género satírico da poesia trovadoresca galego- o vocabulário obsceno aparece como regra. portuguesa, que, infelizmente, não captaram Na prosa teórica Poética Fragmentária ou o interesse dos críticos dessa posesia que se Arte de Trovar, ou seja, no único texto teórico preoucupavam priariamente com a poesia amorosa. O objetivo do papel, também, é mostrar que, além das diferenças secundárias, 1 Abadessa, ouvi dizer / que é um grande sabedor de todo o bem / (...) / que tem um bom conhecimento de as de exclusão do nome da pessoa satirizada foder e de todo o bem/ (Minha atualização). (frequente, mas não sempre) e do vocabulário 2 Michelli BOCA DO INFERNO N°23
  • 13. 13 conservado sobre a poesia tovadoresca, com ligeiramente; e estas palavras chamam os a qual começa o Cancioneiro da Biblioteca clerigos equivocatio.”4, enquanto as cantigas Nacional de Lisboa, o autor anónimo de pouco de mal dizer são: “[...] aquela[s] que fazem conhecimento da lírica trovadoresca1 distingue os trobadores ... descubretamente. E[m] elas três géneros da poesia trovadoresca galego- entram palavras que querem dizer mal e non portuguesa: as cantigas de amor e cantigas de aver outro entendimento senom aquel que amigo que pertencem à poesia amorosa, e as querem dizer chãamente.”5 cantigas de escárnio e mal dizer que pertencem Baseando-se na definição dada no Arte de à poesia satírica. Neste tratado, embora Trovar, amplificamos as diferenças entre as incompleto porque lhe faltam as primeiras cantigas satíricas: nas cantigas de mal dizer páginas2, o autor determina as diferenças o tovador bem eloquente, transformando-se principais das cantigas da poesia satírica. num crítico da sociedade medieval sem papas Os trovadores galego-portugueses e os críticos na língua, primariamente descobre o nome da poesia trovadoresca acreditavam que a maior da pessoa satirizada e usa o léxico obsceno, diferença entre as duas cantigas é que nas cantigas enquanto o trovador das cantigas de escárnio, de mal dizer o trovador sempre descobre o nome tendo omitido e o nome e o vocabulário lascivo, da pessoa satirizada, enquanto o trovador da critica a pessoa satirizada usando o equívoco, cantiga de mal dizer o omite, e ademais, usa o que exige a inteligência do leitor para descubrir, léxico obsceno. É um pressuposto que se mostrou através das várias palavras com o significado errado. Apesar de essa hipótese teroreticamente ambíguo, o verdadeiro significado da cantiga ser bem postulada, na práctica não funcionava. de escárnio – o satírico. Quer dizer, o equívoco Se analisarmos uma cantiga de escárnio Maria possibilita as duas leituras da cantiga: uma DOSSIÊ CROÁCIA Peres, a nossa cruzada, escrita por Pero da Ponte literal e outra metafórica. [B 1642 / V 1176], veremos que, apesar de esse Se agora, tendo em consideração as escudeiro e segrel da provável origem galega3 diferenças principais entre as duas cantigas declarar o nome da pessoa satirizada, nesse caso satíricas, voltarmos para antes mencionada da mulher chamada Maria Peres, essa cantiga é cantiga de Pero da Ponte, veremos que a uma cantiga de escárnio! Como é que isso seja leitura da cantiga à letra é seguinte: Maria possíviel? A resposta à essa pergunta, bem como Peres, a famosa cantadora e bailarina, a definição entre as duas cantigas satíricas, é regressa da peregrinação à Terra Santa, proposta no tratado Arte de Trovar. cheia de indulgências, mas deixa-as roubar, Segundo a definição do autor anónimo, porque perdeu o loquete da maeta onde as que foi reproduzida pelas Gonçalves e Ramos decidiu guardar depois de ter percibido que [1983], as cantigas de escárnio são: “[...] as indulgências foram mal ganhas. Usando o aquelas que os trobadores fazem querendo duplo sentido da palavra maeta, que significa dizer mal d’algue[m] em elas, e dizem-lho literalmente mala ou baú, o trovador construíu per palavras cubertas que ajam dous o equívoco e tornou possível a leitura metafórica entedimentos para lhe-lo non entenderem... da maeta como palavra obscena para designar o sexo da mulher6, como é trovado no quatro e quinto verso da segunda estrofe: ca, pois o 1 Sanlúcar de Barrameda, La literatura medieval cadead’én foi perder, / sempr’a maeta andou galego-portuguesa: La lírica, caracterización general, géneros y autores. La prosa. Tipologia., 2003.. O artigo é descadeada. Escolhemos essa cantiga para disposto em: http://html.rincondelvago.com/literatura- mostrar que existem várias cantigas de escárnio medieval-gallego-portuguesa.html. Compare-se: José- onde os trovadores nomeam diretamente a Martinho Montero Santalha, Guiseppe Tavani, Arte de pessoa satirizada e que a definição teórica, Trovar do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa: proposta no Arte de Trovar, na práctica não é Introdução, edição crítica e fac-símile, em: Revista galega de filoloxía. A análise crítica é disposta em: http://ruc. delimitada estritamente. udc.es/dspace/bitstream/2183/2600/1/RGF-4-rec-3- definitivo.pdf. 4 Elsa Gonçalves, Maria Ana Ramos, Textos literários: A lírica galego-portuguesa (Textos escolhidos)., Lisboa: 2 Sanlúcar de Barrameda, 2003. Editorial Comunicação, 1988, pg.: 23. 3 Para infomrações adicionais sobre a vida e 5 Elsa Gonçalves, Maria Ana Ramos, 1983, pg.: 23. actividade prolífera do trovador galego Pero de Ponte veja-se: http://www.astormentas.com/din/biografia. 6 Elsa Gonçalves, Maria Ana Ramos, 1983, pg.: 190- asp?autor=P%EAro+da+Ponte. 192. BOCA DO INFERNO N°23
  • 14. 14 Resta-nos mostrar a veracidade das diferenças 68] ao seu contemporâneo, ao jogral galego entre duas cantigas satíricas. Numa das suas Afonso Eanes do Cotom2. Nessa cantiga o conhecidas cantigas satíricas, intitulada [B 1467 Rei Sábio ataca um outro contemporâneo, já / V 1077], o trovador galego Joán Airas não só mencionado escudeiro e segrel Pero da Ponte omite o vocabulário obsceno, mas já no primeiro por ter roubado várias cantigas do Cotom, verso da primeira estrofe, em vez de nomear a sobre que o Rei Sábio trova explicitamente na pessoa satirizada, neste caso uma mulher, ele primeira estrofe: Pero da Pont’ha feito gran diz: Üa dona, non digu’eu qual. A leitura dessa pecado / de seus cantares, que el foi furtar / cantiga à letra indica que Joán Aires trova sobre a Cotón, que, quanto el lazerado / houve gran uma mulher que queria ir à igreja, para assistir tempo, el x’os quer lograr, / e doutros muitos à missa e sermão, mas desistiu de ir porque foi que non sei contar, / por que hoj’anda vistido e impedida pelo corvo. Tomando em consideração honrado. Ademais, o segrel Pero da Ponte está que a palavra corvo tem o sentido ambíguo de acusado de ter morto o jogral Cotom. homem1, a leitura figurátiva dessa cantiga implica que a mulher desistiu de ir à igreja porque, Notamos que as principais características simplesmente, estva deitada com um homem. das cantigas de mal dizer, que já destacámos, Portanto, a cantiga de Joán Airas é uma cantiga são nomeação direta da pessoa satirizada, o uso de escárnio. frequente do vocabulário baixo calão, que não é o caso na cantiga do Rei Sábio. Os trovadores Afinal, analisaremos uma cantiga de mal sempre omitiam o uso do equívoco porque o dizer. Dom Afonso, o rei de Castela e Leon, alvo principal das cantigas de mal dizer é a dedicou uma cantiga de mal dizer [B 485 / V crítica ou escárnio direto da pessoa satirizada. DOSSIÊ CROÁCIA pero da ponte [B 1642 / V 1176] Joán Airas [B 1467 / V 1077] María Pérez, a nossa cruzada, Ũa dona, non digu’eu qual, quando veo da terra d’Ultramar, non aguirou hogano mal: assí veo de pardón carregada polas oitavas de Natal que se non podía con el emerger; ía por sa missa oír, e houv’un corvo carnaçal, mais furtan-lho, cada u vai maer, e non quis da casa saír. e do perdón ja non lhi ficou nada. A dona, mui de coraçón, E o perdón é cousa mui preçada oíra sa missa, entón, e que se devía muit’a guardar; e foi por oír o sarmón, mais ela non ha maeta ferrada e vedes que lho foi partir: en que o guarde, nen a pod’haver, houve sig’un corv’a carón, ca, pois o cadead’én foi perder, e non quis da casa sair. sempr’a maeta andou descadeada. A dona disse: «Que será?» Tal maeta como será guardada, E i o clerigu’está ja pois rapazes albergan no logar, revestid’e maldizer-mi-á, que non haja seer mui trastornada? se me na igreja non vir. Ca, o logar u eles han poder, E diss’o corvo: quá, aca, non ha pardón que s’i possa asconder, e non quis da casa saír. assí saben trastornar a pousada! Nunca taes agoiros vi, E outra cousa vos quero dizer: des aquel día que nací; atal pardón ben se dev’a perder, com’aquest’ano houv’aquí; ca muito foi cousa mal gaanhada. e ela quis provar de s’ir, e houv’un corvo sobre si, e non quis da casa saír. 1 “Não se trata de uma ave agoireira que a impedia do seu dever religioso, foi um ser humano, que se lhe pos a caron (ao lado dela, na cama)”. Veja-se: M. Rodrigues Lapa, Cantigas d’escarnho e mal dizer dos cancioneiros medievais galego-portugueses. Madrid: Editorial Galaxia, 2ª edição, 1970. Também, esse livro pode servir como fonte das informações adicionais sobre a vida e produção 2 Veja-se: Francisco da Silveira Bueno, Formação lírica desse trovador galego. Disposto em: http://books. histórica da Língua Portuguesa: O lirismo. Disposto google.pt/books?id=eICwkkcJkZMC&printsec=frontcov em: http://www.sibila.com.br/index.php/formacao- er&hl=hr#v=onepage&q=&f=false. historica-da-lingua-portuguesa. BOCA DO INFERNO N°23
  • 15. 15 Dom Afonso, rei de Castela e Bibliografia: Leom [B 485 / V 68] Barrameda, Sanlúcar de. La literatura medieval galego-portuguesa: La lírica, caracterización general, géneros y autores. La prosa. Tipologia., Pero da Pont’ha feito gran pecado 2003.. Acessível em: http://html.rincondelvago. de seus cantares, que el foi furtar com/literatura-medieval-gallego-portuguesa.html a Cotón, que, quanto el lazerado Barros, José D. Assunção. Uma cadeia houve gran tempo, el x’os quer lograr, de cantigas de escárnio: uma análise sobre a e doutros muitos que non sei contar, poesiasatírica ibérica do século XIII e suas por que hoj’anda vistido e honrado. tensões sociais. em: Terra roxa e outras terras: revista dos estudos literários. Disposto em: E por én foi Cotón mal día nado, pois Pero da Ponte herda seu trobar; Bueno: Francisco da Silveira. Formação e mui máis lhi valera que trobado histórica da Língua Portuguesa: O lirismo. nunca houvess’el, assí Deus m’ampar, Disposto em: http://www.sibila.com.br/index. pois que se de quant’el foi lazerar php/formacao-historica-da-lingua-portuguesa serve Don Pedro e non lhi dá én grado. Gonçalves, Elsa; Ramos, Maria Ana. Textos literários: A lírica galego-portuguesa (Textos E con dereito seer enforcado escolhidos)., Lisboa: Editorial Comunicação, 1988 deve Don Pedro, porque foi filhar http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/ a Cotón, pois-lo houve soterrado, vol6/vol6_2.pdf seus cantares, e non quis ende dar Lapa, M. Rodrigues. Cantigas d’escarnho e ũu soldo pera sa alma quitar mal dizer dos cancioneiros medievais galego- DOSSIÊ CROÁCIA sequer do que lhi havía emprestado. portugueses. Madrid: Editorial Galaxia, 2ª edição, 1970. Disposto em: http://books.google. E por end’é gran traedor provado, pt/books?id=eICwkkcJkZMC&printsec=frontco de que se ja nunca pode salvar, ver&hl=hr#v=onepage&q=&f=false come quen a seu amigo jurado, Santalha, José-Martinho Montero. Guiseppe bevendo con ele, o foi matar: Tavani, Arte de Trovar do Cancioneiro da todo polos cantares del levar, Biblioteca Nacional de Lisboa: Introdução, con os quaes hoj’anda arrufado. edição crítica e fac-símile, em: Revista galega de filoloxía. Disposto em: http://ruc.udc.es/ E pois non ha quen no por én retar dspace/bitstream/2183/2600/1/RGF-4-rec-3- queira, seerá oimais por min retado. definitivo.pdf. O causo do lobisomem e três bruxas Ana Kaniški Numa yamí quando a iaé cheia, erguida lobisomem e sua auá, ainda desconhecida a elas. altamente no céu aberto, iluminava um espaço A mais velha comentou: dentro da mata profunda e densa de vegetação, - Oi, bruxas, sabiam que o nosso lobisomem precisamente, numa clareira bastante ampla se casou? e rodeada pelos altos amapás de ramos tibas - Não! Em sério? – As bruxas responderam que ondulavam gentilmente com a brisa fria, unânime ao ouvirem isto. A bruxa mais velha numa reunião de pessoas e bichos mitológicos, continuou: habitantes dessa mata prolífera, três bruxas velhas, que chegaram primeiras, comentavam - Sim! Agora é um abá de família. o resto de seus colegas que iam chegando na Provavelmente agora, com as restrições da sua esperança de novamente verem os velhos amigos auá mula-sem-cabeça, durante a airequecê e trocarem as experiências de mundo de além. cheia ele não pode lamber as auás, nem velhas Vestidas de manto preto e reunidas em redor da e menos jovens. Imagina a raiva e ciúme da sua caldeia em que se preparava a poção, as bruxas, auá! - Constatou a bruxa mais velha. Ao ouvir a às quais não escapa nenhum acontecimento e mais velha bruxa dizer que a auá de lobisomem novidade do mundo mitológico, estavam perante é a mula-sem-cabeca, a bruxa mais jovem, que uma dúvida: o que é que aconteceu com o notório não quer dizer a mais linda, interveio: BOCA DO INFERNO N°23
  • 16. 16 - Eu sabia! Então, é verdade? A sua auá é - A Dália, – continuou a bruxa mais velha a mula-sem-cabeça? Eu ouvi Saci-Pererê dizer – ao perceber que o seu marido descobriu o que, antes de se casar com o lobisomem, a sua seu segredo, transformou-se numa mula-sem- auá tinha estado namorada pelo seu pai. Que cabeça e saiu galopando em direção à mata, horror! Por isso foi transformada em mula- nunca mais retornando para a corte real. Por sem-cabeça. O que é que tu ouviste sobre essa isso eu disse que o lobisomem, durante a auá, Joaninha? Chama-se Tabita, não é? – As airequecê cheia ele não pode lamber as auás, duas bruxas ficaram estupefatas. Isso não nem velhas e menos jovens. Quer dizer, o foi que eles sabiam da auá do lobisomem. A cadáver, que a Dália comia, era o da criança Joaninha acrescentou: feminina e agora, por isso, depois de ter sido - Não fales tolices, menina! Senão nunca castigada e transformada numa mula-sem- serias tão sapiente como nos duas. Ainda tens cabeça, ela sente a raiva e ciúme quando o muito para apreender! nosso lobisomem lambe as auás. Desde aqui essa proibição. – Concluiu a bruxa mais velha. - Sim, sim! Ouça o que ela disse! E a auá do lobisomem chama-se Dália, e não Tabita. – As três bruxas, envolvidas numa discussão Interrompeu a bruxa mais velha. A Joaninha veemente sobre os recém-casados e a sua de repente continuou: vida, nem notaram que, ao fundo da clareira - O que tu disseste não era a razão que verde, onde as pessoas bailavam e os bichos a Dália foi transformada numa mula sem a mitológicos estavam a jogar com as suas crias, cabeça e que solta fogo pelo pescoço. Ademais, de repente, pela „porta“ feita de duas amapás Iara disse que ela costumava correr pelas matas grandes, com dignidade e orgulho entrou o e campos, assustando as pessoas e animais de lobisomem acompanhado pela sua auá Dália. DOSSIÊ CROÁCIA mundo de além. Mas, isso é uma bobagem! O À maravilha das pessoas e bichos mitológicos, que passou na verdade foi que a Dália perdeu a Dália era uma auá formosa com a cabeça a sua virgindade antes de se casar com o no seu pescoço e não à mula sem cabeça. Por nosso lobisomem. – A bruxa mais velha com causa da estupefacção, as três bruxas ficaram veemência respondeu: sem palavras. Ao mesmo tempo, depois de - Joaninha, tu realmente pensas que foi isto ter cumprimentado o lobisomem e a Dália, o mesmo que aconteceu? membiro da bruxa mais velha, também um feiticeiro, mas ele, bem feito e de bem postura, - Sim. Ontem conversava com Boi Tatá. Ele ao lado das três bruxas, era tipo de abá pelo disse-me isto. Sabes que ele à yamí vê tudo. – qual todas as auás e meninas da floresta se Atreveu-se dizer a Joaninha, por causa de que apaixonavam, ia-se aproximando à bruxa a bruxa mais velha se zangou. mais velha. Por sorte, ele ouviu uma parte da - Essa é boa! Boi Tatá não sabe nada. Ouça discussão das três bruxas. Furioso, ele diz: bem! A Dália era uma rainha. Ela costumava ir secretamente ao cemitério no período da yamí. - Mãe, ainda estás a disseminar as bisbilhotices? O rei, o seu marido...- A bruxa mais jovem Quando é que vais apreender? Jé te disse! Tu e o interrompeu: resto das bruxas são as mexeriqueiras piores que existem nesse mundo mitológico! Lembras-te - Como o seu marido? O lobisomem é o que passou com o Saci-Pererê? Todo o mundo seu marido! Espera! Ela tem dois maridos? – pensava que o Cairós estava aqui para visitar Estranhada, a bruxa mais velha continuou: a nossa comunidade pequena. E por que eles - Não, ela não tem dois maridos. Deixa- pensavam isso? Porque não sabiam que tu, me continuar, ok? – Disse a bruxa mais infelizmente, confundiste o Saci-Pererê com velha e continuou com a sua história sobre o o semideus grego. Pobre Saci-Pererê! Não lobisomem. faltou muito para que ele enlouquecesse. - Um - Agora, onde estava? Ah, sim... O rei, o seu minutinho depois ouviu-se a voz fraca da bruxa marido, numa yamí, resolveu segui-la para mais velha: ver o que se estava a acontecer. Ao chegar ao cemitério, deparou-se com a esposa comendo - Eu juraria que a auá do lobisomem o cadáver de uma criança. Assustado, o rei era a mula-sem-cabeça! Não sei como poderia soltou um grito horrível. equivocar? – Agora vocês não têm nada para dizer? – Perguntou a bruxa mais velha as - E que se passou? – Curiosamente outras com a voz mais alta. Elas responderam: perguntou a Joaninha. BOCA DO INFERNO N°23