SlideShare a Scribd company logo
1 of 4
Download to read offline
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS COMO PRÁTICA INTEGRADA
Vívian Bearzotti Pires - UNICAMP
O começo de um novo projeto, além do entusiasmo com o novo, sempre causa uma certa
apreensão e ansiedade naqueles que nele se encontram envolvidos. No caso do nosso projeto, não foi
diferente (o 'nosso' usado aqui não é plural majestático, é legítimo, uma vez que a disciplina participa de
uma proposta maior, das Práticas Integradas, que envolve outros professores).
A importância de um trabalho específico em nossa área de atuação, o ensino de língua com
foco nos usos da linguagem, tem-se mostrado relevante nos cursos de nível superior, e compartilho
dessa concepção tendo em conta o papel da linguagem e do discurso tanto na veiculação do saber
quanto em seu caráter organizador do conhecimento. O modelo apresentado por Geraldi (2002), ao
discutir o papel 'quase-estruturante' da linguagem, já uma forma de abstração da realidade, entre os
fenômenos percebidos e os objetos estruturados da ciência (p.73-83) é aquele que assumo para
fundamentar tal concepção e justificar a necessidade de uma disciplina prática que tome a linguagem
como objeto em qualquer nível de ensino.
Diante disso, a intenção era criar um Laboratório de Prática Integrada de Leitura e Produção de
Textos para um curso superior de Psicologia, e mais do que saber ao certo como e o que faríamos,
tínhamos clareza daquilo que não faríamos: nem um curso semelhante à qualquer disciplina introdutória
ao primeiro ano de Letras - porque não é um primeiro ano de Letras - nem um curso tradicional de Língua
(Gramática) Portuguesa, tampouco um curso genérico de Leitura e Produção de Textos, não integrado ao
restante do curso.
Algumas possibilidades foram aventadas tendo em consideração que deveríamos nos centrar
no(s) Gênero(s) do Discurso Científico, e não exclusivamente em sua materialidade textual, ou seja, nos
textos científicos (Coracini, 1991), certamente parte do discurso, mas não o único elemento que o
constitui.
Compreender o que seja um Gênero do Discurso necessariamente nos leva a definição que
Bakhtin propõe para tal concepção, qual seja, a de que a cada esfera de ação humana corresponderá
uma prática social de comunicação que implique no uso de enunciados conformados de modo
relativamente estável quanto às condições histórico-sociais em que se inserem, bem como quanto às
interlocuções que estabelecem (Bakhtin, 1997). No caso do discurso científico, em qualquer das
modalidades da linguagem, falada ou escrita, temos uma conformação bastante rígida, histórica e
socialmente legitimada por veicularem o saber como verdade objetiva, cujo sujeito deve ser 'escondido',
'opacizado' em prol do objeto, como estratégia de legitimação e persuasão (Coracini, op. cit.). Os
interlocutores, por sua vez, são fundamentalmente aqueles que detém o saber numa dada área da
ciência , participantes de uma 'comunidade de discurso', enunciador e enunciatário participam da mesma
comunidade, "a tendência desse tipo de discurso é fazer coincidir o público de seus produtores com o de
seus consumidores: escreve-se apenas para seus pares que pertencem a comunidades restritas e de
funcionamento rigoroso" (Maingueneau, 1997, p.57). No laboratório propomo-nos, portanto, não apenas a
apresentar esse discurso, mas contribuir para que os alunos 'adentrem' tal discurso, participem dele
efetivamente como interlocutores, desvendando os vários elementos que o constituem, sobretudo seu
caráter subjetivo e persuasivo, fazendo valer suas contrapalavras no interior do mesmo.
Por conta de os textos científicos e acadêmico-científicos serem o suporte fundamental desse
tipo de discurso, pensamos em centrar a atenção e a ação na leitura dos mesmos e na produção de uma
tipologia de gêneros típica da academia: resumos, fichamentos, resenhas, artigos, monografias, etc; e
depois numa tipologia típica da profissão: produção de relatórios, psicodiagnósticos, encaminhamentos,
etc.
Munida dessas definições e concepções previamente discutidas e pensadas com o grupo de
integração, demais professores e coordenadores, preparei uma aula de recepção aos alunos. Neste
ponto, gostaria de descrever brevemente o grupo de alunos do curso, uma vez que são os interlocutores
privilegiados do processo discursivo das aulas. Esse curso de Psicologia é um curso noturno pensado e
organizado para alunos trabalhadores, como de fato o são quase que em sua totalidade. Vendedores,
operários, policiais militares, professores de pré-escola, terapeutas-corporais, operadores de
telemarketing, bancários, e, como não poderia deixar de faltar nos dias que correm, alguns
desempregados. A grande maioria é oriunda da escola pública, e grande parte deles retornava aos
estudos depois de um período de tempo sem estudar. Um grupo motivado, desejoso de aprender e, o
que é de se estranhar hoje em dia, muito disciplinados.
A aula/encontro inicial foi um bate-papo com os alunos, em que expus minha proposta e ouvi a
expectativa deles com relação ao laboratório. Em seguida, fiz a proposta de um exercício lúdico. Tendo
em vista que a escrita é a modalidade privilegiada de veiculação do discurso científico, propus que se
identificassem com um suporte qualquer da escrita - do rótulo de um esmalte a um tratado de física
quântica - , e que justificassem sua escolha. Em seguida, pedi que me dissessem o quê e para quê liam,
e o quê e para quê escreviam. Naturalmente, a intenção era começar a lidar com o percurso de cada um
na busca de seu papel de intérprete e autor (Geraldi, 2002). O exercício pedia o registro escrito dos
alunos, mas foi em roda que todos leram ou falaram o que haviam escrito, sobretudo para nos
aproximarmos. Uma vez que a intenção era 'quebrar o gelo', tornarmo-nos próximos, conformarmo-nos
como grupo num processo dialógico, de interação mediada pela palavra, legítima interação, já que as
respostas às perguntas interessavam aos interlocutores (Geraldi, op. cit.).
Muitas e variadas foram as respostas, algumas certamente buscando corresponder às
expectativas que supunham que eu, como professora de curso, tivesse deles, outros, por sua vez, foram
de uma franqueza ingênua, se tomarmos como parâmetro o que se espera daqueles que desejam se
introduzir no discurso científico, outros, ainda, mais soltos talvez, brincaram com a palavra. Transcrevo
apenas alguns dizeres relativos à primeira pergunta:
(1) Se eu fosse um suporte de texto, com certeza seria uma apostila do ensino fundamental.
(2) Se eu fosse um texto escrito com certeza seria um texto de algum livro de História.
(3) Se eu fosse um suporte de texto seria uma revista informativa
(4) Se eu fosse um suporte de texto escrito seria não somente um suporte, mas num todo,
uma biblioteca gigante...
(5) Se eu fosse um suporte de texto, com certeza, seria uma passagem bíblica...
(6) Seria um avião, porque gostaria de viajar o mundo todo...
Com relação às outras duas respostas, grande parte dos alunos dizia ler livros de auto-ajuda - o
que é de se esperar num momento de entrada num curso de psicologia - a bíblia, revistas, jornais,
legenda de filme etc. Para se conhecer, para se aproximar de Deus, para se informar, para entender o
filme, etc. Alguns poucos citaram leituras de cunho propriamente científico. Responderam que escreviam
diários, bilhetes, listas de supermercado, relatórios de trabalho (professoras e PMs), etc. Para desabafar,
para se comunicar com alguém (sobretudo filhos e maridos), para lembrar o que comprar, para registrar o
que foi feito na escola, na rua etc. Novamente, alguns poucos se aproximaram de uma produção escrita
voltada ao campo científico. Tal constatação não traz em si nenhum juízo de valor, mas apontou a
necessidade de proporcionar ao grupo a reflexão acerca do que seja o universo científico, o que
certamente também foi feito em outras disciplinas.
O que começou a mostrar-se claro para nós é que a ênfase nesse primeiro semestre seria
desvendar possibilidades de leitura do discurso, sem nos atermos a tipologia de gêneros acadêmicos,
deixando esse enfoque para um momento posterior. O que não significa que desprezamos a escrita do
aluno, mas que deixamos para um momento posterior a sistematização das regras formais de produção
escrita, priorizando o dizer mais do que as estratégias de fazê-lo.
A maioria das atividades seguintes girou em torno de leitura e discussão de textos teóricos de
outras disciplinas, já que a idéia é justamente lidar com o material com o qual eles vão se confrontar,
numa perspectiva de integração dialógica com o restante do curso. Eventualmente, eram feitas leituras
de textos próprios à análise lingüístico-discursiva, no sentido de contribuir para o desvendar dos
elementos que constituem o discurso científico.
Um dos conceitos que foi explicitamente introduzido por mim como estratégia de leitura - já que
alguns deles foram percebidos e questionados por elementos do grupo, como veremos a seguir - foi o de
situação de comunicação e contexto, tratados, ao mesmo tempo, como, numa primeira instância,
constitutivos do texto e do discurso em seu momento de produção, mas que a "cada leitura corresponde
a um texto diferente, proporcional à bagagem de conhecimentos, experiências e representações
suscitados num determinado momento e lugar, por um conjunto de sinais gráficos que constituem o texto-
1 (produzido pelo enunciador-1)" (Coracini, op.cit., 176), ou seja, se um dado texto é proposto como
leitura pelo professor da disciplina Psicologia, Ciência e Profissão, e é também por mim explorado,
certamente serão mobilizados outros componentes no momento da leitura por parte dos alunos, dada a
outra - ainda que semelhante - situação de comunicação, embora os leitores enunciatários sejam os
mesmos. O fato de apresentarmos o conceito dessa forma comparativa com a prática de leitura e
interpretação que os alunos fazem pareceu contribuir para a sua compreensão.
Além do conceito de situação de comunicação (condições de produção), passamos a trabalhar
pensando que cada texto-enunciado (entendido aqui segundo a concepção de Bakhtin, 1986) traz em si
mais do que a significação, um tema, um todo de sentido que se constitui em articulação com o contexto
no qual é proferido, o qual tem sempre um caráter apreciativo, portanto traz sempre a marca do sujeito
que o profere e que responde a outros enunciados ao mesmo tempo que espera uma compreensão
responsiva do outro (Bakhtin, 1986,128-136), isto é, participa como elo de uma cadeia de comunicação.
Logo, todo texto-enunciado se posiciona em relação ao mundo, a um dado debate no mundo, nunca é
isento. Alguns exercícios de leitura foram feitos procurando buscar o contexto maior em que os textos se
inseriam, qual o debate mais ou menos específico do qual participavam e que posição assumiam em
relação a ele. Transcrevo aqui trechos de um desses exercícios (Texto A), que tem por base a idéia de
perguntar ao texto para escutá-lo (Geraldi,op.cit., 171-2), sem contudo escutá-lo como verdade estanque
e absoluta, uma vez que quem se posiciona pode certamente ser questionado.
7) Como o próprio nome (título) diz, este texto discute os motivos para se formar psicólogos ,
aonde e como eles seriam úteis. Ele traz a idéia de que o processo de formação de psicólogos se dá
numa via de 'mão dupla', na qual devem se formar psicólogos/cidadãos, porque, segundo ele, não há
como separar o profissional do cidadão que assume seu lugar no mundo social. Ele traz as citações de
autores famosos que concordam com essa idéia, com isso, ele acaba por ter mais credibilidade que
serve não apenas para ilustrar, mas também para que tenha uma aceitação mais ampla por quem está
lendo.
8) O debate é de professores sobre o preparo dos alunos do curso de psicologia para o mundo
profissional, onde o individualismo e o narcisismo se encontram presentes. Que os professores dentro da
formação acadêmica se preocupem na formação do cidadão-psicólogo, conscientes. Vemos o texto
assumindo e defendendo a importância dessa consciência, que o aluno se comprometa com a faculdade,
com suas idéias, com si mesmo e com a sociedade, atuando como um agente de mudança dentro de sua
competência, não sendo possível se não se envolver com os problemas do ser humano e seu grupo. As
citações vêm ajudar a argumentação de seu autor, mostrando pesquisas, teorias, observações,
pensamentos e etc, enriquecendo seu conteúdo.
Ambos os trechos ilustram o que foi trabalhado como forma de estratégias de leitura do texto,
de entrada no texto, para chegar ao discurso. Ao final de ambos, nota-se a presença da referência feita
às citações no interior do texto. Trata-se, sem dúvida alguma, de um recurso muito enfatizado por nós, a
dita heterogeneidade mostrada (Maingueneau, 1997; Coracini, 1991) e que constava daquilo que
pretendia trazer para discussão. Ocorre que quem trouxe para discussão foram os próprios alunos. A
primeira atividade desenvolvida com esse mesmo texto foi uma síntese, sem nenhuma técnica
previamente apresentada, uma síntese intuitiva, por assim dizer. Os alunos, ao se depararem com as
citações, não sabiam o que fazer com elas, ou como sintetizá-las, uma vez que percebiam claramente
não se tratar da voz do autor, mas de um outro que ali se mostrava presente. Nesse ponto, passamos a
discussão do porquê da presença desse outro no interior do texto. Legitimar o discurso, opor-se a um
discurso anterior, ampliar o que já foi dito, enfim discutir a citação procurando resgatar aquilo com o que
já haviam se deparado até aquele momento nos materiais que vinham lendo. Até o final desse semestre,
foi discutido o papel das citações fundamentalmente no discurso científico e apenas muito
superficialmente o fato de que, em última instância, em qualquer enunciado elas estão presentes,
simultaneamente repetindo e tornando novo/outro o discurso proferido (Bakhtin, 1986; Geraldi,2002).
Aqui foi possível também enfatizar o papel da 'comunidade discursiva científica' e suas regras de
condicionamento e validação do discurso científico.
Outros dois trabalhos que fizemos relacionados ao material de outras disciplinas foram a
produção de uma síntese de um texto da disciplina Metodologia Científica Teórica (Texto B), e um artigo-
comentário de um texto (Texto C) inicialmente trabalhado no curso de Filosofia.
No primeiro, eles desenvolveram a síntese buscando as idéias-chave do texto, ao mesmo
tempo que procuravam formular questões e afirmações sobre o seu conteúdo dirigidas ao outro
professor, acerca daquilo que não compreendiam ou que desejavam discutir mais e melhor, enfim, o
trabalho tinha como objetivo integrar a nossa prática à outra disciplina por meio de uma técnica de leitura
e estudo de texto. Novamente tendo como fundamentação a proposta de Geraldi (op.cit., 171-2) acerca
dos porquês de se ir ao texto. Nesse caso, para perguntar, para produzir contrapalavras. Apenas a título
de ilustração, aí vão algumas dessas questões e afirmações.
Questões:
9) Explique: psicologia filosófica e psicologia científica./ Qual o fundamento da teoria de
Bérgson?
10) O que é fundamento epistemológico? Fale sobre o paralelismo que Bérgson nega.
11) Como se pode, ao mesmo tempo, pensar e pensar que se pensa?
Afirmações:
12) A psicologia humanista enfatiza as relações e a motivação humana./ Para Wundt, os únicos
fenômenos são os psíquicos; só há um tipo de experiência, que é a consciente ou interna.
13) O período de transição do feudalismo para o capitalismo foi um momento marcante na
construção de idéias e necessidades que fundamentaram o surgimento da psicologia como ciência, neste
momento de tantas mudanças sociais, políticas e economicas, o homem questiona sua subjetividade.
O último trabalho com material usado em outra disciplina desenvolvido no laboratório foi com
um texto da Filosofia. Foi feita a proposta centrando o comentário do texto com relação ao debate do qual
participava, a posição que assumia e quais os argumentos de que se utilizava. Este trabalho dizia
respeito a um trecho do "Discurso do Método", de Descartes. Desse trabalho, não pretendo transcrever
nenhum trecho de aluno, mas um comentário que me pareceu bem mais significativo. Ao final de uma
aula, quando discutíamos justamente formas de mascaramento do sujeito e mecanismos de persuasão
textual, um aluno perguntou afirmando:
Professora, naquela parte do texto em o autor diz que só desenvolveu o método para ele
mesmo, o que ele faz é disfarçar, não é? Eu acho que, se fosse só para ele mesmo, ele não teria
publicado o texto.
Suponho que tenha dito o mais significativo do que foi feito. Certamente ocorreram problemas
no percurso, atividades que não deram certo, momentos de cansaço, de dúvida, de retrocesso, faltas,
lacunas, mas acredito ter relatado aqui o que pode contribuir para a continuidade do diálogo e da
construção de um trabalho com a linguagem nesse nível de ensino.
Referências Bibliográficas
BAKTHIN,M., Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: HUCITEC. 1986.
. “Os Gêneros do Discurso”, in Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes,
1997, p.277-326.
CORACINI, M.J. Um Fazer Persuasivo - O Discurso Subjetivo da Ciência. Campinas: Pontes, 1991.
GERALDI, J.W. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes, 1997.
Anexo: Textos utilizados pelos alunos e citados na descrição dos exercícios
DESCARTES, R. O Discurso do Método, in Os Pensadores: Descartes. São Paulo: Abril Cultural, 1977,
p.42-49. (Texto C)
KAHHALE, E.M.P. e ANDRIANI, A.G.P. A Constituição Histórica da Psicologia como Ciência, in
KAHHALE, E.M.P. (org.) A Diversidade da Psicologia: Uma Construção Teórica, São Paulo: Cortez,
2002, p. 75-95. (Texto B)
SANTOS, M. de F. de S. Formar Psicólogos para quê?, in Psicologia, Ciência e Profissão, Brasília, v .14,
(1,2,3), 1994, p.40-1. (Texto A)

More Related Content

What's hot

Fichamento do texto - cildete
Fichamento do texto  - cildete Fichamento do texto  - cildete
Fichamento do texto - cildete pibidsociais
 
Plano de Ensino de Filosofia / 1º ano
Plano de Ensino  de Filosofia   / 1º ano Plano de Ensino  de Filosofia   / 1º ano
Plano de Ensino de Filosofia / 1º ano Mary Alvarenga
 
A interação autor aluno no livro didático
A interação autor aluno no livro didáticoA interação autor aluno no livro didático
A interação autor aluno no livro didáticoAntonio Silva
 
A EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO POR MEIO DO DISCURSO ESCRITO
A EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO POR MEIO DO DISCURSO ESCRITOA EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO POR MEIO DO DISCURSO ESCRITO
A EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO POR MEIO DO DISCURSO ESCRITOProfessorPrincipiante
 
Fichamento Carlos Willian
Fichamento Carlos WillianFichamento Carlos Willian
Fichamento Carlos Willianpibidsociais
 
Apresentação Bragança Ciclo I
Apresentação Bragança Ciclo IApresentação Bragança Ciclo I
Apresentação Bragança Ciclo Idiretoriabraganca
 
Construindo argumentação na sala de aula
Construindo argumentação na sala de aulaConstruindo argumentação na sala de aula
Construindo argumentação na sala de aulapibidbio
 
Slides monografia Um (Re)Pensar no Processo de A
Slides  monografia Um (Re)Pensar no Processo de ASlides  monografia Um (Re)Pensar no Processo de A
Slides monografia Um (Re)Pensar no Processo de AFABIO DE LUCENA MARINHO
 
Planejamento de Filosofia e arte 2º bimestre
Planejamento de Filosofia e  arte  2º bimestrePlanejamento de Filosofia e  arte  2º bimestre
Planejamento de Filosofia e arte 2º bimestreMary Alvarenga
 
Habilidades e-competncias-para-ensinar-1198276846499651-3
Habilidades e-competncias-para-ensinar-1198276846499651-3Habilidades e-competncias-para-ensinar-1198276846499651-3
Habilidades e-competncias-para-ensinar-1198276846499651-3Silas Anderson de Oliveira
 
Capítulo 3 leitura e mediação pedagógica . bortoni ricardo, stella maris (orgs)
Capítulo 3 leitura e mediação pedagógica . bortoni ricardo, stella maris (orgs)Capítulo 3 leitura e mediação pedagógica . bortoni ricardo, stella maris (orgs)
Capítulo 3 leitura e mediação pedagógica . bortoni ricardo, stella maris (orgs)Márcia Vacario
 
Texto, hipertexto e estrutura do parágrafo
Texto, hipertexto e estrutura do parágrafoTexto, hipertexto e estrutura do parágrafo
Texto, hipertexto e estrutura do parágrafoAndréa Blessed
 
Luiz Roberto Dias de Melo & Celso Leopoldo Pagnan: Prática de texto leitura...
Luiz Roberto Dias de Melo & Celso Leopoldo Pagnan: Prática de texto   leitura...Luiz Roberto Dias de Melo & Celso Leopoldo Pagnan: Prática de texto   leitura...
Luiz Roberto Dias de Melo & Celso Leopoldo Pagnan: Prática de texto leitura...Luiz Roberto Dias de Melo
 

What's hot (20)

Fichamento do texto - cildete
Fichamento do texto  - cildete Fichamento do texto  - cildete
Fichamento do texto - cildete
 
13 resenha wagner
13 resenha wagner13 resenha wagner
13 resenha wagner
 
Plano de Ensino de Filosofia / 1º ano
Plano de Ensino  de Filosofia   / 1º ano Plano de Ensino  de Filosofia   / 1º ano
Plano de Ensino de Filosofia / 1º ano
 
A interação autor aluno no livro didático
A interação autor aluno no livro didáticoA interação autor aluno no livro didático
A interação autor aluno no livro didático
 
A EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO POR MEIO DO DISCURSO ESCRITO
A EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO POR MEIO DO DISCURSO ESCRITOA EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO POR MEIO DO DISCURSO ESCRITO
A EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO POR MEIO DO DISCURSO ESCRITO
 
Repensando A Textualidade
Repensando A TextualidadeRepensando A Textualidade
Repensando A Textualidade
 
Fichamento Carlos Willian
Fichamento Carlos WillianFichamento Carlos Willian
Fichamento Carlos Willian
 
Apresentação Bragança Ciclo I
Apresentação Bragança Ciclo IApresentação Bragança Ciclo I
Apresentação Bragança Ciclo I
 
Construindo argumentação na sala de aula
Construindo argumentação na sala de aulaConstruindo argumentação na sala de aula
Construindo argumentação na sala de aula
 
Slides monografia Um (Re)Pensar no Processo de A
Slides  monografia Um (Re)Pensar no Processo de ASlides  monografia Um (Re)Pensar no Processo de A
Slides monografia Um (Re)Pensar no Processo de A
 
29404
2940429404
29404
 
Redação 7ano
Redação 7anoRedação 7ano
Redação 7ano
 
Planejamento de Filosofia e arte 2º bimestre
Planejamento de Filosofia e  arte  2º bimestrePlanejamento de Filosofia e  arte  2º bimestre
Planejamento de Filosofia e arte 2º bimestre
 
Resumos
ResumosResumos
Resumos
 
A09v18n3
A09v18n3A09v18n3
A09v18n3
 
Habilidades e-competncias-para-ensinar-1198276846499651-3
Habilidades e-competncias-para-ensinar-1198276846499651-3Habilidades e-competncias-para-ensinar-1198276846499651-3
Habilidades e-competncias-para-ensinar-1198276846499651-3
 
Capítulo 3 leitura e mediação pedagógica . bortoni ricardo, stella maris (orgs)
Capítulo 3 leitura e mediação pedagógica . bortoni ricardo, stella maris (orgs)Capítulo 3 leitura e mediação pedagógica . bortoni ricardo, stella maris (orgs)
Capítulo 3 leitura e mediação pedagógica . bortoni ricardo, stella maris (orgs)
 
Texto, hipertexto e estrutura do parágrafo
Texto, hipertexto e estrutura do parágrafoTexto, hipertexto e estrutura do parágrafo
Texto, hipertexto e estrutura do parágrafo
 
Luiz Roberto Dias de Melo & Celso Leopoldo Pagnan: Prática de texto leitura...
Luiz Roberto Dias de Melo & Celso Leopoldo Pagnan: Prática de texto   leitura...Luiz Roberto Dias de Melo & Celso Leopoldo Pagnan: Prática de texto   leitura...
Luiz Roberto Dias de Melo & Celso Leopoldo Pagnan: Prática de texto leitura...
 
A constituição do professor leitor
A constituição do professor leitorA constituição do professor leitor
A constituição do professor leitor
 

Similar to P c da leitura e produção de texto

SlidesSem10122000000000000000000000.pptx
SlidesSem10122000000000000000000000.pptxSlidesSem10122000000000000000000000.pptx
SlidesSem10122000000000000000000000.pptxAdoniasCarvalho4
 
Generos textuais
Generos textuaisGeneros textuais
Generos textuaisAna Soares
 
FUNDAMENTOS_PARA_EDUCACAO_ESPECIAL.pdf
FUNDAMENTOS_PARA_EDUCACAO_ESPECIAL.pdfFUNDAMENTOS_PARA_EDUCACAO_ESPECIAL.pdf
FUNDAMENTOS_PARA_EDUCACAO_ESPECIAL.pdfMariaNecBezerra
 
Oralidade1
Oralidade1Oralidade1
Oralidade1Jayra1
 
Repensando o dialogo_nos_pcns...com nome dos autores
Repensando o dialogo_nos_pcns...com nome dos autoresRepensando o dialogo_nos_pcns...com nome dos autores
Repensando o dialogo_nos_pcns...com nome dos autoresatodeler
 
Artigo Conceito de enunciado por Focault
Artigo Conceito de enunciado por  FocaultArtigo Conceito de enunciado por  Focault
Artigo Conceito de enunciado por FocaultCarlos Alberto Monteiro
 
Análise de livro didático língua portuguesa
Análise de livro didático língua portuguesaAnálise de livro didático língua portuguesa
Análise de livro didático língua portuguesaNágila De Sousa Freitas
 
A cerca do letramento
A cerca do letramentoA cerca do letramento
A cerca do letramentoUFAC
 
Interdisciplinaridade e Educaçao - Unijuí
Interdisciplinaridade e Educaçao - UnijuíInterdisciplinaridade e Educaçao - Unijuí
Interdisciplinaridade e Educaçao - UnijuíJenerton
 
A produção de textos na escola
A produção de textos na escolaA produção de textos na escola
A produção de textos na escolaThayse Guimarães
 
Gêneros do discurso o que os pcns dizem e o que a prática escolar revela
Gêneros do discurso o que os pcns dizem e o que a prática escolar revelaGêneros do discurso o que os pcns dizem e o que a prática escolar revela
Gêneros do discurso o que os pcns dizem e o que a prática escolar revelaFrancimeire Cesario
 
Re lendo-michel-pêcheux p.542-562(1)
Re lendo-michel-pêcheux p.542-562(1)Re lendo-michel-pêcheux p.542-562(1)
Re lendo-michel-pêcheux p.542-562(1)Tribeiro Tribeiro
 
Debate em sala de aula práticas de linguagem em um gênero escolar
Debate em sala de aula práticas de linguagem em um gênero escolarDebate em sala de aula práticas de linguagem em um gênero escolar
Debate em sala de aula práticas de linguagem em um gênero escolarMayke Machado
 
Slides jornada 1
Slides jornada 1Slides jornada 1
Slides jornada 1cfvila
 

Similar to P c da leitura e produção de texto (20)

SlidesSem10122000000000000000000000.pptx
SlidesSem10122000000000000000000000.pptxSlidesSem10122000000000000000000000.pptx
SlidesSem10122000000000000000000000.pptx
 
Generos textuais
Generos textuaisGeneros textuais
Generos textuais
 
FUNDAMENTOS_PARA_EDUCACAO_ESPECIAL.pdf
FUNDAMENTOS_PARA_EDUCACAO_ESPECIAL.pdfFUNDAMENTOS_PARA_EDUCACAO_ESPECIAL.pdf
FUNDAMENTOS_PARA_EDUCACAO_ESPECIAL.pdf
 
Análise do discurso
Análise do discursoAnálise do discurso
Análise do discurso
 
Oralidade1
Oralidade1Oralidade1
Oralidade1
 
Repensando o dialogo_nos_pcns...com nome dos autores
Repensando o dialogo_nos_pcns...com nome dos autoresRepensando o dialogo_nos_pcns...com nome dos autores
Repensando o dialogo_nos_pcns...com nome dos autores
 
Artigo Conceito de enunciado por Focault
Artigo Conceito de enunciado por  FocaultArtigo Conceito de enunciado por  Focault
Artigo Conceito de enunciado por Focault
 
Gt16 5371--int
Gt16 5371--intGt16 5371--int
Gt16 5371--int
 
Análise de livro didático língua portuguesa
Análise de livro didático língua portuguesaAnálise de livro didático língua portuguesa
Análise de livro didático língua portuguesa
 
A cerca do letramento
A cerca do letramentoA cerca do letramento
A cerca do letramento
 
Interdisciplinaridade e Educaçao - Unijuí
Interdisciplinaridade e Educaçao - UnijuíInterdisciplinaridade e Educaçao - Unijuí
Interdisciplinaridade e Educaçao - Unijuí
 
A produção de textos na escola
A produção de textos na escolaA produção de textos na escola
A produção de textos na escola
 
Gêneros do discurso o que os pcns dizem e o que a prática escolar revela
Gêneros do discurso o que os pcns dizem e o que a prática escolar revelaGêneros do discurso o que os pcns dizem e o que a prática escolar revela
Gêneros do discurso o que os pcns dizem e o que a prática escolar revela
 
Re lendo-michel-pêcheux p.542-562(1)
Re lendo-michel-pêcheux p.542-562(1)Re lendo-michel-pêcheux p.542-562(1)
Re lendo-michel-pêcheux p.542-562(1)
 
Encontro do dia 17/04/2012
Encontro do dia 17/04/2012Encontro do dia 17/04/2012
Encontro do dia 17/04/2012
 
Generos textuais
Generos textuais Generos textuais
Generos textuais
 
Bonini 2001
Bonini 2001Bonini 2001
Bonini 2001
 
Linguistica textual
Linguistica textualLinguistica textual
Linguistica textual
 
Debate em sala de aula práticas de linguagem em um gênero escolar
Debate em sala de aula práticas de linguagem em um gênero escolarDebate em sala de aula práticas de linguagem em um gênero escolar
Debate em sala de aula práticas de linguagem em um gênero escolar
 
Slides jornada 1
Slides jornada 1Slides jornada 1
Slides jornada 1
 

More from angelafreire

Oferta demanda educacao_ampo
Oferta demanda educacao_ampoOferta demanda educacao_ampo
Oferta demanda educacao_ampoangelafreire
 
Indic qualit educ_infantil
Indic qualit educ_infantilIndic qualit educ_infantil
Indic qualit educ_infantilangelafreire
 
Educacao infantil sitematica_avaliacao
Educacao infantil sitematica_avaliacaoEducacao infantil sitematica_avaliacao
Educacao infantil sitematica_avaliacaoangelafreire
 
Educa infantis conceituais_
Educa infantis conceituais_Educa infantis conceituais_
Educa infantis conceituais_angelafreire
 
Duvidas mais frequentes_relacao_educacao_infantil
Duvidas mais frequentes_relacao_educacao_infantilDuvidas mais frequentes_relacao_educacao_infantil
Duvidas mais frequentes_relacao_educacao_infantilangelafreire
 
Diretrizescurriculares 2012
Diretrizescurriculares 2012Diretrizescurriculares 2012
Diretrizescurriculares 2012angelafreire
 
Direitosfundamentais
DireitosfundamentaisDireitosfundamentais
Direitosfundamentaisangelafreire
 
Deixa eu falar_novembro2011
Deixa eu falar_novembro2011Deixa eu falar_novembro2011
Deixa eu falar_novembro2011angelafreire
 
Modelos pedagogicos
Modelos pedagogicosModelos pedagogicos
Modelos pedagogicosangelafreire
 
Layout do título 2
Layout do título 2Layout do título 2
Layout do título 2angelafreire
 
Modelo de plano de aula
Modelo de plano de aulaModelo de plano de aula
Modelo de plano de aulaangelafreire
 

More from angelafreire (20)

Miolo infraestr
Miolo infraestrMiolo infraestr
Miolo infraestr
 
Miolo infraestr
Miolo infraestrMiolo infraestr
Miolo infraestr
 
Miolo infraestr
Miolo infraestrMiolo infraestr
Miolo infraestr
 
Oferta demanda educacao_ampo
Oferta demanda educacao_ampoOferta demanda educacao_ampo
Oferta demanda educacao_ampo
 
Miolo infraestr
Miolo infraestrMiolo infraestr
Miolo infraestr
 
Integra01 (1)
Integra01 (1)Integra01 (1)
Integra01 (1)
 
Indic qualit educ_infantil
Indic qualit educ_infantilIndic qualit educ_infantil
Indic qualit educ_infantil
 
Eduinfparqualvol2
Eduinfparqualvol2Eduinfparqualvol2
Eduinfparqualvol2
 
Eduinfparqualvol2
Eduinfparqualvol2Eduinfparqualvol2
Eduinfparqualvol2
 
Eduinfparqualvol2
Eduinfparqualvol2Eduinfparqualvol2
Eduinfparqualvol2
 
Eduinfparqualvol1
Eduinfparqualvol1Eduinfparqualvol1
Eduinfparqualvol1
 
Educacao infantil sitematica_avaliacao
Educacao infantil sitematica_avaliacaoEducacao infantil sitematica_avaliacao
Educacao infantil sitematica_avaliacao
 
Educa infantis conceituais_
Educa infantis conceituais_Educa infantis conceituais_
Educa infantis conceituais_
 
Duvidas mais frequentes_relacao_educacao_infantil
Duvidas mais frequentes_relacao_educacao_infantilDuvidas mais frequentes_relacao_educacao_infantil
Duvidas mais frequentes_relacao_educacao_infantil
 
Diretrizescurriculares 2012
Diretrizescurriculares 2012Diretrizescurriculares 2012
Diretrizescurriculares 2012
 
Direitosfundamentais
DireitosfundamentaisDireitosfundamentais
Direitosfundamentais
 
Deixa eu falar_novembro2011
Deixa eu falar_novembro2011Deixa eu falar_novembro2011
Deixa eu falar_novembro2011
 
Modelos pedagogicos
Modelos pedagogicosModelos pedagogicos
Modelos pedagogicos
 
Layout do título 2
Layout do título 2Layout do título 2
Layout do título 2
 
Modelo de plano de aula
Modelo de plano de aulaModelo de plano de aula
Modelo de plano de aula
 

P c da leitura e produção de texto

  • 1. LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS COMO PRÁTICA INTEGRADA Vívian Bearzotti Pires - UNICAMP O começo de um novo projeto, além do entusiasmo com o novo, sempre causa uma certa apreensão e ansiedade naqueles que nele se encontram envolvidos. No caso do nosso projeto, não foi diferente (o 'nosso' usado aqui não é plural majestático, é legítimo, uma vez que a disciplina participa de uma proposta maior, das Práticas Integradas, que envolve outros professores). A importância de um trabalho específico em nossa área de atuação, o ensino de língua com foco nos usos da linguagem, tem-se mostrado relevante nos cursos de nível superior, e compartilho dessa concepção tendo em conta o papel da linguagem e do discurso tanto na veiculação do saber quanto em seu caráter organizador do conhecimento. O modelo apresentado por Geraldi (2002), ao discutir o papel 'quase-estruturante' da linguagem, já uma forma de abstração da realidade, entre os fenômenos percebidos e os objetos estruturados da ciência (p.73-83) é aquele que assumo para fundamentar tal concepção e justificar a necessidade de uma disciplina prática que tome a linguagem como objeto em qualquer nível de ensino. Diante disso, a intenção era criar um Laboratório de Prática Integrada de Leitura e Produção de Textos para um curso superior de Psicologia, e mais do que saber ao certo como e o que faríamos, tínhamos clareza daquilo que não faríamos: nem um curso semelhante à qualquer disciplina introdutória ao primeiro ano de Letras - porque não é um primeiro ano de Letras - nem um curso tradicional de Língua (Gramática) Portuguesa, tampouco um curso genérico de Leitura e Produção de Textos, não integrado ao restante do curso. Algumas possibilidades foram aventadas tendo em consideração que deveríamos nos centrar no(s) Gênero(s) do Discurso Científico, e não exclusivamente em sua materialidade textual, ou seja, nos textos científicos (Coracini, 1991), certamente parte do discurso, mas não o único elemento que o constitui. Compreender o que seja um Gênero do Discurso necessariamente nos leva a definição que Bakhtin propõe para tal concepção, qual seja, a de que a cada esfera de ação humana corresponderá uma prática social de comunicação que implique no uso de enunciados conformados de modo relativamente estável quanto às condições histórico-sociais em que se inserem, bem como quanto às interlocuções que estabelecem (Bakhtin, 1997). No caso do discurso científico, em qualquer das modalidades da linguagem, falada ou escrita, temos uma conformação bastante rígida, histórica e socialmente legitimada por veicularem o saber como verdade objetiva, cujo sujeito deve ser 'escondido', 'opacizado' em prol do objeto, como estratégia de legitimação e persuasão (Coracini, op. cit.). Os interlocutores, por sua vez, são fundamentalmente aqueles que detém o saber numa dada área da ciência , participantes de uma 'comunidade de discurso', enunciador e enunciatário participam da mesma comunidade, "a tendência desse tipo de discurso é fazer coincidir o público de seus produtores com o de seus consumidores: escreve-se apenas para seus pares que pertencem a comunidades restritas e de funcionamento rigoroso" (Maingueneau, 1997, p.57). No laboratório propomo-nos, portanto, não apenas a apresentar esse discurso, mas contribuir para que os alunos 'adentrem' tal discurso, participem dele efetivamente como interlocutores, desvendando os vários elementos que o constituem, sobretudo seu caráter subjetivo e persuasivo, fazendo valer suas contrapalavras no interior do mesmo. Por conta de os textos científicos e acadêmico-científicos serem o suporte fundamental desse tipo de discurso, pensamos em centrar a atenção e a ação na leitura dos mesmos e na produção de uma tipologia de gêneros típica da academia: resumos, fichamentos, resenhas, artigos, monografias, etc; e depois numa tipologia típica da profissão: produção de relatórios, psicodiagnósticos, encaminhamentos, etc. Munida dessas definições e concepções previamente discutidas e pensadas com o grupo de integração, demais professores e coordenadores, preparei uma aula de recepção aos alunos. Neste ponto, gostaria de descrever brevemente o grupo de alunos do curso, uma vez que são os interlocutores privilegiados do processo discursivo das aulas. Esse curso de Psicologia é um curso noturno pensado e organizado para alunos trabalhadores, como de fato o são quase que em sua totalidade. Vendedores, operários, policiais militares, professores de pré-escola, terapeutas-corporais, operadores de
  • 2. telemarketing, bancários, e, como não poderia deixar de faltar nos dias que correm, alguns desempregados. A grande maioria é oriunda da escola pública, e grande parte deles retornava aos estudos depois de um período de tempo sem estudar. Um grupo motivado, desejoso de aprender e, o que é de se estranhar hoje em dia, muito disciplinados. A aula/encontro inicial foi um bate-papo com os alunos, em que expus minha proposta e ouvi a expectativa deles com relação ao laboratório. Em seguida, fiz a proposta de um exercício lúdico. Tendo em vista que a escrita é a modalidade privilegiada de veiculação do discurso científico, propus que se identificassem com um suporte qualquer da escrita - do rótulo de um esmalte a um tratado de física quântica - , e que justificassem sua escolha. Em seguida, pedi que me dissessem o quê e para quê liam, e o quê e para quê escreviam. Naturalmente, a intenção era começar a lidar com o percurso de cada um na busca de seu papel de intérprete e autor (Geraldi, 2002). O exercício pedia o registro escrito dos alunos, mas foi em roda que todos leram ou falaram o que haviam escrito, sobretudo para nos aproximarmos. Uma vez que a intenção era 'quebrar o gelo', tornarmo-nos próximos, conformarmo-nos como grupo num processo dialógico, de interação mediada pela palavra, legítima interação, já que as respostas às perguntas interessavam aos interlocutores (Geraldi, op. cit.). Muitas e variadas foram as respostas, algumas certamente buscando corresponder às expectativas que supunham que eu, como professora de curso, tivesse deles, outros, por sua vez, foram de uma franqueza ingênua, se tomarmos como parâmetro o que se espera daqueles que desejam se introduzir no discurso científico, outros, ainda, mais soltos talvez, brincaram com a palavra. Transcrevo apenas alguns dizeres relativos à primeira pergunta: (1) Se eu fosse um suporte de texto, com certeza seria uma apostila do ensino fundamental. (2) Se eu fosse um texto escrito com certeza seria um texto de algum livro de História. (3) Se eu fosse um suporte de texto seria uma revista informativa (4) Se eu fosse um suporte de texto escrito seria não somente um suporte, mas num todo, uma biblioteca gigante... (5) Se eu fosse um suporte de texto, com certeza, seria uma passagem bíblica... (6) Seria um avião, porque gostaria de viajar o mundo todo... Com relação às outras duas respostas, grande parte dos alunos dizia ler livros de auto-ajuda - o que é de se esperar num momento de entrada num curso de psicologia - a bíblia, revistas, jornais, legenda de filme etc. Para se conhecer, para se aproximar de Deus, para se informar, para entender o filme, etc. Alguns poucos citaram leituras de cunho propriamente científico. Responderam que escreviam diários, bilhetes, listas de supermercado, relatórios de trabalho (professoras e PMs), etc. Para desabafar, para se comunicar com alguém (sobretudo filhos e maridos), para lembrar o que comprar, para registrar o que foi feito na escola, na rua etc. Novamente, alguns poucos se aproximaram de uma produção escrita voltada ao campo científico. Tal constatação não traz em si nenhum juízo de valor, mas apontou a necessidade de proporcionar ao grupo a reflexão acerca do que seja o universo científico, o que certamente também foi feito em outras disciplinas. O que começou a mostrar-se claro para nós é que a ênfase nesse primeiro semestre seria desvendar possibilidades de leitura do discurso, sem nos atermos a tipologia de gêneros acadêmicos, deixando esse enfoque para um momento posterior. O que não significa que desprezamos a escrita do aluno, mas que deixamos para um momento posterior a sistematização das regras formais de produção escrita, priorizando o dizer mais do que as estratégias de fazê-lo. A maioria das atividades seguintes girou em torno de leitura e discussão de textos teóricos de outras disciplinas, já que a idéia é justamente lidar com o material com o qual eles vão se confrontar, numa perspectiva de integração dialógica com o restante do curso. Eventualmente, eram feitas leituras de textos próprios à análise lingüístico-discursiva, no sentido de contribuir para o desvendar dos elementos que constituem o discurso científico. Um dos conceitos que foi explicitamente introduzido por mim como estratégia de leitura - já que alguns deles foram percebidos e questionados por elementos do grupo, como veremos a seguir - foi o de situação de comunicação e contexto, tratados, ao mesmo tempo, como, numa primeira instância, constitutivos do texto e do discurso em seu momento de produção, mas que a "cada leitura corresponde a um texto diferente, proporcional à bagagem de conhecimentos, experiências e representações suscitados num determinado momento e lugar, por um conjunto de sinais gráficos que constituem o texto- 1 (produzido pelo enunciador-1)" (Coracini, op.cit., 176), ou seja, se um dado texto é proposto como
  • 3. leitura pelo professor da disciplina Psicologia, Ciência e Profissão, e é também por mim explorado, certamente serão mobilizados outros componentes no momento da leitura por parte dos alunos, dada a outra - ainda que semelhante - situação de comunicação, embora os leitores enunciatários sejam os mesmos. O fato de apresentarmos o conceito dessa forma comparativa com a prática de leitura e interpretação que os alunos fazem pareceu contribuir para a sua compreensão. Além do conceito de situação de comunicação (condições de produção), passamos a trabalhar pensando que cada texto-enunciado (entendido aqui segundo a concepção de Bakhtin, 1986) traz em si mais do que a significação, um tema, um todo de sentido que se constitui em articulação com o contexto no qual é proferido, o qual tem sempre um caráter apreciativo, portanto traz sempre a marca do sujeito que o profere e que responde a outros enunciados ao mesmo tempo que espera uma compreensão responsiva do outro (Bakhtin, 1986,128-136), isto é, participa como elo de uma cadeia de comunicação. Logo, todo texto-enunciado se posiciona em relação ao mundo, a um dado debate no mundo, nunca é isento. Alguns exercícios de leitura foram feitos procurando buscar o contexto maior em que os textos se inseriam, qual o debate mais ou menos específico do qual participavam e que posição assumiam em relação a ele. Transcrevo aqui trechos de um desses exercícios (Texto A), que tem por base a idéia de perguntar ao texto para escutá-lo (Geraldi,op.cit., 171-2), sem contudo escutá-lo como verdade estanque e absoluta, uma vez que quem se posiciona pode certamente ser questionado. 7) Como o próprio nome (título) diz, este texto discute os motivos para se formar psicólogos , aonde e como eles seriam úteis. Ele traz a idéia de que o processo de formação de psicólogos se dá numa via de 'mão dupla', na qual devem se formar psicólogos/cidadãos, porque, segundo ele, não há como separar o profissional do cidadão que assume seu lugar no mundo social. Ele traz as citações de autores famosos que concordam com essa idéia, com isso, ele acaba por ter mais credibilidade que serve não apenas para ilustrar, mas também para que tenha uma aceitação mais ampla por quem está lendo. 8) O debate é de professores sobre o preparo dos alunos do curso de psicologia para o mundo profissional, onde o individualismo e o narcisismo se encontram presentes. Que os professores dentro da formação acadêmica se preocupem na formação do cidadão-psicólogo, conscientes. Vemos o texto assumindo e defendendo a importância dessa consciência, que o aluno se comprometa com a faculdade, com suas idéias, com si mesmo e com a sociedade, atuando como um agente de mudança dentro de sua competência, não sendo possível se não se envolver com os problemas do ser humano e seu grupo. As citações vêm ajudar a argumentação de seu autor, mostrando pesquisas, teorias, observações, pensamentos e etc, enriquecendo seu conteúdo. Ambos os trechos ilustram o que foi trabalhado como forma de estratégias de leitura do texto, de entrada no texto, para chegar ao discurso. Ao final de ambos, nota-se a presença da referência feita às citações no interior do texto. Trata-se, sem dúvida alguma, de um recurso muito enfatizado por nós, a dita heterogeneidade mostrada (Maingueneau, 1997; Coracini, 1991) e que constava daquilo que pretendia trazer para discussão. Ocorre que quem trouxe para discussão foram os próprios alunos. A primeira atividade desenvolvida com esse mesmo texto foi uma síntese, sem nenhuma técnica previamente apresentada, uma síntese intuitiva, por assim dizer. Os alunos, ao se depararem com as citações, não sabiam o que fazer com elas, ou como sintetizá-las, uma vez que percebiam claramente não se tratar da voz do autor, mas de um outro que ali se mostrava presente. Nesse ponto, passamos a discussão do porquê da presença desse outro no interior do texto. Legitimar o discurso, opor-se a um discurso anterior, ampliar o que já foi dito, enfim discutir a citação procurando resgatar aquilo com o que já haviam se deparado até aquele momento nos materiais que vinham lendo. Até o final desse semestre, foi discutido o papel das citações fundamentalmente no discurso científico e apenas muito superficialmente o fato de que, em última instância, em qualquer enunciado elas estão presentes, simultaneamente repetindo e tornando novo/outro o discurso proferido (Bakhtin, 1986; Geraldi,2002). Aqui foi possível também enfatizar o papel da 'comunidade discursiva científica' e suas regras de condicionamento e validação do discurso científico. Outros dois trabalhos que fizemos relacionados ao material de outras disciplinas foram a produção de uma síntese de um texto da disciplina Metodologia Científica Teórica (Texto B), e um artigo- comentário de um texto (Texto C) inicialmente trabalhado no curso de Filosofia. No primeiro, eles desenvolveram a síntese buscando as idéias-chave do texto, ao mesmo tempo que procuravam formular questões e afirmações sobre o seu conteúdo dirigidas ao outro
  • 4. professor, acerca daquilo que não compreendiam ou que desejavam discutir mais e melhor, enfim, o trabalho tinha como objetivo integrar a nossa prática à outra disciplina por meio de uma técnica de leitura e estudo de texto. Novamente tendo como fundamentação a proposta de Geraldi (op.cit., 171-2) acerca dos porquês de se ir ao texto. Nesse caso, para perguntar, para produzir contrapalavras. Apenas a título de ilustração, aí vão algumas dessas questões e afirmações. Questões: 9) Explique: psicologia filosófica e psicologia científica./ Qual o fundamento da teoria de Bérgson? 10) O que é fundamento epistemológico? Fale sobre o paralelismo que Bérgson nega. 11) Como se pode, ao mesmo tempo, pensar e pensar que se pensa? Afirmações: 12) A psicologia humanista enfatiza as relações e a motivação humana./ Para Wundt, os únicos fenômenos são os psíquicos; só há um tipo de experiência, que é a consciente ou interna. 13) O período de transição do feudalismo para o capitalismo foi um momento marcante na construção de idéias e necessidades que fundamentaram o surgimento da psicologia como ciência, neste momento de tantas mudanças sociais, políticas e economicas, o homem questiona sua subjetividade. O último trabalho com material usado em outra disciplina desenvolvido no laboratório foi com um texto da Filosofia. Foi feita a proposta centrando o comentário do texto com relação ao debate do qual participava, a posição que assumia e quais os argumentos de que se utilizava. Este trabalho dizia respeito a um trecho do "Discurso do Método", de Descartes. Desse trabalho, não pretendo transcrever nenhum trecho de aluno, mas um comentário que me pareceu bem mais significativo. Ao final de uma aula, quando discutíamos justamente formas de mascaramento do sujeito e mecanismos de persuasão textual, um aluno perguntou afirmando: Professora, naquela parte do texto em o autor diz que só desenvolveu o método para ele mesmo, o que ele faz é disfarçar, não é? Eu acho que, se fosse só para ele mesmo, ele não teria publicado o texto. Suponho que tenha dito o mais significativo do que foi feito. Certamente ocorreram problemas no percurso, atividades que não deram certo, momentos de cansaço, de dúvida, de retrocesso, faltas, lacunas, mas acredito ter relatado aqui o que pode contribuir para a continuidade do diálogo e da construção de um trabalho com a linguagem nesse nível de ensino. Referências Bibliográficas BAKTHIN,M., Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: HUCITEC. 1986. . “Os Gêneros do Discurso”, in Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.277-326. CORACINI, M.J. Um Fazer Persuasivo - O Discurso Subjetivo da Ciência. Campinas: Pontes, 1991. GERALDI, J.W. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002. MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes, 1997. Anexo: Textos utilizados pelos alunos e citados na descrição dos exercícios DESCARTES, R. O Discurso do Método, in Os Pensadores: Descartes. São Paulo: Abril Cultural, 1977, p.42-49. (Texto C) KAHHALE, E.M.P. e ANDRIANI, A.G.P. A Constituição Histórica da Psicologia como Ciência, in KAHHALE, E.M.P. (org.) A Diversidade da Psicologia: Uma Construção Teórica, São Paulo: Cortez, 2002, p. 75-95. (Texto B) SANTOS, M. de F. de S. Formar Psicólogos para quê?, in Psicologia, Ciência e Profissão, Brasília, v .14, (1,2,3), 1994, p.40-1. (Texto A)