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Design e antropologia: desafios em busca de um
diálogo promissor
Design and Anthropology: challenges in search of a promising dialogue
Anastassakis, Zoy; Doutora; Professora Adjunta ESDI/UERJ
zoy@esdi.uerj.br
Resumo
A comunicação tem por motivação primordial contribuir para a qualificação do referencial
conceitual entre aqueles, no campo profissional-disciplinar do design, que pretendem se
aproximar de uma perspectiva antropológica. Busca lograr tal objetivo através da
disponibilização de algumas referências básicas a partir de onde profissionais, pesquisadores e
alunos de design possam ampliar, de forma qualificada, as pesquisas sobre as interações
possíveis entre design e antropologia, tema que vem suscitando tanto interesse no campo do
design, nos últimos anos.
Palavras Chave: design – antropologia – etnografia - referências
Abstract
The primary motivation of this paper is to contribute to the improvement of the conceptual
framework among those, in the professional and disciplinary field of design, who intend to
approach an anthropological perspective. The paper seeks to achieve this goal by providing
some basic references from where practitioners, researchers and students of design can
increase, in a qualified form, the research on the possible interactions between design and
anthropology, a subject that has aroused much interest in the design field in recent years.
Keywords: design – anthropology – ethnography - references
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).
Muito se fala hoje sobre design e antropologia. No campo do design, antropologia é
um termo corrente, seja no âmbito do mercado, seja na esfera acadêmica. Entretanto, os usos
que se tem feito de termos como antropologia, etnografia, entre outros, são bastante
heterogêneos, e, por vezes, desprovidos de referencial que auxilie sua qualificação. Assim, é
possível afirmar que existe hoje, no design, uma vulgata – entendida aqui como edição,
tradução ou leitura de divulgação popular – da terminologia própria da antropologia, que vem
se espraiando, na maioria das vezes, de forma desordenada e, por que não dizer, incongruente
e anômica.
Grande parte dos projetos, estudos e pesquisas em design que buscam referenciar o
uso que fazem da antropologia, ou da etnografia, baseiam-se na já ampla e significativa
literatura sobre tais tópicos produzida no campo do design. Dentre essas produções, tem papel
de destaque as publicações da IDEO, consultoria em design norte-americana que, além de se
valer, em seus projetos, da abordagem antropológica, tem feito constantes investimentos na
divulgação de sua perspectiva projetual, associada ao termo ‘design thinking’.
Entretanto, há, no design, uma considerável produção de massa crítica sobre as
relações possíveis entre design e antropologia, para além do que propõe a IDEO. Nesse
ínterim, ainda é tímida e pouco sistemática a busca por referências na literatura antropológica
- aquela produzida a partir da antropologia, por profissionais e pesquisadores identificados
com a prática e a pesquisa em antropologia. Ou seja, nós, designers, grosso modo, lemos o
que a IDEO e congêneres produzem, mas não temos, ainda, o hábito de buscar por outras
referências, seja aquelas produzidas no campo do design - para além da produção de
divulgação de escritórios e consultorias de design estratégico e inovação -, seja aquelas
produzidas no campo da antropologia. Parece que nós, designers, profissionais, pesquisadores
e alunos, temos nos contentado com as primeiras referências que se encontra, investindo
menos do que seria desejável, no estabelecimento de um diálogo direto, franco, aberto, com o
domínio da antropologia, e sua comunidade de pensamento.
Todavia, é preciso esclarecer que essa tendência, apesar de significativa, não é
dominante, como veremos adiante. Afinal, há hoje, dentre a comunidade profissional-
disciplinar de design, a nível mundial, uma série de investimentos bastante consistentes no
sentido do aprimoramento dos referenciais antropológicos que balizem as apropriações feitas,
no campo do design, do que se poderia chamar de uma abordagem antropológica. Levando
em consideração o contexto acima descrito, essa comunicação tem por objetivo apresentar, de
forma inicial, algumas referências básicas para a constituição de um espaço de pesquisa,
trabalho e análise na interface entre o design e a antropologia.
Assumindo que se fala, aqui, para a comunidade de design, é preciso, antes de mais
nada, definir, mesmo que de forma preliminar e instável, o que se entende por antropologia. O
termo se origina da junção dos vocábulos gregos antropos, que significa homem, e logos, que
significa razão, pensamento, discurso, estudo. Entretanto, em um livro bastante utilizado em
cursos de graduação que, de alguma forma, buscam se aproximar do universo da antropologia,
a saber, “Antropologia para quem não vai ser antropólogo”, de Rafael José dos Santos, o autor
pondera que “é bastante complicado definir a antropologia pelo(s) seu(s) objeto(s) de estudo”
(Santos, 2005: 19), simplesmente porque “eles são tantos quantas as coisas que fazemos em
sociedade” (2005: idem).
Qual seria, então, a especificidade da abordagem antropológica? Inicialmente, Santos
sugere que se pode iniciar uma tentativa de definição “pensando a antropologia como um
conjunto de teorias (nem sempre concordantes) e diferentes métodos e técnicas de pesquisa
que buscam explicar, compreender ou interpretar as mais diversas práticas dos homens e
mulheres em sociedade” (idem). Além disso, segundo o autor, “muitas dessas teorias
baseiam-se em pesquisas de campo, nas quais os antropólogos buscam conviver com as
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)
populações locais e aprender seus hábitos, valores, modos de vida, crenças relações de
parentesco e outras dimensões da vida social” (idem).
Outro livro bastante utilizado como referência para a aproximação de profissionais e
estudantes de distintas áreas com o universo da antropologia é “Aprender antropologia”, de
François Laplantine. Propondo que “o homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo”
(Laplantine, 2007: 13), o autor situa a disciplina dentro de um quadro maior de “reflexão do
homem sobre o homem e sua sociedade” (2007: idem), distinguindo esse interesse, entretanto,
“do projeto de fundar uma ciência do homem” (idem), o que é um fato histórico mais recente.
Segundo ele, “de fato, apenas no final do século XVIII é que começa a se constituir
um saber científico (ou pretensamente científico) que toma o homem como objeto de
conhecimento, e não mais a natureza” (idem). Laplantine ressalta, contudo, que o projeto
antropológico (idem: 14) surge em uma pequena região do mundo, a Europa. Nesse sentido,
atenta para a própria especificidade do contexto histórico e sócio-cultural em que se configura
a disciplina.
Se parece fácil identificar uma origem histórica da constituição de um campo
disciplinar antropológico, na contemporaneidade não é tão simples perceber o que define a
especificidade da antropologia. Essa é uma discussão importante entre os antropólogos hoje,
na medida em que a antropologia se percebe “transformada em senso comum intelectual –
como no caso da psicanálise, há algumas décadas” (Peirano, 2006: 19).
A autora da frase acima, a antropóloga brasileira Mariza Peirano, vem investigando,
de forma continuada ao longo de sua trajetória profissional, a questão da especificidade da
antropologia e suas inflexões face aos contextos nacionais, com ênfase para o caso brasileiro.
Em uma de suas análises, aponta para um processo de deslocamento e fragmentação (2006:
idem) que incide sobre a antropologia, nos dias de hoje, ressaltando, entretanto, que
em um mundo dominado por julgamentos de valor apressados e maniqueísmos
perigosos, a antropologia representa, hoje e ainda, uma possibilidade rara e valiosa
de reflexão sobre fenômenos sociais, um modo de conhecimento que se caracteriza
por levar sempre em conta contexto e comparação, em uma prática continuada
atenta às dimensões da linguagem e da cultura (idem: 08).
Buscando caracterizar a especificidade da abordagem antropológica, Peirano defende
que o interesse primordial da antropologia não se restringe ao exótico em si (idem: 09), se
pautando, sobretudo, em torno das “diferenças culturais, sociais e cosmológicas de
populações distintas” (idem), interesse que é conduzido sempre a partir de um “envolvimento
comprometido com as populações estudadas” (idem). Assim, segundo a autora, o exercício da
antropologia implica em assumir responsabilidades sempre presentes (idem) em relação aos
grupos e contextos a partir de onde se constituem as pesquisas. Nesse sentido, Peirano destaca
os aspectos políticos e morais da disciplina, que estão constantemente em jogo, quando se
exercita a prática antropológica.
A discussão sobre o lugar da antropologia no mundo contemporâneo é central,
também, no livro “Futuros antropológicos: redefinindo a cultura na era tecnológica”, de
Michael M. J. Fischer. Localizando o surgimento dessa ciência social em torno do século
XVIII, o autor parte da seguinte definição preliminar de antropologia: “o estudo dos seres
humanos no mundo e em seus mundos – incluindo os mundos sociais e culturais e os meios
ambientes, as ecologias e as forças planetárias com que interagem” (Fischer, 2011: 07). Nesse
quadro, pondera que algumas das palavras-chave da disciplina, tais como “cultura, natureza,
corpo, pessoa, ciência e tecnologia” (2011: idem), portam, hoje, diferentes registros de
significado (idem) face aos momentos em que foram instituídas como termos centrais para a
disciplina.
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).
Para Fischer, o termo antropologia não faz referência apenas a uma disciplina
acadêmica (idem: 09), sendo composto por quatro referentes, a saber: 1) “a antropologia
consiste no estudo do antropos (humanidade) e daquilo que podemos esperar de nossas
sociedades e suas capacidades” (idem); 2) ela tem uma forte capacidade de se atualizar
enquanto disciplina, “de modo a explorar os mundos emergentes a nossa volta” (idem); 3) ela
“é um convite para que não se permaneça com um foco excessivamente euro-americano”
(idem) - afinal, “um dos traços distintivos da antropologia é sua defesa de perspectivas
multidimensionais, lingüística e culturalmente informadas, comparativas e transculturais”
(idem: 09-10) -; e, finalmente, 4) a disciplina traz em si a possibilidade de antropologias
múltiplas (idem: 10). Assim, para esse autor, “uma tal antropologia não se pergunta apenas o
que são os seres humanos, mas o que se pode esperar deles” (idem: 199).
Propondo que se entenda a antropologia como um sistema de conhecimento (Peirano,
2002: 236), Peirano discute “o possível paradoxo entre o valor universalista no qual a
antropologia foi gerada (e para o qual contribui como modalidade de discurso moderno) e os
postulados particularistas e relativistas da disciplina” (2002: 235-236), reforçando, assim, a
ideologia relativizadora da antropologia (idem: 131). A partir dessa consideração, a autora
propõe que se pense em uma antropologia no plural (idem: 236).
Assumindo que é problemático e provavelmente despropositado delimitar algum tipo
de especificidade de uma perspectiva ou abordagem antropológica, podemos, entretanto,
esboçar, como já foi, inclusive, acima apontado, alguns traços ou sinais distintivos da
antropologia. Voltando à discussão sobre o interesse que a antropologia desperta para um sem
número de profissionais ligados a diversas áreas do conhecimento, o antropólogo Marco
Antonio Gonçalves assinala que é “a característica de lidar com o particular e o modo com
que realiza a pesquisa baseada no trabalho de campo [que] parecem ser o que mais atrai as
pessoas para a antropologia” (Gonçalves, 2010: 07). Para o autor, é “esta capacidade do
etnógrafo fazer amigos e ser influenciado por eles” (2010: idem), que definiria “a máxima da
antropologia, que é, justamente, uma modalidade de diálogo que engendra uma aparente
proximidade com a vida” (idem).
Entre o que seria próprio e específico da antropologia, Gonçalves destaca “a
capacidade de buscar semelhanças entre coisas diferentes e desiguais” (idem), ou seja, o
pensamento analógico, que permite estabelecer semelhanças entre coisas. Citando a
antropóloga Marilyn Strathern (1991), o autor comenta que, “neste sentido, a etnografia,
vocação da antropologia, produz um exercício permanente de fazer relação entre pensamentos
que são essencialmente diferentes, construindo daí uma espécie de circuito integrado entre
partes” (idem), constituído, essencialmente, “a partir de situações etnográficas concretas e
particulares” (idem).
Segundo essa definição, “a antropologia se constrói pelo diálogo, conversa, tradução,
citação, interpretação, crítica, num incessante cruzamento de universos conceituais” (idem:
08). Assim, a “busca por correspondência entre mundos conceituais distintos”, (idem), forja a
própria
possibilidade de produzir semelhanças, articulações, correspondências, o que parece
ser, em última instância, o objetivo de toda e qualquer etnografia em cuja construção
o antropólogo desempenha o papel de tradutor de mundos outros para o seu próprio
(idem).
Etnografia surge aqui, então, como o resultado direto do trabalho de campo (idem: 09),
ou seja, a tradução de uma experiência em significado. Se entendemos etnografia, tal como
nos sugere Gonçalves, como uma forma de fazer antropologia que está preocupada,
sobretudo, com “a narração de uma experiência em que o etnógrafo participa da descrição”
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)
(idem: 53), deve-se salientar que essa também não é uma definição estável, como aponta o
autor, quando ressalta que o debate em torno do significado de etnografia esteve desde sempre
presente na antropologia.
Nesse sentido, comenta que “parece que a definição do que seja etnografia, congênita
à origem da disciplina, funda a discussão do que significa a antropologia” (idem: 54). Isso
posto, pode-se afirmar que é próprio da antropologia um processo constante de auto-reflexão.
Ou seja, o questionamento constante de seus próprios pressupostos é, como vimos, um dos
elementos-chave na constituição de uma especificidade da disciplina antropológica. Assim,
conceitos e seus sentidos são propositadamente colocados a prova, em um exercício constante
de reflexão e atualização, que é parte da abordagem ou perspectiva forjada pelos antropólogos
ao longo do tempo, desde o surgimento dessa ciência social.
Nesse ponto, surge a indagação: se os próprios antropólogos parecem investir, de
forma sistemática, na desestabilização de conceitos, categorias, teorias e métodos, sugerindo
que é essa característica relativizadora que talvez possa ser definida como o coração da
antropologia, quem somos nós, designers, ou quaisquer outros tipos de profissionais
interessados em exercitar, em nossas práticas específicas, algo que nos atrai na antropologia,
quem somos nós para sistematizar, decupar e/ou enquadrar meios e métodos antropológicos?
A antropologia é, hoje, uma ciência social instituída, institucionalizada e
academicamente localizada. Segue parâmetros universais próprios das ciências, mas
distingue-se daquelas ditas duras, rígidas ou exatas, em seu modo de conduzir pesquisas, esse,
sim, bastante específico, particular. Aproximar-mo-nos dessa ciência social não é tarefa
destituída de desafios. E, sobretudo, não se logrará efetuar tal aproximação, de forma
substantiva, apenas buscando sistematizar algo que, em meio a uma disciplina instituída, é
objetivamente mantido de forma particular e tópica, a saber, a especificidade da pesquisa
antropológica ou etnográfica, que, como vimos, é alvo de constante reflexão para aqueles que
se dedicam à antropologia.
Assim, se nos contentamos em buscar referências sobre antropologia apenas em meio
à literatura produzida no campo do design, devemos, antes de mais nada, problematizar
aquelas produções que se restringem a elencar técnicas e ferramentas
etnográficas/antropológicas, o que é, em si (como visto acima), uma deturpação conceitual
das idéias de etnografia e antropologia. Nesse sentido, é preciso ampliar nosso escopo de
observação, enfrentando a leitura e a incorporação de outras fontes, para além do que as
consultorias em design, muitas delas com trabalhos deveras consistentes, tem nos oferecido. É
preciso que a comunidade de design, seja no mercado, seja na academia, se familiarize com
uma série de outras fontes de referência, que interessa, agora, elencar, mesmo que de forma
preliminar e inconclusa.
No design, o investimento de aproximação mais direta e sistemática com a
antropologia – seus saberes, seus profissionais e suas práticas -, tem uma história que é
possível de ser rastreada. Há, inclusive, uma série de trabalhos, alguns deles publicados, que
se concentram na busca por sistematizar referências bibliográficas e históricas para a pesquisa
e a prática na interface entre design e antropologia. Nesse âmbito, vale destacar o artigo
“Ethnography in the field of design”, de Christina Wasson (2000), e a coletânea “Design
Anthropology. Object culture in the 21st century”, organizada por Alison J. Clarke (2011).
Nesses trabalhos, ganha destaque o Xerox Palo Alto Research Center (PARC), considerado
um laboratório pioneiro no uso da abordagem etnográfica em projetos de design (Clark, 2011:
10) (Wasson, 2000: 381).
Entretanto, é preciso ressaltar, conforme apontado pelo designer brasileiro Pedro
Luiz Pereira de Souza, que a idéia de relativismo cultural, que, como vimos, é constitutiva do
paradigma antropológico, se fez presente, no design, antes de mais nada, através da
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).
ergonomia e dos estudos do antropólogo americano Gordon W. Hewes (1917-1997), que,
interessado, pelos aspectos culturais e antropológicos das posições corporais1
, chamou a
atenção dos designers para a necessária consideração da diversidade dos hábitos corporais no
desenho de objetos dentro de uma civilização tecnológica. Assim, segundo Souza, foi através
da ergonomia que o conceito de relativismo cultural adentrou no universo do design moderno
(Souza, 2008: s/p).
Entre as compilações de referências bibliográficas na interface entre design e
antropologia, vale destacar a lista disponível na rede, “Ethnography and design
bibliography”, compilada a partir do trabalho organizado por B. M. Tharp, no Departamento
de Antropologia da Universidade de Chicago, “Ethnography and design: resources for
teaching and research”, de 2006; bem como o sumário comentado de Design Anthropology,
organizado por Jen Cardew Kersey, aluno do curso “Introduction to design anthropology”,
ministrado pela já citada Christina Wasson, na University of North Texas, em 2007.
É importante lembrar, também, que nos últimos anos foram criados dois mestrados
em Design Anthropology, um deles na Austrália, o outro na Escócia. O curso australiano,
coordenado pela antropóloga Dori Tunstall, é oferecido pela Swinburne University of
Technology, em seu departamento de design. O curso escocês é oferecido pela Universidade
de Aberdeen, em seu departamento de antropologia. Sob coordenação do antropólogo James
Leach, o programa tem parceria com o Participatory Innovation Research Centre, do Mads
Clausen Institute, University of Southern Denmark, que, por sua vez, foi parceiro da Danish
Design School e de outras seis organizações no desenvolvimento de estratégias, princípios e
ferramentas documentadas na publicação “Rehearsing the future”, de 2010, que apresenta os
resultados de um projeto-piloto que buscava colocar em prática o Design Antrhopological
Innovation Model (DAIM), uma abordagem projetual de inovação orientada pelo usuário,
formulada pelo grupo, com subsídio do Programa de Inovação Orientada pelo Usuário, do
governo dinamarquês (Halse, Brandt, Clark, Binder, 2010: 11).
Na introdução dessa publicação, é destacada a antologia de artigos “Design and the
social sciences: making connections”, organizada por Jorge Frascara, em 2002, que, segundo
os autores, delineou possíveis direções para o trabalho interdisciplinar entre os campos do
design e das ciências sociais (2010, 13), apontando, assim, para algumas das conexões
possíveis entre esses dois universos.
É com esse exato objetivo, a saber, o de fazer conexões, que se formula essa
comunicação, que tem por motivação primordial contribuir para a qualificação do referencial
conceitual entre aqueles, no design, que pretendem se aproximar de uma perspectiva
antropológica. Neste momento, busca-se lograr tal objetivo através da disponibilização de
algumas referências básicas a partir de onde outros pesquisadores possam ampliar a pesquisa
sobre as interações possíveis entre design e antropologia.
Contudo, é preciso esclarecer que trata-se, aqui, de uma primeira aproximação com
referências, produzidas no design e na antropologia, e que, como não podia deixar de ser,
dada a extensão do trabalho, é plena de lacunas2
, a serem preenchidas com futuros
1
Nesse sentido, Hewes dava continuidade aos estudados de Marcel Mauss (2003), sobre as técnicas do corpo
como um novo campo de pesquisa em antropologia.
2
Deve-se ressaltar que, por questões de espaço, optou-se por não incluir, nesse primeiro momento, referências
aos trabalhos já realizados no Brasil, no âmbito das questões apresentadas nesta comunicação. Entretanto, esse é
um dos próximos passos a serem tomados na busca pela sistematização de material de referencia para a prática e
a pesquisa interdisciplinar entre design e antropologia, visto que há, hoje, no país, significativas produções nesta
área, seja em âmbito acadêmico, seja na esfera do mercado.
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)
investimentos de pesquisa. Espera-se, com isso, alavancar a busca por outras referências, no
compromisso de expandir, de forma qualificada, as possibilidades de diálogo e prática
interdisciplinar entre o design e a antropologia.
Referências
CLARKE, Alison J. (Ed.). Design Anthropology. Object culture in the 21st century.
Viena: Springer-Verlag, 2011.
Ethnography and design bibliography. In: http://designresearch.wikispaces.com/
FISCHER, Michael M. J. Futuros antropológicos: redefinindo a cultura na era
tecnológica. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
FRASCARA, Jorge (Ed.). Design and the social sciences: making connections. Taylor &
Francis, 2002.
GONÇALVES, Marco Antonio. Traduzir o outro. Etnografia e semelhança. Rio de
Janeiro: 7Letras, 2010.
HALSE, Joachim; BRANDT, Eva; CLARK, Brendon; BINDER, Thomas (Eds.). Rehearsing
the future. Denmark: The Danish Design School Press, 2010.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007.
MAUSS, Marcel. “As técnicas do corpo”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac
Naify, 2003, p. 401-422.
PEIRANO, Mariza. A teoria vivida: e outros ensaios de antropologia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2006.
PEIRANO, Mariza. Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas.
Brasília: Ed.UnB, 2002.
SANTOS, Rafael José dos. Antropologia para quem não vai ser antropólogo. Porto
Alegre: Tomo Editorial, 2005.
SOUZA, Pedro Luiz Pereira de. “Design moderno: a Natureza”. Texto inédito disponibilizado
para os alunos do curso “Design moderno: a Natureza”, realizado no Centro de Design de
Recife, 2008.
STRATHERN, Marilyn. Partial connections. Rowman & Littlefield Publishers, 1991.
THARP, B. M. (Ed.). Ethnography and design: resources for teaching and research.
Department of Anthropology, University of Chicago, march 2006.
WASSON, Christina. “Ethnography in the field of design”. In: Human Organization, vol.
59, n. 4. Society for Appiled Anthropology, 2000, p. 377-388.

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P&D2012 Zoy Anastassakis

  • 1. Design e antropologia: desafios em busca de um diálogo promissor Design and Anthropology: challenges in search of a promising dialogue Anastassakis, Zoy; Doutora; Professora Adjunta ESDI/UERJ zoy@esdi.uerj.br Resumo A comunicação tem por motivação primordial contribuir para a qualificação do referencial conceitual entre aqueles, no campo profissional-disciplinar do design, que pretendem se aproximar de uma perspectiva antropológica. Busca lograr tal objetivo através da disponibilização de algumas referências básicas a partir de onde profissionais, pesquisadores e alunos de design possam ampliar, de forma qualificada, as pesquisas sobre as interações possíveis entre design e antropologia, tema que vem suscitando tanto interesse no campo do design, nos últimos anos. Palavras Chave: design – antropologia – etnografia - referências Abstract The primary motivation of this paper is to contribute to the improvement of the conceptual framework among those, in the professional and disciplinary field of design, who intend to approach an anthropological perspective. The paper seeks to achieve this goal by providing some basic references from where practitioners, researchers and students of design can increase, in a qualified form, the research on the possible interactions between design and anthropology, a subject that has aroused much interest in the design field in recent years. Keywords: design – anthropology – ethnography - references
  • 2. 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA). Muito se fala hoje sobre design e antropologia. No campo do design, antropologia é um termo corrente, seja no âmbito do mercado, seja na esfera acadêmica. Entretanto, os usos que se tem feito de termos como antropologia, etnografia, entre outros, são bastante heterogêneos, e, por vezes, desprovidos de referencial que auxilie sua qualificação. Assim, é possível afirmar que existe hoje, no design, uma vulgata – entendida aqui como edição, tradução ou leitura de divulgação popular – da terminologia própria da antropologia, que vem se espraiando, na maioria das vezes, de forma desordenada e, por que não dizer, incongruente e anômica. Grande parte dos projetos, estudos e pesquisas em design que buscam referenciar o uso que fazem da antropologia, ou da etnografia, baseiam-se na já ampla e significativa literatura sobre tais tópicos produzida no campo do design. Dentre essas produções, tem papel de destaque as publicações da IDEO, consultoria em design norte-americana que, além de se valer, em seus projetos, da abordagem antropológica, tem feito constantes investimentos na divulgação de sua perspectiva projetual, associada ao termo ‘design thinking’. Entretanto, há, no design, uma considerável produção de massa crítica sobre as relações possíveis entre design e antropologia, para além do que propõe a IDEO. Nesse ínterim, ainda é tímida e pouco sistemática a busca por referências na literatura antropológica - aquela produzida a partir da antropologia, por profissionais e pesquisadores identificados com a prática e a pesquisa em antropologia. Ou seja, nós, designers, grosso modo, lemos o que a IDEO e congêneres produzem, mas não temos, ainda, o hábito de buscar por outras referências, seja aquelas produzidas no campo do design - para além da produção de divulgação de escritórios e consultorias de design estratégico e inovação -, seja aquelas produzidas no campo da antropologia. Parece que nós, designers, profissionais, pesquisadores e alunos, temos nos contentado com as primeiras referências que se encontra, investindo menos do que seria desejável, no estabelecimento de um diálogo direto, franco, aberto, com o domínio da antropologia, e sua comunidade de pensamento. Todavia, é preciso esclarecer que essa tendência, apesar de significativa, não é dominante, como veremos adiante. Afinal, há hoje, dentre a comunidade profissional- disciplinar de design, a nível mundial, uma série de investimentos bastante consistentes no sentido do aprimoramento dos referenciais antropológicos que balizem as apropriações feitas, no campo do design, do que se poderia chamar de uma abordagem antropológica. Levando em consideração o contexto acima descrito, essa comunicação tem por objetivo apresentar, de forma inicial, algumas referências básicas para a constituição de um espaço de pesquisa, trabalho e análise na interface entre o design e a antropologia. Assumindo que se fala, aqui, para a comunidade de design, é preciso, antes de mais nada, definir, mesmo que de forma preliminar e instável, o que se entende por antropologia. O termo se origina da junção dos vocábulos gregos antropos, que significa homem, e logos, que significa razão, pensamento, discurso, estudo. Entretanto, em um livro bastante utilizado em cursos de graduação que, de alguma forma, buscam se aproximar do universo da antropologia, a saber, “Antropologia para quem não vai ser antropólogo”, de Rafael José dos Santos, o autor pondera que “é bastante complicado definir a antropologia pelo(s) seu(s) objeto(s) de estudo” (Santos, 2005: 19), simplesmente porque “eles são tantos quantas as coisas que fazemos em sociedade” (2005: idem). Qual seria, então, a especificidade da abordagem antropológica? Inicialmente, Santos sugere que se pode iniciar uma tentativa de definição “pensando a antropologia como um conjunto de teorias (nem sempre concordantes) e diferentes métodos e técnicas de pesquisa que buscam explicar, compreender ou interpretar as mais diversas práticas dos homens e mulheres em sociedade” (idem). Além disso, segundo o autor, “muitas dessas teorias baseiam-se em pesquisas de campo, nas quais os antropólogos buscam conviver com as
  • 3. 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA) populações locais e aprender seus hábitos, valores, modos de vida, crenças relações de parentesco e outras dimensões da vida social” (idem). Outro livro bastante utilizado como referência para a aproximação de profissionais e estudantes de distintas áreas com o universo da antropologia é “Aprender antropologia”, de François Laplantine. Propondo que “o homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo” (Laplantine, 2007: 13), o autor situa a disciplina dentro de um quadro maior de “reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade” (2007: idem), distinguindo esse interesse, entretanto, “do projeto de fundar uma ciência do homem” (idem), o que é um fato histórico mais recente. Segundo ele, “de fato, apenas no final do século XVIII é que começa a se constituir um saber científico (ou pretensamente científico) que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza” (idem). Laplantine ressalta, contudo, que o projeto antropológico (idem: 14) surge em uma pequena região do mundo, a Europa. Nesse sentido, atenta para a própria especificidade do contexto histórico e sócio-cultural em que se configura a disciplina. Se parece fácil identificar uma origem histórica da constituição de um campo disciplinar antropológico, na contemporaneidade não é tão simples perceber o que define a especificidade da antropologia. Essa é uma discussão importante entre os antropólogos hoje, na medida em que a antropologia se percebe “transformada em senso comum intelectual – como no caso da psicanálise, há algumas décadas” (Peirano, 2006: 19). A autora da frase acima, a antropóloga brasileira Mariza Peirano, vem investigando, de forma continuada ao longo de sua trajetória profissional, a questão da especificidade da antropologia e suas inflexões face aos contextos nacionais, com ênfase para o caso brasileiro. Em uma de suas análises, aponta para um processo de deslocamento e fragmentação (2006: idem) que incide sobre a antropologia, nos dias de hoje, ressaltando, entretanto, que em um mundo dominado por julgamentos de valor apressados e maniqueísmos perigosos, a antropologia representa, hoje e ainda, uma possibilidade rara e valiosa de reflexão sobre fenômenos sociais, um modo de conhecimento que se caracteriza por levar sempre em conta contexto e comparação, em uma prática continuada atenta às dimensões da linguagem e da cultura (idem: 08). Buscando caracterizar a especificidade da abordagem antropológica, Peirano defende que o interesse primordial da antropologia não se restringe ao exótico em si (idem: 09), se pautando, sobretudo, em torno das “diferenças culturais, sociais e cosmológicas de populações distintas” (idem), interesse que é conduzido sempre a partir de um “envolvimento comprometido com as populações estudadas” (idem). Assim, segundo a autora, o exercício da antropologia implica em assumir responsabilidades sempre presentes (idem) em relação aos grupos e contextos a partir de onde se constituem as pesquisas. Nesse sentido, Peirano destaca os aspectos políticos e morais da disciplina, que estão constantemente em jogo, quando se exercita a prática antropológica. A discussão sobre o lugar da antropologia no mundo contemporâneo é central, também, no livro “Futuros antropológicos: redefinindo a cultura na era tecnológica”, de Michael M. J. Fischer. Localizando o surgimento dessa ciência social em torno do século XVIII, o autor parte da seguinte definição preliminar de antropologia: “o estudo dos seres humanos no mundo e em seus mundos – incluindo os mundos sociais e culturais e os meios ambientes, as ecologias e as forças planetárias com que interagem” (Fischer, 2011: 07). Nesse quadro, pondera que algumas das palavras-chave da disciplina, tais como “cultura, natureza, corpo, pessoa, ciência e tecnologia” (2011: idem), portam, hoje, diferentes registros de significado (idem) face aos momentos em que foram instituídas como termos centrais para a disciplina.
  • 4. 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA). Para Fischer, o termo antropologia não faz referência apenas a uma disciplina acadêmica (idem: 09), sendo composto por quatro referentes, a saber: 1) “a antropologia consiste no estudo do antropos (humanidade) e daquilo que podemos esperar de nossas sociedades e suas capacidades” (idem); 2) ela tem uma forte capacidade de se atualizar enquanto disciplina, “de modo a explorar os mundos emergentes a nossa volta” (idem); 3) ela “é um convite para que não se permaneça com um foco excessivamente euro-americano” (idem) - afinal, “um dos traços distintivos da antropologia é sua defesa de perspectivas multidimensionais, lingüística e culturalmente informadas, comparativas e transculturais” (idem: 09-10) -; e, finalmente, 4) a disciplina traz em si a possibilidade de antropologias múltiplas (idem: 10). Assim, para esse autor, “uma tal antropologia não se pergunta apenas o que são os seres humanos, mas o que se pode esperar deles” (idem: 199). Propondo que se entenda a antropologia como um sistema de conhecimento (Peirano, 2002: 236), Peirano discute “o possível paradoxo entre o valor universalista no qual a antropologia foi gerada (e para o qual contribui como modalidade de discurso moderno) e os postulados particularistas e relativistas da disciplina” (2002: 235-236), reforçando, assim, a ideologia relativizadora da antropologia (idem: 131). A partir dessa consideração, a autora propõe que se pense em uma antropologia no plural (idem: 236). Assumindo que é problemático e provavelmente despropositado delimitar algum tipo de especificidade de uma perspectiva ou abordagem antropológica, podemos, entretanto, esboçar, como já foi, inclusive, acima apontado, alguns traços ou sinais distintivos da antropologia. Voltando à discussão sobre o interesse que a antropologia desperta para um sem número de profissionais ligados a diversas áreas do conhecimento, o antropólogo Marco Antonio Gonçalves assinala que é “a característica de lidar com o particular e o modo com que realiza a pesquisa baseada no trabalho de campo [que] parecem ser o que mais atrai as pessoas para a antropologia” (Gonçalves, 2010: 07). Para o autor, é “esta capacidade do etnógrafo fazer amigos e ser influenciado por eles” (2010: idem), que definiria “a máxima da antropologia, que é, justamente, uma modalidade de diálogo que engendra uma aparente proximidade com a vida” (idem). Entre o que seria próprio e específico da antropologia, Gonçalves destaca “a capacidade de buscar semelhanças entre coisas diferentes e desiguais” (idem), ou seja, o pensamento analógico, que permite estabelecer semelhanças entre coisas. Citando a antropóloga Marilyn Strathern (1991), o autor comenta que, “neste sentido, a etnografia, vocação da antropologia, produz um exercício permanente de fazer relação entre pensamentos que são essencialmente diferentes, construindo daí uma espécie de circuito integrado entre partes” (idem), constituído, essencialmente, “a partir de situações etnográficas concretas e particulares” (idem). Segundo essa definição, “a antropologia se constrói pelo diálogo, conversa, tradução, citação, interpretação, crítica, num incessante cruzamento de universos conceituais” (idem: 08). Assim, a “busca por correspondência entre mundos conceituais distintos”, (idem), forja a própria possibilidade de produzir semelhanças, articulações, correspondências, o que parece ser, em última instância, o objetivo de toda e qualquer etnografia em cuja construção o antropólogo desempenha o papel de tradutor de mundos outros para o seu próprio (idem). Etnografia surge aqui, então, como o resultado direto do trabalho de campo (idem: 09), ou seja, a tradução de uma experiência em significado. Se entendemos etnografia, tal como nos sugere Gonçalves, como uma forma de fazer antropologia que está preocupada, sobretudo, com “a narração de uma experiência em que o etnógrafo participa da descrição”
  • 5. 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA) (idem: 53), deve-se salientar que essa também não é uma definição estável, como aponta o autor, quando ressalta que o debate em torno do significado de etnografia esteve desde sempre presente na antropologia. Nesse sentido, comenta que “parece que a definição do que seja etnografia, congênita à origem da disciplina, funda a discussão do que significa a antropologia” (idem: 54). Isso posto, pode-se afirmar que é próprio da antropologia um processo constante de auto-reflexão. Ou seja, o questionamento constante de seus próprios pressupostos é, como vimos, um dos elementos-chave na constituição de uma especificidade da disciplina antropológica. Assim, conceitos e seus sentidos são propositadamente colocados a prova, em um exercício constante de reflexão e atualização, que é parte da abordagem ou perspectiva forjada pelos antropólogos ao longo do tempo, desde o surgimento dessa ciência social. Nesse ponto, surge a indagação: se os próprios antropólogos parecem investir, de forma sistemática, na desestabilização de conceitos, categorias, teorias e métodos, sugerindo que é essa característica relativizadora que talvez possa ser definida como o coração da antropologia, quem somos nós, designers, ou quaisquer outros tipos de profissionais interessados em exercitar, em nossas práticas específicas, algo que nos atrai na antropologia, quem somos nós para sistematizar, decupar e/ou enquadrar meios e métodos antropológicos? A antropologia é, hoje, uma ciência social instituída, institucionalizada e academicamente localizada. Segue parâmetros universais próprios das ciências, mas distingue-se daquelas ditas duras, rígidas ou exatas, em seu modo de conduzir pesquisas, esse, sim, bastante específico, particular. Aproximar-mo-nos dessa ciência social não é tarefa destituída de desafios. E, sobretudo, não se logrará efetuar tal aproximação, de forma substantiva, apenas buscando sistematizar algo que, em meio a uma disciplina instituída, é objetivamente mantido de forma particular e tópica, a saber, a especificidade da pesquisa antropológica ou etnográfica, que, como vimos, é alvo de constante reflexão para aqueles que se dedicam à antropologia. Assim, se nos contentamos em buscar referências sobre antropologia apenas em meio à literatura produzida no campo do design, devemos, antes de mais nada, problematizar aquelas produções que se restringem a elencar técnicas e ferramentas etnográficas/antropológicas, o que é, em si (como visto acima), uma deturpação conceitual das idéias de etnografia e antropologia. Nesse sentido, é preciso ampliar nosso escopo de observação, enfrentando a leitura e a incorporação de outras fontes, para além do que as consultorias em design, muitas delas com trabalhos deveras consistentes, tem nos oferecido. É preciso que a comunidade de design, seja no mercado, seja na academia, se familiarize com uma série de outras fontes de referência, que interessa, agora, elencar, mesmo que de forma preliminar e inconclusa. No design, o investimento de aproximação mais direta e sistemática com a antropologia – seus saberes, seus profissionais e suas práticas -, tem uma história que é possível de ser rastreada. Há, inclusive, uma série de trabalhos, alguns deles publicados, que se concentram na busca por sistematizar referências bibliográficas e históricas para a pesquisa e a prática na interface entre design e antropologia. Nesse âmbito, vale destacar o artigo “Ethnography in the field of design”, de Christina Wasson (2000), e a coletânea “Design Anthropology. Object culture in the 21st century”, organizada por Alison J. Clarke (2011). Nesses trabalhos, ganha destaque o Xerox Palo Alto Research Center (PARC), considerado um laboratório pioneiro no uso da abordagem etnográfica em projetos de design (Clark, 2011: 10) (Wasson, 2000: 381). Entretanto, é preciso ressaltar, conforme apontado pelo designer brasileiro Pedro Luiz Pereira de Souza, que a idéia de relativismo cultural, que, como vimos, é constitutiva do paradigma antropológico, se fez presente, no design, antes de mais nada, através da
  • 6. 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA). ergonomia e dos estudos do antropólogo americano Gordon W. Hewes (1917-1997), que, interessado, pelos aspectos culturais e antropológicos das posições corporais1 , chamou a atenção dos designers para a necessária consideração da diversidade dos hábitos corporais no desenho de objetos dentro de uma civilização tecnológica. Assim, segundo Souza, foi através da ergonomia que o conceito de relativismo cultural adentrou no universo do design moderno (Souza, 2008: s/p). Entre as compilações de referências bibliográficas na interface entre design e antropologia, vale destacar a lista disponível na rede, “Ethnography and design bibliography”, compilada a partir do trabalho organizado por B. M. Tharp, no Departamento de Antropologia da Universidade de Chicago, “Ethnography and design: resources for teaching and research”, de 2006; bem como o sumário comentado de Design Anthropology, organizado por Jen Cardew Kersey, aluno do curso “Introduction to design anthropology”, ministrado pela já citada Christina Wasson, na University of North Texas, em 2007. É importante lembrar, também, que nos últimos anos foram criados dois mestrados em Design Anthropology, um deles na Austrália, o outro na Escócia. O curso australiano, coordenado pela antropóloga Dori Tunstall, é oferecido pela Swinburne University of Technology, em seu departamento de design. O curso escocês é oferecido pela Universidade de Aberdeen, em seu departamento de antropologia. Sob coordenação do antropólogo James Leach, o programa tem parceria com o Participatory Innovation Research Centre, do Mads Clausen Institute, University of Southern Denmark, que, por sua vez, foi parceiro da Danish Design School e de outras seis organizações no desenvolvimento de estratégias, princípios e ferramentas documentadas na publicação “Rehearsing the future”, de 2010, que apresenta os resultados de um projeto-piloto que buscava colocar em prática o Design Antrhopological Innovation Model (DAIM), uma abordagem projetual de inovação orientada pelo usuário, formulada pelo grupo, com subsídio do Programa de Inovação Orientada pelo Usuário, do governo dinamarquês (Halse, Brandt, Clark, Binder, 2010: 11). Na introdução dessa publicação, é destacada a antologia de artigos “Design and the social sciences: making connections”, organizada por Jorge Frascara, em 2002, que, segundo os autores, delineou possíveis direções para o trabalho interdisciplinar entre os campos do design e das ciências sociais (2010, 13), apontando, assim, para algumas das conexões possíveis entre esses dois universos. É com esse exato objetivo, a saber, o de fazer conexões, que se formula essa comunicação, que tem por motivação primordial contribuir para a qualificação do referencial conceitual entre aqueles, no design, que pretendem se aproximar de uma perspectiva antropológica. Neste momento, busca-se lograr tal objetivo através da disponibilização de algumas referências básicas a partir de onde outros pesquisadores possam ampliar a pesquisa sobre as interações possíveis entre design e antropologia. Contudo, é preciso esclarecer que trata-se, aqui, de uma primeira aproximação com referências, produzidas no design e na antropologia, e que, como não podia deixar de ser, dada a extensão do trabalho, é plena de lacunas2 , a serem preenchidas com futuros 1 Nesse sentido, Hewes dava continuidade aos estudados de Marcel Mauss (2003), sobre as técnicas do corpo como um novo campo de pesquisa em antropologia. 2 Deve-se ressaltar que, por questões de espaço, optou-se por não incluir, nesse primeiro momento, referências aos trabalhos já realizados no Brasil, no âmbito das questões apresentadas nesta comunicação. Entretanto, esse é um dos próximos passos a serem tomados na busca pela sistematização de material de referencia para a prática e a pesquisa interdisciplinar entre design e antropologia, visto que há, hoje, no país, significativas produções nesta área, seja em âmbito acadêmico, seja na esfera do mercado.
  • 7. 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA) investimentos de pesquisa. Espera-se, com isso, alavancar a busca por outras referências, no compromisso de expandir, de forma qualificada, as possibilidades de diálogo e prática interdisciplinar entre o design e a antropologia. Referências CLARKE, Alison J. (Ed.). Design Anthropology. Object culture in the 21st century. Viena: Springer-Verlag, 2011. Ethnography and design bibliography. In: http://designresearch.wikispaces.com/ FISCHER, Michael M. J. Futuros antropológicos: redefinindo a cultura na era tecnológica. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. FRASCARA, Jorge (Ed.). Design and the social sciences: making connections. Taylor & Francis, 2002. GONÇALVES, Marco Antonio. Traduzir o outro. Etnografia e semelhança. Rio de Janeiro: 7Letras, 2010. HALSE, Joachim; BRANDT, Eva; CLARK, Brendon; BINDER, Thomas (Eds.). Rehearsing the future. Denmark: The Danish Design School Press, 2010. LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007. MAUSS, Marcel. “As técnicas do corpo”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 401-422. PEIRANO, Mariza. A teoria vivida: e outros ensaios de antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. PEIRANO, Mariza. Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas. Brasília: Ed.UnB, 2002. SANTOS, Rafael José dos. Antropologia para quem não vai ser antropólogo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2005. SOUZA, Pedro Luiz Pereira de. “Design moderno: a Natureza”. Texto inédito disponibilizado para os alunos do curso “Design moderno: a Natureza”, realizado no Centro de Design de Recife, 2008. STRATHERN, Marilyn. Partial connections. Rowman & Littlefield Publishers, 1991. THARP, B. M. (Ed.). Ethnography and design: resources for teaching and research. Department of Anthropology, University of Chicago, march 2006. WASSON, Christina. “Ethnography in the field of design”. In: Human Organization, vol. 59, n. 4. Society for Appiled Anthropology, 2000, p. 377-388.