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Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria 2004/2005
Disciplina de Introdução às Ciências Sociais – Sérgio Branco
Índice
Introdução…………………………………...……….3
Globalização…………………………………...…....4
Risco………………………………………………….7
Tradição…………………………………………......10
Família……………………………………………….13
Democracia………………………………………….16
Conclusão……………………………………...…….20
Bibliografia…………………………………………...21
2
Introdução
Na obra Runaway World (O Mundo na Era da Globalização, na
versão portuguesa) de Anthony Giddens, um dos professores mais
influentes do mundo nas questões sociais e políticas actuais, que se
baseia nas suas palestras transmitidas por uma rádio da BBC, são
analisados os factos que estão por trás da crescente globalização da
sociedade mundial e os efeitos que têm nas nossas vidas em concreto.
Giddens começa por delinear o conceito de globalização e os seus efeitos
na organização mundial, explorando este assunto incontornável nos dias
de hoje nos capítulos Risco, Tradição, Família e Democracia. A segunda
edição do livro, da qual foi feito o resumo apresentado, foi lançada depois
do 11 de Setembro de 2001, acontecimento que juntamente com outros,
nomeadamente os protestos anti-globalização (ou contra determinado tipo
ou aspecto de globalização), mostra o quanto este fenómeno se está a
intensificar, podendo levar a actos perigosos como os atentados e outras
consequências nas várias áreas referidas nos capítulos, mas não se
reduzindo a eles e transformando o quotidiano.
3
Capítulo I – Globalização
Em todas as partes do mundo se faz sentir o efeito da globalização,
mesmo nos sítios mais remotos. Mas a modernização de certas
sociedades não se relaciona apenas com o acrescentar de tecnologia, já
que vivemos num mundo que afecta todos os aspectos da nossa vida e
numa transição para uma nova ordem global que ninguém compreende no
seu todo, mas que nos influencia a todos.
A própria globalização do conceito de globalização mostra o quão
debatido é hoje em dia. No fim dos anos 80 ainda se falava pouco deste
conceito, que nem sempre é claro – refere-se à tese de que todos vivemos
num mundo único, mas há definições diferentes, quase contraditórias:
-os cépticos referem que a globalização não passa de discussão.
Quaisquer que sejam os seus efeitos, a economia não é especialmente
diferente da existente noutros períodos. Estes afirmam que a melhor forma
de comércio externo é entre regiões – U.E., América do Norte etc.;
-os radicais argumentam que a globalização é um fenómeno bem real
e cujos efeitos se fazem sentir em qualquer parte – o mercado mundial é
diferente do mesmo referente aos anos 60/70. As nações perderam muita
da soberania que tinham e os políticos muito do poder de dirigir os
acontecimentos, ou seja, acabou a era da nação-estado;
-os cépticos acham que esta última teoria é um mito, uma ideologia
imposta pelos defensores do mercado livre, que serve apenas para
destruir o Estado-Providência. No fim do século XIX já havia economia
livre à escala mundial, incluindo em capitais.
Giddens pensa que quem está certo são os radicais, já que o
mercado mundial e o conjunto de bens e serviços são muito maiores do
que alguma vez foram, mas a maior diferença tem que ver com o nível
financeiro e os movimentos de capitais (o dinheiro electrónico), situação
que não tem paralelo em tempos passados. Tanto os grandes bancos
como os mais simples investidores podem transferir grandes quantidades
de capital rapidamente, tendo o poder de desestabilizar economias
aparentemente sólidas. Actualmente, o volume de negócios é gigantesco e
o valor do nosso dinheiro varia consoante as flutuações dos mercados.
Na opinião de Giddens, a globalização não é só nova, mas também
revolucionária. Tanto cépticos como radicais não entenderam bem o que
é, nem as sus implicações para nós – vêm a globalização apenas como
um fenómeno económico. Não, é um fenómeno político, tecnológico e
4
cultural assim como económico que foi influenciado pelo desenvolvimento
dos meios de comunicação, especialmente a partir dos anos 60. A
capacidade destes últimos aumentou espantosamente desde então. A
comunicação instantânea por meios electrónicos altera o nosso modo de
vida até aos pormenores mais insignificantes, quer do lado dos ricos, quer
dos pobres. O alcance dos meios de comunicação cresce a cada nova
vaga de inovação tecnológica.
É errado pensar que a globalização afecta apenas os grandes
sistemas como a ordem financeira mundial. Ela influencia também os
aspectos pessoais – o debate sobre os valores familiares pode parecer
deslocado da globalização, mas não é, pois estes estão a passar por uma
verdadeira revolução, com consequências desde o trabalho à política.
A globalização não é apenas um complexo de processos, mas vários
que funcionam, muitas vezes de modo contraditório – a maioria das
pessoas pensa que a globalização é apenas um “empurrar” do poder e
influência das comunidades e nações para a esfera global, mas também
produz o efeito contrário, criando pressões para a autonomia a nível local
– é um dos motivos que leva à retoma das identidades culturais (os
nacionalismos emergem como resposta às tendências globais, à medida
que o controlo das Nações-Estado enfraquece). A mundialização também
cria novas zonas económicas e culturais dentro e através das nações.
Todas estas mudanças são impelidas por um vasto conjunto de
factores, alguns estruturais, outros mais específicos e históricos. As
influências económicas estão certamente entre estas forças propulsoras
(especialmente o sistema financeiro global), mas são moldadas pela
tecnologia e difusão cultural, assim como pela decisão dos governos de
liberalizar as economias nacionais.
O comunismo soviético colapsou por causa de e levou a estes
desenvolvimentos, não ficando nenhum país de fora das tendências
globalizantes. Este tipo de comunismo não podia competir com a
economia tecnológica global . Os media tiveram um papel fundamental nas
revoluções de 1989 (“revoluções da televisão), pois espalharam novas
ideologias e oportunidades.
Mas a globalização não evolui de um modo igual e as suas
consequências não são totalmente benignas. Para muitos países fora da
Europa e da América do Norte, a globalização parece-se mais como uma
ocidentalização, ou mesmo como uma americanização (já que os EUA são
a única superpotência). Muitas das expressões culturais mais visíveis são
norte-americanas.
A maioria das grandes multinacionais também são originárias dos
EUA e aquelas que não são, vêm dos países ricos. Esta é uma visão
pessimista da globalização, que a considera como um assunto do Norte
industrial, no qual os países pobres têm pouco ou mesmo nada a dizer
(destruindo as culturas locais, espalhando as desigualdades e
aumentando o número de pobres), criando um mundo onde poucos
prosperam e em que a maioria está condenada a uma vida de miséria.
Segundo as estatísticas o rendimento dos pobres baixou na década de 90,
enquanto a proporção para os mais ricos subiu. Em muitos países
5
subdesenvolvidos, as condições de segurança ou ambientais são fracas
ou aparentemente não-existentes.
Para além do risco ecológico, a expansão da desigualdade é o
problema mais sério hoje em dia, mas não se deve apenas aos ricos.
Giddens argumenta que a globalização hoje em dia é ocidentalização
apenas em parte. Claro que as nações industrializadas têm muita
influência nos acontecimentos mundiais, mas a globalização está a
descentralizar-se. A colonização reversiva está a tornar-se comum (países
não-ocidentais ou em vias de desenvolvimento afectam os acontecimentos
no Ocidente).
Será que a globalização é uma força que promove o bem geral? Não
se pode dar uma resposta simples, dada a complexidade do fenómeno. Os
que culpam a globalização de aumentar as desigualdades têm em mente
apenas a globalização económica e com ela o mercado livre, que pode ser
prejudicial para os países pobres. Uma economia destas, ao aceitar o
mercado livre, pode destruir a economia de subsistência local. As áreas
que se tornam muito dependentes apenas do comércio internacional de
alguns produtos são muito vulneráveis às variações de preços e à
mudança tecnológica.
O comércio precisa de ser regulado por várias instituições. Um
mercado com determinadas características não pode ser criado apenas
com meios económicos e o grau de exposição de uma economia ao
sistema económico global depende de muitos critérios. Contudo, optar
pelo proteccionismo seria uma escolha errada (embora possam ser
necessárias formas temporárias de proteccionismo).
As questões mencionadas quase só se baseiam nas implicações da
globalização para a nação-estado. Segundo Giddens, as nações e os
dirigentes políticos ainda têm um papel importante no mundo, mas a
primeira está a reformular-se. A política económica nacional não consegue
ser tão eficaz como já foi e as nações têm que pensar as velhas
geopolíticas. Giddens afirma que as nações já não têm inimigos, mas que
são confrontadas mais com perigos e riscos. Também as instituições, que
continuam a ter o mesmo nome e que parecem as mesmas, por dentro
estão bem diferentes – continuamos a falar de família, tradição, trabalho
ou natureza como se fossem iguais às do passado. Emergem por todo o
lado o que Giddens chama de “instituições-concha” (instituições que se
tornam inadequadas para as tarefas que supostamente deveriam
desempenhar).
Com todas estas mudanças, gera-se o que nunca existiu – uma
sociedade cosmopolita global, cujos contornos não estão bem definidos.
Ela transforma as nossas vidas, independentemente de onde nos
encontramos. Esta nova ordem global não é criada pela vontade humana
colectiva, mas emerge de uma modo casual, com uma mistura de
influências e fracturada por divisões profundas. Muitas forças impõe-se-
nos, mas Giddens afirma que nos devemos impor a elas. A nossa
incapacidade deriva das instituições. Precisamos de reconstrui-las ou criar
novas. A globalização é o modo como vivemos hoje.
6
Capítulo II – Risco
As mudanças das temperaturas normais e a transformação do clima
são resultado da interferência do homem no ambiente mundial, devido ao
desenvolvimento industrial global e à destruição de muitos habitats
naturais? Não podemos estar seguros, mas temos de admitir essa
hipótese com as devastações naturais que têm acontecido em anos
recentes. Mesmo assim não podemos prever as consequências desta
destruição.
Estas questões relacionam-se com o que Giddens chama de “risco”.
Esta simples designação refere-se às características mais importantes do
mundo hoje em dia. Este conceito parece não ter importância hoje,
comparado com períodos históricos anteriores. As pessoas tiveram
sempre que enfrentar riscos. Mas mesmo na Idade Média não havia o
conceito de risco. Esta ideia apareceu no séc. XVI ou XVII, utilizada pelos
navegadores à volta do mundo. Primeiro era um conceito basicamente
espacial, mais tarde passou a referir-se ao tempo (investimento e
negócios). Passou a referir toda uma série de situações de incerteza,
sendo sempre ligado à ideia de probabilidade de vários resultados.
As culturas tradicionais não têm um conceito de risco porque não
precisam – risco não é o mesmo que perigo ou azar, pois refere-se a
perigos que são avaliados em relação a possibilidades futuras, só tem
importância numa sociedade orientada para o futuro e que se tenta
desligar do seu passado. Utilizamos o conceito de risco como outras
civilizações utilizaram os de Deus, do destino ou da magia, a quem se
atribuía o curso dos acontecimentos. Mas tais perspectivas não
desapareceram completamente com a modernização. Contudo, abraçar o
risco é uma fonte de energia que cria riqueza nas sociedades modernas.
7
Os aspectos positivos e negativos do risco apareceram no princípio
da sociedade industrial moderna – o risco é a força mobilizadora da
sociedade que se guia pela mudança, que quer determinar o seu próprio
futuro, em vez de deixá-lo por conta da religião, tradição ou natureza. O
capitalismo moderno difere de todos os sistemas económicos anteriores
quanto à atitude perante o futuro, pois penetra nele ao calcular o lucro e a
perda, ou seja o risco, num processo contínuo. Existem muitos riscos,
nomeadamente os que afectam a saúde, contra os quais nos queremos
proteger e é por isso que este conceito vem acompanhado com o de
seguro (privado, comercial e do Estado-Providência). Sentindo-se seguras,
as pessoas estão preparadas para correr riscos (o destino foi substituído
por uma ligação ao futuro).
O seguro só é entendido onde se acredita num futuro controlado por
mãos humanas, mas não se separa do risco. Aqueles que fornecem o
seguro, fornecem risco. O capitalismo simplesmente não funcionaria sem
este conceito.
Sempre ligado à modernidade, o risco ganha uma nova e peculiar
importância na actualidade. Era pensado como uma forma de dominar o
futuro, mas não se veio a verificar isso, levando a diferentes maneiras de
entender a incerteza. A melhor forma de explicar o que se passa é
distinguir dois tipos de risco. Giddens chama um deles de risco externo –
que vem da natureza e tradição – e a outro risco manufacturado –
situações com as quais poucas vezes nos confrontamos, nas quais se
inserem aqueles ligados ao aquecimento global, muito influenciados pela
crescente globalização já referida. Tanto nas sociedades tradicionais como
nas industriais actuais, existe uma preocupação generalizada com riscos
que a natureza traz. De certa maneira e muito recentemente, começamos
a preocupar-nos menos com o que a natureza pode fazer connosco e mais
com o que lhe fazemos a ela – marca a transição da predominância do
risco externo para a do risco manufacturado.
Independentemente de vivermos numa área rica ou pobre, devemos
preocupar-nos com estes factores, embora não seja completamente
errado dizer que existe uma divisão entre as regiões de abundância e as
outras – muitos dos riscos tradicionais coexistem com novos riscos nos
países mais subdesenvolvidos.
Vivemos depois do fim da natureza – os fenómenos físicos não
deixaram de existir, mas há poucos aspectos do nosso ambiente material
que não tiveram intervenção humana. Muito do que parecia ser natural já
não o é completamente, apesar de não podermos ter sempre certeza de
qual é o factor que dirige certos fenómenos.
O risco manufacturado nem sempre se refere à natureza, mas
também a outros aspectos da vida como o casamento ou a família, que
passam por profundas transformações nos países industrializados e até
certo ponto por todo mundo. Onde os costumes tradicionais se estão a
dissolver e as instituições do casamento e da família mudaram muito, as
pessoas casam para estabelecer relações, não por imposição. Nestes
termos os indivíduos são como pioneiros, começam a pensar mais no risco
8
– têm que confrontar o seu futuro pessoal, muito mais aberto a
possibilidades (oportunidades e perigos) que no passado.
O incremento da ideia de risco, fortemente ligada ao cálculo do futuro,
é a base do seguro. As situações de risco manufacturado não são assim –
simplesmente não sabemos qual é o nível de risco e muitas vezes não
sabemos até ser muito tarde.Muitas vezes a própria ciência não está certa.
Quanto à política (e também na investigação científica) existem
acusações constantes de alertas desnecessários por um lado e de
ocultação de factos importantes, por outro. Quando algo parece importante
deve-se publicitá-lo, mas muitas vezes o risco é mínimo e surgem as
acusações de alertas desnecessários. Por outro lado, certas
recomendações (que visam esconder o risco) podem não corresponder a
uma realidade – ocultação. Nisto existe um paradoxo: os alertas são
necessários para reduzir os riscos, mesmo que sejam só isso,
desnecessários (ou aparentemente). Este paradoxo está a tornar-se
comum na sociedade contemporânea, mas ainda não há uma maneira
ideal de lidar com ele. Nós mesmos não sabemos quando estamos a fazer
alertas desnecessários ou não.
A nossa relação com a ciência e a tecnologia é diferente da de outros
períodos. Na sociedade ocidental, por cerca de dois séculos, a ciência era
tomada como algo que ultrapassaria a tradição, mas hoje a própria ciência
torna-se tradição, respeitada pela maioria das pessoas, embora não se
inclua nas suas actividades. À medida que a ciência e a tecnologia
penetram no nosso quotidiano, este perspectiva desvanece-se, pois temos
que ter uma relação mais activa com a ciência, já que muitas vezes os
próprios cientistas estão em desacordo entre eles, especialmente nas
questões relacionadas com o risco manufacturado. Mesmo as decisões
mais triviais, tomamo-las num contexto de informação científica sempre
em mudança e muitas vezes contraditória.
Muitos sugerem que a melhor forma de lidar com o incremento do
risco manufacturado passa por adoptar o chamado “princípio da
precaução”, que surgiu pela primeira vez na Alemanha no início dos anos
80 no contexto dos debates ecológicos aí feitos. Este sugere que devem
ser tomadas medidas quanto às questões ambientais (e por dedução, de
outros problemas), mesmo que não haja prova quanto aos perigos. Apesar
disso, nem sempre contribui ou pode ser aplicado para ultrapassar os
problemas do risco. Nem sempre se pode aplicar o princípio de
“aproximar-nos da natureza” ou de limitar a inovação. Não podemos
destruir a natureza com a agricultura intensiva e química, mas também
não podemos voltar à agricultura tradicional, dada a complexidade do
fenómeno.
Com a expansão do risco manufacturado, os governos precisam de
agir sobre ele, também porque muitas novas formas deste risco têm que
ver com as fronteiras. Mas mesmo nós, simples cidadãos, como
consumidores não podemos ignorar os novos riscos e precisamos de
tomar decisões enquanto consumidores (por exemplo, se queremos
produtos geneticamente modificados ou não). Todos estes riscos e os
9
dilemas à volta deles entraram de uma forma profunda no nosso
quotidiano.
Podemos concluir que a nossa época não é mais perigosa do que
outras, mas o equilíbrio entre riscos mudou. Vivemos num mundo onde as
ameaças criadas por nós próprios são tão ou mais ameaçadoras que os
perigos exteriores. Uns são simplesmente catastróficos (risco ambientais e
económicos), outros afectam-nos como indivíduos, como a alimentação, a
medicina ou o casamento.
Na nossa era, nascerá de certeza o revivalismo religioso e filosofias
da Nova Era, que se oporão às visões científicas, como por exemplo, os
defensores do ambiente que se tornam hostis à ciência. Esta atitude não
faz muito sentido, pois não conheceríamos os riscos sem a análise
científica. Mas mesmo assim a nossa relação com a ciência não pode ser
a mesma que em períodos anteriores.
Actualmente não temos instituições que nos permitam controlar a
mudança tecnológica, a nível nacional ou global. Mais meios públicos de
nos relacionarmos com a ciência não evitariam os alertas desnecessários
e as ocultações, mas reduziriam as suas consequências.
O risco precisa de ser controlado, mas tomar riscos activamente e
gerir uma nova diversidade de riscos é um elemento fundamental numa
economia dinâmica e numa sociedade inovadora, num sistema global.
Capítulo III – Tradição
Em muitas tradições celebra-se aquilo que parece ser antigo, embora
muitas vezes não o seja.
Muito do que pensamos ser tradicional é, na verdade, um produto dos
últimos séculos e muitas vezes é mais recente do que isso. Deste modo
introduziu-se o conceito de “tradições inventadas” (Eric Hobsbawn e
Terence Ranger).
A tradição e o costume foram a característica principal da vida da
maioria das pessoas em quase toda a história da humanidade
É de sublinhar a tendência para o pouco interesse neles por parte dos
estudiosos e pensadores. Há muitos estudos sobre modernização, mas
poucos sobre tradição.
10
Originariamente, a raiz da palavra tradição (Latim) referia-se às leis
da herança, em que o herdeiro tinha a obrigação de protegê-la. O conceito
utilizado actualmente é um produto dos últimos dois séculos na Europa.
Como o conceito de risco, nem sempre houve um conceito genérico de
tradição, simplesmente porque a tradição e o costume estavam por todo o
lado. A ideia de tradição é ela própria uma criação da modernidade (o que
não significa que não se deva usá-la em relação a períodos pré-modernos
ou sociedades não-ocidentais). Ao identificar a tradição com o dogma e a
ignorância, os pensadores iluministas procuraram justificar seu absorver
da novidade. Mas se queremos entender a tradição não podemos
menosprezá-la.
Livrando-nos dos preconceitos do Século da Luzes, como devemos
entender a tradição? Devemos começar por voltar ao conceito de tradições
inventadas, não genuínas:
-foram em grande parte inventadas, mais do que terem aparecido
espontaneamente;
-foram usadas como meios de poder;
-não existem desde tempos imemoriais.
Giddens apoiou totalmente esta teoria. Todas as tradições são
tradições inventadas. Não existem sociedades tradicionais totalmente
tradicionais e as tradições e os costumes foram inventados por uma
diversidade de razões. Não devemos supor que só encontramos a
construção consciente da tradição na era moderna. Mais, as tradições,
quer fossem construídas de uma forma deliberada ou não, serviram
sempre para legitimar o poder e as suas normas.
É um mito pensar nas tradições como impassíveis à mudança – a
tradição desenvolve-se ao longo do tempo, mas também pode ser alterada
ou transformada quase de um momento para o outro: são inventadas e
reinventadas – não existe nenhuma “tradição pura”, dada também a
influência de outras tradições e culturas.
A duração temporal não é a característica primária da tradição ou do
seu “primo”, o costume, mas sim o ritual e a repetição. As tradições são
sempre propriedades de grupos, comunidades ou colectividades – os
indivíduos podem seguir a tradição e os costumes, mas não são uma
qualidade do comportamento individual como os hábitos são.
O que distingue a tradição é que define algo que algo que aparece
como verdadeiro - quem segue uma prática tradicional, não questiona se
haverá alternativas – também têm guardas (ou seja, as únicas pessoas
que conseguem interpretar o verdadeiro ritual da tradição).
O Iluminismo pretendeu destruir a autoridade da tradição, mas só o
conseguiu em parte - as tradições permaneceram fortes por muito tempo
em quase toda a Europa moderna e ainda mais entrincheiradas noutras
partes do mundo – muitas tradições foram reinventadas e outras
novamente instituídas – há uma tentativa em certos sectores da sociedade
para proteger as velhas tradições (conservadorismo).
Uma razão importante para a persistência das tradições nos países
industrializados: as mudanças institucionais assinaladas pela modernidade
foram confinadas às instituições públicas (especialmente ao governo e à
11
economia). Os modos tradicionais tendem a persistir, ou a serem
restabelecidos noutras áreas da vida, incluindo o quotidiano – na maioria
dos países certos aspectos (família, sexualidade, divisão entre sexos)
continuam muito influenciados pela tradição e pelos costumes.
As duas principais mudanças sob o impacto da globalização hoje são:
-nos países ocidentais não só as instituições públicas, mas também a
vida quotidiana estão a conseguir libertar-se da influência da tradição;
-outras sociedades que continuaram a ser muito tradicionais estão a
tornar-se “destradicionalizadas”.
Sendo que alguns aspectos do mundo físico já não são apenas
naturais (fim da natureza) estamos também a viver depois do fim da
tradição – não quer dizer que desapareça (continua viva por todo o lado),
mas cada vez menos a tradição é vivida no modo tradicional – ou seja
defendendo actividades através do seu próprio ritual e simbolismo.
As tradições, muitas vezes não só estão vivas, como ressurgem,
apesar de frequentemente sucumbirem à modernidade. A tradição cujo
conteúdo é removido torna-se muitas vezes em tradição reformulada como
espectáculo.
Na opinião de Giddens é inteiramente racional reconhecer que as
tradições são necessárias hoje em dia, continuarão porque dão
continuidade e forma à vida. Mesmo algumas ciências têm tradições, sem
as quais não haveria direcção, embora faça parte destas ciências explorar
os limites de tais tradições.
A tradição pode ser perfeitamente defendida de uma maneira não-
tradicional e deverá sê-lo no futuro. As tradições continuarão a existir
enquanto forem justificadas em termos de comparação com outras
tradições – nas tradições religiosas existe a ideia de fé, mas num mundo
cosmopolita, há mais pessoas a ter contacto regular com aqueles que têm
crenças diferentes do que alguma vez houve, – é-lhes exigido que
justifiquem a sua crença, pelos menos implicitamente – há uma grande
proporção de racionalidade na continuidade dos rituais religiosos
actualmente.
À medida que a tradição transforma o seu papel, novas dinâmicas se
introduzem nas nossas vidas: passou a haver um conflito constante entre
autonomia de acção e vício e entre cosmopolitismo e fundamentalismo.
Onde a tradição recuou, a autonomia e a liberdade podem tomar o
lugar da primeira com mais discussão aberta e diálogo, mas também
geram outros problemas:
-uma sociedade a viver do lado oposto ao da tradição e ao da
natureza (como a maioria dos países ocidentais) necessita de tomar
decisões, tanto na vida quotidiana como fora dela;
-o lado negativo de tomar decisões tem que ver com o aumento dos
vícios e das compulsões.
A ideia e realidade do vício está quase confinada aos países em vias
de desenvolvimento, mas também é muito vista nos países mais ricos:
antes usava-se apenas para referir o alcoolismo e a toxicodependência,
mas agora usa-se para referir qualquer área em que haja vícios – a razão
12
é que essas áreas da vida são muito menos estruturadas pela tradição do
que já foram.
Como a tradição, no vício:
-existe influência do passado no presente (mais individual que
colectiva);
-a repetição tem um papel fundamental (dirigida pela ansiedade);
Todo o contexto de “destradicionalização” oferece uma possibilidade
de liberdade de acção maior do que antes:
-existe uma libertação do homem dos constrangimentos do passado;
-o vício surge quando a escolha derivada da autonomia é subjugada
à ansiedade (na tradição o passado estrutura o presente através de
sentimentos colectivos).
Ao haver menos influência da tradição a nível global, a base da nossa
própria identidade muda. Esta última, nas situações tradicionais, era
suportada pela estabilidade das posições sociais. Quando a tradição
colapsa, a identidade própria tem de ser (re)criada numa base mais activa,
o que explica a terapia e o aconselhamento de todos os tipos nos países
ocidentais.
Quanto ao fundamentalismo, este surgiu como resposta às forças
globalizantes que nos rodeiam, sendo o termo relativamente recente – não
é o mesmo que fanatismo ou autoritarismo. Os fundamentalistas alertam
para um regresso aos textos primários, os quais devem ser lidos de uma
maneira literal e que essas doutrinas devem ser aplicadas nos domínios
social, económico e político. Isto dá uma nova importância aos guardas da
tradição, que ganham poder religioso e temporal.
Para Giddens, o fundamentalismo é uma tradição “cercada”, ou seja,
uma tradição defendida do modo tradicional (referência à verdade ritual),
num mundo que exige motivos para tudo. O que importa mesmo no
fundamentalismo é a verdade da crença, não o contexto religioso ou outro.
O fundamentalismo não é necessariamente sobre a resistência de
culturas tradicionais à ocidentalização, podendo desenvolver-se em
culturas de todo o tipo. Não tem tempo para a ambiguidade ou múltipla
interpretação ou identidade. É a recusa de diálogo num mundo onde a paz
e a continuidade dependem dele. O fundamentalismo é filho da
globalização, tanta a utiliza (uso das tecnologias da comunicação), como
lhe responde.
Qualquer que seja a sua face (religioso, étnico, nacionalista), é
problemático. Baseia-se com a possibilidade da violência, inimiga dos
valores cosmopolitas. Mas também põe questões à globalização, como se
podemos viver num mundo em que nada é sagrado.
Cosmopolitas como Giddens exigem que a tolerância e o diálogo
sejam conduzidos por valores universais. Todos devemos ter valores a
defender, mesmo quando estão pouco estimulados ou ameaçados.
13
Capítulo IV – Família
De entre todas as mudanças actualmente em curso no mundo
nenhuma é mais importante e provavelmente mais difícil do que aquelas
que se passam na nossa vida pessoal – na sexualidade, nas relações, no
casamento e na família. Por todo o mundo ocorre uma revolução no modo
como estabelecemos relações com os outros, com diferentes avanços em
diferentes regiões e culturas e com muitas resistências, mas não sabemos
qual será a proporção de vantagens e problemas deste tipo.
Há poucos países onde não se esteja a dar uma intensa discussão
sobre a igualdade sexual, o regulamento da sexualidade e o futuro da
família. E onde não há debate, é porque este é reprimido por governos
autoritários ou grupos fundamentalistas.
As transformações que afectam o lado pessoal e emocional (ou
sejam as questões familiares) ultrapassam as fronteiras, variam apenas
em intensidade e de acordo com o contexto cultural.
Na China existe um grande debate quanto à protecção da família e no
Ocidente o caso é ainda mais grave – a família serve de lugar de conflito
entre tradição e modernidade, mas é também uma metáfora desses
conflitos. Como a família sempre foi conotada como um abrigo, há políticos
e activistas que alertam para o enfraquecimento da família e para a
necessidade de um regresso à família tradicional, mas este é um conceito
muito abrangente – já existiram muitos tipos diferentes de família em
diferente sociedades e culturas. Apesar disso, a família nos períodos pré-
modernos tem alguns traços comuns independentemente do espaço.
Na família tradicional, – acima de tudo uma unidade económica – a
produção agrícola normalmente envolvia toda a família, enquanto que nas
classes mais altas a transmissão de propriedade era base do casamento.
Na Europa medieval não se contraía casamento pelo amor, nem era uma
instituição que protegesse tal sentimento.
É intrínseca à família tradicional a desigualdade entre homem e
mulher, que se repercutia na vida sexual, directamente relacionada com a
necessidade de assegurar a continuidade da linhagem e a herança. Os
homens davam importância ao facto de as suas mulheres serem as mães
dos seus filhos e a virgindade (nas raparigas) e a fidelidade (nas esposas)
era louvada – importância da virtude feminina.
Para além das mulheres, também as crianças sentiam a falta de
direitos. A ideia de se estabelecer em lei os direitos infantis é relativamente
recente. As crianças eram educadas com vista só à satisfação dos pais,
quase não eram vistas como indivíduos – não é amor dos pais a eles que
está em causa, mas sim a contribuição para as actividades económicas
que os filhos proporcionavam. A taxa de mortalidade infantil era
assustadora.
Excepto para alguns grupos de elite, na família tradicional a
sexualidade foi sempre dominada pela reprodução, facto combinado pela
tradição e natureza, devido também à inexistência de contraceptivos
eficazes. Este carácter da sexualidade possuía uma visão dupla da
14
sexualidade feminina – uma divisão entre a mulher virtuosa e a libertina.
Já a aventura sexual era uma característica valorizada no sexo masculino
em muitas culturas, inaceitável para o sexo feminino, mesmo nos cargos
mais altos.
As atitudes quanto à homossexualidade também eram conduzidas
por um misto de tradição e natureza. Pesquisas antropológicas mostram
que a homossexualidade era tolerada. As sociedades hostis a este tipo de
sexualidade condenaram-na como não-natural, com atitudes mais
extremas no Ocidente.
Claro que o antagonismo à homossexualidade e a visão dupla do
carácter feminino (tanto por mulheres como por homens, no caso deste
último), continuam. Apesar disso, nas últimas décadas os elementos
fundamentais da nossa sexualidade mudaram, dos quais a separação
desta da reprodução é uma das mudanças principais – a sexualidade é
pela primeira vez algo a ser moldado, agora tem pouca conexão com o
casamento e a legitimidade. Também a crescente aceitação da
homossexualidade, influenciada pela tolerância liberal, é um resultado
desta separação.
A chamada família tradicional é o que nos anos 50 era já uma família
numa das últimas fases transitórias da evolução da família – a
percentagem de mulheres a trabalhar fora ainda era relativamente baixa e
o divórcio era muito difícil de obter. Mesmo assim, nessa época já havia
mais igualdade entre os sexos, tanto na realidade como nas leis. A família
deixou de ser uma entidade económica e o amor como a base para o
casamento substituiu o contracto económico. Desde então a família mudou
muito mais.
Variando de sociedade para sociedade esta tendência é
testemunhada quase em todo o lado. Só uma minoria das pessoas hoje
vive naquilo que se poderá chamar de família standard dos anos 50
(ambos os pais vivem juntos com os seus filhos, a mãe é doméstica e o
pai o ganha-pão). Hoje ocorrem muitos mais nascimentos fora do
casamento e a proporção de pessoas a viver sozinhas disparou. Em
alguns países desenvolvidos o casamento continua a ser muito popular,
mas uma percentagem importante de mulheres não pretende ter filhos. Em
todos os países continua a existir diversidade de estruturas familiares.
O casamento e a família tornaram-se “instituições concha” (ainda têm
o mesmo nome, mas por dentro o seu carácter mudou). Na família
tradicional o casal era apenas uma parte da família. O casal de hoje,
casado ou não, é o centro da família, já que o carácter económico diminuiu
consideravelmente e o amor/atracção sexual tornou-se a base para os
laços matrimoniais. A família é uma unidade baseada na intimidade ou na
comunicação emocional, noção muito recente.
Isto representa uma grande transição – formar pares e desfazê-los
dá-nos uma descrição mais exacta do campo da vida pessoal do que “o
casamento e a família”. Antes do fim dos anos 60 ninguém falava de
relações, pois o casamento era uma obrigação, um estado natural. Apesar
de ainda ser visto como uma condição normal, o significado do casamento
15
mudou completamente – agora significa que um par tem uma relação
estável e jura prolongá-la.
A posição das crianças é, com isto tudo, interessante e paradoxal – a
nossa atitude quanto a elas mudou completamente nas últimas gerações –
valorizamos as crianças porque se tornaram mais raras, por um lado e
porque a decisão de ter um filho é muito diferente do que era há algumas
gerações, por outro. Nos países ocidentais uma criança já não é um
contributo económico, mas sim uma carga económica para os pais – é
uma decisão feita por necessidades psicológicas e emocionais. Há uma
preocupação muito maior quanto à protecção das crianças.
Há três áreas principais, nas quais a comunicação emocional
(intimidade) está a substituir os antigos laços que costumavam unir as
vidas pessoais – nas relações amorosas e sexuais, nas relações pais-filho
e também na amizade. Giddens analisa estes factos segundo a ideia da
“relação pura” (baseada na comunicação emocional, na qual as
recompensas derivadas de tal relação são o motivo principal para a própria
continuar).
A relação pura tem dinâmicas bastante diferentes daquelas que
definem os laços sociais – depende do processo da confiança activa (abrir-
se ao outro). A relação pura é implicitamente democrática. A boa relação é
um ideal – a maioria das relações quotidianas não são muito próximas.
Uma boa relação é uma relação de igual para igual, na qual cada um
tem os seus direitos e obrigações. Nela, cada pessoa tem respeito e quer
o melhor para a outra. A relação é baseada na comunicação, essencial
entender o ponto de vista do outro. Finalmente numa boa relação não
pode haver poder arbitrário, pressão ou violência. Cada uma destas
qualidades está de acordo com os princípios da política democrática.
Quando aplicamos estes princípios às relações falamos de algo muito
importante – a emergência daquilo a que Giddens chama democracia de
emoções da vida quotidiana, que lhe parece tão importante quanto a
democracia pública para melhorar a qualidade das nossas vidas.
Tanto se aplica às relações pais-filho como a outras. Neste ultimo tipo
de relações, os pais devem ter autoridade sobre os filhos para interesse de
todos, apesar de terem de praticar o princípio da igualdade, presente num
contracto implícito. Nas famílias tradicionais não se esperava que as
crianças respondessem. Mas na democracia de emoções as crianças
devem ser capazes de responder, o que não implica a falta de disciplina
ou de respeito, simplesmente tenta pô-los numa base diferente.
A democracia de emoções não estabelece diferença de princípios
entre heterossexuais e relações do mesmo sexo. Os homossexuais não
podiam estabelecer relações segundo os suportes heterossexuais.
Amparar a democracia emocional não significa abdicar das
obrigações familiares ou públicas perante a família, mas sim a sua
aceitação. A protecção infantil deve ser a característica principal da política
pública (cuidar dos filhos até à idade adulta).
Uma questão a pôr aos assuntos referidos, como refere Giddens, é
que se referiu quase somente às tendências nos países ocidentais. E onde
a família tradicional ainda permanece praticamente intacta? Será que as
16
mudanças no ocidente se tornarão cada vez mais globais? Giddens pensa
que sim, não é uma questão sobre se vão mudar, mas quando vão e
como. Vai mais longe – a democracia de emoções está na linha da frente
na luta entre cosmopolitismo e fundamentalismo. Muitos dos valores do
primeiro são o anátema para o segundo (igualdade entre sexos, liberdade
sexual feminina).
Temos muito que nos preocupar com o estado da família no Ocidente
e noutros lugares. É errado dizer que qualquer estrutura e forma familiares
são tão acertadas como outras, assim como dizer que o declínio da família
tradicional é um desastre. O regresso à família tradicional e à
desigualdade de papéis não é a solução. Por vezes a persistência desta
ou de alguns aspectos é ainda mais preocupante, já que só a sua
mudança permitirá a igualdade e a educação das mulheres, indispensável
para o desenvolvimento dos países mais pobres.
Capítulo V – Democracia
A televisão teve um papel importante no derrube do Muro de Berlim,
assim como noutras transformações na Europa de Leste em 1989. A força
condutora destas revoluções foi a democracia e a sua expansão foi
extremamente influenciada no período recente pelo avanço dos meios de
comunicação globais.
Há poucos estados no mundo hoje que não se autodenominam
democráticos, mesmo alguns que na realidade não são.
O que é a democracia? É uma questão controversa e há muitas
interpretações – envolve competição entre diferentes partidos e posições
de poder. Há nela eleições livres e justas, nas quais toda a população
deve participar, juntamente com a liberdade civil (liberdade de expressão e
discussão, assim como a de associação e de partidos políticos).
Há diferentes formas de democracia, assim como diferentes níveis de
democratização. As ideias democráticas foram a inspiração das
revoluções americana e francesa, mas durante muito tempo o seu domínio
foi limitado (só uma parte da população tinha o direito de voto).
A democracia no Ocidente só atingiu um alto nível de
desenvolvimento no século XX. Chegou a alguns países europeus para
depois cair (dos anos 30 aos 70). Sem contar com a Europa, a América
Norte e a Oceânia, havia poucos países com democracia duradoura.
Nas últimas décadas, grande parte desta situação mudou. Desde
meados dos anos 70 o número de estados democráticos aumentou mais
do dobro, enquanto os países já democráticos conservaram as suas
instituições democráticas. Houve uma vaga de democratização na Europa
Mediterrânica e nos anos 70, em grande parte da Ásia (com alguns
retrocessos) e na América Central e do Sul nos anos 80. A
democratização dos países do Leste Europeu pós-1989 e outros antigos
estados soviéticos foi seguida por alguns países africanos.
Apesar disso, alguns estados não alcançaram a democratização
completa, como a Rússia. Outros voltaram simplesmente à democracia
que já tinham tido antes.
17
A democracia avançou quase tanto desde os anos 60 quanto desde
um século antes desse período. Porquê? – Uma resposta possível parte
daqueles que reclamam uma visão triunfalista da combinação da
democracia ocidental e do mercado livre. Mas houve outros sistemas
tentaram esta formula e falharam. Contudo, a democracia ganha porque é
o melhor sistema e é isso que a maioria dos países não-ocidentais
demorou a perceber. Mas é também certo que com as últimas vagas de
democratização, esta revelou as suas inadequações. Para uma melhor
explicação precisamos de resolver aquilo que Giddens chama do
“paradoxo da democracia” – ao passo que a democracia se expande a
nível global, nas democracias maduras, cujos sistemas, supostamente,
deviam ser copiados pelo resto do mundo, existe uma desilusão
generalizada com os processos democráticos – o nível de confiança nos
políticos decresceu, menos pessoas vão votar, uma maior parte da
população não se mostra interessada nos assuntos parlamentares,
particularmente os jovens. As mudanças que Giddens expõe explicam isto:
-a vida já não é vivida como uma fatalidade, está relativamente
determinada;
-com a inexistência de regimes autoritários, passou a existir a
necessidade de flexibilidade e dinamismo para se ser competitivo numa
economia global.
Quanto a este último ponto, com uma economia global baseada no
poder da comunicação, nas economias centralizadas não se pôde suportar
certas condições (a necessidade de flexibilidade e a descentralização),
espelhando-se essas transformações na política (não continuou o controlo
da informação, com a qual se fazia perdurar os sistemas políticos). Nos
eventos da Europa de Leste em 1989 houve pouca violência e um sistema
aparentemente implacável desvaneceu-se rapidamente, assim como o
Apartheid na África do Sul.
A revolução das comunicações produziu cidadãos mais activos e
capazes de reflectir por si próprios. Estes mesmos efeitos levam à perda
de afeição com as democracias maduras. Num mundo onde há uma
queda da tradição, os políticos não podem confiar nas antigas formas
políticas para justificar as suas acções.
Devemos aceitar o facto de as instituições democráticas estarem a
perder importância mesmo quando o sistema democrático parece
desenvolver-se mais que nunca. Estatísticas sobre a confiança nos
políticos feitas em países ocidentais revelam respostas interessantes: a
população perdeu uma importante parte da confiança que tinham nos
políticos e nos métodos democráticos ortodoxos, mas não perderam a fé
nos processos democráticos. E ao contrário do que se poderia pensar, as
pessoas não estão a perder interesse na política, mas exactamente o
contrário, incluindo as gerações novas. O que acontece com estes últimos
é que estão mais cínicos quanto às promessas dos políticos e acham que
há questões em que os políticos têm pouco a dizer. Muitos acham a
política corrupta e pensam que as questões mais importantes são as
relacionadas com o ambiente, os direitos humanos, a política familiar e a
liberdade sexual. Quanto ao domínio económico não acham que os
18
políticos sejam capazes de lidar com as forças que fazem mover o mundo.
Não nos surpreendemos quando os activistas põem a sua energia nos
grupos de interesses, já que lutam pelo que as políticas ortodoxas
parecem não conseguir cumprir.
Como pode prosseguir uma democracia e um governo que parece ter
perdido o controlo dos acontecimentos. Giddens pensa que há uma
resposta: é necessário um aprofundar da democracia nos próprios países
democráticos, a que se poderá chamar de democratização da democracia.
Mas a democracia hoje também necessita de ser transnacional.
Precisamos de uma democratização tanto abaixo como acima do nível da
nação, numa era global que exige respostas globais.
É necessário um aprofundar da democracia, porque os velhos
mecanismos da sociedade não resultam quando os cidadãos têm acesso a
tanta informação como aqueles no poder. Claro que os sistemas
democráticos ocidentais nunca tiveram tantos secretismos quanto os
estados autoritários, mas nalguns contextos tiveram-nos. Por vezes fazem
uso de símbolos que não são completamente democráticos e as tradições
uma vez veneráveis perdem o seu valor. Não espanta que tenham havido
tantos casos de corrupção nos últimos anos. Giddens duvida que a
corrupção seja mais comum nos países democráticos, já que a amplitude
dos media é mais visível e as fronteiras do que pode ser definido como
corrupção mudaram.
A democratização da democracia tomará diferentes formas nos
diferentes países, consoante o seu contexto. Não há país tão avançado
que possa prescindir dela. Significa uma efectiva devolução de poder onde
foi este extremamente concentrado a nível nacional – quer dizer ter
medidas anti-corrupção eficazes. Muitas vezes também implica reformas
constitucionais e a promoção de uma maior transparência na política.
Também nos devemos preparar para procedimentos democráticos
alternativos, especialmente aqueles que possam tornar o processo de
tomada de decisões mais próximo das preocupações dos cidadãos, como
o sistema de júri ou os referendos electrónicos.
Os partidos políticos terão que se habitar a colaborar mais com
grupos relacionados apenas com uma questão, como os grupos de
pressão ecologistas. Muitos vêem a sociedade contemporânea como
fragmentada e desorganizada, mas a verdade é precisamente a oposta –
as pessoas envolvem-se mais em grupos e associações do que dantes.
Estes grupos de questão única estão frequentemente na linha da
frente quanto ao levantar de questões que possam ser ignoradas pelos
círculos políticos ortodoxos até ser demasiado tarde.
A democratização da democracia também depende da ajuda de uma
forte cultura cívica. Nem o mercado, nem o pluralismo de certos grupos de
interesse podem produzir cultura.
Não podemos pensar que só há dois sectores da sociedade – o
Estado e o mercado, o público e o privado. No meio está a sociedade civil,
incluindo a família e outras instituições não-económicas. A sociedade civil
é a área onde as atitudes democráticas têm que ser estimuladas, incluindo
19
a tolerância. A esfera cívica pode ser estimulada pelo governo, mas é a
sua base cultural, por outro lado.
A democratização da democracia não é apenas relevante nas
democracias maduras, mas pode ajudar a construir as instituições
democráticas onde estas são fracas.
Uma democracia em bom funcionamento tem de equilibrar o peso do
governo, da economia e da sociedade civil. Se um se sobrepor aos outros,
gerar-se-ão consequências negativas.
Não podemos deixar os media fora desta conjuntura, particularmente
a TV. Estes têm uma dupla relação com a democracia:
-a emergência da sociedade de informação global é uma força
democratizante;
-a televisão e os outros meios de comunicação têm a tendência para
destruir o verdadeiro espaço de diálogo que eles próprios abriram, através
de uma trivialidade das questões políticas. Para além disso, o crescimento
das companhias multinacionais de meios de comunicação e os magnatas
económicos detêm um enorme poder.
Opor-se ao poder referido não pode ser uma questão de política nacional
apenas. Até agora, as politicas democráticas presumiam uma comunidade
nacional que fosse capaz de se autogovernar e controlar a maioria das
questões relacionadas esse autogoverno. Mas com a globalização, a
soberania dos estados torna-se confusa e não tão eficaz. Entre as mais
importantes falhas democráticas, estão algumas forças globais que
afectam a vida dos cidadãos, – riscos ecológicos, flutuações na economia
global ou a mudança tecnológica - que não respeitam as fronteiras das
nações e escapam aos processos democráticos – uma das razões para o
declínio da atracção da democracia onde está mais enraizado.
Falar de democracia acima do nível da nação pode parecer irrealista.
Contudo, o mundo é muito mais interdependente do que há um século
atrás e a natureza da sociedade mundial mudou. O outro lado da moeda
tem que ver com os problemas que partilhamos hoje em dia, que são
muito maiores.
Como se pode ajudar a democracia acima do nível da nação-estado,
particularmente em organizações transnacionais e internacionais? Os EUA
são uma associação de nações-estado. A União Europeia (UE) é diferente
e está a criar um modelo que poderá ser seguido noutras partes do
mundo. A UE é pioneira na sua forma de governo transnacional – não é
um super-estado ou um estado federado nem uma mera associação de
países. Os países da UE escolheram perder parte da sua soberania para
entrar nela.
Hoje a própria UE não é particularmente democrática – a UE não
cumpre os critérios democráticos que ela própria exige dos seus membros.
Apesar disso não há nada que impeça a sua democratização futura.
A existência da UE faz-nos chegar a um princípio fundamental da
democracia, quando vista no quadro da ordem global – o sistema
transnacional pode contribuir para a democracia dentro dos estados assim
como entre eles.
20
Podemos olhar para o mundo com optimismo e pessimismo em
medidas aproximadas. Se por um lado a democracia se expande, ela
própria parece frágil. Apesar desta expansão, continuam a abundar os
regimes opressivos e o desrespeito pelos direitos humanos. Pensa-se em
muitos problemas como intratáveis e sem resolução. Nas sociedades com
pouca história democrática, a democracia parece ter raízes frágeis e pode
acabar-se com ela facilmente. Contudo devemos olhar para ela como algo
que pode nascer em terreno infértil. A expansão da democracia está
relacionada com mudanças estruturais na sociedade mundial. O avanço
da democracia é um trabalho pelo qual vale a pena lutar. Este mundo que
nos escapa não necessita de menos, mas governo, o que só as
instituições democráticas podem fornecer.
Conclusão
Com esta obra de Anthony Giddens podemos compreender porque
ele se refere ao mundo actual como algo que nos escapa (“runaway
world”), pois ao estar cada parte do globo mais interligada às outras,
menos são os acontecimentos que uma nação, sociedade, colectividade
ou mesmo um indivíduo podem controlar. Assim tratada, a globalização
não é apenas um fenómeno económico ou afecta apenas as grandes
empresas, mas uma transformação profunda em praticamente todos os
campos da nossa vida. Deste modo a democracia não se aplica apenas ao
sistema político de um pais, mas integra a essência do modo de vida dos
cidadãos, relacionando-se com a família e a tradição, numa troca de
influências recíprocas.
Giddens desmistifica muitos dos mitos relacionados com a
globalização como o de apenas servir para prejudicar os mais pobres ou
21
da perda total de poder das nações, enquanto introduz ou usa novos
conceitos como “instituições-concha”, “democratização da democracia” ou
mesmo a ideia específica de risco, uma característica essencial da
sociedade contemporânea, movida pela necessidade de calcular o futuro,
com todas as consequências dessa actuação.
Por outro lado, o conceito de tradição é em grande parte reformulado
em relação à sociedade global – muitos delas são “inventadas” e as
tendências globais tendem a suprimir muitas das tradições. Também a
democracia precisa de um aprofundamento devido ao descrédito dos
cidadãos. Outro domínio essencial em total transformação e talvez o mais
importante, porque o mais pessoal e cujos os próprios fundamentos mais
mudaram, é a família. Com todas estas implicações em domínios com que
nos confrontamos no quotidiano, compreendemos porque Giddens afirma
que “a globalização é o modo como vivemos hoje”.
Bibliografia
• Giddens, Anthony, Runaway World – How Globalisation is
Reshaping our Lives (New Edition), 1999, 2002, Londres, Profile
Books
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Globalização e suas implicações sociais

  • 1. Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria 2004/2005
  • 2. Disciplina de Introdução às Ciências Sociais – Sérgio Branco Índice Introdução…………………………………...……….3 Globalização…………………………………...…....4 Risco………………………………………………….7 Tradição…………………………………………......10 Família……………………………………………….13 Democracia………………………………………….16 Conclusão……………………………………...…….20 Bibliografia…………………………………………...21 2
  • 3. Introdução Na obra Runaway World (O Mundo na Era da Globalização, na versão portuguesa) de Anthony Giddens, um dos professores mais influentes do mundo nas questões sociais e políticas actuais, que se baseia nas suas palestras transmitidas por uma rádio da BBC, são analisados os factos que estão por trás da crescente globalização da sociedade mundial e os efeitos que têm nas nossas vidas em concreto. Giddens começa por delinear o conceito de globalização e os seus efeitos na organização mundial, explorando este assunto incontornável nos dias de hoje nos capítulos Risco, Tradição, Família e Democracia. A segunda edição do livro, da qual foi feito o resumo apresentado, foi lançada depois do 11 de Setembro de 2001, acontecimento que juntamente com outros, nomeadamente os protestos anti-globalização (ou contra determinado tipo ou aspecto de globalização), mostra o quanto este fenómeno se está a intensificar, podendo levar a actos perigosos como os atentados e outras consequências nas várias áreas referidas nos capítulos, mas não se reduzindo a eles e transformando o quotidiano. 3
  • 4. Capítulo I – Globalização Em todas as partes do mundo se faz sentir o efeito da globalização, mesmo nos sítios mais remotos. Mas a modernização de certas sociedades não se relaciona apenas com o acrescentar de tecnologia, já que vivemos num mundo que afecta todos os aspectos da nossa vida e numa transição para uma nova ordem global que ninguém compreende no seu todo, mas que nos influencia a todos. A própria globalização do conceito de globalização mostra o quão debatido é hoje em dia. No fim dos anos 80 ainda se falava pouco deste conceito, que nem sempre é claro – refere-se à tese de que todos vivemos num mundo único, mas há definições diferentes, quase contraditórias: -os cépticos referem que a globalização não passa de discussão. Quaisquer que sejam os seus efeitos, a economia não é especialmente diferente da existente noutros períodos. Estes afirmam que a melhor forma de comércio externo é entre regiões – U.E., América do Norte etc.; -os radicais argumentam que a globalização é um fenómeno bem real e cujos efeitos se fazem sentir em qualquer parte – o mercado mundial é diferente do mesmo referente aos anos 60/70. As nações perderam muita da soberania que tinham e os políticos muito do poder de dirigir os acontecimentos, ou seja, acabou a era da nação-estado; -os cépticos acham que esta última teoria é um mito, uma ideologia imposta pelos defensores do mercado livre, que serve apenas para destruir o Estado-Providência. No fim do século XIX já havia economia livre à escala mundial, incluindo em capitais. Giddens pensa que quem está certo são os radicais, já que o mercado mundial e o conjunto de bens e serviços são muito maiores do que alguma vez foram, mas a maior diferença tem que ver com o nível financeiro e os movimentos de capitais (o dinheiro electrónico), situação que não tem paralelo em tempos passados. Tanto os grandes bancos como os mais simples investidores podem transferir grandes quantidades de capital rapidamente, tendo o poder de desestabilizar economias aparentemente sólidas. Actualmente, o volume de negócios é gigantesco e o valor do nosso dinheiro varia consoante as flutuações dos mercados. Na opinião de Giddens, a globalização não é só nova, mas também revolucionária. Tanto cépticos como radicais não entenderam bem o que é, nem as sus implicações para nós – vêm a globalização apenas como um fenómeno económico. Não, é um fenómeno político, tecnológico e 4
  • 5. cultural assim como económico que foi influenciado pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, especialmente a partir dos anos 60. A capacidade destes últimos aumentou espantosamente desde então. A comunicação instantânea por meios electrónicos altera o nosso modo de vida até aos pormenores mais insignificantes, quer do lado dos ricos, quer dos pobres. O alcance dos meios de comunicação cresce a cada nova vaga de inovação tecnológica. É errado pensar que a globalização afecta apenas os grandes sistemas como a ordem financeira mundial. Ela influencia também os aspectos pessoais – o debate sobre os valores familiares pode parecer deslocado da globalização, mas não é, pois estes estão a passar por uma verdadeira revolução, com consequências desde o trabalho à política. A globalização não é apenas um complexo de processos, mas vários que funcionam, muitas vezes de modo contraditório – a maioria das pessoas pensa que a globalização é apenas um “empurrar” do poder e influência das comunidades e nações para a esfera global, mas também produz o efeito contrário, criando pressões para a autonomia a nível local – é um dos motivos que leva à retoma das identidades culturais (os nacionalismos emergem como resposta às tendências globais, à medida que o controlo das Nações-Estado enfraquece). A mundialização também cria novas zonas económicas e culturais dentro e através das nações. Todas estas mudanças são impelidas por um vasto conjunto de factores, alguns estruturais, outros mais específicos e históricos. As influências económicas estão certamente entre estas forças propulsoras (especialmente o sistema financeiro global), mas são moldadas pela tecnologia e difusão cultural, assim como pela decisão dos governos de liberalizar as economias nacionais. O comunismo soviético colapsou por causa de e levou a estes desenvolvimentos, não ficando nenhum país de fora das tendências globalizantes. Este tipo de comunismo não podia competir com a economia tecnológica global . Os media tiveram um papel fundamental nas revoluções de 1989 (“revoluções da televisão), pois espalharam novas ideologias e oportunidades. Mas a globalização não evolui de um modo igual e as suas consequências não são totalmente benignas. Para muitos países fora da Europa e da América do Norte, a globalização parece-se mais como uma ocidentalização, ou mesmo como uma americanização (já que os EUA são a única superpotência). Muitas das expressões culturais mais visíveis são norte-americanas. A maioria das grandes multinacionais também são originárias dos EUA e aquelas que não são, vêm dos países ricos. Esta é uma visão pessimista da globalização, que a considera como um assunto do Norte industrial, no qual os países pobres têm pouco ou mesmo nada a dizer (destruindo as culturas locais, espalhando as desigualdades e aumentando o número de pobres), criando um mundo onde poucos prosperam e em que a maioria está condenada a uma vida de miséria. Segundo as estatísticas o rendimento dos pobres baixou na década de 90, enquanto a proporção para os mais ricos subiu. Em muitos países 5
  • 6. subdesenvolvidos, as condições de segurança ou ambientais são fracas ou aparentemente não-existentes. Para além do risco ecológico, a expansão da desigualdade é o problema mais sério hoje em dia, mas não se deve apenas aos ricos. Giddens argumenta que a globalização hoje em dia é ocidentalização apenas em parte. Claro que as nações industrializadas têm muita influência nos acontecimentos mundiais, mas a globalização está a descentralizar-se. A colonização reversiva está a tornar-se comum (países não-ocidentais ou em vias de desenvolvimento afectam os acontecimentos no Ocidente). Será que a globalização é uma força que promove o bem geral? Não se pode dar uma resposta simples, dada a complexidade do fenómeno. Os que culpam a globalização de aumentar as desigualdades têm em mente apenas a globalização económica e com ela o mercado livre, que pode ser prejudicial para os países pobres. Uma economia destas, ao aceitar o mercado livre, pode destruir a economia de subsistência local. As áreas que se tornam muito dependentes apenas do comércio internacional de alguns produtos são muito vulneráveis às variações de preços e à mudança tecnológica. O comércio precisa de ser regulado por várias instituições. Um mercado com determinadas características não pode ser criado apenas com meios económicos e o grau de exposição de uma economia ao sistema económico global depende de muitos critérios. Contudo, optar pelo proteccionismo seria uma escolha errada (embora possam ser necessárias formas temporárias de proteccionismo). As questões mencionadas quase só se baseiam nas implicações da globalização para a nação-estado. Segundo Giddens, as nações e os dirigentes políticos ainda têm um papel importante no mundo, mas a primeira está a reformular-se. A política económica nacional não consegue ser tão eficaz como já foi e as nações têm que pensar as velhas geopolíticas. Giddens afirma que as nações já não têm inimigos, mas que são confrontadas mais com perigos e riscos. Também as instituições, que continuam a ter o mesmo nome e que parecem as mesmas, por dentro estão bem diferentes – continuamos a falar de família, tradição, trabalho ou natureza como se fossem iguais às do passado. Emergem por todo o lado o que Giddens chama de “instituições-concha” (instituições que se tornam inadequadas para as tarefas que supostamente deveriam desempenhar). Com todas estas mudanças, gera-se o que nunca existiu – uma sociedade cosmopolita global, cujos contornos não estão bem definidos. Ela transforma as nossas vidas, independentemente de onde nos encontramos. Esta nova ordem global não é criada pela vontade humana colectiva, mas emerge de uma modo casual, com uma mistura de influências e fracturada por divisões profundas. Muitas forças impõe-se- nos, mas Giddens afirma que nos devemos impor a elas. A nossa incapacidade deriva das instituições. Precisamos de reconstrui-las ou criar novas. A globalização é o modo como vivemos hoje. 6
  • 7. Capítulo II – Risco As mudanças das temperaturas normais e a transformação do clima são resultado da interferência do homem no ambiente mundial, devido ao desenvolvimento industrial global e à destruição de muitos habitats naturais? Não podemos estar seguros, mas temos de admitir essa hipótese com as devastações naturais que têm acontecido em anos recentes. Mesmo assim não podemos prever as consequências desta destruição. Estas questões relacionam-se com o que Giddens chama de “risco”. Esta simples designação refere-se às características mais importantes do mundo hoje em dia. Este conceito parece não ter importância hoje, comparado com períodos históricos anteriores. As pessoas tiveram sempre que enfrentar riscos. Mas mesmo na Idade Média não havia o conceito de risco. Esta ideia apareceu no séc. XVI ou XVII, utilizada pelos navegadores à volta do mundo. Primeiro era um conceito basicamente espacial, mais tarde passou a referir-se ao tempo (investimento e negócios). Passou a referir toda uma série de situações de incerteza, sendo sempre ligado à ideia de probabilidade de vários resultados. As culturas tradicionais não têm um conceito de risco porque não precisam – risco não é o mesmo que perigo ou azar, pois refere-se a perigos que são avaliados em relação a possibilidades futuras, só tem importância numa sociedade orientada para o futuro e que se tenta desligar do seu passado. Utilizamos o conceito de risco como outras civilizações utilizaram os de Deus, do destino ou da magia, a quem se atribuía o curso dos acontecimentos. Mas tais perspectivas não desapareceram completamente com a modernização. Contudo, abraçar o risco é uma fonte de energia que cria riqueza nas sociedades modernas. 7
  • 8. Os aspectos positivos e negativos do risco apareceram no princípio da sociedade industrial moderna – o risco é a força mobilizadora da sociedade que se guia pela mudança, que quer determinar o seu próprio futuro, em vez de deixá-lo por conta da religião, tradição ou natureza. O capitalismo moderno difere de todos os sistemas económicos anteriores quanto à atitude perante o futuro, pois penetra nele ao calcular o lucro e a perda, ou seja o risco, num processo contínuo. Existem muitos riscos, nomeadamente os que afectam a saúde, contra os quais nos queremos proteger e é por isso que este conceito vem acompanhado com o de seguro (privado, comercial e do Estado-Providência). Sentindo-se seguras, as pessoas estão preparadas para correr riscos (o destino foi substituído por uma ligação ao futuro). O seguro só é entendido onde se acredita num futuro controlado por mãos humanas, mas não se separa do risco. Aqueles que fornecem o seguro, fornecem risco. O capitalismo simplesmente não funcionaria sem este conceito. Sempre ligado à modernidade, o risco ganha uma nova e peculiar importância na actualidade. Era pensado como uma forma de dominar o futuro, mas não se veio a verificar isso, levando a diferentes maneiras de entender a incerteza. A melhor forma de explicar o que se passa é distinguir dois tipos de risco. Giddens chama um deles de risco externo – que vem da natureza e tradição – e a outro risco manufacturado – situações com as quais poucas vezes nos confrontamos, nas quais se inserem aqueles ligados ao aquecimento global, muito influenciados pela crescente globalização já referida. Tanto nas sociedades tradicionais como nas industriais actuais, existe uma preocupação generalizada com riscos que a natureza traz. De certa maneira e muito recentemente, começamos a preocupar-nos menos com o que a natureza pode fazer connosco e mais com o que lhe fazemos a ela – marca a transição da predominância do risco externo para a do risco manufacturado. Independentemente de vivermos numa área rica ou pobre, devemos preocupar-nos com estes factores, embora não seja completamente errado dizer que existe uma divisão entre as regiões de abundância e as outras – muitos dos riscos tradicionais coexistem com novos riscos nos países mais subdesenvolvidos. Vivemos depois do fim da natureza – os fenómenos físicos não deixaram de existir, mas há poucos aspectos do nosso ambiente material que não tiveram intervenção humana. Muito do que parecia ser natural já não o é completamente, apesar de não podermos ter sempre certeza de qual é o factor que dirige certos fenómenos. O risco manufacturado nem sempre se refere à natureza, mas também a outros aspectos da vida como o casamento ou a família, que passam por profundas transformações nos países industrializados e até certo ponto por todo mundo. Onde os costumes tradicionais se estão a dissolver e as instituições do casamento e da família mudaram muito, as pessoas casam para estabelecer relações, não por imposição. Nestes termos os indivíduos são como pioneiros, começam a pensar mais no risco 8
  • 9. – têm que confrontar o seu futuro pessoal, muito mais aberto a possibilidades (oportunidades e perigos) que no passado. O incremento da ideia de risco, fortemente ligada ao cálculo do futuro, é a base do seguro. As situações de risco manufacturado não são assim – simplesmente não sabemos qual é o nível de risco e muitas vezes não sabemos até ser muito tarde.Muitas vezes a própria ciência não está certa. Quanto à política (e também na investigação científica) existem acusações constantes de alertas desnecessários por um lado e de ocultação de factos importantes, por outro. Quando algo parece importante deve-se publicitá-lo, mas muitas vezes o risco é mínimo e surgem as acusações de alertas desnecessários. Por outro lado, certas recomendações (que visam esconder o risco) podem não corresponder a uma realidade – ocultação. Nisto existe um paradoxo: os alertas são necessários para reduzir os riscos, mesmo que sejam só isso, desnecessários (ou aparentemente). Este paradoxo está a tornar-se comum na sociedade contemporânea, mas ainda não há uma maneira ideal de lidar com ele. Nós mesmos não sabemos quando estamos a fazer alertas desnecessários ou não. A nossa relação com a ciência e a tecnologia é diferente da de outros períodos. Na sociedade ocidental, por cerca de dois séculos, a ciência era tomada como algo que ultrapassaria a tradição, mas hoje a própria ciência torna-se tradição, respeitada pela maioria das pessoas, embora não se inclua nas suas actividades. À medida que a ciência e a tecnologia penetram no nosso quotidiano, este perspectiva desvanece-se, pois temos que ter uma relação mais activa com a ciência, já que muitas vezes os próprios cientistas estão em desacordo entre eles, especialmente nas questões relacionadas com o risco manufacturado. Mesmo as decisões mais triviais, tomamo-las num contexto de informação científica sempre em mudança e muitas vezes contraditória. Muitos sugerem que a melhor forma de lidar com o incremento do risco manufacturado passa por adoptar o chamado “princípio da precaução”, que surgiu pela primeira vez na Alemanha no início dos anos 80 no contexto dos debates ecológicos aí feitos. Este sugere que devem ser tomadas medidas quanto às questões ambientais (e por dedução, de outros problemas), mesmo que não haja prova quanto aos perigos. Apesar disso, nem sempre contribui ou pode ser aplicado para ultrapassar os problemas do risco. Nem sempre se pode aplicar o princípio de “aproximar-nos da natureza” ou de limitar a inovação. Não podemos destruir a natureza com a agricultura intensiva e química, mas também não podemos voltar à agricultura tradicional, dada a complexidade do fenómeno. Com a expansão do risco manufacturado, os governos precisam de agir sobre ele, também porque muitas novas formas deste risco têm que ver com as fronteiras. Mas mesmo nós, simples cidadãos, como consumidores não podemos ignorar os novos riscos e precisamos de tomar decisões enquanto consumidores (por exemplo, se queremos produtos geneticamente modificados ou não). Todos estes riscos e os 9
  • 10. dilemas à volta deles entraram de uma forma profunda no nosso quotidiano. Podemos concluir que a nossa época não é mais perigosa do que outras, mas o equilíbrio entre riscos mudou. Vivemos num mundo onde as ameaças criadas por nós próprios são tão ou mais ameaçadoras que os perigos exteriores. Uns são simplesmente catastróficos (risco ambientais e económicos), outros afectam-nos como indivíduos, como a alimentação, a medicina ou o casamento. Na nossa era, nascerá de certeza o revivalismo religioso e filosofias da Nova Era, que se oporão às visões científicas, como por exemplo, os defensores do ambiente que se tornam hostis à ciência. Esta atitude não faz muito sentido, pois não conheceríamos os riscos sem a análise científica. Mas mesmo assim a nossa relação com a ciência não pode ser a mesma que em períodos anteriores. Actualmente não temos instituições que nos permitam controlar a mudança tecnológica, a nível nacional ou global. Mais meios públicos de nos relacionarmos com a ciência não evitariam os alertas desnecessários e as ocultações, mas reduziriam as suas consequências. O risco precisa de ser controlado, mas tomar riscos activamente e gerir uma nova diversidade de riscos é um elemento fundamental numa economia dinâmica e numa sociedade inovadora, num sistema global. Capítulo III – Tradição Em muitas tradições celebra-se aquilo que parece ser antigo, embora muitas vezes não o seja. Muito do que pensamos ser tradicional é, na verdade, um produto dos últimos séculos e muitas vezes é mais recente do que isso. Deste modo introduziu-se o conceito de “tradições inventadas” (Eric Hobsbawn e Terence Ranger). A tradição e o costume foram a característica principal da vida da maioria das pessoas em quase toda a história da humanidade É de sublinhar a tendência para o pouco interesse neles por parte dos estudiosos e pensadores. Há muitos estudos sobre modernização, mas poucos sobre tradição. 10
  • 11. Originariamente, a raiz da palavra tradição (Latim) referia-se às leis da herança, em que o herdeiro tinha a obrigação de protegê-la. O conceito utilizado actualmente é um produto dos últimos dois séculos na Europa. Como o conceito de risco, nem sempre houve um conceito genérico de tradição, simplesmente porque a tradição e o costume estavam por todo o lado. A ideia de tradição é ela própria uma criação da modernidade (o que não significa que não se deva usá-la em relação a períodos pré-modernos ou sociedades não-ocidentais). Ao identificar a tradição com o dogma e a ignorância, os pensadores iluministas procuraram justificar seu absorver da novidade. Mas se queremos entender a tradição não podemos menosprezá-la. Livrando-nos dos preconceitos do Século da Luzes, como devemos entender a tradição? Devemos começar por voltar ao conceito de tradições inventadas, não genuínas: -foram em grande parte inventadas, mais do que terem aparecido espontaneamente; -foram usadas como meios de poder; -não existem desde tempos imemoriais. Giddens apoiou totalmente esta teoria. Todas as tradições são tradições inventadas. Não existem sociedades tradicionais totalmente tradicionais e as tradições e os costumes foram inventados por uma diversidade de razões. Não devemos supor que só encontramos a construção consciente da tradição na era moderna. Mais, as tradições, quer fossem construídas de uma forma deliberada ou não, serviram sempre para legitimar o poder e as suas normas. É um mito pensar nas tradições como impassíveis à mudança – a tradição desenvolve-se ao longo do tempo, mas também pode ser alterada ou transformada quase de um momento para o outro: são inventadas e reinventadas – não existe nenhuma “tradição pura”, dada também a influência de outras tradições e culturas. A duração temporal não é a característica primária da tradição ou do seu “primo”, o costume, mas sim o ritual e a repetição. As tradições são sempre propriedades de grupos, comunidades ou colectividades – os indivíduos podem seguir a tradição e os costumes, mas não são uma qualidade do comportamento individual como os hábitos são. O que distingue a tradição é que define algo que algo que aparece como verdadeiro - quem segue uma prática tradicional, não questiona se haverá alternativas – também têm guardas (ou seja, as únicas pessoas que conseguem interpretar o verdadeiro ritual da tradição). O Iluminismo pretendeu destruir a autoridade da tradição, mas só o conseguiu em parte - as tradições permaneceram fortes por muito tempo em quase toda a Europa moderna e ainda mais entrincheiradas noutras partes do mundo – muitas tradições foram reinventadas e outras novamente instituídas – há uma tentativa em certos sectores da sociedade para proteger as velhas tradições (conservadorismo). Uma razão importante para a persistência das tradições nos países industrializados: as mudanças institucionais assinaladas pela modernidade foram confinadas às instituições públicas (especialmente ao governo e à 11
  • 12. economia). Os modos tradicionais tendem a persistir, ou a serem restabelecidos noutras áreas da vida, incluindo o quotidiano – na maioria dos países certos aspectos (família, sexualidade, divisão entre sexos) continuam muito influenciados pela tradição e pelos costumes. As duas principais mudanças sob o impacto da globalização hoje são: -nos países ocidentais não só as instituições públicas, mas também a vida quotidiana estão a conseguir libertar-se da influência da tradição; -outras sociedades que continuaram a ser muito tradicionais estão a tornar-se “destradicionalizadas”. Sendo que alguns aspectos do mundo físico já não são apenas naturais (fim da natureza) estamos também a viver depois do fim da tradição – não quer dizer que desapareça (continua viva por todo o lado), mas cada vez menos a tradição é vivida no modo tradicional – ou seja defendendo actividades através do seu próprio ritual e simbolismo. As tradições, muitas vezes não só estão vivas, como ressurgem, apesar de frequentemente sucumbirem à modernidade. A tradição cujo conteúdo é removido torna-se muitas vezes em tradição reformulada como espectáculo. Na opinião de Giddens é inteiramente racional reconhecer que as tradições são necessárias hoje em dia, continuarão porque dão continuidade e forma à vida. Mesmo algumas ciências têm tradições, sem as quais não haveria direcção, embora faça parte destas ciências explorar os limites de tais tradições. A tradição pode ser perfeitamente defendida de uma maneira não- tradicional e deverá sê-lo no futuro. As tradições continuarão a existir enquanto forem justificadas em termos de comparação com outras tradições – nas tradições religiosas existe a ideia de fé, mas num mundo cosmopolita, há mais pessoas a ter contacto regular com aqueles que têm crenças diferentes do que alguma vez houve, – é-lhes exigido que justifiquem a sua crença, pelos menos implicitamente – há uma grande proporção de racionalidade na continuidade dos rituais religiosos actualmente. À medida que a tradição transforma o seu papel, novas dinâmicas se introduzem nas nossas vidas: passou a haver um conflito constante entre autonomia de acção e vício e entre cosmopolitismo e fundamentalismo. Onde a tradição recuou, a autonomia e a liberdade podem tomar o lugar da primeira com mais discussão aberta e diálogo, mas também geram outros problemas: -uma sociedade a viver do lado oposto ao da tradição e ao da natureza (como a maioria dos países ocidentais) necessita de tomar decisões, tanto na vida quotidiana como fora dela; -o lado negativo de tomar decisões tem que ver com o aumento dos vícios e das compulsões. A ideia e realidade do vício está quase confinada aos países em vias de desenvolvimento, mas também é muito vista nos países mais ricos: antes usava-se apenas para referir o alcoolismo e a toxicodependência, mas agora usa-se para referir qualquer área em que haja vícios – a razão 12
  • 13. é que essas áreas da vida são muito menos estruturadas pela tradição do que já foram. Como a tradição, no vício: -existe influência do passado no presente (mais individual que colectiva); -a repetição tem um papel fundamental (dirigida pela ansiedade); Todo o contexto de “destradicionalização” oferece uma possibilidade de liberdade de acção maior do que antes: -existe uma libertação do homem dos constrangimentos do passado; -o vício surge quando a escolha derivada da autonomia é subjugada à ansiedade (na tradição o passado estrutura o presente através de sentimentos colectivos). Ao haver menos influência da tradição a nível global, a base da nossa própria identidade muda. Esta última, nas situações tradicionais, era suportada pela estabilidade das posições sociais. Quando a tradição colapsa, a identidade própria tem de ser (re)criada numa base mais activa, o que explica a terapia e o aconselhamento de todos os tipos nos países ocidentais. Quanto ao fundamentalismo, este surgiu como resposta às forças globalizantes que nos rodeiam, sendo o termo relativamente recente – não é o mesmo que fanatismo ou autoritarismo. Os fundamentalistas alertam para um regresso aos textos primários, os quais devem ser lidos de uma maneira literal e que essas doutrinas devem ser aplicadas nos domínios social, económico e político. Isto dá uma nova importância aos guardas da tradição, que ganham poder religioso e temporal. Para Giddens, o fundamentalismo é uma tradição “cercada”, ou seja, uma tradição defendida do modo tradicional (referência à verdade ritual), num mundo que exige motivos para tudo. O que importa mesmo no fundamentalismo é a verdade da crença, não o contexto religioso ou outro. O fundamentalismo não é necessariamente sobre a resistência de culturas tradicionais à ocidentalização, podendo desenvolver-se em culturas de todo o tipo. Não tem tempo para a ambiguidade ou múltipla interpretação ou identidade. É a recusa de diálogo num mundo onde a paz e a continuidade dependem dele. O fundamentalismo é filho da globalização, tanta a utiliza (uso das tecnologias da comunicação), como lhe responde. Qualquer que seja a sua face (religioso, étnico, nacionalista), é problemático. Baseia-se com a possibilidade da violência, inimiga dos valores cosmopolitas. Mas também põe questões à globalização, como se podemos viver num mundo em que nada é sagrado. Cosmopolitas como Giddens exigem que a tolerância e o diálogo sejam conduzidos por valores universais. Todos devemos ter valores a defender, mesmo quando estão pouco estimulados ou ameaçados. 13
  • 14. Capítulo IV – Família De entre todas as mudanças actualmente em curso no mundo nenhuma é mais importante e provavelmente mais difícil do que aquelas que se passam na nossa vida pessoal – na sexualidade, nas relações, no casamento e na família. Por todo o mundo ocorre uma revolução no modo como estabelecemos relações com os outros, com diferentes avanços em diferentes regiões e culturas e com muitas resistências, mas não sabemos qual será a proporção de vantagens e problemas deste tipo. Há poucos países onde não se esteja a dar uma intensa discussão sobre a igualdade sexual, o regulamento da sexualidade e o futuro da família. E onde não há debate, é porque este é reprimido por governos autoritários ou grupos fundamentalistas. As transformações que afectam o lado pessoal e emocional (ou sejam as questões familiares) ultrapassam as fronteiras, variam apenas em intensidade e de acordo com o contexto cultural. Na China existe um grande debate quanto à protecção da família e no Ocidente o caso é ainda mais grave – a família serve de lugar de conflito entre tradição e modernidade, mas é também uma metáfora desses conflitos. Como a família sempre foi conotada como um abrigo, há políticos e activistas que alertam para o enfraquecimento da família e para a necessidade de um regresso à família tradicional, mas este é um conceito muito abrangente – já existiram muitos tipos diferentes de família em diferente sociedades e culturas. Apesar disso, a família nos períodos pré- modernos tem alguns traços comuns independentemente do espaço. Na família tradicional, – acima de tudo uma unidade económica – a produção agrícola normalmente envolvia toda a família, enquanto que nas classes mais altas a transmissão de propriedade era base do casamento. Na Europa medieval não se contraía casamento pelo amor, nem era uma instituição que protegesse tal sentimento. É intrínseca à família tradicional a desigualdade entre homem e mulher, que se repercutia na vida sexual, directamente relacionada com a necessidade de assegurar a continuidade da linhagem e a herança. Os homens davam importância ao facto de as suas mulheres serem as mães dos seus filhos e a virgindade (nas raparigas) e a fidelidade (nas esposas) era louvada – importância da virtude feminina. Para além das mulheres, também as crianças sentiam a falta de direitos. A ideia de se estabelecer em lei os direitos infantis é relativamente recente. As crianças eram educadas com vista só à satisfação dos pais, quase não eram vistas como indivíduos – não é amor dos pais a eles que está em causa, mas sim a contribuição para as actividades económicas que os filhos proporcionavam. A taxa de mortalidade infantil era assustadora. Excepto para alguns grupos de elite, na família tradicional a sexualidade foi sempre dominada pela reprodução, facto combinado pela tradição e natureza, devido também à inexistência de contraceptivos eficazes. Este carácter da sexualidade possuía uma visão dupla da 14
  • 15. sexualidade feminina – uma divisão entre a mulher virtuosa e a libertina. Já a aventura sexual era uma característica valorizada no sexo masculino em muitas culturas, inaceitável para o sexo feminino, mesmo nos cargos mais altos. As atitudes quanto à homossexualidade também eram conduzidas por um misto de tradição e natureza. Pesquisas antropológicas mostram que a homossexualidade era tolerada. As sociedades hostis a este tipo de sexualidade condenaram-na como não-natural, com atitudes mais extremas no Ocidente. Claro que o antagonismo à homossexualidade e a visão dupla do carácter feminino (tanto por mulheres como por homens, no caso deste último), continuam. Apesar disso, nas últimas décadas os elementos fundamentais da nossa sexualidade mudaram, dos quais a separação desta da reprodução é uma das mudanças principais – a sexualidade é pela primeira vez algo a ser moldado, agora tem pouca conexão com o casamento e a legitimidade. Também a crescente aceitação da homossexualidade, influenciada pela tolerância liberal, é um resultado desta separação. A chamada família tradicional é o que nos anos 50 era já uma família numa das últimas fases transitórias da evolução da família – a percentagem de mulheres a trabalhar fora ainda era relativamente baixa e o divórcio era muito difícil de obter. Mesmo assim, nessa época já havia mais igualdade entre os sexos, tanto na realidade como nas leis. A família deixou de ser uma entidade económica e o amor como a base para o casamento substituiu o contracto económico. Desde então a família mudou muito mais. Variando de sociedade para sociedade esta tendência é testemunhada quase em todo o lado. Só uma minoria das pessoas hoje vive naquilo que se poderá chamar de família standard dos anos 50 (ambos os pais vivem juntos com os seus filhos, a mãe é doméstica e o pai o ganha-pão). Hoje ocorrem muitos mais nascimentos fora do casamento e a proporção de pessoas a viver sozinhas disparou. Em alguns países desenvolvidos o casamento continua a ser muito popular, mas uma percentagem importante de mulheres não pretende ter filhos. Em todos os países continua a existir diversidade de estruturas familiares. O casamento e a família tornaram-se “instituições concha” (ainda têm o mesmo nome, mas por dentro o seu carácter mudou). Na família tradicional o casal era apenas uma parte da família. O casal de hoje, casado ou não, é o centro da família, já que o carácter económico diminuiu consideravelmente e o amor/atracção sexual tornou-se a base para os laços matrimoniais. A família é uma unidade baseada na intimidade ou na comunicação emocional, noção muito recente. Isto representa uma grande transição – formar pares e desfazê-los dá-nos uma descrição mais exacta do campo da vida pessoal do que “o casamento e a família”. Antes do fim dos anos 60 ninguém falava de relações, pois o casamento era uma obrigação, um estado natural. Apesar de ainda ser visto como uma condição normal, o significado do casamento 15
  • 16. mudou completamente – agora significa que um par tem uma relação estável e jura prolongá-la. A posição das crianças é, com isto tudo, interessante e paradoxal – a nossa atitude quanto a elas mudou completamente nas últimas gerações – valorizamos as crianças porque se tornaram mais raras, por um lado e porque a decisão de ter um filho é muito diferente do que era há algumas gerações, por outro. Nos países ocidentais uma criança já não é um contributo económico, mas sim uma carga económica para os pais – é uma decisão feita por necessidades psicológicas e emocionais. Há uma preocupação muito maior quanto à protecção das crianças. Há três áreas principais, nas quais a comunicação emocional (intimidade) está a substituir os antigos laços que costumavam unir as vidas pessoais – nas relações amorosas e sexuais, nas relações pais-filho e também na amizade. Giddens analisa estes factos segundo a ideia da “relação pura” (baseada na comunicação emocional, na qual as recompensas derivadas de tal relação são o motivo principal para a própria continuar). A relação pura tem dinâmicas bastante diferentes daquelas que definem os laços sociais – depende do processo da confiança activa (abrir- se ao outro). A relação pura é implicitamente democrática. A boa relação é um ideal – a maioria das relações quotidianas não são muito próximas. Uma boa relação é uma relação de igual para igual, na qual cada um tem os seus direitos e obrigações. Nela, cada pessoa tem respeito e quer o melhor para a outra. A relação é baseada na comunicação, essencial entender o ponto de vista do outro. Finalmente numa boa relação não pode haver poder arbitrário, pressão ou violência. Cada uma destas qualidades está de acordo com os princípios da política democrática. Quando aplicamos estes princípios às relações falamos de algo muito importante – a emergência daquilo a que Giddens chama democracia de emoções da vida quotidiana, que lhe parece tão importante quanto a democracia pública para melhorar a qualidade das nossas vidas. Tanto se aplica às relações pais-filho como a outras. Neste ultimo tipo de relações, os pais devem ter autoridade sobre os filhos para interesse de todos, apesar de terem de praticar o princípio da igualdade, presente num contracto implícito. Nas famílias tradicionais não se esperava que as crianças respondessem. Mas na democracia de emoções as crianças devem ser capazes de responder, o que não implica a falta de disciplina ou de respeito, simplesmente tenta pô-los numa base diferente. A democracia de emoções não estabelece diferença de princípios entre heterossexuais e relações do mesmo sexo. Os homossexuais não podiam estabelecer relações segundo os suportes heterossexuais. Amparar a democracia emocional não significa abdicar das obrigações familiares ou públicas perante a família, mas sim a sua aceitação. A protecção infantil deve ser a característica principal da política pública (cuidar dos filhos até à idade adulta). Uma questão a pôr aos assuntos referidos, como refere Giddens, é que se referiu quase somente às tendências nos países ocidentais. E onde a família tradicional ainda permanece praticamente intacta? Será que as 16
  • 17. mudanças no ocidente se tornarão cada vez mais globais? Giddens pensa que sim, não é uma questão sobre se vão mudar, mas quando vão e como. Vai mais longe – a democracia de emoções está na linha da frente na luta entre cosmopolitismo e fundamentalismo. Muitos dos valores do primeiro são o anátema para o segundo (igualdade entre sexos, liberdade sexual feminina). Temos muito que nos preocupar com o estado da família no Ocidente e noutros lugares. É errado dizer que qualquer estrutura e forma familiares são tão acertadas como outras, assim como dizer que o declínio da família tradicional é um desastre. O regresso à família tradicional e à desigualdade de papéis não é a solução. Por vezes a persistência desta ou de alguns aspectos é ainda mais preocupante, já que só a sua mudança permitirá a igualdade e a educação das mulheres, indispensável para o desenvolvimento dos países mais pobres. Capítulo V – Democracia A televisão teve um papel importante no derrube do Muro de Berlim, assim como noutras transformações na Europa de Leste em 1989. A força condutora destas revoluções foi a democracia e a sua expansão foi extremamente influenciada no período recente pelo avanço dos meios de comunicação globais. Há poucos estados no mundo hoje que não se autodenominam democráticos, mesmo alguns que na realidade não são. O que é a democracia? É uma questão controversa e há muitas interpretações – envolve competição entre diferentes partidos e posições de poder. Há nela eleições livres e justas, nas quais toda a população deve participar, juntamente com a liberdade civil (liberdade de expressão e discussão, assim como a de associação e de partidos políticos). Há diferentes formas de democracia, assim como diferentes níveis de democratização. As ideias democráticas foram a inspiração das revoluções americana e francesa, mas durante muito tempo o seu domínio foi limitado (só uma parte da população tinha o direito de voto). A democracia no Ocidente só atingiu um alto nível de desenvolvimento no século XX. Chegou a alguns países europeus para depois cair (dos anos 30 aos 70). Sem contar com a Europa, a América Norte e a Oceânia, havia poucos países com democracia duradoura. Nas últimas décadas, grande parte desta situação mudou. Desde meados dos anos 70 o número de estados democráticos aumentou mais do dobro, enquanto os países já democráticos conservaram as suas instituições democráticas. Houve uma vaga de democratização na Europa Mediterrânica e nos anos 70, em grande parte da Ásia (com alguns retrocessos) e na América Central e do Sul nos anos 80. A democratização dos países do Leste Europeu pós-1989 e outros antigos estados soviéticos foi seguida por alguns países africanos. Apesar disso, alguns estados não alcançaram a democratização completa, como a Rússia. Outros voltaram simplesmente à democracia que já tinham tido antes. 17
  • 18. A democracia avançou quase tanto desde os anos 60 quanto desde um século antes desse período. Porquê? – Uma resposta possível parte daqueles que reclamam uma visão triunfalista da combinação da democracia ocidental e do mercado livre. Mas houve outros sistemas tentaram esta formula e falharam. Contudo, a democracia ganha porque é o melhor sistema e é isso que a maioria dos países não-ocidentais demorou a perceber. Mas é também certo que com as últimas vagas de democratização, esta revelou as suas inadequações. Para uma melhor explicação precisamos de resolver aquilo que Giddens chama do “paradoxo da democracia” – ao passo que a democracia se expande a nível global, nas democracias maduras, cujos sistemas, supostamente, deviam ser copiados pelo resto do mundo, existe uma desilusão generalizada com os processos democráticos – o nível de confiança nos políticos decresceu, menos pessoas vão votar, uma maior parte da população não se mostra interessada nos assuntos parlamentares, particularmente os jovens. As mudanças que Giddens expõe explicam isto: -a vida já não é vivida como uma fatalidade, está relativamente determinada; -com a inexistência de regimes autoritários, passou a existir a necessidade de flexibilidade e dinamismo para se ser competitivo numa economia global. Quanto a este último ponto, com uma economia global baseada no poder da comunicação, nas economias centralizadas não se pôde suportar certas condições (a necessidade de flexibilidade e a descentralização), espelhando-se essas transformações na política (não continuou o controlo da informação, com a qual se fazia perdurar os sistemas políticos). Nos eventos da Europa de Leste em 1989 houve pouca violência e um sistema aparentemente implacável desvaneceu-se rapidamente, assim como o Apartheid na África do Sul. A revolução das comunicações produziu cidadãos mais activos e capazes de reflectir por si próprios. Estes mesmos efeitos levam à perda de afeição com as democracias maduras. Num mundo onde há uma queda da tradição, os políticos não podem confiar nas antigas formas políticas para justificar as suas acções. Devemos aceitar o facto de as instituições democráticas estarem a perder importância mesmo quando o sistema democrático parece desenvolver-se mais que nunca. Estatísticas sobre a confiança nos políticos feitas em países ocidentais revelam respostas interessantes: a população perdeu uma importante parte da confiança que tinham nos políticos e nos métodos democráticos ortodoxos, mas não perderam a fé nos processos democráticos. E ao contrário do que se poderia pensar, as pessoas não estão a perder interesse na política, mas exactamente o contrário, incluindo as gerações novas. O que acontece com estes últimos é que estão mais cínicos quanto às promessas dos políticos e acham que há questões em que os políticos têm pouco a dizer. Muitos acham a política corrupta e pensam que as questões mais importantes são as relacionadas com o ambiente, os direitos humanos, a política familiar e a liberdade sexual. Quanto ao domínio económico não acham que os 18
  • 19. políticos sejam capazes de lidar com as forças que fazem mover o mundo. Não nos surpreendemos quando os activistas põem a sua energia nos grupos de interesses, já que lutam pelo que as políticas ortodoxas parecem não conseguir cumprir. Como pode prosseguir uma democracia e um governo que parece ter perdido o controlo dos acontecimentos. Giddens pensa que há uma resposta: é necessário um aprofundar da democracia nos próprios países democráticos, a que se poderá chamar de democratização da democracia. Mas a democracia hoje também necessita de ser transnacional. Precisamos de uma democratização tanto abaixo como acima do nível da nação, numa era global que exige respostas globais. É necessário um aprofundar da democracia, porque os velhos mecanismos da sociedade não resultam quando os cidadãos têm acesso a tanta informação como aqueles no poder. Claro que os sistemas democráticos ocidentais nunca tiveram tantos secretismos quanto os estados autoritários, mas nalguns contextos tiveram-nos. Por vezes fazem uso de símbolos que não são completamente democráticos e as tradições uma vez veneráveis perdem o seu valor. Não espanta que tenham havido tantos casos de corrupção nos últimos anos. Giddens duvida que a corrupção seja mais comum nos países democráticos, já que a amplitude dos media é mais visível e as fronteiras do que pode ser definido como corrupção mudaram. A democratização da democracia tomará diferentes formas nos diferentes países, consoante o seu contexto. Não há país tão avançado que possa prescindir dela. Significa uma efectiva devolução de poder onde foi este extremamente concentrado a nível nacional – quer dizer ter medidas anti-corrupção eficazes. Muitas vezes também implica reformas constitucionais e a promoção de uma maior transparência na política. Também nos devemos preparar para procedimentos democráticos alternativos, especialmente aqueles que possam tornar o processo de tomada de decisões mais próximo das preocupações dos cidadãos, como o sistema de júri ou os referendos electrónicos. Os partidos políticos terão que se habitar a colaborar mais com grupos relacionados apenas com uma questão, como os grupos de pressão ecologistas. Muitos vêem a sociedade contemporânea como fragmentada e desorganizada, mas a verdade é precisamente a oposta – as pessoas envolvem-se mais em grupos e associações do que dantes. Estes grupos de questão única estão frequentemente na linha da frente quanto ao levantar de questões que possam ser ignoradas pelos círculos políticos ortodoxos até ser demasiado tarde. A democratização da democracia também depende da ajuda de uma forte cultura cívica. Nem o mercado, nem o pluralismo de certos grupos de interesse podem produzir cultura. Não podemos pensar que só há dois sectores da sociedade – o Estado e o mercado, o público e o privado. No meio está a sociedade civil, incluindo a família e outras instituições não-económicas. A sociedade civil é a área onde as atitudes democráticas têm que ser estimuladas, incluindo 19
  • 20. a tolerância. A esfera cívica pode ser estimulada pelo governo, mas é a sua base cultural, por outro lado. A democratização da democracia não é apenas relevante nas democracias maduras, mas pode ajudar a construir as instituições democráticas onde estas são fracas. Uma democracia em bom funcionamento tem de equilibrar o peso do governo, da economia e da sociedade civil. Se um se sobrepor aos outros, gerar-se-ão consequências negativas. Não podemos deixar os media fora desta conjuntura, particularmente a TV. Estes têm uma dupla relação com a democracia: -a emergência da sociedade de informação global é uma força democratizante; -a televisão e os outros meios de comunicação têm a tendência para destruir o verdadeiro espaço de diálogo que eles próprios abriram, através de uma trivialidade das questões políticas. Para além disso, o crescimento das companhias multinacionais de meios de comunicação e os magnatas económicos detêm um enorme poder. Opor-se ao poder referido não pode ser uma questão de política nacional apenas. Até agora, as politicas democráticas presumiam uma comunidade nacional que fosse capaz de se autogovernar e controlar a maioria das questões relacionadas esse autogoverno. Mas com a globalização, a soberania dos estados torna-se confusa e não tão eficaz. Entre as mais importantes falhas democráticas, estão algumas forças globais que afectam a vida dos cidadãos, – riscos ecológicos, flutuações na economia global ou a mudança tecnológica - que não respeitam as fronteiras das nações e escapam aos processos democráticos – uma das razões para o declínio da atracção da democracia onde está mais enraizado. Falar de democracia acima do nível da nação pode parecer irrealista. Contudo, o mundo é muito mais interdependente do que há um século atrás e a natureza da sociedade mundial mudou. O outro lado da moeda tem que ver com os problemas que partilhamos hoje em dia, que são muito maiores. Como se pode ajudar a democracia acima do nível da nação-estado, particularmente em organizações transnacionais e internacionais? Os EUA são uma associação de nações-estado. A União Europeia (UE) é diferente e está a criar um modelo que poderá ser seguido noutras partes do mundo. A UE é pioneira na sua forma de governo transnacional – não é um super-estado ou um estado federado nem uma mera associação de países. Os países da UE escolheram perder parte da sua soberania para entrar nela. Hoje a própria UE não é particularmente democrática – a UE não cumpre os critérios democráticos que ela própria exige dos seus membros. Apesar disso não há nada que impeça a sua democratização futura. A existência da UE faz-nos chegar a um princípio fundamental da democracia, quando vista no quadro da ordem global – o sistema transnacional pode contribuir para a democracia dentro dos estados assim como entre eles. 20
  • 21. Podemos olhar para o mundo com optimismo e pessimismo em medidas aproximadas. Se por um lado a democracia se expande, ela própria parece frágil. Apesar desta expansão, continuam a abundar os regimes opressivos e o desrespeito pelos direitos humanos. Pensa-se em muitos problemas como intratáveis e sem resolução. Nas sociedades com pouca história democrática, a democracia parece ter raízes frágeis e pode acabar-se com ela facilmente. Contudo devemos olhar para ela como algo que pode nascer em terreno infértil. A expansão da democracia está relacionada com mudanças estruturais na sociedade mundial. O avanço da democracia é um trabalho pelo qual vale a pena lutar. Este mundo que nos escapa não necessita de menos, mas governo, o que só as instituições democráticas podem fornecer. Conclusão Com esta obra de Anthony Giddens podemos compreender porque ele se refere ao mundo actual como algo que nos escapa (“runaway world”), pois ao estar cada parte do globo mais interligada às outras, menos são os acontecimentos que uma nação, sociedade, colectividade ou mesmo um indivíduo podem controlar. Assim tratada, a globalização não é apenas um fenómeno económico ou afecta apenas as grandes empresas, mas uma transformação profunda em praticamente todos os campos da nossa vida. Deste modo a democracia não se aplica apenas ao sistema político de um pais, mas integra a essência do modo de vida dos cidadãos, relacionando-se com a família e a tradição, numa troca de influências recíprocas. Giddens desmistifica muitos dos mitos relacionados com a globalização como o de apenas servir para prejudicar os mais pobres ou 21
  • 22. da perda total de poder das nações, enquanto introduz ou usa novos conceitos como “instituições-concha”, “democratização da democracia” ou mesmo a ideia específica de risco, uma característica essencial da sociedade contemporânea, movida pela necessidade de calcular o futuro, com todas as consequências dessa actuação. Por outro lado, o conceito de tradição é em grande parte reformulado em relação à sociedade global – muitos delas são “inventadas” e as tendências globais tendem a suprimir muitas das tradições. Também a democracia precisa de um aprofundamento devido ao descrédito dos cidadãos. Outro domínio essencial em total transformação e talvez o mais importante, porque o mais pessoal e cujos os próprios fundamentos mais mudaram, é a família. Com todas estas implicações em domínios com que nos confrontamos no quotidiano, compreendemos porque Giddens afirma que “a globalização é o modo como vivemos hoje”. Bibliografia • Giddens, Anthony, Runaway World – How Globalisation is Reshaping our Lives (New Edition), 1999, 2002, Londres, Profile Books 22
  • 23. 23