O documento descreve a ascensão de Armando Vara de um jovem trabalhador em Bragança a um influente político socialista em Portugal. Começou trabalhando em uma loja têxtil aos 14 anos e logo se envolveu na política após a revolução de 1974. Sua habilidade com pessoas e trabalho árduo o levaram a cargos mais altos no Partido Socialista até se tornar ministro. No entanto, ele acabou caindo em desgraça e enfrentando acusações de corrupção.
- PDT LANÇA CIRO GOMES COMO CANDIDATO A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
- CORRUPÇÃO NO SAMBA EM MARICÁ
- JANETE VALADÃO: O NOME PARA QUALIFICAR NOSSO LEGISLATIVO
- VOZES DA RUA
- SONHAR NÃO CUSTA NADA
- REPÓRTER ET
- PROCURADOR DA PREFEITURA MANDA PREFEITO PAGAR O QUE DEVE A COSTA LESTE E A AMPARO
- MEMÓRIA NACIONAL
- A SAÚDE PEDE SOCORRO
- EMIRA RAMOS É A VENCEDORA DO XVII FESTIVAL NACIONAL DE VOZ E VIOLÃO
O tempo foge-nos a sete pés, as memórias que ainda resistem devemos escrever porque essa é a forma do preservar e quem atrás venha, fique com um quadro umas vezes duro outras simplesmente delicioso.
Viajar na BARCAÇA ao sabor da corrente, com a força dos braços e ajuda algumas vezes da corda que ligava as duas margens, não era pera doce. Ainda o sol não tinha nascido e na volta já o sol se tinha posto, era assim o dia a dia da faina agrícola.
Lá longe na torre da igreja o sino dava as badaladas que orientavam os capatazes e ao domingo o toque da sirene avisa do meio-dia.
O tempo foge-nos a sete pés, as memórias que ainda resistem devemos escrever porque essa é a forma do preservar e quem atrás venha, fique com um quadro umas vezes duro outras simplesmente delicioso.
O tempo foge-nos a sete pés, as memórias que ainda resistem devemos escrever porque essa é a forma do preservar e quem atrás venha, fique com um quadro umas vezes duro outras simplesmente delicioso.
Viajar na BARCAÇA ao sabor da corrente, com a força dos braços e ajuda algumas vezes da corda que ligava as duas margens, não era pera doce. Ainda o sol não tinha nascido e na volta já o sol se tinha posto, era assim o dia a dia da faina agrícola.
- PDT LANÇA CIRO GOMES COMO CANDIDATO A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
- CORRUPÇÃO NO SAMBA EM MARICÁ
- JANETE VALADÃO: O NOME PARA QUALIFICAR NOSSO LEGISLATIVO
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- SONHAR NÃO CUSTA NADA
- REPÓRTER ET
- PROCURADOR DA PREFEITURA MANDA PREFEITO PAGAR O QUE DEVE A COSTA LESTE E A AMPARO
- MEMÓRIA NACIONAL
- A SAÚDE PEDE SOCORRO
- EMIRA RAMOS É A VENCEDORA DO XVII FESTIVAL NACIONAL DE VOZ E VIOLÃO
O tempo foge-nos a sete pés, as memórias que ainda resistem devemos escrever porque essa é a forma do preservar e quem atrás venha, fique com um quadro umas vezes duro outras simplesmente delicioso.
Viajar na BARCAÇA ao sabor da corrente, com a força dos braços e ajuda algumas vezes da corda que ligava as duas margens, não era pera doce. Ainda o sol não tinha nascido e na volta já o sol se tinha posto, era assim o dia a dia da faina agrícola.
Lá longe na torre da igreja o sino dava as badaladas que orientavam os capatazes e ao domingo o toque da sirene avisa do meio-dia.
O tempo foge-nos a sete pés, as memórias que ainda resistem devemos escrever porque essa é a forma do preservar e quem atrás venha, fique com um quadro umas vezes duro outras simplesmente delicioso.
O tempo foge-nos a sete pés, as memórias que ainda resistem devemos escrever porque essa é a forma do preservar e quem atrás venha, fique com um quadro umas vezes duro outras simplesmente delicioso.
Viajar na BARCAÇA ao sabor da corrente, com a força dos braços e ajuda algumas vezes da corda que ligava as duas margens, não era pera doce. Ainda o sol não tinha nascido e na volta já o sol se tinha posto, era assim o dia a dia da faina agrícola.
Determina os horários de funcionamento dos estabelecimentos autorizados a funcionar
24 horas e dos postos de abastecimento de combustíveis na Área Metropolitana de
Lisboa.
Limpeza e desinfeção de superfícies em ambiente escolar
Vara desde pequenino
1. Vinte anos separam o miúdo de Vinhais do influente socialista, o bancário de
província do importante banqueiro. A vida do homem que esteve no topo e que
desce agora ao inferno.
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1. O rapaz “certinho”, com boa conversa, da Casa das Malhas
2. Ascensão meteórica (no partido e na vida)
3. O balcão do Mogadouro
4. O amigo Sócrates
5. A catadupa de eleições em 1985 e o jornal que fundou
6. Guterres visita de casa e ‘pai’ do governante Vara
7. Sobe a ministro e desce ao inferno
8. A última derrota política e o “salto à Vara”
9. De bancário a banqueiro
10. Uma escolha que dava “conforto” a Teixeira dos Santos
11. Como e por quem chegou Vale do Lobo à Caixa
12. Um grande negócio ou um buraco?
13. O “assalto ao BCP” e os negócios que mais perdas deram à Caixa
14. O “choque” pela condenação
15. O “pesadelo” da caixa de robalos
16. A prisão preventiva e a acusação na Operação Marquês
O rapaz “certinho”, com boa conversa,
da Casa das Malhas
Era pouco mais do que um miúdo quando deixou o sossego de Vinhais, vila no
nordeste transmontano a cerca de 20 quilómetros da raia galega, para tentar a
sua sorte na cidade grande. Portugal estava, sem saber, a uma meia dúzia de
anos da democracia, era Marcello Caetano presidente do Conselho, liderava um
país atrasado e, naquela região, marcadamente rural. Em Bragança estavam,
claro, as oportunidades para o rapaz que crescera a saltar de aldeia em aldeia
pelo distrito, em brincadeiras de miúdos — e que tinha agora pressa em dar
saltos bem mais altos.
Era o mais velho dos três descendentes dos Martins Vara, família humilde que
vivia em Vinhais. A mãe era doméstica, o pai carpinteiro e Armando António
tinha um bom par de braços e cabeça ajuizada — “era certinho”, como o
descreve um amigo — para começar a contribuir para os gastos e fazer o seu
caminho. Saía todos os dias da vila para trabalhar em Bragança, conta a amiga
de infância Mariana Araújo. Aos 14, 15 anos lá ia ele a atravessar o empedrado
da Praça da Sé para se pôr atrás do balcão da Casa das Malhas. Foi entre malhas
e têxteis que começou a ganhar uns tostões e, por arrasto, a travar
conhecimento com as pessoas da terra.
2. Aos 14, 15 anos lá ia ele a atravessar o empedrado da Praça da Sé para se pôr
atrás do balcão da Casa das Malhas. Foi entre malhas e têxteis, que o rapaz
começou a ganhar uns tostões e, por arrasto, a travar conhecimento com as
gentes da terra.
Começava ali a caminhada de Armando Vara, o rapaz de “origens humildes que
se fez a pulso”, como o descreve o seu amigo de há mais de 30 anos Luís Patrão.
É visto, por quem com ele foi privando ao longo da vida mais ou menos pública,
como fácil na conversa e hábil nas relações humanas, “em estabelecer uma boa
rede”, como resume ao Observador um socialista que preferiu não ser
identificado. É, como se sabe, qualidade preciosa no meio político onde Vara
entrou logo a seguir ao 25 de abril. Começou pela JS e como funcionário do PS.
“Abria e fechava as portas da sede”, conta um amigo de Bragança.
Esta é, assim, a história do rapaz que começou na política a abrir e fechar portas
até se tornar no influente socialista que continuava a abri-las, mas a um outro
nível. Para ele, agora, vai fechar-se uma outra porta, bem pesada.
Ascensão meteórica (no partido e na
vida)
A ascensão “a pulso” nem levou muitos anos a consumar-se. Da Casa das
Malhas à Caixa Geral de Depósitos, passando pelo célebre balcão do
Mogadouro, à liderança do PS Bragança e ao Governo, distam só umas três
décadas. Pelo meio, nem 20 anos até entrar no Parlamento como deputado
efetivo. Entre 1994, ano antes de chegar ao Governo, e 2010, quando saiu do
BCP, o seu rendimento aumentou mais de 1200%: “Passou de uma remuneração
do trabalho dependente, em conjunto com a sua então mulher, de 59.486 euros,
em 1994, para um rendimento individual de 822.193 euros, em 2010”, lê-se no
livro Como os Políticos Enriquecem em Portugal, depois da analisadas as
declarações de rendimentos de Vara.
Luís Patrão garante que nunca foi isso que o moveu. “É uma das pessoa mais
desapegadas que eu conheci na vida. Nunca lhe encontrei estima pelo dinheiro.
A preocupação dele foi sempre a de realizar coisas e resolver problemas”. Outro
socialista, que não quis ser identificado, garante que “teve uma ascensão pela
perseverança” e acrescenta: “É um mobilizador”.
Entre 1994, ano antes de chegar ao Governo, e 2010, quando saiu do BCP, o
seu rendimento aumentou mais de 1200%: "Passou de uma remuneração do
trabalho dependente, em conjunto com a sua então mulher, de 59.486 euros,
em 1994, para um rendimento individual de 822.193 euros, em 2010".
Certo é que foram estas as características que rapidamente o fizeram destacar-se
na JS, onde entrou deslumbrado pela palavra de Mário Soares, que nessa altura
estava longe de saber que, algures em Bragança, estaria um “grande líder
distrital”, como haveria de chamar a Vara. Na década de 70, ainda prosseguiu os
estudos no Liceu Nacional de Bragança, mas o trabalho e a intensa atividade
partidária acabaram por deixar a escola em stand by. Entre 1977 e o início da
3. década de 80, foi diretor da casa da Cultura de Juventude de Bragança (do
antecessor do IPJ, o Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, FAOJ) e também
coordenador regional da Fundação José Fontana (do Partido Socialista), sendo
o responsável pelos programas de formação de adultos.
Vara entrou na JS deslumbrado pela palavra de Mário Soares
Dizem que era bom de contas — dava até apoio na contabilidade de uma oficina
de automóveis —, mas a amiga Mariana lembra-se antes de um episódio mais
das letras (e da verve). Um dia, encontraram-se junto ao café Flórida, no centro
da cidade, para irem fazer o exame de Filosofia ao Liceu Nacional de Bragança.
A amiga, hoje professora, ia preocupada, não tinha estudado nada. Fizeram a
prova: ele passou, ela não. “Ele mesmo não estudando muito, só a forma como
escrevia…”
Era convincente e incansável. Só depois dos 20 concluiu o 12.º, no curso
noturno no liceu. Ainda entrou em Filosofia na Universidade Nova de Lisboa,
mas, nessa altura, já o Parlamento em Lisboa chamava por ele e a universidade
ficou para trás. O caminho até São Bento fê-lo à conta do dinamismo que ia
imprimindo ao PS, num distrito onde o partido contava pouco mais de nada.
Prova da sua força é que em 1981, quando o amigo Luís Patrão o chamou para
número dois da sua lista à liderança da JS (António Costa era número 4), o
jovem nascido em Lagarelhos, Vinhais, já era membro da Comissão Nacional da
JS desde 1978. Acabaram por perder contra a lista liderada por Margarida
Marques, a ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeus. Mas esta já não era
a primeira derrota que Vara experimentava. Dois congressos antes desse,
também esteve na lista que perdeu contra Arons de Carvalho.
4. O balcão do Mogadouro
Os anos que se seguiram foram decisivos para a sua carreira política — e não só.
Ia até Lisboa sempre que havia reuniões partidárias. Em Bragança tinha a
família e os amigos de sempre e também já a mulher, Isabel.
Não consta que, quando casaram, tivessem cumprido a tradição de Lagarelhos,
de visitar o castanheiro milenar — já classificado de “interesse público” — para
abençoar a união, mas a benção-maior chegou na mesma, pouco depois, em
1978: a primeira filha, Bárbara. Os três paravam muitas vezes, no início da
década de 80, no emblemático edifício redondo, da Praça da Sé, onde se
instalara, desde os tempos da implantação da República, um centro cultural e de
convívio, o Clube de Bragança. Quem o conta é Teófilo Vaz, jornalista que
chegou a ser presidente da concelhia local e é também amigo de Vara. Ali se
passava o serão, entre a biblioteca, a secção de xadrez e o vídeoclube. Convivia-
se, trocavam-se ideias, estreitavam-se laços e tomava-se o pulso local.
Nessa fase, Vara já estava lançado na atividade partidária. “Era o dinamizador
do funcionamento do partido”, diz Teófilo Vaz, que assume que, no distrito, o PS
“dependia muito da atividade que ele conseguisse fazer, passava o tempo a
circular pelas sedes do concelho”. Em 1980, tinha apoiado a candidatura do
general Ramalho Eanes à Presidência da República, tal como fizeram muitos
socialistas, dinamizando as ações no terreno. Coordenou todas as atividades de
campanha a nível distrital, segundo contou ele mesmo numa entrevista ao
jornal regional A Voz do Nordeste, em 1985.
Mas apesar de ser Vara a comandar as tropas em Bragança, o jornalista do
jornal Nordeste também garante que o socialista “não mostrava pretensão de
chegar ao topo”, isto é, de liderar a distrital. Nas eleições de 1983 — que o PS de
Soares venceu, embora tendo de se juntar ao PSD, no Bloco Central, para
governar — era o número dois da lista por Bragança encabeçada por Amadeu
Pires. Não foi eleito. Depois, na escolha do sucessor de Soares como líder do
partido, em 1986, ficou ao lado de uma minoria, os apoiantes de Jaime Gama (o
candidato do PS mais tradicional) que eram descritos como “apenas quatro,
cabiam num táxi”, como recorda Luís Patrão. Do outro lado estava a
candidatura de Vítor Constâncio (mais à esquerda), que acabou por vencer.
O controlo do aparelho naquelas zonas já ninguém lho tirava. E passou a ser
total quando o deputado eleito pela região, Amadeu Pires, saiu para o IAPMEI
e Vara o substituiu no Parlamento. Armando Vara chegou depois à liderança do
PS-Bragança e, em 1985, concorreu como cabeça de lista do distrito, sendo
eleito deputado.
Na campanha interna, Vara “foi um dos homens do terreno, responsável pela
zona da Beira Alta e Trás-os-Montes”, conta outro socialista. Voltava a estar ao
lado de um candidato derrotado, mas o controlo do aparelho naquelas zonas já
ninguém lho tirava. E passou a ser total quando o deputado eleito pela região,
Amadeu Pires, saiu para o IAPMEI e Vara o substituiu no Parlamento, na
segunda sessão legislativa dessa legislatura.
5. No primeiro registo biográfico que entregou na Assembleia da República, o
socialista colocou a frequência do 1.º ano de licenciatura em Filosofia, na
faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi mais
extenso nas linhas em que expôs as funções públicas, políticas ou particulares
que desempenhava: secretário-coordenador da Federação Distrital de Bragança
do PS e membro da Comissão Nacional do partido, membro da Assembleia
Municipal de Bragança e presidente da direção da cooperativa de habitação “O
lar transmontano”. Na altura, declarou como profissão ser “monitor”, pelas
atividades que desempenhara na FAOJ e na Fundação José Fontana.
6. Entretanto, Armando Vara chegou à liderança do PS-Bragança e, em 1985, já
concorreu como cabeça de lista do distrito, sendo eleito deputado. Tudo isto
aconteceu meia dúzia de meses depois de ter entrado, por concurso, nos
quadros da Caixa Geral de Depósitos, como funcionário de nível 7. Foi para o
balcão da dependência do banco público em Mogadouro e a passagem por ali
acabou por lhe servir para, muitos anos mais tarde, quando ganhou poder na
CGD, argumentar a favor da sua ligação antiga ao setor bancário e ao banco
público. Mas esse é outro capítulo desta história. No registo biográfico que
entregou no Parlamento escreveu, no espaço dedicado à profissão: “func. Caixa
Geral de Depósitos”.
O amigo Sócrates
Foi no início da década de 80 que conheceu, nos meandros socialistas, o
homem que, em 1984, chegou a líder do PS-Castelo Branco: José
Sócrates. Tornaram-se próximos e essa ligação havia de durar muito tempo. Foi
também algures no início dos anos 80, Teófilo Vaz não sabe precisar bem
quando, que lhe apareceu Vara com um amigo que era especialista na área do
ambiente. “Eu era responsável pela biblioteca do liceu e ele pediu-me para fazer
uma sessão com jovens sobre o ambiente”, conta. O amigo de Vara era Sócrates,
que dava os primeiros passos na arena política com esta área à sua
responsabilidade.
Os dois líderes distritais de raízes transmontanas não se largaram mais e foram
dois dos principais responsáveis pela vitória de António Guterres quando este
desafiou a liderança de Jorge Sampaio, em 1991. “É um dos poucos com quem
Sócrates nunca grita”, adianta um socialista.
Estreitaram laços no Parlamento, onde Sócrates chegou dois anos depois de
Vara lá estar — graças à moção de censura do PRD que antecipou legislativas —
e compunham um grupo a que também pertenciam outros deputados como
Edite Estrela, Laurentino Dias ou José Lello. Mas Vara também tinha laços com
outra ala socialista, a de Gama, conservando a proximidade com Miranda Calha,
por exemplo. Era um bon vivant, conta um amigo, bom garfo e frequentador
das diversões noturnas. Era festeiro desde jovem, embora em Vinhais as festas
fossem outras: de aldeia em aldeia a correr as festas de verão do concelho e a
fazer virar cabeças quando chegava montado na sua mota.
Os dois líderes distritais de raízes transmontanas não se largaram mais e
foram dois dos principais responsáveis pela vitória de António Guterres quando
este desafiou a liderança de Jorge Sampaio, em 1991. "É um dos poucos com
quem Sócrates nunca grita", adianta um socialista.
No Parlamento, assinou com José Sócrates o primeiro projeto que este
apresentou, também subscrito pelo deputado Jorge Lacão. Queriam que
passasse a ser proibida a publicação de sondagens durante as campanhas
eleitorais, com excepção dos últimos sete dias. Defendiam também a
constituição de uma autoridade fiscalizadora para “verificar o rigor e a
objetividade da realização e publicação das sondagens de opinião”, explicou
Sócrates do púlpito do plenário da Assembleia da República. Conseguiram a
7. aprovação do projeto, que foi depois ainda trabalhado na especialidade.
Passaram a estar lado a lado nos combates políticos. Um exemplo: escreveram
ao então primeiro-ministro, Cavaco Silva, para o pressionar com a
regionalização.
Quando, em 1988, António Guterres chegou à liderança parlamentar do PS,
Vara saltou para a sua direção. Tal como Sócrates, era vice da bancada socialista
e responsável pelos temas da habitação. Foi um dos ases de Guterres — Sócrates
era outro deles — para a conquista da liderança do partido, anos mais tarde.
Quando, em 1988, Guterres chegou à liderança parlamentar do PS, Vara saltou para a
sua direção. Tal como Sócrates, era vice da bancada
Entre estas correrias políticas, Sócrates e Vara associam-se também no meio
empresarial, juntamente com o socialista Rui Vieira. Em 1990, fundam
a Sovenco – Sociedade de Venda de Combustíveis, Lda, com sede na Reboleira,
Amadora. Foram ter com o camarada socialista António Manuel Simões Costa,
fundador do PS/Lisboa, contou o próprio ao Expresso em 2009, à procura de
apoio para se iniciarem no mundo empresarial — e, de volta, receberam o
desafio: que se juntassem a ele no negócio de representação de pneus, jantes e
compra de terrenos para construção de estações de serviço. Entraram cada um
com 150 contos, participações que aumentariam para 400 contos. A empresa
instalou-se na sede de uma das empresas de José Guilherme, o empreiteiro que
já deu milhões de euros como prenda (a tal “liberalidade”) ao banqueiro Ricardo
Salgado.
A aventura empresarial foi, no entanto, curta. “Ao fim de um ano, vieram ter
comigo e disseram-me que Guterres lhes tinha apresentado um projeto para
ganhar o partido. Respondi-lhes que, se aceitassem, deviam deixar a empresa.
8. Mas, tal como entraram saíram, não fizeram um negócio que fosse e o
património que havia foi o que ficou”, disse também ao Expresso o
empresário. “Sócrates é decidido, mas incapaz de violar princípios; Vara é
voluntarioso e criativo”, lembra ainda sobre os seus sócios nessa fase.
Anos mais tarde, Sócrates haveria de contar uma versão diferente sobre a saída
da empresa: Vara teria deixado de ter confiança nos restantes sócios da
Sovenco – também esses dois sócios se veriam mais tarde a braços com casos na
justiça, mas sem qualquer relação com esta empresa. Um dos sócios era Virgílio
Sobral Sousa que, anos depois, foi condenado a prisão num processo
relacionado com o centro de exames de condução de Tábua. Foi mesmo
considerado “o arquiteto do sistema de corrupção” pelo coletivo de juízes.
Virgílio foi também vereador na Câmara da Amadora, entre 1987 e 1993,
município a que Vara se candidatou como cabeça de lista, em 1991. Perdeu e
ficou como vereador.
A catadupa de eleições em 1985 e o
jornal que fundou
Mas voltemos atrás no tempo. Nas legislativas de 1983, o PS em Bragança deu
um salto para os 30%, ficando a cinco pontos percentuais do PSD e dez pontos
acima do que a Frente Republicana e Socialista tinha conseguido em 1980. O
reconhecimento pelo trabalho local chega ao líder do partido, Soares. A fasquia
estava alta quando Vara vê chegar o ano de 1985 — e, com ele, um ciclo eleitoral
de peso: começava nas autárquicas, passava por legislativas e acabaria, no início
de 1986, nas presidenciais. Era preciso reforçar a estratégia.
Em Bragança, Armando e um grupo de amigos começam a ficar desconfortáveis
com a informação regional. O jornal controlado pela diocese estava “conotado
com a ala mais retrógrada do clero”, conta Teófilo Vaz, recordando que o bispo
D. António José Rafael (que esteve à frente da diocese entre 1979 e 2001) já
tinha criticado Mário Soares. Era preciso arranjar uma alternativa à informação
ali veiculada, ainda para mais numa altura em que os atos eleitorais se
sucederiam.
9. Vara disse numa campanha que Almeida Santos lhe prometera que, se o PS ganhasse as
eleições, Trás-os-Montes iria ter uma região administrativa
César Urbino Rodrigues era jornalista na RDP/Nordeste e, nessa mesma altura,
começava a sentir falta que os seus programas de rádio pudessem ter outra vida,
como, por exemplo, no papel de um jornal. Amigos comuns juntaram a sua
vontade e a de Vara, que só conheceu nessa altura, apesar de também ser
socialista: iam fundar A Voz do Nordeste, um jornal regional com periodicidade
quinzenal. “Ele disse que o PS pagaria os primeiros seis meses do jornal e eu
pensei: ‘Nessa altura já terei receitas para o sustentar'”, recorda-se, em conversa
com o Observador. Avançaram, mas o que aconteceu ficou muito aquém dos
planos iniciais.
Urbino diz que percebeu desde início que existiam entendimentos diferentes
sobre o projeto editorial. “Ele queria uma espécie de Ação Socialista do Vara”,
diz sobre as intenções do socialista. Mesmo assim, acertaram sociedade os
quatro fundadores: César Urbino Rodrigues, Armando Vara, Fernando Peixinho
Rodrigues (também militante socialista) e Fernando Calado. Vara tinha uma
quota de 25% e ainda garantiu, via PS, o pagamento de metade da primeira
edição e metade da segunda edição. “A partir daí, nunca mais pagou”, diz César
Urbino sobre o compromisso assumido por Vara.
Ele queria uma espécie de Ação Socialista do Vara" (...) Vara tinha uma quota
de 25% e ainda garantiu, via PS, o pagamento de metade da primeira edição e
metade da segunda edição. "A partir daí nunca mais pagou", diz César Urbino
sobre o compromisso assumido por Vara.
Deixou garantida, nos primeiros tempos (a partir da quarta edição do jornal), a
impressão a um preço melhor do que o que levava a Tipografia de Bragança. A
Voz do Nordeste era impresso a muitos quilómetros de distância, no Dafundo,
na CEIG, a Cooperativa de Edições e Impressão Gráfica ligada ao Partido
Socialista. Mas Urbino não vergara na sua intenção inicial de ter um jornal sem
cores partidárias e Vara foi-se afastando e até foi criticado pelo jornal, anos mais
tarde, quando já estava no Governo. “Fui sempre muito crítico da partidarização
dos lugares da administração pública”, diz Urbino. Admite ter visto o PS seguir
o mesmo caminho do PSD de Cavaco Silva, por isso manteve a crítica acesa.
Certo é que o primeiro número do jornal tinha uma grande entrevista ao
candidato local do PS às legislativas, Armando Vara, com uma “convicção”: “O
PS vai eleger dois deputados por Bragança”. Lá dentro, o título da entrevista era
que se “o PS ganhar eleições, Trás-os-Montes vai ter uma região
administrativa”, uma promessa que dizia trazer de Almeida Santos.
10. O primeiro número do jornal regional de que Vara era um dos accionistas.
Era Vara já secretário de Estado da Administração Interna, quanto Teófilo Vaz,
então colaborador do jornal, o entrevistou. É o mesmo que o recorda,
garantindo que fez as perguntas que tinha de fazer, embora Vara se mantivesse
como acionista — minoritário, depois de César Urbino ter feito um aumento de
capital que deixou o socialista reduzido a uma quota de 2,5%. Ficou assim até
2007, ano em que Urbino vendeu o jornal.
Quando as legislativas chegaram, o resultado não foi brilhante para o PS no país
e em Bragança também não: 39% do PSD contra 23% do PS. Mas Vara seguiu
para São Bento e passaria mais tempo por Lisboa. A mulher e a filha ficaram em
Bragança. Pelo menos até nascer Mário, o segundo filho do casal.
11. Guterres visita de casa e ‘pai’ do governante
Vara
A amiga Mariana Araújo lembra-se bem do nascimento de Mário, em 1990.
Uma vez foi à casa dos Vara, em Bragança, para visitar a amiga Isabel e o recém-
nascido e, passado um bocado, entrou pela porta o líder parlamentar socialista,
António Guterres. Era figura já de peso no PS e que Armando havia de ajudar a
ascender à liderança dali a dois anos. Estava de passagem pela terra, nas
andanças partidárias, e quis conhecer Mário Jorge — Mário como o pai
fundador socialista e Jorge como Sampaio, o líder do partido de então.
Respirava-se PS naquela casa. “Vivia muito o PS. Era um socialista de coração”,
descreve Mariana.
Vara já trabalhava com Guterres no parlamento. Empenhou-se na batalha
contra Jorge Sampaio de tal forma que, quando começaram a aparecer as
críticas à sua liderança, Sampaio anotou o nome de Vara nos seus cadernos —
como se lê no livro “Jorge Sampaio, Uma biografia Volume II – O Presidente” —
, juntamente com o de José Sócrates, como “vozes críticas” que começavam a
fazer-se ouvir. Nessa altura, 1991, os secretários-coordenadores das federações
estavam maioritariamente já com Guterres. Apenas cinco federações alinhavam
com Sampaio: a de Lisboa, liderada por António Costa, e as de Setúbal,
Coimbra, Vila Real e Madeira. Em 1992, Guterres conquistou o partido e
preparou-se para tomar o país, nas eleições de 1995.
O filho de Vara chama-se Mário Jorge. Mário como Soares; e Jorge como Sampaio, o
líder socialista de então
Foi na sequência da vitória de Guterres que Armando Vara se tornou
governante. Foi nomeado secretário de Estado da Administração Interna, era
Alberto Costa o ministro da tutela. Ali estava o prémio pelo trabalho no terreno,
12. a olear a máquina socialista que tirou o PSD do poder, ao fim de dez anos. Mas,
naquele tempo, havia já quem criticasse Vara pela “rebaldaria sem limites para
nomeações políticas” na Administração Interna.
“A ascensão política dele começa com Guterres, é aí que passa de uma
perspetiva regional para uma perspetiva mais nacional”, explica um socialista
que prefere não ser identificado. “É, totalmente, um operacional. Muito capaz a
lidar com as pessoas. Não é sofisticado, mas tem uma tendência natural para o
bom trato com as pessoas” e isso torna-se um precioso instrumento no lugar que
ocupa no Governo.
Era um secretário de Estado com poder. “Ele era uma espécie de sub-ministro,
tanto do Alberto Costa como, depois, do Jorge Coelho, responsável pelos
bombeiros”, acrescenta um deputado socialista. As origens rurais eram, naquela
posição, uma mais-valia, junto dos burocratas de Lisboa. “Era muito fácil para
ele perceber as confederações locais, percebia a linguagem e isso fazia dele um
tipo precioso para estar na Administração Interna”, conclui outro socialista.
Dois anos depois de entrar no Governo, a remodelação provocada pelo imposto
sisa que António Vitorino não pagou levou Jorge Coelho ao MAI e Vara subiu a
secretário de Estado Adjunto.
Foi na sequência da vitória de Guterres que Armando Vara se tornou
governante. Foi nomeado secretário de Estado da Administração Interna, era
Alberto Costa o ministro da tutela. Ali estava o prémio pelo trabalho no terreno,
a olear a máquina socialista que tirou o PSD do poder, ao fim de dez anos. Mas
naquele tempo há já quem critique Vara pela "rebaldaria, sem limites para
nomeações políticas" na Administração Interna.
Em 1998, passou por Garvão, em Ourique, para uma ação relativa
ao realojamento das pessoas afetadas pelas cheias do inverno anterior,
juntamente com o autarca do PSD José Raul do Santos. O secretário de Estado
Armando Vara não tinha convocado jornalistas para a reunião, mas eles lá
estavam. Ficou irritado e virou-se de forma intempestiva contra Raul dos
Santos, que, segundo o então autarca, ofendeu com recurso ao vernáculo.
Resultado: Vara foi arguido num processo cível colocado pela Câmara de
Ourique que, na altura, pediu seis mil contos de indemnização,
segundo noticiou a Lusa. Em 2001, já Vara estava fora do Governo, o Tribunal
de Ourique condenou-o por ofensas à “honra e dignidade” de José Raul Santos e
a pagar uma indemnização de 450 contos.
Nessa altura, a sua imagem estava muito ligada também às campanhas de
prevenção rodoviária, como o programa “Tolerância zero”, criado para que os
limites de velocidade fossem cumpridos à risca nas estradas do país. “Hoje
temos 1/4 das mortes nas estrada do que tínhamos em 2000, graças às
campanhas de segurança rodoviária que ele lançou, o nome dele é um dos
principais se não mesmo o principal nessa matéria”, diz Luís Patrão, que havia
de lhe suceder no cargo. Foi também nesta altura que Vara criou uma fundação
que, dois anos depois, lhe trouxe um amargo político definitivo.
13. Sobe a ministro e desce ao inferno
É no segundo Governo de Guterres que Sócrates e Jorge Coelho convencem o
primeiro-ministro a promover Vara a ministro. O líder socialista aceita e coloca
Armando Vara na sua dependência, como ministro Adjunto do primeiro-
ministro. Tinha a tutela da juventude, toxicodependência e comunicação social.
Um anos depois, acumulou com as funções de ministro da Juventude e do
Desporto.
Estava no auge da carreira política, sendo também responsável pelo dossiê do
Euro 2004, a candidatura à organização do europeu de futebol que o país
ganhara em 1999. “Era relativamente tranquilo, mas muito dinâmico, por vezes
era difícil acompanhar o passo”, lembra Luís Patrão sobre a atividade
governativa do seu amigo, ao mesmo tempo que lamenta que “talvez tivesse um
excesso de impulsividade e vontade de fazer coisas”.
Ferro Rodrigues como orador durante o Debate sobre o Estado da Nação e Armando
Vara sentando na bancada do Governo como ministro da Juventude e Desporto (é o
segundo a contar da esquerda)
O tom de desalento em Patrão surge quando o assunto é a Fundação para a
Prevenção e Segurança Rodoviária, que deixou os dois fora do Governo no final
do ano. No primeiro dia de dezembro de 2000, o Expresso noticiava na primeira
página: “Vara e Patrão criaram fundação polémica”. Era um organismo privado,
mas financiado de forma irregular por dinheiros públicos e gerido por membros
do gabinete de Vara na Administração Interna. O Tribunal de Contas apontou
irregularidades ao financiamento da Fundação que tinha por missão
14. desenvolver campanhas de prevenção rodoviária e, daí à oposição falar da
criação de um saco azul do PS, foi um tiro.
No primeiro dia de dezembro de 2000, o Expresso noticiava na primeira página:
"Vara e Patrão criaram fundação polémica". O Tribunal de Contas apontou
irregularidades ao financiamento da Fundação que tinha por missão
desenvolver campanhas de prevenção rodoviária e daí à oposição falar da
criação de um saco azul do PS, foi um tiro.
O primeiro-ministro Guterres foi confrontado com o caso no Parlamento, num
debate que o próprio classificou, na já citada biografia de Sampaio, como “o
mais difícil” da sua “vida política”. A polémica ia alta e Jorge Sampaio, a um mês
de ir a votos para a reeleição, começou a temer os efeitos de um caso político
daquela dimensão. Para mais, do outro lado da barricada, o candidato era
Joaquim Ferreira do Amaral que, nos comícios pelo país, ia fazendo a colagem
direta entre o Governo socialista e o homem que estava em Belém.
Numa reunião semanal com o primeiro-ministro, ia já preparado para pedir a
cabeça de Vara, referindo-se mesmo a “comportamentos políticos inaceitáveis”.
No dia seguinte a essa reunião, logo pela manhã, Guterres avisou Sampaio que
ia demitir os dois governantes — o ministro Armando Vara e o secretário de
Estado do MAI, Luís Patrão.
Pelo meio desta polémica, entre o sai e não sai, a Rádio Renascença chegou a
noticiar que o ministro Vara é que ia demitir-se, descontente com a falta de
apoio público do primeiro-ministro. O ainda ministro veio a público desmentir a
notícia, levando a rádio a revelar a fonte da informação que tinha dado
inicialmente: tinha sido o próprio Vara.
A pressão de Sampaio nunca foi desculpada por Vara, que havia de vingar-se
logo na campanha das presidenciais. Um antigo colaborador do ex-
Presidente conta que o comício de Bragança foi o mais fraco da campanha da
recandidatura. Armando Vara tratara de desmobilizar as tropas da sua terra no
apoio ao seu mais recente inimigo. E depois, em 2005, quando Jorge Sampaio
o colocou na lista de personalidades a condecorar, a par de Sócrates e de José
Luís Arnaut, com a Ordem de D. Henrique, Armando Vara faltou à cerimónia,
recusando receber a insígnia — que agora perderá, já que a lei das Ordens
Honoríficas Portuguesas determina que “[cabe ao conselho] efetivar a irradiação
automática dos membros das Ordens que (…) por sentença judicial transitada
em julgado, tenham sido condenados pela prática de crime doloso punido com
pena de prisão superior a 3 anos”.
15. No segundo Governo de Guterres, Vara foi promovido a ministro
A última derrota política e o “salto à Vara”
O caso da Fundação marcou profundamente Vara. Luís Patrão sublinha que,
quatro inspeções diferentes depois, não foi possível apurar qualquer
irregularidade e o caso foi arquivado. E é aqui que cola a Vara a condição de
“excesso de impulsividade”: “Às vezes lamento que se confunda a energia das
pessoas com motivações de natureza mesquinha que penso que não existiram”.
Vara não conseguia estar bem e desagradava-se com a burocracia da máquina
do Estado, queria financiar campanhas de prevenção e arranjou maneira de as
dinamizar, argumenta um socialista que atribui o caso a um “excesso de
improvisação governativa que era a massa de um homem despachado e expedito
e que acabou vítima do voluntarismo”.
Mesmo com essa mácula na carreira política, em 2001 António Guterres
chamou-o para coordenar a campanha autárquica. Ao contrário de Patrão, que
abandonara o Parlamento chamuscado pelo caso que, na altura, estava ainda em
investigação, Armando Vara continuou. E seguiu para o terreno para olear a
máquina. “O momento não era brilhante [para o PS] e a posição dele não era a
melhor”, diz Luís Patrão sobre esse tempo e essa insistência de Vara e de
Guterres. “A escolha não foi boa para ninguém, mas a energia que tinha
impedia-o de se retirar”. As eleições foram traumáticas para o PS, António
Guterres demitiu-se do cargo de primeiro-ministro, fazendo cair o Governo, na
própria noite eleitoral. Vara saiu em definitivo da política. Mas não da vida
pública. Seguiu para diretor da Caixa Geral de Depósitos, fazendo a oposição
adaptar a expressão do “salto à Vara”.
As eleições foram traumáticas para o PS, António Guterres demitiu-se do cargo
de primeiro-ministro, fazendo cair o Governo, na própria noite eleitoral. Vara
saiu em definitivo da política. Mas não da vida pública. Seguiu para diretor da
16. Caixa Geral de Depósitos fazendo a oposição adaptar a expressão do "salto
à Vara".
A vida de banqueiro é a que segue nos capítulos seguintes, que levam à sentença
que “chocou” Vara, quando foi conhecida em 2014. Depois de todos os recursos
falhados, no início de dezembro passado, quando decidiu que ia entregar-se, foi
até Vinhais. Quis ser ele a dizer à mãe, já com mais de 80 anos, aquilo que iria
acontecer. O débil estado de saúde da senhora agravou-se a partir daí e acabou
internada, pouco depois da visita. Morreu a três dias do Natal. “Foi do
desgosto”, convence-se Mariana Araújo, que não consegue pronunciar a palavra
“prisão” quando fala do amigo. “Não consigo. É uma injustiça terrível. Uma
vingança. Para nós, é inocente”. E remata com uma pergunta: “Diga-me: acha
que ainda pode não acontecer?”.
De bancário a banqueiro
Antes de se tornar repentinamente banqueiro, Armando Vara tinha sido apenas
bancário na agência da Caixa Geral de Depósitos do Mogadouro. Foi daqui,
como já se contou, que partiu para uma carreira política no PS. Depois de
coordenar as tais eleições autárquicas mais traumáticas para os socialistas, Vara
regressou à Caixa, em 2001, da qual era quadro. Mas logo para assumir um
cargo mais qualificado e bem pago do que tinha antes.
Tornou-se diretor e diretor coordenador, funções que desempenhou entre 2001
– quando a Caixa era liderada por António de Sousa – e 2005. Foi nesta fase
que concluiu a sua formação académica: uma licenciatura em Relações
Internacionais na Universidade Independente, a mesma da polémica
licenciatura de Sócrates, e uma pós-gradução em gestão empresarial no ISCTE.
A ascensão à administração da Caixa surgiu com o regresso ao poder dos
socialistas, em fevereiro de 2005, liderados pelo seu antigo colega de Governo.
Esta promoção ajudou a derrubar o primeiro ministro das Finanças de José
Sócrates, segundo o próprio. Campos e Cunha confirmou na comissão
parlamentar de inquérito à Caixa ter recebido pressões para afastar a
administração do banco público, que tinha sido nomeada por um Governo
PSD/CDS. Em carta enviada à comissão de inquérito, revelou o argumento
invocado pelo então primeiro-ministro: os gestores da Caixa eram “nossos
inimigos” — dos socialistas, entenda-se.
Campos e Cunha, primeiro ministro das Finanças de Sócrates, garante que foi o líder
socialista quem indicou Vara para a Caixa
17. Segundo Campos e Cunha, foi Sócrates a indicar Vara e Carlos Santos Ferreira,
um gestor do setor financeiro militante de longa data do PS, para a liderança da
CGD. Mas foi preciso o ministro cair para Vara chegar à gestão do banco público
pela mão do novo responsável pelas Finanças, Teixeira dos Santos.
A história do convite para a Caixa tem, contudo, outra versão. Segundo contou
Teixeira dos Santos no Parlamento, a iniciativa de colocar Armando Vara na
administração do banco foi sua e não teve qualquer interferência do então
primeiro-ministro. A circunstância de os dois nomes que escolheu terem sido
propostos ao seu antecessor nas Finanças é para Teixeira dos Santos apenas
uma “coincidência”.
Santos Ferreira e Armando Vara também confirmaram que foi Teixeira dos
Santos a escolhê-los para a administração da CGD e negam ter falado com José
Sócrates antes do convite. Vara acrescentou que Teixeira dos Santos tinha
grande confiança nele e garantiu que nunca tratou o então primeiro-ministro
por “chefe”.
Segundo Campos e Cunha, foi Sócrates a indicar Vara e Carlos Santos
Ferreira, um gestor do setor financeiro militante de longa data do PS para a
liderança da CGD. Mas foi preciso o ministro cair para o antigo ministro
socialista chegar à gestão do banco público pela mão de Teixeira dos Santos.
Uma escolha que dava “conforto” a Teixeira
dos Santos
E porque convidou o então ministro das Finanças um socialista sem currículo
para um cargo daquela natureza? Teixeira dos Santos usou dois argumentos:
“Era uma pessoa conhecida e cumpria o objetivo de ser alguém com carreira na
Caixa. Foi meu colega no Governo de Guterres, que eu conhecia, o que me dava
algum conforto”. O ex-ministro fez questão de sublinhar a carreira feita na Caixa
por Armando Vara – que, curiosamente, omite a sua passagem pelo balcão do
banco em Mogadouro no último currículo que apresentou quando
administrador do BCP. Neste documento, Vara diz que a sua primeira
experiência profissional foi a de membro da assembleia parlamentar do
Conselho Europeu, em 1987.
Para Teixeira dos Santos, o socialista tinha conhecimento dos cargos de direção
da Caixa e capacidade de liderança, fazia a ligação entre a administração e dava
um sinal aos quadros do banco de que poderiam chegar ao topo (mesmo tendo
começado na base).
Vara tomou posse como administrador em agosto de 2005 e ficou responsável
pelas direções de crédito a empresas e participações financeiras. Não era um
especialista em banca, nem tinha grande experiência – dificilmente passaria as
exigências atuais do Banco Central Europeu (BCE) em matéria de qualificações
e know-how. Os adversários políticos criticavam a escolha e apontavam
à politização do banco público. Em declarações ao Diário Económico, nessa
altura, Vara respondeu às reservas: “Tenho 22 anos de CGD. Há quatro anos,
18. regressei. Não vejo onde é que isso possa ser uma politização”. Aqui,
contabilizava o tempo desde 1985, quando esteve no balcão de Mogadouro.
Os adversários políticos criticavam a escolha, apontavam à politização do
banco público. Em declarações ao Diário Económico, nessa altura, Vara
respondeu às reservas: "Tenho 22 anos de CGD. Há quatro anos regressei.
Não vejo onde é que isso possa ser uma politização". Aqui contabilizava o
tempo desde 85, quando esteve no balcão de Mogadouro.
Por outro lado, segundo os seus defensores, Vara tinha faro comercial e uma
grande dinâmica e capacidade para fechar negócios. Possuía ainda muitos
contactos dos tempos da política, tinha boas relações com os autarcas e também
entrava bem no mundo do futebol e no setor da construção. Mas a sua passagem
pela Caixa ficou ligada a uma operação em particular — o projeto imobiliário de
luxo que já fez o banco do Estado perder muitos milhões, mas que Vara
continua a defender como um bom negócio.
O financiamento e a entrada da CGD no capital de Vale do Lobo tem merecido
muita atenção na imprensa e na arena política, mas também na justiça, que
estabeleceu uma ligação entre os dois ex-governantes socialistas que vai para
além da política. Os caminhos de Armando Vara e José Sócrates voltaram a
cruzar-se nesse processo de Vale do Lobo, segundo a acusação do Ministério
Público. Foi por causa da sua intervenção enquanto gestor da Caixa no
financiamento a este empreendimento que Vara foi constituído arguido e
acusado na Operação Marquês.
O envolvimento da Caixa no negócio de Vale do Lobo levou ao envolvimento de Vara
na Operação Marquês
19. Como e por quem chegou Vale do Lobo à Caixa
Tal como a ida do ex-ministro socialista para a administração da Caixa, também
o envolvimento de Armando Vara no dossiê Vale do Lobo tem mais do que uma
versão. Na comissão de inquérito à Caixa, Vara referiu que o negócio foi
proposto ao diretor para o Algarve e só depois chegou aos serviços centrais. A
mesma versão foi dada pelo próprio no interrogatório da Operação Marquês, e
cujo conteúdo foi divulgado pelo Observador.
Já a versão contada no livro Quem Meteu a Mão na Caixa, de Helena Garrido,
diz que foi o então administrador, Armando Vara, a reenviar um e-mail de
Diogo Gaspar Ferreira, um dos promotores e compradores de Vale do Lobo, ao
diretor de crédito a empresas da Caixa. O e-mail remetido para Alexandre
Santos, a 28 de junho de 2006, sem comentários do próprio Vara, dizia: “Tal
como combinado com Rui Horta e Costa (o outro promotor) enviamos relatório
sobre resort de Vale do Lobo”.
Aos deputados, o antigo gestor da Caixa defendeu os méritos desta operação.O
resort de luxo que estava à venda “assentava como uma luva no
projeto prime que queríamos para a Caixa”. E invocou o currículo dos
promotores de Vale do Lobo. Um era profissional do setor – Gaspar Ferreira;
outro era um homem da banca – Rui Horta Osório; outro liderava uma
importante empresa em Angola – Hélder Bataglia, o rosto da Escom, da qual o
Grupo Espírito Santo era acionista. “Não havia razão para duvidar de que
tinham capacidade para avançar com o projeto”. E havia, garante, outros bancos
interessados em financiar o projeto.
E porque pediram os promotores todo o dinheiro à Caixa para comprar Vale do
Lobo? “Quando o projeto começou, sabíamos que os acionistas estavam
renitentes em meter mais dinheiro porque as garantias eram mais do que
suficientes”, respondeu, citando pareceres de consultores que avaliavam o
património em mais de 400 milhões de euros.
Ao longo da audição, o ex-gestor reconheceu a disparidade dos dinheiros
envolvidos: logo na fase inicial desta operação a Caixa meteu mais de 200
milhões de euros – no resort propriamente dito e num empréstimo aos
acionistas que o compraram – enquanto os promotores meteram apenas
investiram 10 milhões de euros.
Armando Varia afirmou também que “a avaliação que as direções da Caixa
fizeram do projeto fez com que fosse aprovado sem nenhuma reserva mental”.
Ao longo da audição, o ex-gestor reconheceu a disparidade dos dinheiros
envolvidos: logo na fase inicial desta operação a Caixa meteu mais de 200
milhões de euros – no resortpropriamente dito e num empréstimo aos
acionistas que o compraram – enquanto os promotores apenas investiram 10
milhões de euros.
Uma diferença de tal ordem levantou suspeitas e Vale do Lobo suscitou o
interesse dos procuradores do caso Marquês. No interrogatório a Armando
20. Vara, revelado pelo Observador, o ex-gestor admitiu ao juiz Carlos Alexandre
que teve conhecimento pessoal e direto do dossiê através de Gaspar Ferreira.
O juiz Carlos Alexandre interrogou Vara sobre o negócio de Vale do Lobo
Um grande negócio ou um buraco?
Se é certo que “abraçou de imediato” o projeto, Vara envolveu também a
“generalidade das direções que se pronunciaram sobre o negócio e que também
apoiaram”. O investimento de mais de 200 milhões de euros “foi apresentado
como tendo uma margem hipotética de sucesso imensa” e diz que a “avaliação
pela direção de riscos da Caixa é tudo menos ousada, é conservadora”. Apesar
deste entusiasmo, Armando Vara não se recorda se esteve no conselho de
crédito que aprovou a operação. Mas realçou que nunca teria sido autorizada
apenas com uma assinatura.
No livro sobre a CGD, Helena Garrido revelou, a partir da acusação da Operação
Marquês, a existência de documentos internos a alertar para o risco da operação
e cita pareceres da equipa de avaliação de risco onde é referido que o
financiamento era excessivo. Em causa estava, por exemplo, o facto de estar
concentrado apenas num banco, a Caixa, e não distribuído por um sindicato
bancário como chegaram a exigir outros bancos contactados pelos promotores.
A comissão de avaliação de risco terá proposto a constituição de um fundo de
investimento que comprasse Vale do Lobo, assegurando a penhora do
património imobiliário e em que os promotores teriam de entrar também com
capital próprio. Segundo a tese de acusação do Ministério Público, partiu de
Armando Vara a proposta de a Caixa entrar como acionista para viabilizar o
negócio — o que veio a acontecer com 25% do capital da sociedade que iria gerir
o empreendimento.
21. A operação foi aprovada no final de julho de 2006 pelo conselho de crédito da
Caixa com um envelope total de 250 milhões de euros, dos quais 30 milhões
eram a participação acionista do banco do Estado. Segundo o livro Quem Meteu
a Mão na Caixa, antes de o empréstimo ir ao conselho de crédito alargado, onde
receberia o aval definitivo, Armando Vara terá reunido várias vezes com os
promotores, que queriam mais garantias. A operação que teve luz verde em
outubro de 2006 é diferente da que foi analisada em julho, envolve menos
dinheiro, mas mais risco para a Caixa, incluindo uma cláusula que permite ao
administrador Armando Vara aumentar o financiamento concedido sem outras
autorizações. O gestor usou essa faculdade para conseguir também uma taxa de
juro mais favorável para os promotores do que a proposta feita pela direção da
zona sul da Caixa.
A operação que teve luz verde em outubro de 2006 é diferente da que foi
analisada em julho, envolve menos dinheiro, mas mais risco para a Caixa,
incluindo uma cláusula que permite ao administrador Armando Vara aumentar
o financiamento concedido sem outras autorizações.
Nesta fase, Vale do Lobo voltou a suscitar alertas da equipa de avaliação de
risco, sobretudo pela reduzida exposição dos promotores. A Caixa emprestou
praticamente todo o dinheiro para comprar o resort, mas só ficou com 25% da
sociedade, cuja gestão seria entregue durante anos aos promotores que
entraram com menos de 10% do valor do negócio.
Já depois de a Caixa ter sido obrigada a reconhecer perdas de mais de 100
milhões de euros – Vale do Lobo começou a falhar pagamentos em 2009 – Vara
testemunhou no Parlamento que o projeto não era um buraco e que a Caixa iria
recuperar no mínimo o dinheiro que lá tinha colocado. Entre investimento
direto e financiamentos, a Caixa terá mobilizado mais de 372 milhões de euros
em dez anos. O balanço final ainda não está feito. O património e a gestão do
empreendimento foram transferidos no final de 2017 para o fundo gerido pela
ESC, de António de Sousa. A transação foi feita por 220 milhões de euros, mas
a Caixa ficou com uma exposição de 36% ao empreendimento.
Como administrador da Caixa, Vara apoiou o chumbo à OPA da Sonae sobre a PT
22. A passagem de Armando Vara pelo banco do Estado ficou ainda marcada pela
recusa da Caixa em dar luz verde à OPA da Sonae sobre a PT, empresa onde
Vara era administrador em representação do banco do Estado. Sobre esta
posição, Vara respondeu aos deputados que o chumbo à OPA revelou-se o
melhor negócio para os acionistas da PT, que receberam dividendos extra e
ainda a PT Multimedia na bolsa.
O “assalto ao BCP” e os negócios que mais
perdas deram à Caixa
Armando Vara e Santos Ferreira estiveram na Caixa apenas dois anos, mas a sua
gestão é identificada com os negócios mais ruinosos decididos pelo banco do
Estado. Para além de Vale do Lobo, onde é reconhecido o protagonismo do
antigo ministro socialista, este período ficou ainda marcado pelos empréstimos
ao grupo químico catalão La Seda, o projeto que é recordista de perdas para a
Caixa, pelo financiamento a autoestradas que correram mal e pelos
empréstimos volumosos a acionistas do BCP, tendo como única garantia as
próprias ações. Estas operações deixaram a Caixa vulnerável ao sobe e desce —
muito mais desce do que sobe — da bolsa, ainda que Vara tenha explicado aos
deputados da comissão de inquérito que os empréstimos para compra de ações
eram, na altura, um grande negócio. Mas estava apenas em causa um negócio
bancário?
Há desconfianças de que, por trás destas operações, estava uma ambição de
poder que aproveitou a guerra dentro do BCP para promover uma espécie de
golpe de Estado no maior banco privado nacional. E, nesta tese, a dupla Santos
Ferreira/Armando Vara estaria do lado dos “golpistas” porque foi na sua
administração que foram concedidos centenas de milhões de euros de
empréstimos a acionistas do BCP que desafiavam o domínio do fundador do
banco, Jorge Jardim Gonçalves. É deste tempo a dívida que Joe Berardo já
renegociou com perdões, mas que ainda não pagou – dados da auditoria forense
à gestão da Caixa, revelados pelo Correio da Manhã, apontam para 280 milhões
de euros.
Outra história que não correu bem foi o financiamento a Manuel Fino, que levou
a Caixa a executar uma participação acionista na Cimpor e a assumir o papel de
protagonista involuntário na queda da cimenteira portuguesa anos mais tarde.
O papel dos gestores da Caixa no conflito do banco rival só ganhou visibilidade
quando Santos Ferreira e mais dois administradores trocaram a administração
do banco do Estado pela do BCP. A troca teve a bênção do então primeiro-
ministro José Sócrates — não teria acontecido de outra forma, o que sustentou a
leitura de uma interferência política e do Governo no banco privado.
A CGD era acionista de referência do BCP e Santos Ferreira foi um dos
chamados pelo então governador do Banco de Portugal. Vítor Constâncio avisou
os acionistas do BCP de que teriam de mudar a administração de Filipe Pinhal,
que estava a ser investigada por irregularidades graves – um processo
construído a partir de um dossiê que o advogado de Joe Berardo, então um dos
23. principais acionistas do banco, reuniu contra a equipa de fiéis ao fundador do
BCP. Após o alerta, os maiores acionistas do banco reuniram-se na EDP e foi aí
que surgiu a hipótese de Santos Ferreira ir para o BCP, confirmou o próprio,
embora tenha acrescentado que saiu da reunião quando o seu nome foi falado.
Confrontado com o apoio recebido dos acionistas do BCP que tinham
conseguido empréstimos generosos da Caixa para comprar ações do banco,
Santos Ferreira deu esta explicação: “Passei vários anos a ouvir falar do assalto
ao BCP. Achei mal, mas achei que não me cabia explicar. E, se tivesse explicado
logo, não estaríamos se calhar a falar dele hoje aqui”.
A Caixa tinha 7,8% do capital do BCP. Na assembleia em que foi eleito
presidente do BCP, votou 71% do capital. “Não foram de certeza as ações detidas
pela Caixa, nem as ações financiadas pela Caixa”, que fizeram a diferença para a
sua eleição, garantiu o antigo gestor.
Carlos Santos Ferreira foi da CGD para o BCP e levou consigo Armando Vara
Armando Vara fazia parte da equipa de Santos Ferreira e foi um dos homens de
confiança que quis levar consigo para o novo cargo. O presidente da Caixa levou
também Vítor Fernandes, mas fez de Vara o seu vice-presidente, o mesmo cargo
que tinha na altura Paulo Macedo, que regressou ao banco depois de ter sido
diretor-geral dos Impostos.
No BCP, Vara manteve a relação comercial com as empresas, sendo ainda
responsável pelos pelouros do marketing e comunicação, património e
segurança, bem como pela promoção imobiliária. Mas acabou por deixar pouca
marca na gestão do banco. Dois anos depois, foi constituído arguido na
Operação Face Oculta e acabou por abandonar o cargo, depois de ter sido
suspenso vários meses, por imposição do Banco de Portugal. Armando Vara não
voltou à banca (nem aliás podia, dada a sua situação jurídica), mas ainda
trabalhou com a construtora brasileira Camargo Correia — a dona da Cimpor —
em Angola.
24. Sobre o legado que deixou a sua gestão, Armando Vara destaca que a Caixa
nunca teve lucros tão elevados como no período em que esteve na
administração. Na verdade, os problemas já estavam no balanço, mas só
começaram a vir à superfície a partir de 2008, já depois de a dupla ter saído
para o BCP. Primeiro foi a crise financeira, depois a crise económica e a seguir a
crise do euro e o resgate internacional. É certo que esta série negativa ajuda a
explicar os prejuízos avultados da Caixa e que contribuiu para as necessidades
da recapitalização, a maior feita num banco português.
As operações que mais perdas trouxeram foram decididas no tempo de Santos
Ferreira e Vara. O levantamento feito no livro “Quem Meteu a Mão na Caixa”
indica que a maior fatia das imparidades (perdas) registadas desde 2000, no
valor de 5.633 milhões de euros – 39,5% do total —resultaram de créditos
concedidos durante aquela a gestão.
Mas também sabemos hoje que as operações que mais perdas trouxeram foram
decididas no tempo de Santos Ferreira e Vara. O levantamento feito no
livro Quem Meteu a Mão na Caixa indica que a maior fatia das imparidades
(perdas) registadas desde 2000, no valor de 5.633 milhões de euros – 39,5% do
total —resultaram de créditos concedidos durante aquela a gestão. Podem ter
sido apenas más decisões de negócio tomadas quando o crédito era abundante e
fácil?
Aos deputados, Armando Vara afastou qualquer interferência política na gestão
do banco: “O tempo que tivemos na Caixa foi talvez o tempo em que houve
menos intervenções nas decisões da Caixa”. O Governo reduziu a administração
e só substituiu três gestores. “Era uma administração muito colorida”, disse
numa referência à diversidade política da equipa da qual fez parte. Na verdade,
um levantamento feito pelo Observador mostra que aquela administração foi a
que teve maior domínio de um partido – o PS – na militância ou proximidade
dos seus administradores. Se não houve inferência política, porque foram feitos
negócios tão maus para o banco? Azar? Má gestão? Ou houve outras
motivações?
O “choque” pela condenação
“Estou em choque, confesso.” Foi assim que Armando Vara reagiu, minutos
depois de ter ouvido Raúl Cordeiro, juiz presidente do coletivo que julgou o
processo Face Oculta, a condená-lo a uma pena de prisão efetiva de cinco anos
pela prática de três crimes de tráfico de influência.
Estávamos a 5 de setembro de 2014, o Tribunal Judicial de Aveiro estava cheio
como um ovo com os 34 arguidos e os seus advogados — alguns deles dos
principais da nossa praça. Ao fim das 188 sessões do julgamento que decorreu
entre 8 de novembro de 2011 e 5 de setembro de 2014, o ex-ministro-adjunto de
António Guterres percebeu que o tribunal tinha decidido aplicar mão pesada à
“rede tentacular” constituída pelo sucateiro Manuel Godinho.
A partir da pena de prisão de 17 anos e 6 meses para Godinho pelos crimes de
associação criminosa, corrupção ativa, fraude fiscal, branqueamento de
25. capitais e burla, o tribunal distribuiu penas pesadas pelos principais réus,
nomeadamente pelos elementos ligados ao PS, como José Penedos (ex-
presidente da REN), o seu filho Paulo (advogado), Domingos Paiva Nunes (ex-
administrador da EDP Imobiliária) e ao próprio Vara.
A partir da pena de prisão de 17 anos e 6 meses para Godinho pelos crimes de
associação criminosa, corrupção ativa, fraude fiscal, branqueamento de capitais
e burla, o tribunal distribuiu penas pesadas pelos principais réus,
nomeadamente pelos elementos ligados ao PS, como José Penedos (ex-
presidente da REN), o seu filho Paulo (advogado), Domingos Paiva Nunes (ex-
administrador da EDP Imobiliária) e o próprio Vara. Foi uma decisão histórica
para um processo mediático que marcou a entrada da Justiça nos esquemas de
corrupção das empresas públicas e das suas ligações aos partidos políticos.
Armando Vara tinha, por isso, razões para estar estupefacto. Tal como José
Sócrates, de quem era fiel seguidor (e continua a ser), Vara entendia (e continua
a entender) que não tinha sido sujeito a um julgamento justo.
Esperava o mesmo que aconteceu a José Sócrates — que viu Noronha de
Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ordenar, em 2009 e
em 2010, a destruição das escutas telefónicas entre o próprio Sócrates e
Armando Vara sobre a tentativa de controlo da comunicação social que esteve
sob investigação no processo Face Oculta. A promoção da destruição de escutas
foi assinada por Fernando Pinto Monteiro, então procurador-geral da
República, que discordava do procurador João Marques Vidal quanto ao
fundamento para investigar o caso. Era essa também a sua “circunstância” — a
circunstância de um homem que já não se sentia poderoso. Daí o “choque”.
Vara ficou "em choque" quando soube que tinha sido condenado a uma pena de prisão
26. O “pesadelo” da caixa de robalos
Na verdade, a descida ao inferno de Armando Vara tinha começado ao mesmo
tempo que José Sócrates vivia a ilusão de que a Justiça nunca o investigaria. A
28 de outubro de 2009, o Departamento de Investigação e Ação Penal do Baixo
Vouga e a Polícia Judiciária de Aveiro desencadearam uma mega-operação de
buscas a empresas como a REN, a Refer, a CP, a Lisnave e às estrelas da bolsa
nacional: a Portugal Telecom e a Galp.
Rapidamente se percebeu que o centro da investigação do caso Face Oculta era
um personagem desconhecido: Manuel Godinho, sucateiro de Ovar, que
construiu um pequeno conglomerado de empresas de resíduos com contratos
assinados com empresas públicas.
Armando Vara estava, então, no auge do seu poder. Desde janeiro de 2008 que
era vice-presidente do BCP. Rapidamente os jornais descobriram que o seu
nome fazia parte dos ‘alvos’ da investigação do Face Oculta, tendo a sua casa e o
gabinete no BCP sido visitados pelas autoridades.
Outros nomes ligados ao PS, como José Penedos (então presidente da REN), o
seu filho Paulo, o empresário Lopes Barreira e António Chocolate Contradanças
(militante do PS e ex-administrador do Porto de Sines e da empresa pública
IDD — Indústria de Desmilitarização e Defesa) são igualmente alvo de buscas. A
pista socialista, contudo, só concentrou a atenção do país mais tarde, com as
escutas entre Sócrates e Vara.
Mal se soube do envolvimento de Armando Vara no processo Face Oculta por
suspeitas de ter recebido contrapartidas avaliadas em 10 mil euros de Manuel
Godinho (que também era cliente do BCP), o Banco de Portugal começou a ser
questionado sobre a revisão da idoneidade do então vice-presidente do BCP.
Com Vítor Constâncio chamuscado com a queda do BPN e a intervenção do
BPP, devido a uma deficiente supervisão do mercado bancário, o banco central
teve de agir. Vara foi obrigado a suspender funções a 3 de novembro. Constâncio
viu isso como “uma boa notícia para a credibilidade do sistema financeiro
nacional”. Declarações que Vara jamais perdoaria — como não perdoou a Jorge
Sampaio a pressão sobre António Guterres para demiti-lo de ministro da
Juventude e do Desporto devido ao escândalo da Fundação para a Prevenção e
Segurança. O BCP comunicou ao mercado a 3 de julho de 2010 que Vara tinha
renunciado ao seu mandato. Ganhava 37 mil euros por mês e terá recebido 562
mil euros de indemnização.
Ouvido formalmente no Tribunal de Instrução Criminal de Aveiro a 28 de
novembro de 2009 sobre as suspeitas de três crimes de tráfico de influência, o
ex-ministro tentou desvalorizar as suspeitas que existiam contra si ao afirmar
que “nunca recebi presentes do senhor Manuel Godinho, a não ser uma caixa
de robalos e um equipamento desportivo para o meu filho”. Vara estava
confiante de que o “pesadelo” ia terminar em breve.
Ouvido formalmente no Tribunal de Instrução Criminal de Aveiro a 28 de
novembro de 2009, sobre as suspeitas de três crimes de tráfico de influência, o
27. ex-ministro tentou desvalorizar as suspeitas que existiam contra si ao afirmar:
“Nunca recebi presentes do senhor Manuel Godinho, a não ser uma caixa de
robalos e um equipamento desportivo para o meu filho”. Vara estava confiante
de que o “pesadelo” ia terminar em breve.
O juiz António Costa Gomes, então com 39 anos, não lhe fez a vontade e fixou-
lhe uma caução de 25 mil euros, por entender que os indícios recolhidos pela
equipa liderada pelo procurador João Marques Vidal tinham fundamento. Vara
não desistiu. “Vou fazer disso um combate. É o meu bom nome que está em
causa”, jurava.
Quase seis anos depois, o “pesadelo” deu lugar ao “choque” com a sentença de
cinco anos de prisão efetiva pelos mesmos três crimes de tráfico de influência
que lhe tinham sido imputados em novembro de 2009. Os recursos para o
Tribunal da Relação do Porto e para o Tribunal Constitucional não anularam
qualquer crime nem reduziram a pena.
A prisão preventiva e a acusação na
Operação Marquês
Condenado em primeira instância no processo Face Oculta, a Justiça apontou
novamente a mira a Armando Vara. E logo na Operação Marquês — o processo
mais importante da história judicial portuguesa, que tem o seu amigo José
Sócrates como principal arguido. Quem conhece bem os meandros do PS e a
proximidade entre Sócrates e Vara sabia que, depois da prisão preventiva do ex-
primeiro-ministro, era uma questão de tempo até Vara ser investigado.
Desta vez, é suspeito de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de
capitais. Em causa estava uma decisão na CGD por alegada influência de José
Sócrates. Por muito que Carlos Santos Ferreira (o líder da administração da
Caixa) e Fernando Teixeira dos Santos (ministro das Finanças) tenham
desmentido, sempre existiu a perceção de que Vara foi para a administração da
Caixa por influência do seu amigo e primeiro-ministro.
28. Depois da prisão preventiva de Sócrates, era uma questão de tempo até Vara ser
investigado na Operação Marquês
Na Operação Marquês, está em causa o alegado favorecimento de Vara na
concessão de crédito a um grupo de investidores liderados por Hélder Bataglia,
Diogo Gaspar Ferreira e Rui Horta e Costa para adquirirem e expandirem o
empreendimento de luxo Vale do Lobo, no Algarve.
Armando Vara foi detido a 9 de julho de 2015, tendo o juiz Carlos Alexandre
decretado a prisão preventiva domiciliária. Essa medida de coação foi
substituída por uma caução de 300 mil euros a 8 de outubro — um mês depois
de Sócrates ter passado da prisão de Évora para a casa da sua ex-mulher, Sofia
Fava.
Armando Vara foi detido a 9 de julho de 2015, tendo o juiz Carlos Alexandre
decretado a prisão preventiva domiciliária. Essa medida de coação foi
substituída por uma caução de 300 mil euros a 8 de outubro — um mês depois
de Sócrates ter passado da prisão de Évora para a casa da sua ex-mulher
Sofia Fava.
Armando Vara foi formalmente acusado pelo Ministério Público a 11 de outubro
de 2017 por um crime de corrupção passiva de titular político, em regime de co-
autoria com Sócrates, de dois crimes de branqueamento de capitais — um deles
em regime de co-autoria com José Sócrates e o outro em co-autoria com a sua
filha Bárbara —, e de dois crimes de fraude fiscal.
De acordo com a tese do Ministério Público, Vara seguiu instruções de José
Sócrates no alegado favorecimento na cedência do crédito ao grupo de
investidores, tendo existido uma comissão de 2 milhões de euros, dividida entre
os dois.
O ex-ministro adjunto de António Guterres contestou a acusação do Ministério
Público e requereu a abertura de instrução para evitar a pronúncia para
29. julgamento. Vara considera que a acusação não tem fundamento e que os autos
devem ser arquivados. Agora, só conhecerá o final dessa história numa cela do
Estabelecimento Prisional de Évora.