Jean Marie Dubrul é um coreógrafo e professor de dança francês que vive no Rio de Janeiro há 33 anos. Ele ministra aulas de balé clássico que focam tanto na técnica quanto na emoção, transformando os alunos. Dubrul já trabalhou com grandes nomes do teatro brasileiro e atrai muitas celebridades para suas aulas. Apesar de ter se adaptado bem ao Brasil, ele ainda sente saudades da França as vezes.
1. Domingo, 15 de janeiro de 2012 O GLOBO RIO ●
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PERFIL • JEAN MARIE DUBRUL, Coreógrafo
O francês
Guito Moreto
que dança
com as
estrelas
No Jardim Botânico, um bailarino e
coreógrafo, no Rio há 33 anos, traz
emoção para aulas de balé clássico
Artur Xexéo Às vezes, as lições de Jean
axexeo@oglobo.com.br Marie saem da academia e en-
S
tram nas salas de teatro da cida-
ó há um lugar no Rio de. Ele é um dos especialistas
em que se pode encon- mais procurados por produções
trar, simultaneamente, teatrais cariocas para fazer a
as atrizes Aline Moraes preparação corporal do elenco.
e Carolina Dieckmann. E Sura — Trabalhar com ele foi ma-
Berditchevsky e Fernanda ravilhoso — atesta o diretor
Freitas. E a cantora Fernanda Gilberto Gawronski, que utili-
Abreu. E Leticia Spiller... Não, zou as técnicas de Dubrul para
não é a Pizzaria Guanabara. É ensaiar os atores de “Campo
uma sala no segundo andar da de provas”, cinco anos atrás.
casa de número 576 na Rua Pa- — Ele tem um caminho do en-
checo Leão, no Jardim Botâni- tendimento do corpo, que é
co. É ali que fica a academia como se a aula dele entrasse
Sauer Dança, onde o professor dentro do ator. O processo é JEAN MARIE
Jean Marie Dubrul dá aulas de muito bonito. Geralmente,
dança clássica, ministra lições preparadores corporais ensi- DUBRUL:
de alongamento e, principal- nam qual é o gesto. O Jean Ma- “Eu sou um
mente, transforma o espírito rie faz o ator chegar ao gesto.
de seus alunos. A atriz Sura Berditchevsky excelente
— A dança é transformado- usou o trabalho de preparação professor
ra — diz ele. — Eu trabalho a de corpo de Dubrul para seu
técnica, mas também a emo- espetáculo “Cartas de Maria de balé
ção. É a emoção que transfor- Julieta e Carlos Drummond de clássico.
ma — acrescenta, com sota- Andrade” e, além disso, tem
que de quem nasceu em Lille, aulas com ele há quatro anos. Sou um
no norte da França, e foi cria- — Ele é muito bom. Tem pouco
do em Rennes, na Bretanha. uma atenção especial com ca-
O sotaque chega a ser sur- da pessoa, com o corpo de ca- diferente
preendente para quem já está da pessoa — diz ela, tentando do que em
no Brasil há 33 anos. encontrar a peculiaridade da
— Eu adoro me encontrar aula de Dubrul, mas, ao con- geral se
com o Claude Troisgros — diz cluir, ela traz a chave que ex- vê por aí”
ele, referindo-se ao chef fran- plica o porquê de tantas atri-
cês que também fixou residên- zes, cantoras e bailarinas pro- Após uma interrupção de fo de Afrodite”. Na impossi- to é a expressão da alma. Às tava quando cheguei aqui há
cia no Rio. — Além de ele ser curarem seus ensinamentos: dois anos, quando, servindo bilidade de viajar, Sparem- vezes, falta um pouco de alma 33 anos — confessa ele. — Me-
muito simpático — franceses — Ele entende perfeitamente ao Exército, esteve na Guerra blek mandou Dubrul em seu na dança clássica. Mas não na lhorei muito. Eu era muito
que moram no Brasil acabam o corpo da mulher. da Argélia, Dubrul foi bailarino lugar. Isso foi em 1978. No aula do Jean Marie. francês, presunçoso... Aprendi
ficando simpáticos — , é o úni- de companhias em Wuppertal, ano seguinte, foi convidado O próprio Jean Marie Du- a me comunicar melhor. As
co francês que tem um sota-
que pior que o meu. Bailarino, só na Alemanha; Zurique, na Suí-
ça; Strasbourg e Nantes, na
por Guilherme Figueiredo,
então presidente da Funarj,
brul tenta definir sua técnica:
— Eu sou um excelente pro-
pessoas aqui são mais genero-
sas, mais espontâneas. Na
Limitar as aulas de Dubrul a
um grupo de celebridades é in- com vista boa França.
Mas como é que Jean Marie
para juntar-se à equipe do
Municipal.
fessor de balé clássico. Sou
um pouco diferente do que em
França, as pessoas são muito
duras, muito fechadas, sobre-
justo. A sala do professor é de- Dubrul veio parar aqui? — Eu tinha encontrado uma geral se vê por aí. É uma aula tudo em Paris.
mocrática. Nela, entram pes- ● O interesse de Jean Marie — Eu não parei aqui! — re- pessoa e resolvi ficar — resu- clássica acadêmica, mas é Ele mudou tanto que não é
soas que já têm experiência Dubrul pelo movimento do clama o coreógrafo. — Eu con- me ele. uma aula prazerosa e acessí- capaz de desfiar uma série de
com dança, pessoas que nunca corpo começou, no começo tinuo em movimento. A pessoa a que Dubrul se re- vel a todo o tipo de pessoa. comportamentos que tenha
dançaram, gente de qualquer da década de 50 do século pas- Ele estava em Lyon, na fere é Marcia Oiticica Laviola, Quero que as pessoas se en- guardado da França. Só conse-
idade, cidadãos fora de forma, sado, quando, ainda garoto, companhia de Milko Sparem- com quem está até hoje. Mar- contrem sem complexos e gue se lembrar de um:
garotas e garotos esguios, qua- em Rennes, assistiu a uma blek, o mesmo coreógrafo cia já tinha duas filhas, que com prazer. — Meu vinho tinto, que eu
rentões ou cinquentões em apresentação ao ar livre das que o levou a querer dançar Dubrul considera suas. Muita gente do Rio é grata não deixo de beber regular-
busca de mais vitalidade... estrelas da Ópera de Paris. Do naquele espetáculo ao ar li- — Elas me deram seis netas, por aprender tanto com Du- mente. Por sinal, vou te dar
— É uma aula para pes- espetáculo, fazia parte a co- vre em Rennes, quando o e uma delas está para me dar brul, mas ele também é grato uma dica. Encontrei um Côtes-
soas que querem usar o cor- reografia “L’échelle”, de Milko grupo foi convidado para vir minha primeira bisneta. Sou por ter aprendido tanto ao se du Rhône maravilhoso, appel-
po de uma forma inteligente Sparemblek. Foi impactante. mostrar no Teatro Municipal cercado de mulheres. mudar para o Rio. lation contrôlée, baratinho, no
“ “ “
— resume ele. “Eu quero dançar”, pensou do Rio a coreografia “O triun- — Não sei como me aguen- Supermercado Mundial. Cus-
após a apresentação.
— O Milko Sparemblek tem Sem complexos tou só R$ 16,50, a garrafa.
E prefere desfiar as vantagens
muita culpa no cartório.
Pré-adolescente, tentou se e com prazer que encontra aqui na cidade:
— Eu tenho o privilégio de
inscrever no Conservatório de morar aqui. É uma das cida-
Rennes, mas foi rejeitado por ● Jean Marie Dubrul foi profes- des mais lindas do mundo.
um motivo exótico: para corri- sor do corpo de baile do Mu- Moro no fim do Itanhangá.
gir o astigmatismo que ainda o nicipal por dez anos. Depois, Todos os dias, pego meu car-
Geralmente, aflige, ele usava óculos.
— Os professores do con-
A dança é passou a dar aulas na acade-
mia de Enid Sauer, onde ficou
O movimento é rinho, ouço uma musiqui-
nha, passo pela Vista Chine-
servatório achavam que, para 12 anos, e, na Sauer Dança, es- sa e venho trabalhar no Jar-
preparadores ser bailarino, tinha que ter transformadora. cola de Patrícia Sauer, neta de a expressão da dim Botânico. Onde é que eu
uma boa vista — conta hoje, Enid, já está há dez. Ali, mes- teria isso na França?
corporais ainda surpreso. Eu trabalho mo longe da família, continua alma. Às vezes, Mesmo assim, sempre que
Com 15 anos, tentou de no- cercado de mulheres, a maio- pode, ele viaja à terra natal,
ensinam qual vo. E aí foi aceito. Aos 18, com a técnica, ria em suas aulas. falta um pouco o que não é feito com muita
dinheiro emprestado do irmão — O Jean Marie está sempre frequência.
é o gesto. O mais velho — o professor é o mas também se atualizando — constata a de alma na — Como sou autônomo, não
quarto filho de uma família de aluna Fernanda Abreu. — A es- posso parar de trabalhar. E
Jean Marie oito irmãos —, mudou-se para a emoção. cola da dança clássica é muito dança clássica. passar um tempo fora do país
Paris para aperfeiçoar os estu- rígida. E, apesar do desenvol- é ficar sem ganhar dinheiro.
faz o ator dos de dança. Teve aulas, em É a emoção vimento da dança moderna e Mas não na aula Aos 70 anos, Jean Marie Du-
Cannes, com Rosella Hightour, da dança contemporânea, ela brul traça planos simples para
chegar ao gesto. e pagava seus estudos traba- que transforma foi pouco contaminada por es- do Jean Marie o futuro:
lhando como faxineiro da ses outros jeitos de movimen- — Quero continuar vivo e
Gilberto Gawronski, companhia. Jean Marie Dubrul, tos do corpo. Mas o Jean Ma- Fernanda Abreu, ter saúde para poder traba-
diretor de teatro — Fui um ótimo faxineiro — professor de dança rie traz esses jeitos para a aula cantora lhar dia após dia, após dia,
orgulha-se. de dança clássica. O movimen- após dia, após dia... ■
Outras notícias da Editoria Rio nas páginas 25 a 32.
As novidades do Túnel da Grota Funda O turismo indiferente ao horário de verão A coluna de Ancelmo Gois
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