A inteligência financeira de um governo pode ser medida pela análise de quanto gasta e deixa de gastar
1. Sexta-feira, 20 de janeiro de 2012 OPINIÃO ●
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O GLOBO
Fazer LUIZ GARCIA
mais e
melhor Pronasci
A
inteligência financeira de um go- sigla Pronasci. Ele existe há cinco anos ta coisa, pouca coisa ou coisa nenhuma.
EDUARDO PERILLO e
MARIA CRISTINA AMORIM
verno — admitindo-se que tal e, na última campanha eleitoral, foi de- Uma das medidas definidas como apri-
coisa existe — pode ser medida fendido pela candidata Dilma Rousseff, moradoras seria a criação de um siste-
A
s Unidades de Polícia pela análise de duas cifras: a que que prometeu mantê-lo como uma gene- ma de informações sobre segurança pú-
Pacificadora — UPPs —
entraram em ação em mostra quanto se gasta e aquela que re- rosa fonte de recursos para iniciativas blica, drogas e prisões.
2008 para desarticular vela o que se deixou de gastar. estaduais e municipais na área da segu- Realmente, se até agora o governo
o crime organizado nas comuni- Em geral, o pessoal da arquibancada rança pública. Por exemplo, formação não tem informações confiáveis a res-
dades de baixa renda do Rio de
Janeiro. Os opositores ao gover- bate mais palmas para o segundo item. de policiais, construção de postos de peito desses três itens, a gestão não po-
no estadual (responsável pela Quanto mais não seja, porque governan- polícia comunitária, cadeias e peniten- de mesmo estar muito aprimorada. Não
iniciativa) denunciam que é uma tes, principalmente aqueles que depen- ciárias. deve ser por acaso ou distração que, no
operação de fachada, “para in-
glês ver”, enquanto durarem a dem do aplauso da opinião pública para Ultimamente, especialistas que não primeiro ano do mandato de Dilma, as
preparação e realização dos Jo- continuarem na dura e ingrata missão servem ao governo têm protestado: acu- verbas do Pronasci foram cortadas qua-
gos Olímpicos e da Copa do
de tomar conta do país, gostam mais de sam o governo de ter fechado a bolsa se pela metade.
Mundo; ou, ainda, para atender
aos interesses do capital imobi- gastar do que de poupar. Claro: a gas- para as metas prometidas na campanha Entende-se que o governo — qualquer
liário, cujos terrenos seriam va- tança é sempre mais visível do que a eleitoral que levou Dilma para o Palácio governo — tem mais planos do que re-
lorizados com a redução da vio-
lência nas suas cercanias. poupança. do Planalto. O Ministério da Justiça res- cursos. E a escolha das prioridades que
Quaisquer que sejam as moti- Mas podem existir exceções. Uma de- ponde com vagas expressões do mais não serão atendidas integralmente, ou
vações do governo estadual, a re- las talvez exista no caso do Programa puro burocratês; por exemplo, que o mesmo ficarão para serem cuidadas em
dução drástica da criminalidade
e da violência nessas áreas é de Nacional de Segurança Pública com Ci- Pronasci “está em fase de aprimoramen- algum momento futuro, define a eficiên-
responsabilidade do Estado bra- dadania — que também atende pela feia to de gestão”. O que pode significar mui- cia da administração. Ou a ineficiência.
sileiro, inclusive dos responsá-
veis pelas políticas públicas de
saúde. Não é um "problema do Cavalcante
Rio”, mas do Brasil.
O que as políticas de saúde
têm a ver com as UPPs? Muitís-
simo: desde 1980, a violência é
a principal causa de morte de
homens entre 15 e 25 anos no
país. O quadro piora quando os
homens jovens são também de
baixa escolaridade, negros e
pobres. De acordo com o IBGE,
em 2007, de cada cem mil ho-
mens, 46 são vítimas de homicí-
dio. O brasileiro jovem e de bai-
xa renda não morre “morrido”,
morre “matado”. Seu problema
não é de acesso aos medica-
mentos — no máximo, é de
acesso ao pronto-socorro mais
próximo.
Estudos do Ipea apontam co-
mo causas dos homicídios no
campo da saúde a prevalência
das drogas ilícitas e lícitas, co-
mo o álcool, e indicam que o cus-
to de bem-estar da violência le-
tal equivale a uma parcela anual
de 2,3% do PIB. A prevenção e o
tratamento dos dependentes
são uma tarefa complexa stricto
sensu: exige a reunião de sabe-
Sombras do passado
res tradicionalmente apartados
no setor saúde e, se não bastas-
se, a articulação de diferentes
instâncias do poder público (se-
gurança, saúde, educação, sa-
neamento, habitação, entre ou- NELSON MOTTA um pulp fiction: o Sombra. tros empresários do esquema, e alguns blico vai fundo nas conexões políticas.
tros). Ainda assim, o SUS vem O roteiro: prefeito de uma próspe- políticos que intermediavam as contri- O garçom que havia testemunhado a
P
tratando dessa população. or mais que os ficcionistas ra cidade industrial faz um acordo buições, também começam a meter a última conversa entre o prefeito e o
Se a “comunidade é pacifica- quebrem a cabeça para in- com empresários correligionários mão. Até que o prefeito, que não sabia Sombra é executado. Em seguida, uma
da”, para usar a expressão re- ventar crimes, mistérios e para desviar dinheiro público para as de nada, descobre tudo e ameaça de- testemunha da morte do garçom. O
corrente, espera-se que a vida conspirações complexos, campanhas do seu partido. Ninguém tonar o esquema. Seria o fim para o bandido que fazia a ligação entre os se-
econômica lícita possa final- surpreendentes e emocionantes, os li- ganharia nada, não eram corruptos, Sombra e a quadrilha. questradores e o Sombra é assassinado
mente florescer, gerando opor- vros, filmes e seriados acabam sem- eram patriotas a serviço da causa e O prefeito é atraído pelo Sombra pa- na cadeia. O médico legista, que ates-
tunidade de renda, empregos e pre superados pela vida real. O assas- do partido, afinal, estava em jogo ra uma cilada, o carro dos dois é inter- tou as marcas de tortura, morre enve-
tudo o mais. As políticas públi- sinato do prefeito Celso Daniel com- transformar o Brasil, os nobres fins ceptado por bandidos e o prefeito se- nenado. Ameaçado, o irmão do prefeito
cas de saúde para o tratamento pleta dez anos sem culpados nem justificavam os meios sujos. Foi as- questrado, o Sombra escapa ileso. Ne- se exila na França. O Sombra continua
de dependentes de drogas de- condenados, e pior, desde o início das sim no início, mas o ser humano… nhum resgate é pedido, dias depois o nas sombras, o processo não anda, lo-
vem ser intensificadas na re- investigações sete testemunhas e in- Com a dinheirama crescendo e ro- prefeito é encontrado morto a tiros e go o crime estará prescrito. E o pior de
gião desde já, para colaborar vestigados já foram assassinados ou lando sem controle, o Sombra, chefe da com marcas de tortura. Contra as evi- tudo: não é ficção.
na redução da violência. O SUS morreram em circunstâncias miste- operação e amigo do prefeito, começa dências, a polícia trata o caso como um
sabe fazer, só precisa fazer riosas. O principal acusado é digno de a desviar para sua própria causa. Ou- sequestro comum, mas o Ministério Pu- NELSON MOTTA é jornalista.
mais e melhor, precisa de mais
dinheiro e mais profissionais.
Quando querer é poder
A hora é agora. A opinião pú-
blica está mobilizada, os “ingle-
ses” estão chegando para os jo-
gos mundiais, a presidente Dil-
ma declara-se disposta a incen-
tivar políticas sociais que pro- ROBERTO LENT A razão: as importações para a pes- a obtenção de insumos para o seu presas que importam para comerciali-
movam a independência dos ci- quisa são livres de impostos, mas tra- trabalho. zação. Além disso, todos os documen-
A
dadãos dos programas assis- imprensa noticia regularmen- tadas burocraticamente do mesmo Como resolver o impasse? Talvez tos seriam apresentados em um prazo
tenciais e o melhor de tudo: os te as grandes dificuldades bu- modo que as importações comerciais, seja mais simples do que pensamos. predeterminado depois da entrada dos
governos federal e estaduais rocráticas que retardam for- que as empresas brasileiras fazem pa- O país atribuiria “passe livre” para os produtos importados, conforme as exi-
têm dinheiro. temente a importação de ma- ra comercialização ou uso em suas fá- pesquisadores brasileiros credencia- gências legais, e desse modo as irregu-
Temos dinheiro? Claro que teriais e equipamentos para os labora- bricas. É preciso apresentar muitos dos pelas agências de fomento do Mi- laridades poderiam ser facilmente iden-
sim! A cada redução de meio tórios de pesquisa brasileiros. São atra- documentos (muitos mesmo!) para li- nistério da Ciência, Tecnologia e Ino- tificadas e corrigidas, sem prejuízo pa-
ponto percentual da taxa de ju- sos enormes na liberação pela Receita berar os itens importados. E não é por vação (pesquisadores 1A, segundo a ra o andamento das pesquisas.
ros, sobram milhões de reais no Federal ou pela Anvisa, exigências nu- algum capricho ou espírito de perse- classificação do CNPq). A ideia do Talvez seja necessário alterar a le-
cofre da União; a arrecadação merosas de documentos e documen- guição dos órgãos controladores dos passe livre funcionaria assim: todos gislação de algum modo, ou pelo me-
fiscal, há dez anos, mantém-se tos, às vezes causando a deterioração aeroportos. É porque os documentos neces- nos as normas da Receita Federal, da
persistentemente acima da infla- de substâncias caras e preciosas por não existe diferenciação sários seriam apresen- Anvisa e de outras entidades. Mas, se
ção e do crescimento da econo- armazenamento inadequado, e outras entre uma coisa e outra tados como mandam a o país reconhecer que a ideia do “pas-
mia; os cofres públicos têm sido (muitas!) dificuldades. Um caso recente — as importações cien- As importações legislação e as normas, se livre” fomentaria decisivamente a
generosos com empreiteiras, fri- envolveu o meu instituto, e foi noticia- tíficas e as comerciais. mas “a posteriori”, ou ciência e a tecnologia, repercutindo
goríficos, bancos, certamente do pelo GLOBO há poucos dias. A questão, entretan- para a pesquisa seja, depois da libera- no desenvolvimento social e econô-
porque sobra dinheiro para gas- As importações — talvez o público to, é simples de concei- ção dos materiais im- mico, a tarefa de mudar a legislação
tos tão menos importantes do não saiba — são essenciais para o an- tuar, e também simples são tratadas como por tados. A Receita passa a ser quase uma obrigação dos
que a redução da violência. Há damento dos trabalhos em laborató- de resolver. Bastaria não os reteria nos aero- parlamentares e autoridades envolvi-
dinheiro — sequer precisamos rio, porque a nossa indústria não tem vontade política para importações portos como faz hoje, das. A decisão política, nesse caso, é
de impostos novos. ainda a diversificação e a especializa- isso. Conceitualmente, mas os liberaria de ime- fundamental. As mudanças burocráti-
ção técnica para produzir os itens o país precisa decidir comerciais diato, sob a responsabi- cas correspondentes são apenas con-
EDUARDO PERILLO é médico e que precisamos — reagentes, mate- se deseja alavancar a lidade dos pesquisado- sequências da primeira. E, convenha-
vice-coordenador do grupo de riais, equipamentos etc. Por conta ciência, a tecnologia e a res credenciados, que mos, é possível implementá-las.
pesquisa em Regulação Econômica e disso, precisamos importar. Mas, inovação para o seu de- posteriormente apre- Nesse caso, querer é poder.
Estratégias Empresariais da PUC-São com as exigências da Receita Federal senvolvimento. Há indicadores de sentariam os documentos e se res-
Paulo. MARIA CRISTINA AMORIM é e outros órgãos, um experimento que a opinião pública recebe bem es- ponsabilizariam legalmente pela sua ROBERTO LENT é professor e diretor do
economista, professora do pensado por um cientista pode ficar sa ideia, e o governo federal nos úl- utilização nos projetos de pesquisa. Instituto de Ciências Biomédicas da
Departamento de Economia e paralisado muitos meses pela demo- timos anos tem correspondido com Haveria malfeitos? Pouco provável. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
coordenadora do núcleo de pesquisa ra em conseguir trazer para o labo- recursos crescentes e medidas muito Os recursos de que os pesquisadores
em Regulação Econômica e ratório os insumos adequados, mes- positivas. Então, se é isso que todos dispõem para a compra de insumos O GLOBO NA INTERNET
Estratégias Empresariais da mo quando temos recursos financei- desejamos, cumpre dar aos pesqui- não permitem a compra de grandes OPINIÃO Leia mais artigos
PUC-São Paulo. ros para fazer a compra no exterior. sadores instrumentos especiais para quantidades, diferentemente das em- oglobo.com.br/opiniao