1) O documento descreve a história da cidade de Goiânia, incluindo sua fundação na década de 1930 como nova capital do estado de Goiás.
2) Attílio Corrêa Lima projetou o plano original da cidade inspirado em modelos urbanísticos franceses, com zonas separadas por atividades e perspectivas monumentais do centro administrativo.
3) Posteriormente, o engenheiro Augusto de Godoy modificou significativamente o plano original, criando novas praças, zonas, parques e um anel
1. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DISCIPLINA: Noções de Arquitetura
Professora: Grazielli Bruno Bellorio
Texto IV
HISTÓRICO DA CIDADE DE GOIÂNIA
A nova capital do Estado de Goiás foi construída em meio a grandes transformações políticas e
culturais no país. O desenvolvimento do Estado de Goiás durante as três primeiras décadas do
século XX não foi significativo. O extenso território do Estado era pouco povoado e baseado em
economia pecuária e agrícola de subsistência. A situação era de tal forma complexa, que a
população do Estado duplicava, e a de alguns Municípios ultrapassava a da capital.
O processo de acumulação capitalista em curso provocou uma luta pelo domínio do poder
político estadual, até então dominado pelos coronéis da família Caiado. O elemento que
faltava veio com a Revolução de 1930. O principal fator que levou a Revolução de 30 foi a crise
da política de valorização do café. Essa valorização aumentava o problema da superprodução
cafeeira, já que os preços eram mantidos artificialmente e levava consequentemente ao
aumento do plantio e tendia a beneficiar principalmente o Estado de São Paulo e dava
benefícios reduzidos aos demais Estados.
Assim, nomeado interventor por Getúlio Vargas, subiu ao poder liderando o movimento de
renovação das forças políticas, assumiu a mudança da Capital como fator fundamental para
se atingir os objetivos, dentro do programa Marcha para o Oeste. A "Marcha para o Oeste" foi
uma política de cunho nacionalista e desenvolvimentista que visava desenvolver e penetrar
para o interior do País, em direção à Amazônia. Goiânia seria um ponto geográfico, político e
ideológico desse projeto. Seria o símbolo do "grande, novo, progresso", que tiraria Goiás da
insignificância política econômica e seria o ícone da nova estrutura nacional.
A transferência da capital não se processou de forma tranquila, pois a oligarquia dominante de
Vila-Boa lutou fortemente para não perder o seu poder. Dona da cidade procurou manter o
controle da camada média da população, com dependência econômica, política e cultural.
As exigências levadas em consideração para a escolha do local foram a proximidade com a
Estrada de Ferro Goiás, clima bom, boa situação topográfica e mananciais de água fáceis de
serem aproveitados e que pudessem abastecer uma cidade de população acima dos 500 mil
habitantes. (TEIXEIRA, 1973)
Decidida a sua construção, por decreto de dezembro de 1932, teve o local definido para a sua
instalação já em março de 1933, baseado em relatórios da comissão encarregada de escolher
o local da nova cidade capital.
O território destinado a construção da nova capital foi formado a partir de doações, mas
principalmente de permutas e vendas de terras, tornando o Estado o proprietário do território de
3 643 hectares e 14 ares. Os fazendeiros doadores de terras tiveram o privilégio no processo de
construção e povoamento da cidade, na reserva de áreas do núcleo urbano para sua
habitação e a super valorização previsiveis. Tiveram ainda outros privilégios na exploração de
materiais necessários à construção da cidade, como madeiras, saibros e areia.
As obras foram iniciadas através de empréstimos realizados pelo governo Federal, além de
doações de verbas feitas também pelo Governo Federal. O interventor fez publicar em 13 de
janeiro de 1933 o Decreto 2 851, em que autoriza os empréstimos estaduais.
2. O URBANISTA DA NOVA CAPITAL
Attílio Corrêa Lima, nasceu em Roma em 1901, filho de escultor brasileiro que na época havia
recebido prêmio de estágio na Itália pela Escola Nacional de Belas Artes, tendo a família
retornado ao Brasil pouco tempo depois. Na adolescência cursou a Escola de Belas Artes como
aluno livre, diplomando-se engenheiro-arquiteto em 1925, pela mesma escola.Em 1926, ganhou
da Escola de Belas Artes o "Prêmio de Viagem ao Exterior", que consistia em estágio de
aperfeiçoamento profissional em Paris.
Attílio C. Lima realizou seus estudos entre 1927 e 1930. Foi o primeiro brasileiro a apresentar tese
ao Institut d'Urbanisme de L'Université de Paris. Como aluno, seguiu modelos relacionados com
trabalhos profissionais dos professores, realizados em cidades do interior da França, alguns até
vencedores de concursos internacionais, haja visto que o urbanismo francês se destacava entre
os mais avançados do mundo.
Conforme o relato do professor Edgar Graeff referindo-se ao partido urbanístico adotado por
Attílio C. Lima para a nova capital, onde "Attílio revela francamente suas fontes de inspiração e
seu desejo de grandeza". No início das investidas dos arquitetos brasileiros na arquitetura
moderna, portanto, Attílio C. Lima estava vivendo sua pós-graduação em Paris. Participando
das transformações da arquitetura em um outro ambiente, inclusive no Congresso Internacional
de Urbanismo em Paris no ano de 1928, e afastado das discussões que passam a envolver
principalmente os arquitetos cariocas.
Ao ser contratado para o projeto da nova capital de Goiás, Attílio C. Lima produz relatório
preliminar afirmando seu pensamento: "Da topografia tiramos partido também para obter
efeitos de perspectiva, com o motivo principal da cidade que é o centro administrativo. Domina
este a região e é visto de todos os pontos da cidade e principalmente por quem nela chega. As
três avenidas mais importantes convergem para o centro administrativo, acentuando assim a
importância deste em relação à cidade, que na realidade deve-lhe a sua existência".
(LIMA,1933).
O seu traçado radiocêntrico, além de permitir uma visibilidade maior e mais estratégica do
Palácio - pois as grandes comemorações cívicas deveriam dar-se ali - facultaria, por intermédio
das avenidas ali iniciadas, todas com traçado retilíneo, o acesso aos setores habitacionais e
comerciais.
No plano urbanístico original, previu-se a divisão de Goiânia em zonas e subzonas de atividades,
parques com a finalidade de preservar as matas ciliares, zonas de esportes e divertimentos, zona
universitária, espaços de lazer e divertimento; além disso, os prédios foram projetados de acordo
com a arquitetura Art Déco devendo possuir fachadas limpas, retilíneas, funcionais e claras.
Av. Goiás, 1942
Tendo falecido prematuramente em
decorrência de acidente aéreo na Baía de
Guanabara em 27 de agosto de 1943,
Attílio C. Lima foi substituído pelo
engenheiro Augusto de Godoy.
Sua relação com a nova capital de Goiás
era antiga, já tendo produzido relatório
encaminhado ao interventor sobre a
localização da nova cidade, após visita ao
local escolhido pela comissão de
localização. Nesse documento, oferece
3. inúmeras sugestões de medidas a serem adotadas no programa de construção da
capital.
Mais tarde, ao aceitar o novo convite, afirma: "A revisão do plano de Corrêa Lima me foi
confiada por insistência do Dr. Pedro Ludovico Teixeira. Godoy expressava seu pensamento no
primeiro relatório, e definindo a cidade moderna e sua ação civilizadora e econômica;
Godoy realizou um novo plano da cidade e estabeleceu etapas de implantação; primeiro os
setores central e norte, seis anos mais tarde o setor sul e só posteriormente o setor oeste;
regulamentou o desenvolvimento, produziu legislação urbana e fez previsão de cidades
satélites.
Ao refazer o projeto da cidade, Godoy estabeleceu uma nova praça, a Praça do Cruzeiro, em
contraponto com a Praça Cívica, com avenidas convergentes em "asterisco", e quadras
orgânicas acomodadas à topografia, com amplos espaços livres para áreas de lazer, liberando-
se as tradicionais ruas para o sistema viário, que ele antevia como intenso. Segundo Graeff, esta
reformulação do plano desestruturou o "monocentrismo de ranço barroco" proposto por Attílio
C. Lima, ao criar esta segunda praça em "asterisco".
4. As modificações efetuadas por Godoy foram
extremamente profundas:
• criação de 'park-way' em torno da represa do Jaó;
• criação de novas zonas, Diversões no Setor Central, Zona Universitária entre a Zona de
Diversões e Pq. Buritis; Zona Militar entre a Ferroviária e campo de aviação; Zona
Residencial de luxo junto à represa do Jaó;
• redefinição dos limites intra-urbanos (setores) e suburbanos;
• redefinição das áreas livres;
• criação do anel verde contornando o núcleo urbano;
• criação do cemitério 'Jardim dos Mortos', com reestruturação do cemitério de
Campinas;
Mas foi no Setor Sul que as alterações se consolidaram de forma mais forte, buscando um
tratamento mais efetivo de cidade-jardim. O tratamento do interior das quadras do setor sul foi
o passo na direção das unidades de vizinhança das quadras tais como em Radburn, cidade da
Inglaterra, onde belos e acolhedores parques propiciam lazer e conduzem pessoas aos
equipamentos de bairro, tais como a escola, o centro comunitário e lojas. (Fig.6) Esse sistema
interno das quadras está articulado com o planejamento das vias entre as quadras,
"possibilitando ao pedestre circular pela cidade com grande independência do automóvel".
(OTTONI, 1996, p.77)
Boa parte das primeiras edificações de grande porte do centro de Goiânia foi construída no
estilo art déco, entre as décadas de 1940 e 1950, e constituem um acervo significativo do ponto
de vista da história da arquitetura brasileira. Por esta razão, em 2003, partes do núcleo central de
Goiânia - bem como do bairro de Campinas - foram incorporadas oficialmente ao patrimônio
histórico e artístico nacional brasileiro.
Figura 6: Plano de Goiânia modificado por
Armando de Godoy.
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5. Desde sua fundação, Goiânia tem sido alvo de um grande crescimento demográfico e de uma
significativa expansão urbana. Em 1950, a cidade já superava as expectativas demográficas da
época da sua construção, ultrapassando a cifra dos 50.000 habitantes, o que já começou a
causar certo desconforto pelo excesso de veículos e pessoas em suas ruas.
Com a transferência do Distrito Federal para terras então pertencentes ao Estado de Goiás, a
inauguração de Brasília como capital federal e distante apenas 180 km de Goiânia, a explosão
demográfica e a expansão urbana que até então vinham ocorrendo foram tão impulsionadas
que se tornaram vertiginosas. Em 1980, a população da cidade já era estimada em cerca de
700 mil pessoas. Desde então, no geral, tanto o crescimento demográfico quanto a expansão
da área urbana do município de Goiânia se têm feito num ritmo mais lento que outrora.
Ainda assim, certas regiões do município, nomeadamente as zonas Noroeste e Sudoeste,
apresentaram, entre os anos 1991-2000, taxas de crescimento populacional anual bastante
expressivas (9% e 14,5%, respectivamente). O resultado de tais processos vem sendo a
periferização do espaço urbano de Goiânia - fenômeno para o qual têm contribuído também
os altíssimos índices de crescimento populacional de alguns municípios da região metropolitana.
É de se notar que a qualidade de vida e a urbanização, planejada para a nova capital
estadual, foram prejudicadas pelo crescimento demográfico e expansão urbana em razão do
que foi citado no parágrafo anterior. Os novos bairros surgidos na periferia de Goiânia jamais
desfrutaram dos ideais urbanísticos e da qualidade de vida projetada para seus moradores, da
mesma forma que as cidades satélites de Brasília jamais gozaram dos ideais urbanísticos de
Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.
Como conseqüência do crescimento demográfico e urbano que se tornou descontrolado,
tanto devido ao rápido crescimento econômico quanto a outros fatores, dentre eles a
transferência da capital federal e a migração da zona rural para a urbana ocorrida em todo o
país, o trânsito de Goiânia ficou seriamente prejudicado.
A idéia de monumentalidade de Attílio C. Lima, no entanto, acabou por se perder dentro de
seus próprios princípios, já que a abundante arborização obstruiu as perspectivas.
Acredito que perdeu-se a identidade de centro monumental da Praça Cívica , envolvida pela
reprodução do sistema de "asterisco", e ainda, o crescimento das atividades burocráticas do
Estado implicaram na construção de um anexo, por detrás do Palácio das Esmeraldas, com 12
pavimentos, o que, observadas as perspectivas do Attílio C. Lima, funciona como um pano de
fundo da praça, completamente fora de escala. (Fig.7)
Figura 7: Centro Administrativo como pano de fundo da Praça Cívica e Palácio das
Esmeraldas.
Assim, o centro de Goiânia exibe um desenho de certo modo aristocrático e barroco de
Versailles e Letchworth, o Setor Sul, nas modificações de Godoy, busca referências em Welwin
de Luís de Soissons, e o restante da cidade se submete às clássicas quadras convencionais de
60x250m, com amplas avenidas que separam conjuntos de quadras, e um sistema viário de
vários entroncamentos do tipo rótulas.
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6. Observa-se hoje que o desenho do Setor Sul permanece em grande parte inalterado. A
utilização de seus espaços, entretanto, não corresponde ao que foi intencionado. Os amplos
espaços públicos nos interiores das quadras não são de forma alguma utilizados, ou o são para
trânsito de acesso às casas que foram cnstruídas nos desmembramentos dos lotes originais.
Gradativamente, e facilitado pelo traçado generoso das avenidas, a cidade foi se
esparramando pelo território, ocupando os espaços com novos loteamentos em direção sul.
Novos bairros e loteamentos reproduziram o conceito de centro em "asterisco", com o
parcelamento em lotes e quadras convencionais dentro de um traçado de tabuleiro de xadrez.
O crescimento do número de automóveis ocorrido na década de 80, trouxe novos problemas
urbanos, para uma cidade interiorana, embora capital, passando então por vários Planos de
Reordenamento.
Como a cidade não é dotada de um transporte coletivo eficiente, exclusivamente atendida
por ônibus convencional, a população se utiliza potencialmente do automóvel particular. O
tráfego inicialmente se fazia de certa forma organizado por rótulas nos cruzamentos, estas
rótulas estão sendo substituídas por sinais luminosos colocados após o cruzamento que,
consideradas as dimensões das avenidas, tornam-se extremamente perigosos, e não garante a
travessia de pedestres.
Na década de 70 foram introduzidas modificações no sistema de transporte coletivo, com
assessoria ao arquiteto Jaime Lerner, estabelecendo dois eixos principais de transporte, norte-sul
e leste-oeste, proposta não desenvolvida integralmente e sem a necessária atualização.
Goiânia foi planejada para ser uma cidade jardim, cuja proposta inicial permite uma perfeita
convivência entre o cidadão e o meio ambiente. Quando o homem é considerado como parte
integrante da natureza ¾ e isto está subsumido na concepção original da capital do Estado de
Goiás ¾ e por alguma forma esta relação é alterada, a cidade devolve aos seus habitantes, às
vezes em forma de solidão, às vezes em forma de violência, as agressões que contra ela são
praticadas. A cidade que é edificada para o carro, dificilmente terá como prioridade o homem.
A cidade construída para o homem, jamais terá o carro como prioridade. Uma capital, como
Goiânia, concebida para uma convivência planejada e harmoniosa entre ambos, nunca
aceitará impune, a predominância de um sobre o outro. Felizmente, a atual administração
municipal, dentro de um processo de revitalização do Centro de Goiânia, toma algumas
medidas para resgatar parte da história arquitetônica da capital.
Com a aprovação do Novo Plano Diretor de Goiânia, através da lei complementar nº 171, foi
criada a Região de Desenvolvimento Integrado de Goiânia, na forma de microrregiões
compostas por sete municípios: Bela Vista, Bonfinópolis, Braz Abrantes, Caturaí, Inhumas, Nova
Veneza e Terezópolis de Goiás. Muitos dos parâmetros de funcionamento e atribuições dessas
região estão ainda em discussão pelo Governo e definidos em lei ordinária.
É necessário que outras medidas continuem sendo tomadas para que Goiânia – uma cidade
erigida sob a égide de um batismo cultural, e construída para que os seus habitantes tivessem
uma vida salubre, próspera e feliz, possa permitir que todos tenham o direito de usufruir das
condições ambientais e de progresso planejados, fundamentos alegados para a mudança da
antiga capital.
Apesar de ainda não ter decolado, parece existir a possibilidade de se pensar o país a médio e
longo prazo, ou seja, de se resgatar o planejamento estruturante, tanto para as cidades como
para as áreas metropolitanas e para a economia em geral.
Nesta perspectiva, espera-se que no plano estadual e municipal o planejamento de visão larga
passe a ser um instrumento necessário e indispensável para se alcançar objetivos concretos de
justiça social, de desenvolvimento sustentável.
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7. Quem sabe o ar das cidades poderá ser mais respirável, e as cidades poderão ser portadoras
de esperança, porque os gestores públicos substituirão as medidas improvisadas e intempestivas
por ações de curto, médio e longo prazo, planejadas, pensadas, participadas.
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