UNIVERSIDADE FEDERALDA BAHIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ELIANE FÁTIMA BOA MORTE DO CARMO
ENCRUZILHADAS METODOLÓGICAS: ENSINO DE
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
SALVADOR
2021
ELIANE FÁTIMA BOA MORTE DO CARMO
ENCRUZILHADAS METODOLÓGICAS: ENSINO DE
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Educação. Faculdade de Educação,
Universidade Federal da Bahia, como requisito
parcial para obtenção do grau de Doutora em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Pedro Adolpho Jongers Abib
SALVADOR
2021
ELIANE FÁTIMA BOA MORTE DO CARMO
ENCRUZILHADAS METODOLÓGICAS: ENSINO DE HISTÓRIA
DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em
Educação, Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.
Salvador, 06 de dezembro de 2021.
Banca Examinadora
Ana Célia da Silva _____________________________________________________________
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia
Universidade do Estado da Bahia
Cláudio Orlando Costa do Nascimento _____________________________________________
Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Nanci Helena Rebouças Franco __________________________________________________
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal da Bahia
Pedro Adolpho Jongers Abib _____________________________________________________
Doutor em Ciências Sociais aplicada à Educação pela Universidade Estadual de Campinas
Universidade Federal da Bahia
Rita de Cassia Dias Pereira de Jesus______________________________________________
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
AGRADECIMENTOS
Minha história começou muito antes, desde o início dos tempos imemoriáveis,
desde o surgimento do mundo e da existência sempre presente de meus ancestrais,
razão da minha vida e do meu existir no mundo. A cada um que encontramos ao
longo do nosso caminho contribui, sempre e, positivamente para a nossa evolução
enquanto pessoa. “Mas é preciso ter força, é preciso ter raça. É preciso ter gana
sempre, quem traz no corpo esta marca” “sabe a dor e a delícia de ser o que é”. São
inúmeras vidas negras na luta contra o racismo cotidiano que nos mata de várias
formas e muitas vezes olhar para os lados e se sentir solitária e sozinha no
enfrentamento deste monstro tão grandioso. Mas, por tudo isso é necessário, é
preciso lembrar e, consequentemente, agradecer.
Agradecer a família e a quem veio antes e existiram antes de mim. À
Francisca Conceição Cortês (in memoriam), vó Chica, pessoa que deixou sua marca
em toda minha trajetória de vida, inspiração e espelho. À Izabel Sandoval do Carmo,
vó Bezinha. À Elizete Boa Morte do Carmo e Antonio Aylton Sandoval do Carmo,
pais que com seu esforço e tentativas de acertos deu-me a base familiar que
constituiu o sou hoje. Aos meus filhos Caiodê Boa Morte do Carmo Cardoso e Aline
Stern, pessoas que amo incondicionalmente e que, com suas existências, me deram
força para seguir em frente. Grata por terem me escolhido como mãe.
Agradecer à banca de avaliação. Ao professor Dr. Pedro Adolpho Jongers
Abib – meu orientador – que me escolheu para trilharmos juntos esses anos de
estudo e aprendizado. Uma pessoa leve, criativa e sorridente, mas desafiante e
generosa em seu olhar.
A Profª. Dra. Ana Célia da Silva, pessoa que desde os anos 80 esta na minha
vida, desde as reuniões do Movimento Negro Unificado no clube dos Arquitetos na
Ladeira da Praça; quando fazia seu doutorado na Faculdade de Educação (FACED)
da Universidade Federal da Bahia (UFBA); na coordenação do Curso de Direitos
Humanos – Raça e Discriminação, no mestrado na Universidade do Estado da Bahia
(UNEB) e tantos outros espaços. Entre idas e vindas, nos encontramos. Tenho seus
estudos e livros como inspiração para minha trajetória de vida.
Ao Prof. Dr. Cláudio Orlando Costa do Nascimento que foi meu professor no
mestrado em História da África, da Diáspora e dos povos indígenas na Universidade
Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) quando o conheci como profissional
competente, profundo e ser humano admirável.
A Profª Dra. Nanci Helena Rebouças Franco, amiga, irmã, comadre, há mais
de 25 anos na minha vida, perto ou longe as afinidades nos unem na trajetória de
luta, reflexões em prol da temática étnico-racial.
A Profª Dra. Rita de Cássia Dias Pereira de Jesus, minha querida orientadora
do mestrado, pessoa linda em todos os sentidos. Mulher sensível, profissional
competente, ser humano inspirador.
Agradecer aos parceiros da pesquisa. Aos gestores Silvania Mendes Libório
Leão da Escola Municipal do Pescador; Jorge Antonio de Oliveira, da Escola
Municipal General Labatut; e Roberta Messias Costa da Escola Municipal Professora
Sonia Cavalcanti.
As coordenadoras pedagógicas Adriana Costa Silva Martins Nonato, Eliecilda
da Conceição Souza e Elienay Mabel da Paz Carneiro Araújo, das escolas
respectivamente citadas acima e sem cujas presenças nada poderia ter sido feito.
Agradeço a cada uma por seu empenho, dedicação e enfrentamento às divergências
e apoio aos professores que aceitam aos desafios de algo novo e desconhecido.
Agradecimento as amigas/irmãs Antonia Maria Almeida Alves e Noliene Silva
de Oliveira, pessoas que encontrei no caminho e que seguem comigo nas
discussões acerca da temática racial, com as quais aprendo a cada dia.
A todas as colegas da Diretoria Pedagógica (DIPE) da Secretaria Municipal
de Educação de Salvador (Smed) e, em especial, a Gerência de Currículo (GERC),
espaço em que atuo e com as quais compartilho conhecimento acerca da educação.
A todos os membros do Núcleo de Políticas Educacionais das Relações
Étnico-Raciais (Nuper), aos que atuam no Órgão Central, nas Gerências Regionais
(GR’s) e nas escolas da Rede Municipal de Educação.
Professoras e professores, coordenadoras pedagógicas e coordenadores
pedagógicos, gestoras e gestores, secretárias e secretários escolares, técnicas e
técnicos das Gerências Regionais, pessoas com as quais, no diálogo constante,
apresentam materiais a reflexões e conclusões provisórias dos caminhos a seguir.
Grata a todas as pessoas que ao passarem pela minha vida participam e
contribuem para minha evolução como ser humano.
E, por fim, minha total reverência a João Itamar Costa Cerqueira da Silva –
Pai João – e a Casa da Força Ancestral que mudou positivamente o rumo da minha
vida e da minha evolução espiritual.
Meu Pai de Pena, orientador incondicional, e aos orixás que me dão o
caminho, a força, o equilíbrio aos quais peço, diariamente, sabedoria.
Encruzilhadas, cruzamentos, encruza,
cruz...
Caminhos, caminhadas, caminhantes,
cambiantes...
Possibilidades, possíveis....
Livre escolha dada por Ele que nos
orienta, desorienta, sacode e tormenta.
São tantas escolhas e opções...
Quem poderá dizer que não tem para
onde ir?
Eliane Boa Morte
RESUMO
Quem é negro no Brasil? Esta pergunta suscita várias reflexões sobre a estrutura
populacional de Salvador, da Bahia e do Brasil, além de permite uma discussão das
características dos estudantes matriculados na rede e, concomitantemente, da
reflexão dos profissionais da educação, inicia o processo de construção de
metodologias para inserção da temática étnico-racial no currículo. A Lei nº
10.639/2003, no primeiro parágrafo, indica a obrigatoriedade do estudo da História
da África e dos Africanos. É neste conteúdo que centramos o presente estudo,
fazendo um panorama histórico e geográfico do Continente Africano, no sentido de
subsidiar as professoras e professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em
ampliar sua visão sobre o continente africano plural, diverso, com seu legado de
técnicas e conhecimentos, ampliando percepção para além de sua divisão
geopolítica formatada após a colonização do Continente pelos países europeus.
Toda nossa proposta de discussão é atravessada pelo estudo de currículo. Um
currículo que permita pensar a História da África e dos Africanos para além dos
estereótipos de fome, atraso no desenvolvimento, pobreza da população e dos
recursos minerais, guerras etc., ou seja, apenas uma visão negativa do mesmo. Esta
(re)construção do currículo, na escola, passa pela compreensão da complexidade
das questões que o envolve, das escolhas dos professores, das necessidades de
transversalisar os temas. A metodologia de pesquisa é de abordagem
predominantemente qualitativa, inspirada nos pressupostos da Pesquisa-Ação,
tendo como método de procedimento a Pesquisa-Formação realizada em três
escolas da Rede Municipal de Ensino de Salvador (Escola Municipal do Pescador,
Escola Municipal General Labatut e Escola Municipal Professora Sonia Cavalcanti)
do segmento dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A pesquisa a partir dos
projetos elaborados nas escolas participantes da pesquisa, em um processo de
construção coletiva e formação das professoras e professores, nos incitaram a
inserir, no currículo, alguns povos africanos. Estes elementos foram levados para o
cotidiano da escola em várias atividades nos diversos componentes curriculares e
na culminância de projetos. Por fim, propusemos caminhos, pistas, indicações e
proposições acerca da construção de um currículo que contemple a temática da
História da África e dos Africanos, de forma transversal ao conteúdo obrigatório dos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano). Estas reflexões levaram a
construção do Referencial Curricular Municipal para Educação das Relações Étnico-
Raciais de Salvador.
Palavras-chave: História da África. Ensino Fundamental. Formação de Professoras.
Currículo. Metodologia.
ABSTRACT
Who is black in Brazil? This question raises several reflections on the population
structure of Salvador, Bahia and Brazil and allows for a discussion of the
characteristics of students enrolled in the network and, at the same time, the
reflection of education professionals and starts the process of building methodologies
for the insertion of the ethnic-racial theme in the curriculum. Law 10.639/2003, in the
first paragraph, indicates the obligation to study the History of Africa and Africans. It
is on this content that we focus this study, making a historical and geographic
overview of the African Continent, in order to support teachers from the Initial Years
of Elementary Education in broadening their vision of the plural, diverse African
continent and its legacy of techniques and knowledge, in addition to its geopolitical
division formatted after the colonization of the Continent by European countries. Our
entire proposal for discussion is crossed by the study of curriculum. A curriculum that
allows thinking about the History of Africa and Africans, beyond the stereotypes of
hunger, development delay, poverty of the population and mineral resources, wars,
etc., that is, just a negative view of it. This (re)construction of the curriculum, at
school, involves an understanding of the complexity of the issues that involve it, of
the teachers' choices, of the needs to cross-cut the themes. The research
methodology is a predominantly qualitative approach, inspired by the assumptions of
Action Research, having as a method of procedure the Training Research carried out
in three schools of the Municipal Education Network of Salvador in the segment of
the Initial Years of Elementary Education. From the projects developed in the schools
participating in the research, and in a process of collective construction and training
of teachers, it led us to include some African peoples in the curriculum. These
elements were taken to the daily life of the school in various activities in the many so
curriculum components and in the culmination of projects. Finally, we proposed
paths, clues, indications and proposals about the construction of a curriculum that
addresses the theme of African and African History, transversally to the mandatory
content of the Initial Years of Elementary School (1st to 5th year). These reflections
led to the construction of the Municipal Curriculum Framework for Education in
Ethnic-Racial Relations in Salvador.
Keywords: History of Africa; Elementary School; Teacher Training; Resume;
Methodology.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 01 - Mapa da Expansão Bantu .......................................................... 60
Ilustração 02 - Mapa de Rotas Comerciais......................................................... 61
Ilustração 03 - Mapa do Território de Gana........................................................ 63
Ilustração 04 - Mapa do Império Mali (Séc. XIV) ............................................... 65
Ilustração 05 - Mapa do Império de Songai e seus “vassalos” (Séc. XVI)......... 67
Ilustração 06 - Quadro de Etapas do Curso História da África e dos Africanos
nos Anos iniciais do Ensino Fundamental..........................................................
82
Ilustração 07 - Grupo de Pesquisa..................................................................... 84
Ilustração 08 - Quadro do Plano de trabalho da oficina: Introdução a História
da África e dos Africanos.................................................................................... 90
Ilustração 09 - Quadro temático da Escola Municipal General Labatut: Povos,
países e tema por ano de escolaridade..............................................................
92
Ilustração 10 - Quadro temático dos Especialistas da Escola Municipal
General Labatut: Povos, países e temas por ano de escolaridade.................... 92
Ilustração 11 - Quadro de Encontros Formativos em pequenos grupos............ 94
Ilustração 12 - Imagem do quadro de discussão dos pequenos grupos............ 95
Ilustração 13 - Imagem da Fachada da Escola Municipal Professora Sonia
Cavalcanti...........................................................................................................
97
Ilustração 14 - Quadro Síntese do projeto Inicial................................................ 98
Ilustração 15 - Quadro do Plano de trabalho do Encontro Formativo:
Introdução a História da África e dos Africanos.................................................. 99
Ilustração 16 - Imagem do quadro de uma das discussões dos encontros na
Escola Municipal Professora Sonia Cavalcanti..................................
100
Ilustração 17 - Imagem da sala de aula do 3º ano da Escola Municipal
Professora Sonia Cavalcanti ............................................................................. 101
Ilustração 18 - Quadro de representação por Adinkra........................................ 103
Ilustração 19 - Capas de cadernos e cartazes dos projetos envolvendo a
temática África na Escola Municipal Professora Sonia Cavalcanti..................... 103
Ilustração 20 - Imagem do Bloco de Atividades – Ensino Fundamental Anos
Finais: 6º ano...................................................................................................... 128
Ilustração 21 - Quadro de distribuição dos temas prioritários............................ 129
Ilustração 22 - Figura de Árvore Genealógica (Caderno Nossa Rede).............. 135
Ilustração 23 - Imagem detalhe do quadro de uma discussão........................... 139
LISTA DE SIGLAS
AVANTE Avante Educação e Mobilização Social
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CAP Coordenadoria de Acompanhamento Pedagógico
CENAP Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico
CFP Coordenadoria de Formação Pedagógica
CIT Coordenadoria de Inclusão e Transversalidade
CMCN Conselho Municipal das Comunidades Negras
COVID-19 Doença por Coronavírus causada pelo vírus SARS-CoV-2
CPD Coordenadoria de Políticas e Diretrizes
CSM Coordenadoria de Suporte e Monitoramento
DCMEEQ Diretrizes Curriculares Municipais para Educação Escolar
Quilombola
DIPE Diretoria Pedagógica
EEQ Educação Escola Quilombola
EJA Educação de Jovens e Adultos
FACED Faculdade de Educação
FCP Fundação Cultural Palmares
GERC Gerência de Currículo
GR Gerência Regional
GTI/PCRI Grupo de Trabalho Intersetorial do Programa de Combate ao
Racismo Institucional
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICEP Instituto Chapada de Educação e Pesquisa
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
NI-PCRI Núcleo Interno do Programa de Combate ao Racismo
Institucional
NUPER Núcleo de Políticas Educacionais das Relações Étnico-Raciais
PAR Programa de Ações Articuladas
PCRI Programa de Combate ao Racismo Institucional
PEPMS Planejamento Estratégico da Prefeitura Municipal de Salvador
PMS Prefeitura Municipal de Salvador
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNLD Programa Nacional do Livro e do Material Didático
PPP Projeto Político Pedagógico
RCMERER Referencial Curricular Municipal para Educação das Relações
Étnico-Raciais de Salvador
REDA Regime Especial de Direito Administrativo
SEMUR Secretaria Municipal da Reparação
SMED Secretaria Municipal da Educação do Salvador
UFBA Universidade Federal da Bahia
UNEB Universidade Estadual da Bahia
UFRB Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 19
2 QUEM É NEGRO NO BRASIL? ....................................................................... 26
2.1 PERSPECTIVAS DE ALGUNS CONCEITOS................................................ 32
2.1.1 Raça / Etnia................................................................................................ 32
2.1.2 Miscigenação e Política de Imigração..................................................... 34
2.1.3 Negro........................................................................................................... 37
2.1.4 Racismo...................................................................................................... 38
2.1.5 Quesito Raça/Cor....................................................................................... 39
2.1.6 Autodeclaração / Heterodeclaração......................................................... 40
2.1.7 Política gradativa de Abolição, Lei Áurea e o 14 de Maio de
1888...................................................................................................................... 41
2.1.8 A importância e necessidade de implementação de políticas e de
dados.................................................................................................................... 45
2.2 ALGUMAS ESTRUTURAS MUNICIPAIS CITADAS....................................... 46
2.2.1 Setor da Secretaria de Educação ............................................................ 46
2.2.1.1 Núcleo de Políticas Educacionais das Relações Raciais......................... 46
2.2.1.2 Estruturas as quais o NUPER esta diretamente ligada a Secretaria da
Reparação............................................................................................................. 54
2.3 LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO MUNICIPAL VIGENTE................................. 54
3 HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: BASE DA CULTURA
BRASILEIRA........................................................................................................ 55
3.1 BERÇO DA HUMANIDADE! .......................................................................... 56
3.2 AFRICANOS: ESTRUTURAS SOCIAIS E ORGANIZAÇÕES
POLÍTICAS........................................................................................................... 58
3.3 ÁFRICA, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E A ESCOLA................................ 70
4 MERGULHANDO NO UNIVERSO DA ÁFRICA NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL.................................................................................... 78
4.1 PESQUISA-AÇÃO: ALGUNS RUMOS E CAMINHOS................................... 79
4.2 PERSCRUTANDO PERSPECTIVAS SOBRE A HISTÓRIA DA ÁFRICA E
DOS AFRICANOS................................................................................................ 82
4.2.1 Curso sobre África e os Africanos........................................................... 82
4.2.2 Participantes da Pesquisa......................................................................... 84
4.3 CRUZANDO CAMINHOS E PERSPECTIVAS: ESCOLAS, PROJETOS E
POVOS AFRICANOS........................................................................................... 88
4.3.1 Escola Municipal General Labatut............................................................ 88
4.3.1.1 A escola.................................................................................................... 88
4.3.1.2 O projeto da escola para 2019................................................................. 89
4.3.2 Escola Municipal Professora Sonia Cavalcanti...................................... 96
4.3.2.1 A escola.................................................................................................... 96
4.3.2.2 O projeto da escola para 2019 ................................................................. 97
4.3.3 Escola Municipal do Pescador................................................................. 103
4.3.3.1 A escola.................................................................................................... 103
4.3.3.2 O projeto da escola para 2019.................................................................. 104
4.3.4 Os Povos Africanos................................................................................... 106
5 ENCRUZILHADAS METODOLÓGICAS: PERSPECTIVAS E
POSSIBILIDADES................................................................................................ 113
5.1 UM OLHAR SOBRE O CURRÍCULO............................................................. 113
5.1.1 Programa Nossa Rede............................................................................... 117
5.2 COMPREENSÕES DA PESQUISA................................................................ 120
5.2.1 Coordenadores Pedagógicos................................................................... 122
5.2.2 Formação de Professores......................................................................... 123
5.3 REFERENCIAL CURRICULAR MUNICIPAL PARA EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS DE SALVADOR.................................................. 124
5.3.1 Anos Iniciais do Ensino Fundamental..................................................... 128
CONCLUSÃO....................................................................................................... 138
REFERENCIAIS................................................................................................... 145
APÊNDICE A - PROJETO DA ESCOLA MUNICIPAL GENERAL LABATUT.... 152
APÊNDICE B - CARTA CONVITE....................................................................... 154
APÊNDICE C – PLANO DE TRABALHO DA PRIMEIRA REUNIÃO COM
PESQUISADAS.................................................................................................... 156
APÊNDICE D - PERFIL COMPLETO DAS PARTICIPANTES............................ 157
APÊNDICE E – TERMO DE AUTORIZAÇÃO..................................................... 158
APÊNDICE F – SISTEMATIZAÇÃO DA PESQUISA.......................................... 159
ANEXO A - FICHA DE APLICAÇÃO DA ATIVIDADE DO CURSO.................... 160
ANEXO B - PLANEJAMENTO SEMINÁRIO DE ENCERRAMENTO DO
CURSO................................................................................................................. 162
ANEXO C - MAPAS UTILIZADOS PARA ESCOLHA DOS POVOS
AFRICANOS......................................................................................................... 163
ANEXO D - FLUXOGRAMA – NUPER 2021....................................................... 165
ANEXO E - TABELA GERAL DOS TEMAS PRIORITÁIOS................................ 166
ANEXO F – COMPÊNDIO: POVOS ESTUDADOS.............................................
19
1 INTRODUÇÃO
Ao longo de minha trajetória acadêmica e profissional fui, ao longo de
debates, oficinas, encontros e seminários, tentando encontrar respostas para as
dificuldades e dos porquês da não implementação da temática étnico-racial nas
escolas, mesmo após o advento da promulgação da Lei nº 10.639/2003. Faço parte
de uma geração de militantes dos movimentos negros que tinha como ação
prioritária discutir, formar e informar as comunidades, nos bairros de Salvador,
acerca da condição do negro na sociedade brasileira.
Através de atividades de formação de professores e demais profissionais da
educação, meu foco passou a ser a implementação da Lei nº 10.639/2003, e
posteriormente refletir acerca das dificuldades apresentadas na sua implementação.
Embora a primeira alegação tenha sido a falta de material didático para a
implementação da referida lei, posteriormente a dificuldade apresentada passou a
ser a falta de formação específica do profissional. Por fim, as universidades públicas
e particulares, as entidades não governamentais e o mercado editorial encontraram
um espaço a ser preenchido com cursos e materiais didáticos de diversos formatos.
Ao longo desses 18 anos, período de vigência da lei, sem, no entanto, desmerecer
toda a luta das discussões étnicas em educação, ainda não há efetiva aplicação da
mesma.
A avidez com que este tema passou a ser discutido na sociedade não deixou
de ter seu combate sistemático, não só pelo senso comum, como por setores da
academia. Bem como a produção de materiais que, longe de contribuir para a
discussão, oferece, muitas vezes, elementos para o aprofundamento de estereótipos
e preconceitos.
Os estudos feitos a partir dos materiais didáticos, mais notadamente dos
livros didáticos, é um capítulo importante desta discussão. Não basta ter material
que tragam em sua introdução ou capa a indicação de que “está em consonância
com a Lei nº 10639/2003”. É preciso o olhar atento do profissional da educação ao
analisar criticamente as informações contidas nos mesmos. Sendo assim, me propus
a refletir, inicialmente, e depois me aprofundar acerca de uma parte específica de
que trata a Lei nº 10.639/2003 e, posteriormente a Lei nº 11.645/2008 que modifica a
primeira, quando traz em seu texto que:
20
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino
médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o
O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá
diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a
formação da população brasileira, a partir desses dois grupos
étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos,
a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e
indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008,
grifo nosso)
Há muitas iniciativas de implementação da lei que obriga a inclusão no
currículo escolar a temática de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena,
reiteradamente em atividades estanques apresentada como culminância de algum
projeto ou mesmo em atividades isoladas a título de atendimento a lei acima citada,
porém sem realmente fazer parte de todo o currículo como apresentado na mesma.
A ênfase dada nestas atividades está ligada às necessidades e temas
imediatos, ou seja, aqueles que saltam aos olhos e que impõe uma discussão, ainda
que superficial, das professoras e dos professores que, mesmo não acreditando na
importância da discussão da temática, se arriscam a fazer um trabalho. Tal trabalho,
em geral, se traduz em desfiles de roupas, cabelos, maquiagem, dança, culinária,
roda de capoeira etc. Com raras exceções encontramos atividades que se pautem
em discussões das culturas africanas e dos africanos. Em sua maioria são sobre
temas pertinentes tais como, racismo, autoestima, cabelo, cor da pele, dentre outros,
sempre dando ênfase a fatos do cotidiano e da sociedade brasileira, referentes às
questões raciais.
Depois de vários processos de formação, discussão e ampliação do acervo
literário e de materiais pedagógicos ainda há uma limitação na aplicação destes
conteúdos no cotidiano escolar. As pistas metodológicas servirão como pontos
reflexivos e orientadores no repensar da prática pedagógica ao planejar a escolha
dos temas, os conteúdos que possam ser aplicados, respondendo as questões:
Como? Onde? Com quem? Para quem?
Portanto, perguntava-me, nestes momentos, qual seria o conteúdo de História
da África e dos Africanos, preconizada na lei, que seria apresentado nos currículos
escolares dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
21
Acredito ser importante a busca de raízes históricas do continente africano
para consolidar a construção das bases culturais da sociedade brasileira. Muito dos
conteúdos apresentados sobre a temática étnico-racial tem como início a
constituição do Brasil e o sistema escravista. Pouco, ou quase nada, fundamenta-se
no legado secular do continente africano em suas bases sociais, científica, artística,
linguística, enfim, culturais. Portanto, o recorte e a ênfase deste trabalho recaem,
especificamente, sobre a História da África e dos Africanos.
Sendo assim, creio na necessidade de discutir pistas metodológicas que
orientem os profissionais da educação a introduzirem no currículo escolar, no seu
fazer pedagógico cotidiano, o conteúdo de História da África e dos Africanos. A
escolha de pistas metodológicas se dá pelo fato de que, não é intenção a
elaboração de receitas, de atividades estanques, prontas para serem aplicadas sem
reflexão. As pistas metodológicas são sugestões reflexivas do processo de escolha
e aplicação dos referidos temas, indicando aos profissionais as possibilidades de
adaptação, de adequação do proposto à sua realidade. Este é um princípio
fundamental para esta proposta metodológica.
É importante esta reflexão inicial, pois o conteúdo de História da África e dos
Africanos é relativamente novo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Além
disso, há uma orientação cronológica ascendente empregada nos conteúdos de
História Escolar, partindo da História Local (do indivíduo) para a história de outros
lugares e em outros tempos (História Global). Há uma lógica, um roteiro de estudos,
pré-estabelecido que define a ampliação das informações históricas que são
iniciadas pelos conhecimentos do indivíduo, sua família, bairro, cidade, estado e
assim sucessivamente. Isso impõe uma necessidade, ao estudar os temas da
História da África e dos Africanos, de introduzir a ideia de continente, ideia de
países, de culturas diversas desde os Anos Iniciais, ou seja, desde o primeiro ano.
Pensar o Local relacionado com o Global, permeando todo processo pedagógico.
Pensar uma lógica transversal do conteúdo.
A legislação em vigor fundamenta a construção de uma política educacional
formulada pelos setores da Secretaria Municipal da Educação de Salvador (Smed) a
partir de estruturas administrativas-pedagógicas de aplicação do ensino com vistas a
aprendizagem foram elaborados documentos orientadores da execução deste
processo presentes no Nossa Rede - Projeto Pedagógico de Salvador, nos
22
Cadernos Pedagógicos Nossa Rede elaborados neste projeto, e nos diários de
classe dos Ciclos de Aprendizagem I e do Ciclo de Aprendizagem II, além dos livros
selecionados pelos professores nas escolas e que são enviados pelo Ministério da
Educação pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).
Todo este material pedagógico fornece aos profissionais da educação linhas,
diretrizes de conhecimentos, que devem ser adquiridos pelos estudantes em cada
ano letivo e ano de ensino. Conformando-se, portanto, em um arcabouço informativo
para a atuação dos profissionais de educação que se pressupõem em
aprendizagens esperadas ao longo dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Por que foi escolhida a Rede de Educação de Salvador para esta pesquisa?
Salvador é um município constituído de mais de 80% da população que se
declarou negra no Censo de 20101. Dados gerais da matrícula de estudantes na
Rede Municipal de 2021, ou seja, da creche aos Anos Finais de Ensino
Fundamental, corresponde à cerca 81% de negras e negros matriculados.
Importante salientar é o grande número de estudantes que não possuem sua
raça/cor declarada e que compõem os dados “não declarados” em um montante de
10% do total. Estes números são representativos da necessidade da discussão da
temática ético racial nesta rede de ensino.
Neste momento, vale salientar a necessidade de um conhecimento das
estruturas, dos projetos e dos programas que são pensados e colocados em prática,
não só para dar conta da aprendizagem nos anos letivos, bem como para corrigir
problemas ou desvios que surgem ao longo desta trajetória. Na maioria dos
sistemas municipais de educação há apenas uma professora ou um professor, nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que ministra aulas para todos os componentes
curriculares. Porém, na Rede de Ensino de Salvador, há cinco profissionais para
este período de ensino. Destes dois são profissionais com formação em Pedagogia
e três especialistas, respectivamente em Educação Física, Língua Estrangeira
(Inglês ou Espanhol) e Arte (uma das quatro linguagens: Dança, Teatro, Artes
Visuais ou Música).
1 Segundo os Indicadores Sociais Municipais – Uma análise do resultado do Universo do Censo
Demográfico 2010. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv54598.pdf
Acesso em: 18 jan.2021.
23
Esta necessidade de conhecer como se estrutura o Ensino Fundamental da
Rede de Ensino de Salvador foi evidenciada a partir do curso ministrado na Rede
Municipal, no ano de 2017, intitulado “Ensino de História da África e dos Africanos
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental”, ofertado aos profissionais da educação.
Foi, o citado curso, estruturado para ser um ciclo de oficinas realizado em 12
encontros formativos de 8h, cada um, com objetivo, a princípio, de “Elaborar pistas
metodológicas para o ensino da “História da África e dos Africanos” que
contemplasse, de forma transversal e transdisciplinar, os conteúdos ministrados nos
anos iniciais do Ensino Fundamental”. Porém, ao findar optou-se por uma nova
proposta de pesquisa a ser realizada com as egressas do curso.
A pesquisa foi realizada em três escolas da Rede Municipal de Ensino de
Salvador, a saber: Escola Municipal Professora Sonia Cavalcanti, localizada em
Cajazeiras; a Escola Municipal General Labatut, localizada em Pirajá; e a Escola
Municipal do Pescador, situada em Itapuã.
As reflexões feitas ao longo desses cinco anos foram atravessadas por
profundas mudanças sociais no Brasil. Alguns fatos impactaram decisivamente nas
escolhas e nos rumos da pesquisa. Em 2017 foi realizado o curso para professoras
e professores da Rede Municipal de Educação. No período de 2019 firmou-se a
escolha das Escolas e o início do trabalho de construção coletiva da inserção da
História da África e dos Africanos no cotidiano da sala de aula. Já em 2020, ano em
que iríamos consolidar a formação e a construção de metodologias para inserção
desta temática, irrompeu a pandemia de COVID-19 e o mundo todo entrou em um
processo de profunda mudança. Ficamos mais de um ano sem atividades escolares
presenciais e, ainda hoje, em 2021, o processo não foi totalmente retomado.
Portanto, é nesse bojo de mudanças muito rápidas e enorme volume de
informações que se insere esta pesquisa. Mudança de posição governamental, de
investimentos em educação e de orientação das perspectivas políticas para
educação no país. Vimos os recursos para as universidades públicas sendo
diminuídos a cada ano, informações de viés ideológico acerca da ação das
universidades e dos servidores públicos. Também presenciamos quase nenhum
financiamento em saúde, mais de 600 mil pessoas morrerem, pessoas adoecendo
por conta da obrigatoriedade do isolamento, as enormes filas para vacinação, a falta
da vacina e o racismo subterrâneo e silencioso explodir abertamente sem nenhum
24
pudor. E em meio a tudo isso, a partir de experiências coletadas na pesquisa, um
grupo de pessoas elaboraram um Referencial Curricular voltado para a Educação
das Relações Étnico-Raciais que contemplasse a perspectiva transversal de
temática.
Início, portanto, esta escrita tentando contextualizar a conjuntura política do
período de realização da pesquisa.
A tese está dividida em capítulos que procuram descrever o movimento da
pesquisa e apresentar os caminhos percorridos, no sentido de demonstrar os atores
e atrizes da construção da formação, da reflexão, das proposições e das
possibilidades da elevação da autoestima das alunas e dos alunos através do início
do conhecimento da História da África e dos Africanos para o nosso cotidiano
soteropolitano evidenciado pelo currículo escolar.
O primeiro capítulo demonstra alguns caminhos percorridos à luz da questão:
“Quem é negro no Brasil?”. Pergunta com a qual começamos as formações sobre a
temática étnico-racial na Rede Municipal de Educação. Ela suscita várias reflexões
sobre a estrutura populacional de Salvador, da Bahia e do Brasil, e permite uma
discussão das características das estudantes e dos estudantes matriculados na rede
e concomitantemente da reflexão dos presentes na discussão. Outros temas
potencializados por ela são: classificação da população pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE); conceitos de raça e miscigenação e implementação
da Lei nº 10.639/2003; seus temas e sua importância no currículo escolar.
No capítulo seguinte é proposto uma reflexão acerca da História da África e
da evolução humana, de técnicas que impactaram a humanidade -
consequentemente foi o legado que os escravizados trouxeram consigo - e que
formou a sociedade brasileira. Este capítulo busca fazer um panorama histórico e
geográfico do Continente Africano, no sentido de subsidiar a professora e o
25
professor dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em ampliar sua visão sobre o
continente. A ênfase dada a esta temática configurou-se em apresentar,
brevemente, as formas de organização social e política, a organização familiar, as
artes, as tecnologias, as línguas como forma de apresentar um continente plural e
diverso, que leve este profissional a não somente ver o continente a partir de sua
divisão geopolítica formatada após a colonização do continente pelos países
europeus.
O capítulo subseqüente apresenta o caminho percorrido para construção da
pesquisa de abordagem predominantemente qualitativa, inspirada nos pressupostos
da Pesquisa-Ação, tendo como método de procedimento a Pesquisa-Formação. A
partir dos projetos elaborados nas escolas participantes pesquisa, e em um
processo de construção coletiva e formação que nos levou a pesquisar os povos
Ovibundos, Zulus, Merina, Malês/Haussas, Kikuyu, Batu e Akan.
Enfim, chegamos às encruzilhadas metodológicas que tem a proposta de
apresentar uma reflexão a partir do processo desenvolvido no trato com os
profissionais de educação da Rede Municipal da Educação do Salvador, propondo
caminhos, pistas, indicações e proposições acerca da construção de um currículo
que contemple a temática da História da África e dos Africanos, de forma transversal
ao conteúdo obrigatório dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º Ano) nas
escolas. Estas reflexões levaram a construção do Referencial Curricular Municipal
para Educação das Relações Étnico-Raciais de Salvador.
.
26
2 QUEM É NEGRO NO BRASIL?
“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.”
Caetano Veloso
Este capítulo não tem como objetivo responder de forma aprofundada, a partir
de uma vertente antropológica, histórica ou social, a conceituação de negro na
sociedade brasileira, mas apontar elementos de uma discussão realizada durante
alguns anos no setor da Secretaria de Educação do Município de Salvador que tem
como função implementar políticas acerca da temática étnico-racial no âmbito da
secretaria. São experiências adquiridas através do diálogo com os profissionais da
educação dos vários setores do Órgão Central, das Gerências Regionais2
(GR’s) e
de outros que atuam nas mais de 400 unidades escolares3
da Rede Municipal de
Educação.
A questão título deste capítulo é realizada, constantemente, nos últimos
quatro anos quando da minha atuação como coordenadora do Núcleo de Políticas
Educacionais das Relações Étnico-Raciais (NUPER), setor ligado à Diretoria
Pedagógica da Secretaria de Educação do Município de Salvador (DIPE). Enquanto
representante da Secretaria de Educação no Comitê Técnico do Programa de
Combate ao Racismo Institucional (PCRI), coordenado pela Secretaria da
Reparação e que integra o planejamento estratégico da Prefeitura do Salvador,
tenho como função executar as ações propostas pelo comitê, bem como
implementar as ações previstas no Plano Municipal de Políticas de Promoção de
Igualdade do Programa de Combate ao Racismo Institucional, que tem como um dos
seus objetivos principais a inserção do Quesito Raça/Cor4
em todos os documentos
oficiais das secretarias.
2 As Gerencias Regionais fazem parte da estrutura da Secretaria de Educação em uma gestão
descentralizada. Há atualmente 10 Gerencias Regionais que dividem administrativamente a
educação em Salvador. Cada uma delas abriga um número de escolas, de um total de 432 (no ano
de 2020). As GR’s são: São Caetano, Centro, Cidade Baixa/Liberdade, Subúrbio I, Subúrbio II,
Cabula, Orla, Itapuã, Cajazeiras e Pirajá.
3 Atualmente a Secretaria conta com um total de 431 unidades escolares. Disponível em
http://educacao3.salvador.ba.gov.br/ Acesso em: 27 jun. 2021.
4 Ver: Plano Municipal do Programa de Combate ao Racismo Institucional – 2017 – 2020 - Eixo 2 –
Monitoramento e Avaliação 2.3 Acompanhar a Inclusão do quesito raça/cor nos sistemas de
informação e formulários de atendimento. Salvador, p. 31, 2017.
27
Desde então o NUPER tem envidado esforços no sentido de, através de
orientações e solicitações, fazer com que os diversos setores da Secretaria
Municipal da Educação (Smed), ao elaborarem suas listas de presença das
atividades realizada na Rede de Educação possam inserir o Quesito Raça/Cor.
Sendo assim, no final do ano de 2017 foi proposta esta inserção nas
atividades relativas à Jornada Pedagógica daquele ano, porém, argumentou-se que
não bastava colocar o quesito Raça/Cor nas listas de presença, as pessoas
deveriam entender o porquê desta proposição. Tal proposta deu início a uma
metodologia de trabalho que possibilitou ampliar e aprofundar ainda mais a
discussão da temática étnico-racial, iniciando justamente por esta pergunta: “Quem
é negro no Brasil?”.
No ano de 2018 o Quesito Raça/Cor foi discutido nas formações de
professoras e professores, em encontros em escolas e outras atividades. Em 2019
esta discussão se tornou mais intensa e foi iniciada já a partir da Jornada
Pedagógica, momento em que são reunidos todos os setores do Órgão Central,
além das gestoras escolares e gestores escolares, as gestoras e os gestores das
Gerências Regionais e coordenadoras e coordenadores pedagógicos. A lista de
presença da ação onde estavam reunidas as pessoas que executam a política
educacional da Rede de Educação de Salvador serviu como diagnóstico para
proposta de outras ações. Através dos dados coletados nesta lista em particular
foram elaborados gráficos que serviram de base para discussões em reuniões em
cada Gerência Regional (GR) refletindo sobre os posicionamentos de cada gestora e
gestor escolar frente a este tema e propondo iniciativas para levar esta discussão a
cada unidade escolar. Em suma, a inclusão do Quesito Raça/Cor nas listas de
presença nos levou não apenas a incluir a questão, mas também e, principalmente,
desenvolver uma sistemática de explicação do porquê da solicitação desta
informação. Desde então a pergunta: “Quem é negro no Brasil?” se tornou o tema
porta-de-entrada para a discussão da temática étnico-racial nos diversos encontros
e rodas de conversa proporcionadas pelo NUPER.
Nas ações de formação, sensibilização ou discussão em oficinas, lives,
cursos e palestras, esta pergunta permite que os participantes reflitam sobre a
composição da população brasileira. Tomado de surpresa e sem saber se acertará a
resposta, geralmente os participantes falam de si, de sua descendência e de seus
28
ascendentes ou então buscam uma generalização, respondendo que “todos no
Brasil são negros” e justificam esta resposta em função de estarmos em uma
sociedade miscigenada e, consequentemente, todos possuem sangue negro.
Partindo desta premissa sempre ocorre o retrucamento de ambas as respostas. No
primeiro caso relembramos que a pergunta se refere ao Brasil e não a uma pessoa
em particular e no segundo caso de que no Sul do país ainda há colônias de
poloneses, italianos, alemães dentre outras. Enfim, esta questão introdutória suscita
várias reflexões sobre a estrutura populacional de Salvador, da Bahia e do Brasil e
permite uma discussão das características dos participantes e, posteriormente, das
estudantes e dos estudantes matriculados na rede.
Há um roteiro básico de discussão elaborado ao longo da experiência em
sensibilização a frente do Nuper com os diversos grupos de profissionais da Rede
Municipal de Educação de Salvador. Ressalto que não se trata de uma metodologia
de curso e sim um breve roteiro que possibilita a abertura, através de perguntas, de
novas formas de pensar e refletir sobre pontos muitas vezes consolidados, nos
quais, nesses momentos específicos eles e elas se debruçam por alguns instantes.
O objetivo não é fechar questão, mas sim deslocá-los de suas certezas.
Posteriormente à pergunta “Quem é negro no Brasil?” é exposto o resultado
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de 1976, que nos revelou
135 cores5 com as quais os brasileiros se autoclassificaram. A princípio a leitura da
lista provoca risos e inquietações. Ao final da exposição da lista é apresentada a
classificação atual proposta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) (preto, pardo, branco, amarelo e indígena) através da qual os dados são
coletados, e que servem como base para propostas de políticas públicas. Em
seguida voltamos à pergunta realizada enquanto categoria de negro proposta
oficialmente. Em todos os documentos oficiais, tal como carteira de identidade,
carteira nacional de habilitação, passaporte, carteira de trabalho, ou mesmo
inscrição em concursos públicos e matrícula em instituição de ensino, ao fazer o
cadastramento este item, dentre outros, seu uso é requerido, sendo, pois necessário
atentar para sua existência e orientar as estudantes e os estudantes para este
preenchimento. É enfatizado que na classificação oficial não há a palavra negro.
Então, somente a partir desta ressalva os participantes entendem que as políticas
5 Lista das 135 cores esta disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/racismo05.pdf Acesso
em: 02 jun. 2021.
29
públicas realizadas para negros se constituem tomando por base dados de pretos e
pardos. Evidenciou-se que poucos profissionais da educação sabem desta
diferença, fator que é notado em várias atividades elaboradas e em falas onde os
termos são usados como sinônimos.
Há muitas discussões e discordâncias acerca das terminologias de preto,
negro e pardo. Caberiam vários debates, porém, tais conceitos são utilizados em
todas as sensibilizações a partir dos parâmetros oficiais estabelecidos pelos órgãos
públicos responsáveis por esta política, pois as discussões são circunscritas a um
público específico, a saber, servidores e servidoras públicas da prefeitura de
Salvador. Sendo assim, na função de servidora e servidor público, não cabe a
militância sem lastro oficial, ou meramente proposições particularizadas ou com
referência apenas acadêmica.
Todos esses elementos são importantes para construção de uma narrativa
que a partir de reflexões concretas possam nos colocar a serviço do responsável
direto da nossa ação, que é a população soteropolitana, mas notadamente as
estudantes e os estudantes matriculados na Rede Municipal de Ensino de Salvador.
É importante levar em consideração que o discurso do senso comum é de
que “somos um país mestiço”, miscigenado e misturado. Por isso perguntamos se é
possível que um dia uma pessoa acorde e decida se autoclassificar “puxada para
branca” ou “quase preta” ou ainda “cor de cuia”? Esta pergunta nos leva a iniciar
uma discussão acerca das dificuldades que as pessoas possuem em se enquadrar
em uma classificação e a tendência de focarem na cor da pele como parâmetro para
tal. Vale ressaltar que desde o primeiro recenseamento geral da população
realizado em 1872, com exceção dos anos de 1900 e 1920, todos possuíram o
quesito cor como parâmetro na coleta de dados (ROSEMBERG, 2003; OSÓRIO,
2004; PETRUCELLI, 2004).
As reflexões feitas a partir desta ampla categorização de pardo – promovida
pela lista das 135 cores no PNAD - e a possível tendência de se afastar cada vez
mais do que é apresentado como negro no Brasil é realizada a partir da
apresentação do quadro “A Redenção de Cam”, de 1895, do pintor espanhol
Modesto Brocos y Gómez, onde tem início as discussões acerca da política de
imigração e posterior política de “branqueamento” da população.
30
A política de imigração é a política governamental que subvencionou a vinda
de imigrantes europeus para o Brasil e que justifica dizer que o Brasil não é todo
negro, como muitos afirmam em função das colônias localizadas no sul do país.
Aliada a imigração ocorre a política de “branqueamento” da população e
apresentamos como referência João Batista de Lacerda que, em 1911, fez sua
participação, em Londres, no Primeiro Congresso Universal das Raças, onde o
cientista, médico, antropólogo e diretor do Museu Nacional levou uma cópia do
quadro, referido em parágrafo acima, para demonstrar sua tese de que através da
miscigenação em três gerações, menos de um século, o Brasil seria habitado por
brancos (SOUZA E SANTOS, 2012; SCHWARCZ, 2011).
Estas revelações levam ao questionamento inicial e ao processo de negação
do ser negro construído e amalgamado ao longo da formação da sociedade
brasileira. Tal fato ocasiona, dentre outros fatores, à dificuldade de autoaceitação do
ser negro e a busca, através da rememoração da árvore genealógica, para
autoclassificação o aproximar-se ao ideal entendido como ser branco. A dificuldade
individual, portanto, é fruto de um processo coletivo na construção da sociedade
brasileira da negação do ser negro.
Neste momento parto para refletir, através de dados atualizados extraídos da
matrícula, a composição das alunas e dos alunos dispostos pela classificação oficial
apresentada pelo IBGE, ou seja, preto, pardo, branco, amarelo e indígena. Além da
discussão sobre o negro, somatório dos pretos e pardos, há outro elemento que nos
chama à atenção que são os “não declarados”. Em média, ao longo dos anos,
podemos observar que 10% do total dos alunos e alunas matriculadas não declaram
o Quesito Raça/Cor. Concluímos que em torno de 80% dos matriculados são
negros. Questionamos os amarelos existentes e constatamos o baixo número de
indígenas.
Sendo as estudantes negras e os estudantes negros a maioria dos
matriculados na Rede Municipal de Educação de Salvador passamos a apontar para
quem devem ser direcionadas as políticas públicas relativas à temática étnico-racial.
Além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996,
que através da Lei nº 10.639/2003, alterada pela Lei nº 11.645/2008, nos obriga ao
estudo, para atingir aspectos como os citados a seguir,
31
[...] estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil (BRASIL, 2003).
Destaco que também há um conjunto de leis municipais que respaldam a
implementação desta política educacional na Rede Municipal de Educação.
Outro elemento importante a ser observado são os dados levantados através
da matrícula. Exceto, possivelmente, na modalidade de Educação de Jovens e
Adultos (EJA), que já possuem idade para se autodeclararem no período da
matrícula, os demais estudantes são matriculados por seus pais ou responsáveis.
Isso nos leva à constatação de que a classificação, ou seja, o preenchimento do
Quesito Raça/Cor seja uma heteroclassificação.
A heteroclassificação6 também está presente quando os participantes das
discussões dizem se orientar pelo que está registrado na certidão de nascimento, ou
seja, outra pessoa a identificou no ato do assentamento do registro, como se a
identidade, enquanto referencial pessoal e biopsicossocial dos sujeitos sociais, não
fosse construída ao longo da vida e, apenas valesse esta informação. Talvez como
forma de ter certeza, em meio aos vários elementos constituintes da sua família, de
se perceber como negra/negro ou branca/branco ou mesmo como parda/pardo. Isso
nos leva a informar que cabe a professora ou ao professor buscar estratégias para
levar as estudantes e os estudantes a reflexões a partir da sua autoclassicação.
Portanto, este dado deve estar presente nas discussões relativas à temática étnico-
racial no cotidiano da escola e, consequentemente presentes no currículo escolar.
Além da legislação nacional há as legislações municipais que embasam esta
discussão e nos convoca a pensar de forma mais detida para o currículo escolar e
os posicionamentos a serem assumidos por todos os profissionais da educação no
sentido de tornar a legislação não apenas letra, mas acima de tudo uma ação
concreta que favoreça, positivamente, a formação, a autoestima e o intelecto das
estudantes e dos estudantes.
6 Em trecho à frente estarei ampliando discussão a respeito do conceito de heteroclassificação e
autoclassificação.
32
2.1 PERSPECTIVAS DE ALGUNS CONCEITOS
Há a necessidade de demarcar as perspectivas com as quais cada um dos
conceitos é utilizado e quais as bases nas quais eles estão assentados e são
apresentados nas discussões acima citadas. Não há pretensão de esgotar ou
aprofundar tais conceitos, pois não é o propósito deste trabalho. No entanto,
achamos prudente demonstrar, mesmo que de forma elementar, o ponto de vista a
qual nos norteamos sobre os mesmos.
2.1.1 Raça / Etnia
Nos encontros formativos, lives, oficinas e nas discussões realizadas em
relação ao conceito de Raça, o mesmo é exposto na perspectiva de Raça Humana,
como apresentado biologicamente. Embora entenda que o conceito de Raça,
historicamente, foi apresentado como negativo, no sentido de separar brancos e não
brancos, ele passou a ter um forte cunho social quando o movimento social negro
organizado o reafirmou e ativou positivamente.
Vale salientar de que esta igualdade biológica, que nos coloca a todas e todos
enquanto seres humanos, não é efetivada na prática. O objetivo último é de que a
população negra seja tratada como seres humanos igual a qualquer outro. No
entanto, as marcas físicas são utilizadas para inferiorizar grupos em detrimento de
outros. Ainda são elas que demarcam o acesso e a obtenção de direitos sociais e de
políticas públicas.
Esta diferença entre o conceito biológico e o conceito social de raça criam
algumas distorções, pois Raça ainda é fortemente representado como diferenças
fenotípicas, reforçado pela cor da pele e traços físicos tais como cabelos, nariz e cor
dos olhos. Em salas de aulas algumas professoras e alguns professores explicam a
formação do Povo Brasileiro como sendo o encontro de três raças: o branco
português, o negro africano e o indígena, ou seja, apresenta os diferentes tipos
humanos como “raças” distintas.
Há no discurso fácil das professoras e dos professores de que o Brasil é fruto
de uma mistura, de que somos um “povo misturado”. Como se o mesmo fosse
homogêneo e em função desta “mistura de raças” temos “uma diversidade” que
33
demonstra a “beleza da cultura brasileira”. Uma simplificação rasa e perigosa, pois
não expõem as contradições existentes na sociedade, referentes às diferenças
sociais estabelecidas a partir das características físicas.
Ao confundir a miscigenação com elementos culturais herdados dos
diferentes grupos humanos que formaram a sociedade brasileira os profissionais da
educação criam outras narrativas a partir de bases frágeis, supostamente
acadêmicas e científicas. O discurso da “mistura” é reforçado pela máxima de que
“todos somos iguais perante a lei”, porém, não expõe a condição da população
negra em não possuir seus direitos assegurados conforme preconiza a lei maior do
nosso país.
Há também uma dificuldade de utilizar o vocábulo Etnia. Muitas vezes
utilizado como sinônimo de Raça. Há falas, encontradas no espaço educacional,
como “raça branca” ou “etnia europeia”, ambas utilizads para designar todos os tipos
humanos que possuam as características fenotípicas de “pele clara, olhos claros e
loiros”. De igual modo ocorre com a imagem de um indígena e outra de um preto,
ser designados como “etnia indígena” e “etnia negra”, respectivamente, sem o
entendimento que os povos indígenas possuem várias etnias distintas no território
brasileiro e que os negros, no continente africano, constituem-se em inúmeras etnias
o que denota, não somente diversas culturas, mas também diferenças nas
constituições físicas destas etnias.
Em suma, o viés empregado por muitos dos profissionais da educação ao
conceito de Raça é o de demarcação fenotípica e não biológica, sendo que o
fenótipo é uma demarcação construída socialmente para segregação e
inferiorização de um grupo em função de outro.
A proposição de que “todos somos iguais” é pertinente quando tomado no
sentido biológico, porém, no sentido da construção social da cor (BARROS, 2009), o
não branco é percebido socialmente de forma inferiorizante, fruto de um processo
histórico que tem como base dois pilares de constituição da sociedade brasileira, a
saber: a colonização portuguesa e o sistema escravista.
Embora sejamos “todos iguais perante a Lei” (BRASIL, 1988), isto não se
efetiva na prática, pois o nosso “racismo de marca” (NOGUEIRA, 2007), se expressa
no cotidiano através da discriminação racial que invariavelmente sempre aparece
nos depoimentos das participantes e dos participantes.
34
Nosso propósito em enfatizar a visão biológica do conceito raça está no fato
de que nossas estudantes e nossos estudantes7, em sua maioria negra, como
elementos pertencentes à raça humana possuem intelecto, criatividade e
potencialidades iguais aos demais da raça humana. Sendo, pois, necessários que
estes profissionais não os vejam como inferiorizados ou incapazes apenas por seus
atributos físicos. Vale ressaltar que esta perspectiva argumentativa será
aprofundada no capítulo seguinte.
2.1.2 Miscigenação e Política de Imigração
A partir das falas das professoras e dos professores durante as formações
notei que a miscigenação não é apontada como uma proposição positiva ou
negativa, a ênfase dada é na política de imigração e de branqueamento da
população feita pelo governo brasileiro no final do século XIX e início do século XX e
que reverbera até hoje nas falas dos profissionais de educação.
Constantemente a sociedade brasileira é apresentada como fruto de uma
“mistura”, “somos todos misturados”, “temos no Brasil uma mistura muito boa”, a
miscigenação é quando “as etnias se misturam, por exemplo: o europeu se casa
com a etnia africana”: tais falas são recorrentes entre os profissionais da educação
em Salvador.
Os posicionamentos mencionados nos remonta à fala do crítico literário Silvio
Romero (1949) que afirmava: “formamos um paiz mestiço... somos mestiços se não
no sangue ao menos na alma” (ROMERO, 1949 apud SCHWARCZ,1993, p.15).
Nas nossas rodas de conversa a miscigenação é discutida a partir da
dificuldade de autodeclarar-se apresentada a partir da exposição das 135 cores do
brasileiro (PNAD, 1976). Esta dificuldade pode estar assentada em vários fatores,
porém, o que é pontuado como reflexão é a política de governo que fomentou a
miscigenação, embora houvesse fortes oposições a este fato. Em algumas oficinas
apresento um trecho da fala de Monteiro Lobato, descrita por Martinho da Vila
(2011), para ilustrar este posicionamento contrário:
7 Nossos e nossas no sentido de pertencimento à Rede Municipal de Ensino a qual atuo diretamente
como Coordenadora do Nuper e desta maneira me refiro, em alguns momentos ao construir a
narrativa dos encontros formativos, espaço de colaboração e co-criação.
35
“Um dia se fará justiça ao Ku Klux Klan; tivéssemos
uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e
estaríamos livres da peste da imprensa carioca-mulatinho fazendo o
jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do
negro destrói a capacidade construtiva” 8
escreveu em 1938 o
escritor, censurado pelo governo por racismo. (VILA, 2011)
Já Smaniotto (2010) expõe que, em um trecho de O presidente negro, o autor
Monteiro Lobato declara: “A nossa solução foi medíocre. Estragou as duas raças,
fundindo-as. O Negro perdeu as suas admiráveis qualidades físicas de selvagem e o
branco sofreu a inevitável penhora de caráter.” 9
Quando apresento o quadro “A redenção de Cam” (de Modesto Brocos y
Gómez, 1895) trago a tona além da discussão das impressões de que a imagem
causa, a proposição de branqueamento da população brasileira e o seguinte
questionamento: pode uma pessoa ser chamada de branca se ela tem uma mãe
parda e uma avó preta?
Todo esse diálogo traz à luz todas as tentativas de responder quem é negro
no Brasil, fazendo alusão a sua genealogia do grupo humano ao qual busca
pertencer ou quando como se autodeclararia frente à classificação do IBGE.
Importa destacar que a política oficial do governo colonial brasileiro é
representada pelo cientista brasileiro João Batista de Lacerda que participou do
Primeiro Congresso Universal das Raças, ocorrido em Londres em 1911, onde este
estudioso e Roquete Pinto foram subvencionados pelo governo brasileiro, bem como
instruído a fazer propaganda do país. A tese defendida por Lacerda foi de que: “O
Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída
e solução” (LACERDA, 1911 apud SCHWARCZ,1993, p.15 -16).
O autor reconstruía, por meio de imagens, não só argumentos como
perspectivas da época. O país era descrito como uma nação
composta por raças miscigenadas, porém em transição. Essas,
passando por um processo acelerado de cruzamento, e depuradas
mediante uma seleção natural (ou quiçá milagrosa), levariam a supor
que o Brasil seria, algum dia, branco. (SCHWARCZ,1993, p.16)
8 VILA, Martinho da. Monteiro Lobato não era racista. Nós também não somos. Portal Geledés. São
Paulo, 27 de Abril de 2011 (Educação/ Dossiê Monteiro Lobato). Disponível em:
https://www.geledes.org.br/monteiro-lobato-nao-era-racista-nos-tambem-nao-somos/ Acesso em:
Acesso em: 24 mar. 2021.
9 SMANIOTTO, Edgar Indalecio. O Presidente Negro: síntese do pensamento racista de Monteiro
Lobato. Portal Geledés. São Paulo, 29 de outubro de 2010 (Educação/ Dossiê Monteiro Lobato).
Disponível em: https://www.geledes.org.br/o-presidente-negro-sintese-pensamento-racista-de-
monteiro-lobato/ Acesso em: 24 mar. 2021.
36
Prognósticos afirmavam que em 50 ou até 200 anos os negros sumiriam
dando lugar a pessoas de pele branca (DOMINGUES, 2002), pois a imigração
desejada, incentivada e subvencionada era de povos europeus, não sendo, pois,
interessantes asiáticos, africanos ou mesmo afro-americanos (GOMES, 2003;
DOMINGUES, 2002; WERMUTH, 2020). Sendo assim:
Instalou-se um círculo vicioso. A entrada em massa de imigrantes
brancos reforçava as teses de branqueamento, que, por sua vez,
clamavam por mais imigrantes.
Em 1921, o Estado do Mato Grosso ofereceu concessões de terras
para empresários americanos. Quando souberam do recrutamento
de trabalhadores afro-americanos para ocupar tais terras,
imediatamente, o presidente do Estado, um bispo católico, cancelou
as concessões. (DOMINGUES, 2002, p. 580)
O pesquisador suíço Louis Agassiz, em visita ao Brasil, assim o descrevia em
1868:
Que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua
por mal-entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que
as separam, venha ao Brasil. Não poderá negar a deterioração
decorrente da amálgama das raças mais geral aqui do que em
qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapidamente as
melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um
tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental
(AGASSIZ, 1868 apud SCHWARCZ,1993, p.17).
Ainda perpassa no discurso de professoras e professores a ideia de que a
aparência, os traços físicos (“o negro com esta boca maravilhosa”) é a forma de
identificar ou caracterizar todos os negros no Brasil. Algumas falas comumente
escutadas são: “Eu tenho características étnicas, meu marido tem características
étnicas e nossos filhos terão as características étnicas de nós dois”. A ênfase na
“mistura” que possibilita a “diversidade cultural tão maravilhosa”.
São encontrados também nas falas de alguns profissionais vestígios desta
política de branqueamento, pois cada vez mais tentam se distanciar no elemento
negro para se aproximar do elemento branco, ainda considerado como elemento de
prestígio. A maioria exalta os povos europeus como justificativa para
autoclassificação.
Ainda permeia no imaginário coletivo que vivemos em uma democracia racial.
Este mito de harmonia veiculado por professoras e professores contrasta
37
frontalmente com a realidade apresentadas nos jornais diariamente e, por certo, com
o cotidiano vivenciado por nossas alunas e nossos alunos na periferia da cidade do
Salvador. Quando eles, profissionais da educação, evidenciam esta “mistura” e esta
suposta igualdade, homogeneização e isonomia de direitos sociais estão reforçando
o mito da democracia racial que, embora contestado veementemente, ainda
perpassa pelo discurso desses profissionais.
2.1.3 Negro
Embora este termo provoque divergências em função da semântica atribuída
a ele, que varia ao longo da história e do emprego desde na língua portuguesa, o
utilizamos como força aglutinadora, na busca do entendimento que, na união de
pretos e pardos, ganhamos em união dos grupos minoritários em manutenção de
seus direitos, e mesmo na compreensão e acesso aos direitos existentes em
políticas públicas, ainda que muitos afirmem que chamar de negro seja considerado
ofensivo e tentem chamar de morena as pessoas com características negroides.
Em função da legislação em vigor que define racismo como crime10
, e das
diversas vertentes sociais que discutem o vocábulo atribuindo-lhe distintas
significações, faz com que as pessoas empreguem o termo negro em contextos
distintos, muitas vezes com o mesmo significado de preto.
A ênfase no uso do termo negro recai na necessidade de demarcarmos
alguns aspectos. Primeiro, reforçar que é empregado para definir as políticas
públicas no Brasil, elaboradas com base em dados disponibilizados pelo IBGE e
reforçadas pelo Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010,
que apresenta, no artigo 1º inciso IV, a seguinte definição de população negra:
[...] o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas,
conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam
autodefinição análoga. (IBGE, 2010)
Segundo, que ao apresentar a tabela de matrícula, comprovamos que a
maioria das estudantes matriculadas e dos estudantes matriculados são,
10 Lei nº 7.716 de 05 de janeiro de 1989 que define crimes de preconceito de raça ou de cor, também
conhecida como Lei Caó.
38
invariavelmente, representativa da composição da população em Salvador. Este
fato, apresentado em dados, nos autoriza a enfatizar a necessidade das políticas
educacionais voltadas para a temática étnico-racial e, ousar em dizer, não ser
necessária leis que nos obriguem cotidianamente, a inserir esta política, pois
bastaria olhar para as estudantes e os estudantes para que isso fosse feito de fato.
Sendo assim, assume-se o discurso político e social do termo negro (embora
com defenda da premissa de que em uma visão biológica todos sejamos seres
humanos) como forma de demarcar um posicionamento amplo e aglutinador entre
pretos e pardos, em busca de atingir a maioria dos matriculados, associando-os à
cultura associada a valores oriundos dos povos africanos que formaram a sociedade
brasileira e soteropolitana, que imprimiu, indubitavelmente, seus conhecimentos e
forma de ser à cultura vigente em Salvador.
2.1.4 Racismo
Não há como fazer a discussão da temática racial ou de temas correlatos sem
passar pela reflexão das diferenças entre alguns conceitos que, muitas vezes, são
tomados como sinônimos ou mesmo com significados completamente distintos e
errôneos. Por isso, invariavelmente nas falas os termos preconceito, discriminação e
racismo são mencionados indistintamente. Cabe, necessariamente, demarcar suas
diferenças conceituais. Sendo assim, é exposto que:
Racismo: ideologia baseada em teorias e crenças que estabelecem
hierarquias entre raças/etnias e que historicamente tem resultado em
desvantagens sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais
para pessoas e grupos étnicos raciais específicos por meio da
discriminação, do preconceito e da intolerância. (BAHIA, 2014)
Discriminação racial ou discriminação étnico-racial: toda
distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,
ascendência, origem nacional ou étnica, incluindo-se as condutas
que, com base nestes critérios, tenham por objeto anular ou restringir
o reconhecimento, exercício ou fruição, em igualdade de condições,
de garantias e direitos nos campos políticos, social, econômico,
cultural, ambiental, ou em qualquer outro campo da vida pública ou
privada (BAHIA, 2014)
Preconceito: Como seu nome o indica, é um “pré” conceito uma
opinião que se emite antecipadamente, sem contar com informação
suficiente para poder emitir um verdadeiro julgamento, fundamentado
39
e raciocinado. Ao contrário do que se possa pensar, são opiniões
individuais. (GELEDES, s/d, p.30)11
Estereótipo: É um conjunto de traços que supostamente
caracterizam a um grupo, deformando sua imagem da mesma
maneira que quando se faz uma caricatura, com todos os perigos de
distorção e empobrecimento da percepção social. Na Comunicação é
muito comum praticar o estereótipo em relação à imagem das
mulheres, em especial as mulheres negras. (GELEDÉS, s/d, p.28 -
29)
É importante apresentar as diferenças conceituais para que as profissionais e
os profissionais de educação possam empregá-los de maneira correta ao longo do
seu exercício profissional. Muitas vezes este não entendimento conceitual faz com
que sejam expressas nas falas elementos como: “racismo reverso” ou “negros
racistas” ou ainda “negro que são racistas com outros negros”. Expressões que
servem como elemento de reflexão à luz dos conceitos apresentados.
2.1.5 Quesito Raça/Cor
O Quesito Raça/Cor, tal como é apresentado atualmente pelo IBGE, e que é
utilizado como parâmetro para obtenção dos dados relativos ao estudo da população
brasileira, foi instituído a partir do Censo de 1991.
Importa ressaltar que há um longo percurso de recenseamentos gerais da
população iniciado em 1872; o segundo foi realizado em 1890, posteriormente em
1900 e 1920, porém nesses dois não foram coletados dados sobre a cor da
população. No censo de 1940, foi acrescentado a categoria “amarelo” para atender
os imigrantes asiáticos e, a partir do Censo 1991, foi inserido a categoria “indígena”,
perfazendo o total de cinco categorias populacionais utilizadas atualmente, a saber:
preto, pardo, branco, amarelo e indígena. (PIZA e ROSEMBERG, 2003; OSÓRIO,
2004; PETRUCELLI, 2004).
Muitas vezes o Quesito Raça/Cor nos leva a polêmicas, pois há quem alegue
que a classificação rígida, referenciada por um agente externo, o IBGE, não
possibilita uma flexibilização nem ampliação das referidas categorias. Há pessoas
que não aceitam serem “enfeixadas” nas categorias propostas, pois possuem
11 GUIA DE ENFRENTAMENTO AO RACISMO INSTITUCIONAL. Geledés – Instituto da Mulher
Negra. São Paulo: Ibraphel Gráfica. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/wp-
content/uploads/2016/04/Guia-de-enfrentamento-ao-racismo-institucional.pdf Acesso em: 24 jun.
2021.
40
diversas ascendências e que não acham justo escolher uma para sua classificação,
em detrimento de outra.
Há de considerar que estes dados são de extrema relevância não só pela
discussão que leva os indivíduos envolvidos a pensarem sobre o lugar onde ocupa,
ou seja, a partir de que perspectiva esta pessoa entende ou viabiliza a discussão da
temática, mas, indicando o percurso pelo qual irá percorrer para fazer com que as
estudantes e os estudantes na Rede Municipal de Educação reflitam sobre si e de
como estes dados impactam na garantias de direitos e nas políticas públicas da
cidade do Salvador.
É necessário a partir de uma visão pessoal de autodeclaração ou
autoclassificação passar a pensar no que impacta coletivamente. As políticas
públicas voltadas para a população negra no Brasil é uma tomada de consciência
dos direitos assegurados as cidadãs brasileiras e aos cidadãos brasileiros que, nem
sempre chega à periferia das grandes cidades, onde muitos não reivindicam por falta
de conhecimentos de tais direitos.
A distribuição da população no espaço da cidade, em função do Quesito
Raça/Cor, denota um padrão que remonta a própria constituição da cidade. O que
aparentemente pode ser considerado por muitos como “normal”, revela uma
desigualdade, uma segregação reforçada ao longo da história e que recai, muitas
vezes, no discurso de que a desigualdade é de cunho financeiro e não racial. As
políticas públicas de saúde, transporte, educação circulam mais facilmente em
determinados bairros e em outros não. Por quê?
Portanto, apresentar e problematizar a partir dos dados coletados do Quesito
Raça/Cor e relacioná-los com os direitos básicos das cidadãs e dos cidadãos
soteropolitanos podem apresentar elementos que revelem quantitativamente o que é
sentindo cotidianamente de forma qualitativa.
2.1.6 Autodeclaração e Heterodeclaração
A tabela com dados das estudantes matriculadas e dos estudantes
matriculados também serve para fazer a discussão com as professoras e os
professores e as gestoras e os gestores das informações de heteroclassificação,
pois, com exceção dos maiores de 18 anos, os demais são matriculados por seus
41
pais ou responsáveis, que utilizam sua visão de mundo para informar, ou não
informar, o Quesito Raça/Cor da dependente e do dependente do qual está fazendo
o processo de matrícula. Isso nos leva a propor a professora e ao professor que
viabilize discussão da autodeclaração por parte das alunas e dos alunos para que, a
partir desta experiência pessoal, possibilite o início do processo de
autoconhecimento e do processo pessoal de construção de identidade.
Proporcionar momentos de reflexão sobre a autoclassificação é, portanto, um
momento inicial de compreensão do processo de construção da sociedade. É
importante e necessário reconhecer que a heteroclassificação e a autoclassificação
são processos distintos, embora ambos estejam na base da identidade.
É notório que a identidade se constitui na relação com o outro social e que,
por este fato, deve estar no currículo escolar de forma planejada e apoiada em um
conhecimento da temática por parte da professora e do professor que mediará este
processo. Processo este que se inicia desde o espaço familiar, depois quando a
criança é registrada em cartório e posteriormente matriculada na Educação Infantil,
ou seja, é no espaço de convivência que a identidade de constrói.
2.1.7 Política gradativa de Abolição, Lei Áurea e o 14 de maio de 1888
É extremamente pertinente refletir acerca do processo histórico no qual se
constituiu a sociedade brasileira; que a questão étnico-racial não seja encarada a
partir de suas consequências sem entender, ao menos de forma parcial, as causas.
São simplórias as afirmações expostas em frases como: “quem cria os homens, se
não as mulheres?” ou “o negro alimenta o racismo”. Tais observações demonstram
que cabe à vítima a culpa pelas violências a elas infligidas. Demonstra,
indubitavelmente, uma percepção imediatista de questões complexas.
Para iniciar um processo de reflexão sobre estas questões são citadas
algumas leis que possa levar, mesmo que superficialmente, a refletir o processo
histórico ao qual a população negra foi relegada para que, pelo menos, as
participantes e os participantes desses encontros possam imprimir outro olhar sobre
a condição desta população hoje, em uma perspectiva de dar subsídios para que
possam se deslocarem de suas visões cristalizadas de normalidade desta condição.
42
As leis comentadas são: Lei de Proibição ao Tráfico Negreiro (1831), Lei de Terras
(1850), Lei do Sexagenário (1885), Lei do Ventre Livre (1871) e Lei Áurea (1888).
Como essas leis ajudam na reflexão da realidade da população hoje?
Partindo da perspectiva de que cada encontro não se constitui em um curso de
história e que o tempo é exíguo para reconstituir um processo histórico de mais de
500 anos de Brasil, apenas assinalamos elementos no sentido de apresentar alguns
pontos que permitam perceber as condições atuais da população negra em Salvador
e no Brasil.
O Reino Unido proibiu o tráfico negreiro em 1807 em suas colônias e
começou a pressionar outros países para fazer o mesmo. Sua pressão levou o
governo a fazer a Lei de 7 de novembro de 1831 que “declara livres todos escravos
vindos de fora do Império, e impõe penas aos importadores dos mesmos escravos”.
Esta lei iniciava o processo de proibição do tráfico negreiro, também conhecida
como “lei para inglês ver”, pois a proibição só se “consolidou” com a Lei nº 581, de 4
de setembro de 1850 que “estabelece medidas para a repressão do tráfico de
africanos neste Império”.
No mesmo ano da proibição do tráfico foi promulgada a Lei nº 601, de 18 de
setembro de 1850, onde “Dispõe sobre terras devolutas do Império”. A lei em vários
de seus artigos favorece a consolidação do imigrante na ação de colonizador das
terras e trabalhador livre, “importação de colonos livres”; “e de promover a
colonização nacional e estrangeira”, como também dá prioridade de compra de
quem as possuía. Vejamos sobre isso no trecho a seguir,
Os possuidores de terra de cultura e criação, qualquer que seja o
titulo de sua acquisição, terão preferencia na compra das terras
devolutas que lhes forem contiguas, comtanto que mostrem pelo
estado da sua lavoura e criação, que tem os meios necessários para
aproveital-as. (BRASIL, 1850a)
No ano de 1885 a Lei nº 3.270 “regula a extinção gradual do elemento servil”,
também conhecida como Lei do Sexagenário, pois afirma no Art. 3º, parágrafo 10
que:
[...] são libertos os escravos de 60 annos de idade, completos antes
e depois da data em que entrar em execução esta Lei; ficando,
porém, obrigados, a titulo de indemnização pela sua alforria, a
43
prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de três anos.
(BRASIL, 1850b).
A lei do Ventre Livre, Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871,
[...] declara de condição livre os filhos de mulher escrava que
nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e
outros, e providencia sobre a criação e tratamento daqueles filhos
menores e sobre a libertação annaul de escravos... (BRASIL, 1871)
Porém, o título desta lei contrasta com o Art. 1º que diz:
Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Imperio desde a
data desta lei, serão considerados de condição livre.
§ 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos
senhores de suas mãis, os quaes terão obrigação de crial-os e tratal-
os até a idade de oito annos completos. Chegando o filho da escrava
a esta idade, o senhor da mãi terá opção, ou de receber do Estado a
indemnização de 600$000, ou de utilisar-se dos serviços do menor
até a idade de 21 annos completos. No primeiro caso, o Governo
receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente
lei. A indemnização pecuniaria acima fixada será paga em titulos de
renda com o juro annual de 6%, os quaes se considerarão extinctos
no fim de 30 annos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro
de 30 dias, a contar daquelle em que o menor chegar á idade de oito
annos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbitrio
de utilizar-se dos serviços do mesmo menor. (BRASIL, 1871)
Ao fazer referência à lei do Ventre Livre (1871), pergunta-se aos presentes na
formação: Quem já teve a curiosidade de ler o texto da lei? A resposta fornecida
sempre é de isso não ter sido feito. Logo, é desconhecido que o “Senhor” tinha até
30 dias, depois da criança completar 8 anos, para entregá-la ao Estado para criá-la,
mediante o recebimento de uma indenização (indenização de alguém livre!?) ou
utilizar “seus serviços” até 21 anos.
Finalmente é apresentada a Lei nº 3.353 de 13 de maio de 1888 que “declara
extinta a escravidão no Brasil”.
Tais leis são apregoadas e reafirmadas, inclusive nas escolas, sem uma
análise dos textos legislativos. Mas, notamos que muitas delas foram promulgadas,
mas não foram efetivadas, ou seja, não passaram a existir de fato no cotidiano. A
começar pela “lei para inglês ver” cujo significado é: existe, mas não se efetiva.
Sobre os possíveis motivos para tal postura estão: Lei de Terras, lei de venda de
terras devolutas não contemplava boa parte da população que aqui existia, mas que
44
priorizava quem já possui terras e a imigrantes europeus. Lei do Ventre Livre que de
forma legal possibilita que estas crianças nascidas “livres” pudessem trabalhar até
os 21 anos. Por fim uma lei que liberta todos os escravizados que, ainda estivessem
nesta condição em 13 de maio de 1888. A Lei Áurea, com dois artigos, não
assegurou direitos daqueles que ao longo de séculos sustentou, constituiu e
solidificou a sociedade brasileira.
Para ter uma visão mais ampla da condição da população negra atualmente é
conversado a respeito dos dias após o 13 de maio de 1888, onde a moradia, a
saúde, as condições de trabalho, a educação, enfim os direitos não foram extensivos
a população escravizada, ora liberta por força da lei.
Sendo assim, podemos constatar, a partir de dados do IBGE (precisamente
os dados das Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, 2018), 12
que os
pretos e os pardos estão sempre em condições inferiores quando comparados com
os brancos, seja em relação aos rendimentos salariais (entre os 10% de maiores
rendimentos: brancos 70,6% x pretos e pardos 27,7%), ao fornecimento de água
potável (branco: 15,1% x pretos e pardos: 17,9%) ou mesmo a coleta de lixo
(brancos: 6% x pretos e pardos: 12,5%), a não possuírem máquina de lavar
(brancos: 21% x pretos e pardos: 44,8%), ou possuírem um grande número de
analfabetos (analfabeto com 15 anos ou mais: brancos 3,9% x pretos e pardos
9,1%).
Mas, basta termos os dados?
Esta realidade deve ser analisada à luz do processo histórico de constituição
da nossa sociedade sob pena de focarmos apenas nas consequências sem um
mínimo de entendimento das causas que nos levaram a esta realidade, colocando,
apenas no indivíduo a culpa por um processo coletivo de muitos anos.
As condições e os direitos da população negra na sociedade brasileira hoje é
fruto do processo escravista e do que se denomina efeito “dia 14 de maio de 1888”,
que reverbera até hoje. 13
12 Dados de 2018 obtidos através da tabela de “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”.
Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/10091/0?indicador=82296 Acesso: 02 jul.
2018.
13 Para fazermos toda esta discussão foi utilizada a música intitulada 14 de maio, composta por Jorge
Portugal e Lazzo Matumbi.
45
2.1.8 A importância e necessidade de implementação de políticas e de dados
No final das reflexões e apresentação da tabela referente à matrícula
atualizada das estudantes e dos estudantes, em todos os segmentos, distribuídos no
quesito raça/cor, são analisados os dados obtidos a partir das cinco classificações
do IBGE e o impacto dos dados dos “não declarados” no percentual do total de
alunas negras e alunos negros (somatório de pretos e pardos).
Assim, a partir desta exposição, enfatizam-se dois pontos. O primeiro, que a
maioria das matriculadas e dos matriculados são negros e consequentemente a
política da temática racial é e deve ser feita para a maioria. Que não seria
necessária a obrigatoriedade, porém, mesmo existindo uma legislação em vigor,
ainda há servidora pública e servidor público que violam frontalmente a legislação
quando, em uma ação pessoal, unilateral, afirma não concordar com esta discussão.
Ora, observa-se que se houvesse uma seriedade no acompanhando da política
pública por parte das gestoras e dos gestores, tal atitude incidiria em um processo
administrativo por não atendimento ao que é obrigatório em lei, ou seja, um crime de
prevaricação.
O segundo ponto é a importância dos dados para efetivação de políticas
públicas a partir do conhecimento de informações básicas de determinado segmento
a fim de aplicar aporte financeiro, de pessoal e de estrutura em pontos necessários,
fazendo um planejamento que atenda pontos frágeis da administração pública. Há
um arcabouço legal de ações afirmativas para combate à discriminação da
população negra que se efetiva a partir de dados coletados de forma fidedigna. Tais
dados irão orientar as gestoras e os gestores na aplicação dos recursos disponíveis.
Nas oficinas, discussões e rodas de conversas com gestoras e gestores
escolares municipais tais elementos são chamados à atenção, pois no momento da
matrícula, realizada anualmente, é necessário dar orientação aos agentes que
atende a população no sentido de não deixarem de preencher os dados referentes
ao quesito raça/cor que consta no formulário de matrícula.
46
2.2 ALGUMAS ESTRUTURAS MUNICIPAIS CITADAS
2.2.1 Setor da Secretaria da Educação
2.2.1.1 Núcleo de Políticas Educacionais das Relações Raciais
O Núcleo de Políticas Educacionais das Relações Étnico-Raciais (NUPER) foi
constituído a partir da dissolução da Comissão para Implantação e
Acompanhamento da Lei nº 10.639/2003, instituída em 11 de maio de 2005, DOM Nº
3.933. A primeira Portaria do NUPER sob o Nº 268 foi publicada no DOM 4.464 de
31 de maio a 02 de junho 2008, atualizada através da Portaria de Nº 380 do DOM
4.702, de 29 de julho do mesmo ano. A Portaria mais recente é a de N° 134/2019,
publicada no DOM N° 7.327, em 15 de março de 2019 que revoga a anterior de N°
183/2017 publicada no DOM nº 6.820 em 11 de abril de 2017. Esta Portaria reafirma
que o NUPER tem por finalidade “propor, implementar e acompanhar políticas
educacionais relativas às questões raciais”.
Ao longo dos seus 13 anos de existência, o NUPER promoveu várias
atividades de formação e de participação de eventos e representação da/na
Secretaria de Educação. Infelizmente diversos registros e arquivos em sistema da
rede e físicos, que poderiam corroboram tais informações, em virtudes de
constantes mudanças de localização da própria secretaria, problemas nos sistemas
de armazenamento de dados e bem como a falta de cuidado em armazenar
documentos que poderiam compor o acervo do Núcleo, contribuem para que muitos
dados encontrem-se inatingíveis e/ou perdidos. Uma perda inestimável, enquanto
registro histórico, para a rede municipal, pioneira na consolidação dos movimentos
voltados para as questões étnico-raciais.
Inicialmente o Núcleo integrou a Assessoria Técnica, ou seja, era um órgão
ligado diretamente ao Gabinete da Secretaria. Em 2010 passou a compor a então
Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico (CENAP), atualmente denominada
Diretoria Pedagógica (DIPE). Entre os anos de 2010 e 2016 houve algumas reuniões
de planejamento, participação em atividades do Programa de Combate ao Racismo
Institucional (PCRI) e a realização de seminários. Tais atividades foram realizadas
com a liderança da coordenadora pedagógica Antonia Maria Almeida Alves e David
47
Rehem. Em 2017 iniciou-se uma proposta de reestruturação do NUPER ao
evidenciar-se que em todas as suas versões anteriores o Núcleo era somente
composto por pessoas que atuavam no Órgão Central e para chegar aos espaços
escolares com sucesso potencializador era necessário descentralizar.
Na Portaria nº 183/2017, o NUPER passou a ser organizado com a
participação de um titular e um suplente de cada Gerência Regional (GR) e
Membros do NUPER. Vale ressaltar que foi uma atualização da composição do
Núcleo feita no intervalo de nove anos.
Com esta nova composição foram realizadas reuniões mensais, ao longo do
ano de 2018 que culminaram com a elaboração do primeiro Regimento Interno do
NUPER, publicado em 2019, no DOM Nº 7.327 em 15 de março.
Em sua nova estrutura o mesmo é composto por um titular e um suplente de
cada GR, um representante da DIPE, uma representação do Conselho Municipal de
Educação e um representante de cada Coordenadoria existente na DIPE
(Coordenadoria de Formação Pedagógica (CFP), Coordenadoria de Inclusão e
Transversalidade (CIT), Coordenadoria de Acompanhamento Pedagógico (CAP),
Coordenadoria de Políticas e Diretrizes (CPD), Coordenadoria de Suporte e
Monitoramento (CSM)).
Dentre as diversas representações e atividades desenvolvidas pelo Núcleo
destacamos atualmente: Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI),
Educação Escola Quilombola (EEQ) e elaboração do Referencial Curricular
Municipal para Educação das Relações Étnico-Raciais de Salvador (RCMERER).
a) Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI)
O Programa de Combate ao Racismo Institucional é um programa
coordenado pela Secretaria da Reparação e que passou a fazer parte do
Planejamento Estratégico da Prefeitura Municipal de Salvador (PEPMS). A
Secretaria de Educação acompanha o PCRI desde o ano de 2005. Inicialmente as
ações das secretarias da Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) eram
desenvolvidas através do Grupo de Trabalho Intersetorial do Programa de Combate
ao Racismo Institucional (GTI/PCRI) o qual elaborou a aprovou o Plano Municipal do
48
Programa de Combate ao Racismo Institucional de 2014/2016 e atualização do
Plano Municipal do PCRI – 2017/2020 e 2021/2024.
Em 2016 foi publicado o Decreto n° 27.099, que instituiu o Comitê Técnico de
Combate ao Racismo Institucional composto por representantes das 27 secretarias
da PMS.
As ações deste programa são realizadas, na SMED, através do Núcleo
Interno do Programa de Combate ao Racismo Institucional (NI-PCRI) que tem como
objetivo “apoiar a execução das ações e decisões do Comitê, de forma a
transversalizar as atividades do PCRI” (SALVADOR, 2017), elaborando, anualmente
um Planejamento Anual Setorizado. O Núcleo Interno é composto por servidoras ou
por servidores, estatutários ou não, dos órgãos que compõem o Comitê e deve ser
oficialmente instituído via Portaria. A Portaria nº 61 de 26 de março, publicada no
DOM nº 7.971 de 27 a 29 de março de 2021, define os mais recentes integrantes do
NI-PCRI da Secretaria de Educação.
Os integrantes do Comitê do PCRI também se destacam nas discussões
sobre as Cotas nos Concursos Públicos Municipais, de acordo com o Decreto Nº
24.846 de 21 de março de 2014, e integram as Comissões de Verificação de
autodeclararão dos candidatos dos concursos púbicos municipais, pessoas que se
autodeclararam, no momento da inscrição, pretos ou pardos, consoante definição
estabelecida pelo IBGE.
O NUPER, através do NI-PCRI integrou o Plano Unificado de Formação, da
Gerência de Currículo, onde foi reservado um tempo de fala de trinta minutos, em
cada formação, para explanar acerca do Programa de Combate ao Racismo
Institucional. Desta relação com as coordenações da Gerência de Currículo
(sobretudo a Coordenadoria de Formação Pedagógica) possibilitou uma maior
divulgação do Programa. Está planejada a inserção de um espaço de fala, sobre o
PCRI, nas formações da Gerência de Gestão Escolar de modo a rever, sobretudo,
informações referentes ao quesito raça/cor, nome social, bem como informar às
pessoas que vão trabalhar na matrícula para o correto preenchimento dos itens
acima.
49
b) Comissão de Educação Escolar Quilombola e Educação do Campo
Após reestruturação do Núcleo de Políticas Educacionais das Relações
Étnico-Raciais - NUPER realizado em 2017, foram incluídas as ações relativas às
Diretrizes Curriculares Municipais para Educação Escolar Quilombola (DCMEEQ)
(Resolução CME nº 33/2015) em seu planejamento de 2017, 2018 e 2019.
A concepção do NUPER de formação para implementação das DCMEEQ
esta alicerçada na reflexão da prática pedagógica e no estudo das leis e normas que
embasam a temática, destacando as atividades e ações realizadas, na escola,
durante todo o ano letivo e não em momentos pontuais, a exemplo do que ocorre
notoriamente no período de 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência Negra).
Apresentamos como ponto inicial a discussão das diretrizes em todas as suas
dimensões: da Estrutura e Organização; da Oferta de Vagas; do Projeto Político
Pedagógico; do Currículo; dos Profissionais da Educação; do Calendário Escolar; da
Avaliação e Gestão da Educação Escolar Quilombola. Enfatizar o estudo e a
implementação dos elementos que constam na lei são necessários por conta das
especificidades próprias dos locais onde as comunidades quilombolas14 estão
inseridas, f a ze n d o co m qu e a s escolas quilombolas e as escolas que
atendem estudantes oriundos dos territórios quilombolas, assegurem em suas
práticas pedagógicas e no cotidiano escolar o currículo subsidiado pela DCMEEQ.
Para a realização da implementação das DCMEEQ no período de 2017 e
2018, o NUPER ainda não conseguiu, efetivamente, implementá-la. Foram
elencadas algumas dificuldades enfrentadas no processo:
1) Transporte marítimo e terrestre para percorrer as localidades onde estão
situadas as escolas de território quilombola na Ilha de Maré. As escolas quilombolas
deste território são: Escola Municipal Nossa Senhora de Fátima, localizada em Porto
dos Cavalos; Escola Municipal de Bananeiras, localizada em Bananeiras e Escola
Municipal Ilha de Maré, localizada em Praia Grande;
2) Inclusão de curso de formação para professoras e professores das
comunidades quilombolas no Programa de Ações Articuladas (PAR). Os recursos
não são disponibilizados para formação de professoras e professores, bem como
profissionais de Educação que não sejam efetivos. Ressalvo que nestas localidades,
14 Comunidades cujo território reconhecido pela Fundação Cultural Palmares como Área
Remanescente de Quilombo.
50
em sua maioria, as profissionais e os profissionais são do Regime Especial de
Direito Administrativo (REDA);
3) A não inserção de Políticas para as Relações Étnico-Raciais no
Planejamento Estratégico da Educação pela SMED. Este fato impede que haja
recursos destinados à implementação desta política;
4) Falta de equipe suficiente para realizar todas as ações previstas nos
Planejamento Anuais do NUPER: no ano de 2018 e 2019, no Órgão Central havia
somente duas pessoas disponíveis para coordenar todas as ações do setor.
Dentre as proposições formuladas para o ano de 2019 destacamos: a)
Execução da Proposta de Implementação das DCMEEQ; b) Proposição de
atividades específicas para as comunidades das escolas das Ilhas com recursos
próprios; c) Articulação com vários setores da SMED para implementação das
DCMEEQ, para além da Diretoria Pedagógica, pois envolve diversos setores, dentre
quais: Setor Pessoal, Setor de Merenda Escolar, Setor de Estrutura Física das
Escolas, Setor de Transporte, Núcleo de Tecnologia da Informação.
No ano de 2020 foi constituída, através da Portaria nº 057 de 12 de fevereiro,
publicada no DOM nº 7.571 de 13 de fevereiro de 2020, a Comissão de Educação
Escolar Quilombola e Educação do Campo que tem como objetivo “propor,
implementar e acompanhar políticas educacionais relativas às questões de
Educação Escolar Quilombola e de Educação do Campo”. Esta comissão é instituída
por todas as gestoras das escolas da Ilha de Maré, Ilha dos Frades e da Ilha de Bom
Jesus dos Passos, além da Escola Municipal Otaviano Pimenta que atende
estudantes da Comunidade Quilombola de Alto do Tororó, localizado no bairro de
São Tomé de Paripe, Subúrbio Ferroviário.
c) Referencial Curricular Municipal para Educação das Relações Étnico-
Raciais
As ações dos membros do NUPER são eminentemente formativas. Nas
atividades do Programa de Combate ao Racismo Institucional atua diretamente em
discussões com diversos setores da Secretaria da Educação em relação ao Quesito
Raça/Cor, tanto nos dados decorrentes da matrícula dos alunos, quanto nas
sensibilizações de gestoras e gestores e equipes técnicas em relação necessidade