1. Fermentação
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A fermentação é um processo anaeróbio de síntese de ATP (trifosfato de adenosina)
sem o envolvimento da cadeia respiratória, etapa característica do processo de
Respiração celular1 . No processo aqui tratado, o aceptor final de hidrogênios é um
composto orgânico e por este motivo constitui um metabolismo contrastante com a
Respiração Celular, em que os elétrons são doados a aceptores de elétrons exógenos,
como o oxigênio, em uma cadeia transportadora de elétrons. Dessa forma, trata-se de
um mecanismo muito importante na obtenção de energia em condições anaeróbicas,
uma vez que nestes casos não há o processo de fosforilação oxidativa para manter a
produção de ATP 2 .
As bactérias, podem realizar tanto fermentação como respiração anaeróbica. Para
algumas bactérias anaeróbias o gás oxigênio pode ser letal, restringindo a ocorrência
desses organismos a solos profundos e regiões em que o teor de oxigênio é praticamente
zero. A esses organismos damos o nome de anaeróbios estritos. Há, no entanto, outros
organismos que são considerados anaeróbios facultativos, uma vez que realizam a
fermentação na ausência de oxigênio e a respiração aeróbia na presença desse gás, como
é o caso de certos fungos (Saccharomyces cerevisiae - levedura) e de muitas bactérias 1
Durante o processo, a glicose é inicialmente degradada a piruvato na glicólise e este por
sua vez é metabolizado a vários compostos de acordo com o tipo de fermentação. Na
fermentação láctica o piruvato é convertido a ácido láctico, enquanto na fermentação
alcoólica o mesmo é convertido a etanol e dióxido de carbono (CO2); já no caso da
fermentação heterocíclica, o piruvato é convertido a ácido láctico e outros ácidos e
alcoóis. Apesar de ser um processo que ocorre na ausência de oxigênio, alguns
organismos realizam esse metabolismo mesmo na presença de grandes concentrações de
oxigênio, como é o caso da levedura 2 .
O açúcar é o substrato mais comumente utilizado no metabolismo fermentativo. Essa
molécula sofre uma degradação parcial a moléculas orgânicas menores fornecendo
energia na forma de ATP para a célula 3 . O saldo energético desse processo é de apenas
2 moléculas de ATP por molécula de glicose degradada, um ganho energético inferior
ao processo de Respiração Celular. Vale ressaltar que esse ganho energético é
totalmente proveniente da glicólise, uma etapa comum a ambos processos do
metabolismo energético 1 . Trata-se de um processo utilizado por diversos micro-organismos
e algumas células de mamíferos - como as hemácias, as fibras musculares
brancas e as fibras musculares vermelhas sob contração vigorosa. No último caso,
quando fibras vermelhas são submetidas a esforço intenso, o oxigênio transportado pelo
sangue torna-se insuficiente para promover a oxidação da grande quantidade de NADH
resultante do trabalho muscular, expondo a célula a uma situação de anaerobiose
relativa 4 .
Índice
1 Bioquímica
o 1.1 Glicólise
2. o 1.2 Cadeia Respiratória
2 Fermentação
o 2.1 Fermentação láctica
o 2.2 Fermentação Alcoólica
3 Histórico
4 Referências
Bioquímica
Glicólise
Todos os processos de utilização de glicose (C6H12O6) para obtenção de energia
iniciam-se com a conversão deste açúcar a duas moléculas de piruvato (C3H3O3),
através de enzimas específicas, caracterizando assim a fase denominada glicólise. Essa
conversão se dá em dez etapas e utiliza-se de substâncias e moléculas das células, dentre
elas ATP (adenosina tri-fosfato) e átomos de fósforo – para a formação de ATP – e a
co-enzima NAD+ (nicotinamida adenina dinucleotídeo) – como molécula intermediária
para a oxidação dos aldeídos formados a partir da quebra da glicose, sendo reduzida a
NADH através da incorporação do H+ liberado pelo aldeído 4 .
Essa etapa é produtora de energia, isto é, tem como produto, além do piruvato, 2
moléculas de ATP (adenosina tri-fosfato). As coenzimas NAD+, por sua vez, precisam
ser regeneradas e, para tanto, é necessário reoxidar as moléculas de NADH + liberado
pelo aldeído.4 .
A equação geral desta fase é representada por:
Glicose + 2NAD+ + 2ADP + 2Pi → 2 Piruvato + 2 NADH + 2H+ + 2ATP + 2H2O
A glicólise é comum tanto aos processos aeróbios quanto aos anaeróbios, porém as
etapas que se seguem para reoxidar o NADH diferem de acordo com a disponibilidade
ou não de oxigênio + liberado pelo aldeído.4 .
Em condições aeróbias essa reoxidação se dá com a transferência de elétrons da
coenzima para o oxigênio, através dos complexos enzimáticos da cadeia de transporte
de elétrons, caracterizando a fosforilação oxidativa. Já em condições de anaerobiose, a
reoxidação se dá através da transferência dos elétrons para aceptores endógenos,
geralmente compostos orgânicos, sendo esse processo chamado de fermentação +
liberado pelo aldeído.4 .
Os diferentes tipos de fermentação (alcoólica, láctica, heterocíclica) não possuem os
complexos enzimáticos, sendo coordenados por enzimas específicas a cada tipo e, ao
contrário da fosforilação oxidativa, a transferência de elétrons não gera gradientes
eletroquímicos e iônicos capazes de gerar ATP, sendo, portanto, um processo não
produtivo energeticamente + liberado pelo aldeído.4 .
Cadeia Respiratória
3. Durante os processos aeróbios de quebra de moléculas de glicose (Glicólise e Ciclo de
Krebs) a produção energética é muito reduzida, ficando a energia oriunda dessa quebra
armazenada nas coenzimas. A reoxidação das mesmas, através da cadeia de transporte
de elétrons, permite a liberação dessa energia e está intimamente relacionada à
fosforilação oxidativa, isto é, à produção de ATP + liberado pelo aldeído.4 .
A membrana interna das mitocôndrias possui quatro complexos enzimáticos com
diversos transportadores com potenciais de óxido-redução diferentes, ordenados de
maneira crescente quanto a esses potenciais, até chegar ao oxigênio, que possui o maior
deles (aceptor final de elétrons) liberado pelo aldeído.4 .
Os átomos de hidrogênio que estão associados ao NADH são transportados através
dessa sequência de compostos, transportando também os elétrons através desse
complexo, diminuindo assim gradualmente a energia livre armazenada. Os átomos de
H+ vão sendo lançados para o espaço intermembranoso e isso gera um gradiente de
prótons, isto é, concentrações diferentes desses prótons entre a porção interna e externa
a essa membrana. Ao mesmo tempo os elétrons vão ficando aprisionados na matriz
tornando-a mais negativa em relação a outra porção da membrana – gerando assim um
gradiente eletroquímico + liberado pelo aldeído.4 .
A membrana é impermeável a prótons exceto nos sítios formados pela ATP sintase, e os
mesmos só conseguem retornar à matriz mitocondrial através desse poro. A variação da
energia livre associada à transferência de elétrons é suficientemente grande para
promover a síntese de ATP. Estando essa síntese associada à oxidação das coenzimas e
sendo ela própria uma fosforilação, este processo denomina-se fosforilação oxidativa +
liberado pelo aldeído.4 .
Fermentação
Quando um organismo opta pelo processo de fermentação – seja por opção ou pela
ausência de O2 – o processo da quebra da glicose completa a fase de glicólise, porém
não o faz com a etapa do Ciclo de Krebs nem tampouco inicia o processo da Cadeia
Respiratória – ambos dependentes da molécula de O2. A formação de ATP, isto é, a
produção energética, restringe-se então a glicólise e a célula inicia o processo de
fermentação para a reoxidação das coenzimas. As moléculas de piruvato, que contém
grandes quantidades de energia armazenada, são reduzidas a outros compostos, e essa
energia permanece então aprisionada, sem possibilidade de utilização da mesma pelas
células. Estes são, portanto, processos que não sintetizam ATP, isto é, energeticamente
improdutivos + liberado pelo aldeído.4 .
Fermentação láctica
4. Conversão de piruvato a lactato pela ação da enzima lactato desidrogenase
Neste processo de fermentação o piruvato é reduzido a lactato através da enzima lactato
desidrogenase. Essa redução é o que permite a reoxidação das moléculas de NADH,
sendo o próprio piruvato o aceptor de elétrons + liberado pelo aldeído.4 .
Este processo é observado em algumas espécies de bactérias, nas hemácias sanguíneas,
nas fibras musculares de contração rápida e nas fibras musculares em geral, neste último
caso quando a quantidade de oxigênio torna-se insuficiente (anaerobiose relativa),
devido a um trabalho muscular muito intenso. O acúmulo de ácido láctico oriundo desse
processo no músculo é o que causa a dor característica posterior aos exercícios físicos
de grande intensidade. Tal mecanismo é muito importante, uma vez que permite a
continuidade do exercício, mesmo em ausência relativa de oxigênio + liberado pelo
aldeído.4 .
Fermentação Alcoólica
5. Fermentação alcoólica
Em certos organismos, como as leveduras e alguns tipos de bactérias, a regeneração do
NAD+ é feita por meio da fermentação alcoólica 4 . Nesse processo, inicialmente, cada
molécula de piruvato é convertida a um composto com dois carbonos (acetaldeído) em
uma reação de descarboxilação através da ação da enzima Piruvato Descarboxilase
(PPP), que gera uma molécula de CO2 e uma molécula de NADH1 4 . Esse acetaldeído
serve de aceptor dos elétrons do NADH e reduz-se a álcool etílico (etanol) a partir da
ação da enzima álcool desidrogenase 4 :
Esse tipo de fermentação ocorre principalmente em bactérias e leveduras, sendo que no
último caso são usadas na produção de bebidas alcoólicas e na panificação. No primeiro
uso, o levedo é responsável por transformar um substrato altamente açucarado (suco de
uva ou suco de cevada) em uma bebida com álcool etílico em sua composição (vinho e
cerveja, respectivamente) através do processo de fermentação no qual o CO2 resultante
é evaporado do líquido, restando apenas o etanol 1 5 . Por esse mesmo princípio o suco
de cana-de-açúcar fermentado e destilado produz o etanol, usado como combustível ou
na produção de aguardente. No segundo uso mencionado, ao contrário do relatado
anteriormente, o CO2 produzido pela fermentação fica armazenado no interior da massa,
em pequenas câmaras, promovendo o "crescimento" da massa. Ao assar a massa tanto o
CO2 como o álcool etílico evaporam, porém as paredes das câmaras formadas
anteriormente se enrijecem e mantém a estrutura alveolar 1 6 .
Histórico
A primeira evidência sólida da natureza viva das leveduras apareceu entre 1837 e 1838
com três publicações de autores diferentes: C. Cagniard de la Tour, Swann T, e
Kuetzing F. Cada um deles concluiu independente, como resultado de investigações
microscópicas, que o levedo é um organismo vivo que se reproduz por brotamento 7 .
Talvez porque o vinho, a cerveja e o pão foram alimentos básicos na Europa, a maioria
6. dos primeiros estudos sobre a fermentação foram feitos em levedura, o organismo
responsável pela produção destes alimentos. Pouco tempo depois as bactérias também
foram descobertas; o termo foi usado pela primeira vez em Inglês em 1840, mas não
entrou em uso geral até a década de 1870, e depois foi relacionado em grande parte com
a "teoria do germe de doenças" 8 .
Louis Pasteur (1822-1895), durante os anos de 1850 e 1860, mostrou através de uma
série de investigações que a fermentação é iniciada por organismos vivos 9 . Em 1857,
Pasteur demonstrou a geração de ácido láctico por organismos vivos através do
processo de fermentação 10 para em 1860 demonstrar que são as bactérias as
responsáveis pela acidificação do leite, um processo anteriormente considerado apenas
uma mudança química. Seu trabalho em identificar o papel de microrganismos em
deterioração dos alimentos foi responsável pelo desenvolvimento posterior do processo
de pasteurização11 . Já em 1877, ao trabalhar para melhorar a indústria cervejeira
francesa, Pasteur publicou seu famoso texto sobre a fermentação "Etudes sur la Bière",
traduzido para o Inglês em 1879 como " "Studies on Fermentation" ("Estudo sobre a
Fermentação") 12 . Pasteur definiu incorretamente fermentação como "A vida sem ar" 13
, mas corretamente mostrou que tipos específicos de microrganismos realizam tipos
específicos de fermentações que, por sua vez, geram produtos finais diferentes.
Embora a descoberta de que a fermentação é resultado da ação de microrganismos vivos
tenha sido um avanço, esta não explica a natureza básica do processo de fermentação e
nem sequer prova que tal processo é causado pelos microrganismos que parecem estar
sempre presentes. Muitos cientistas, incluindo Pasteur, sem sucesso tentaram extrair a
enzima responsável pela fermentação no levedo 13 , porém o sucesso só veio em 1897,
com o químico alemão Eduard Buchner. Este pesquisador moeu fermento e extraiu o
sumo dessa solução que colocou em contato com uma solução de açúcar. Para sua
perplexidade, o líquido considerado "morto" foi capaz de fermentar a solução e gerar
dióxido de carbono e álcool, como as leveduras vivas 14 . Neste caso o observado foi
que os "fermentos não organizados" comportaram-se exatamente como os organizados
e, a partir desse momento, o termo enzima passou a ser aplicado a todos os fermentos.
Em seguida, foi compreendido que a fermentação é um processo resultante da ação de
enzimas produzidas por microorganismos 15 e em 1907, Buechner ganhou o Prêmio
Nobel de Química por seu trabalho.
Avanços em microbiologia e tecnologia de fermentação continuaram a ser
desenvolvidos de forma constante até o presente. Por exemplo, no final de 1970,
descobriu-se que determinados fungos podem sofrer mutações selecionáveis através de
tratamentos físicos e químicos no intuito de apresentarem um maior rendimento,
crescimento mais rápido, maior tolerância a baixas concentrações de oxigênio e serem
capazes de utilizar um meio mais concentrado 16 .
Referências
1. Lopes & Rosso; Bio: volume 1, 1. ed.; São Paulo: Saraiva, 2010.
2. Dickinson, J. R. (1999). "Carbon metabolism". In J. R. Dickinson and M.
Schweizer. The metabolism and molecular physiology of Saccharomyces
cerevisiae. Philadelphia, PA: Taylor & Francis. ISBN 978-0-7484-0731-6.
3. Amabis & Martho; Fundamentos da Biologia Moderna: Volume único, 4. ed.;
São Paulo: Ed. Moderna.
7. 4. Bioquímica Básica, Marzzoco, A. & Torres, B. B.; 3.ed.; Guanabara Koogan,
Rio de Janeiro, 2007.
5. Ferreira, E. C. ; Montes, R. ; A química da produção de bebidas alcoólicas -
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA, n. 10, novembro 1999.
6. http://www.enq.ufsc.br/labs/probio/disc_eng_bioq/trabalhos_grad2004/panificac
ao/home.htm
7. Sanskrit: yásati "(it) boils" Yeast in dictionary.com
8. A brief history of fermentation, East and West. Soyinfocenter.com. Retrieved on
2011-01-04.
9. A dictionary of applied chemistry, Volume 3. Thorpe, Sir Thomas Edward.
Longmans, Green and Co., 1922. p.159
10. Accomplishments of Louis Pasteur. Fjcollazo.com (2005-12-30). Retrieved on
2011-01-04.
11. HowStuffWorks "Louis Pasteur". Science.howstuffworks.com (2009-07-01).
Retrieved on 2011-01-04.
12. Louis Pasteur (1879) Studies on fermentation: The diseases of beer, their causes,
and the means of preventing them. Macmillan Publishers.
13. Modern History Sourcebook: Louis Pasteur (1822–1895): Physiological theory
of fermentation, 1879. Translated by F. Faulkner, D.C. Robb.
14. New beer in an old bottle: Eduard Buchner and the Growth of Biochemical
Knowledge. Cornish-Bowden, Athel. Universitat de Valencia. 1997. ISBN 978-
84-370-3328-0. p. 25.
15. The enigma of ferment: from the philospher’s stone to the first biochemical
Nobel prize. Lagerkvist, Ulf. World Scientific Publishers. 2005. ISBN 978-981-
256-421-4. p. 7.
16. Wang, H. L.; Swain, E. W.; Hesseltine, C. W. (1980). "Phytase of molds used in
oriental food fermentation".Journal of Food Science 45: 1262.
doi:10.1111/j.1365-2621.1980.tb06534.x.
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