O documento discute estatísticas hidrológicas importantes como média, mediana, desvio padrão e coeficiente de variação para analisar a variabilidade temporal da vazão de rios e precipitação. Também apresenta a curva de permanência, que relaciona a vazão com a frequência de ocorrência e é útil para entender o comportamento hidrológico de uma bacia.
1. Hidrologia Estatística
Capítulo
14
s variáveis hidrológicas como chuva e vazão têm como característica básica
uma grande variabilidade no tempo. Para analisar a vazão de um rio ou a
precipitação em um local ou região, incluindo a sua variabilidade temporal, é
necessário utilizar alguns valores estatísticos que resumem, em grande parte, o
comportamento hidrológico do rio ou da bacia. Entre as estatísticas mais importantes
estão a média, a média mensal, a variância, os mínimos e máximos.
A média
A vazão ou precipitação média é a média de toda a série de vazões ou precipitações
registradas, e é muito importante na avaliação da disponibilidade hídrica total de uma
bacia.
Σ
x
i = = 1
n
x
n
i
A vazão média específica é a vazão média dividida pela
área de drenagem da bacia.
As vazões médias mensais representam o valor médio
da vazão para cada mês do ano, e são importantes para
analisar a sazonalidade de um rio. A figura ao lado
apresenta um gráfico das vazões médias mensais do rio
Cuiabá na seção da cidade de Cuiabá, com base nos
dados de 1967 a 1999.
A
Figura 14. 1 : Vazões médias por mês do ano no rio Cuiabá, em Cuiabá.
2. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
Observa-se nesta figura que há uma sazonalidade marcada, com estiagem no inverno e
vazões altas no verão. As maiores vazões mensais médias ocorrem em Fevereiro e as
menores em Agosto, o que é conseqüência direta da sazonalidade das chuvas, que
ocorrem de forma concentrada no período de verão.
A mediana
A mediana é o valor que é superado em 50% dos pontos da amostra. A média e a
mediana podem ter valores relativamente próximos, porém não iguais.
A mediana pode ser obtida organizando os n valores xi da amostra em ordem
crescente.
Sendo k x com k = 1 a n, os valores de x organizados em ordem decrescente, a
mediana é obtida por:
17 2
p Mediana = x com 1
2
1
+
−
=
n
p se n for ímpar;
e
+1 +
= p p x x
Mediana se n for par.
2
O desvio padrão
O desvio padrão é uma medida de dispersão dos valores de uma amostra em torno da
média. O desvio padrão é dado por:
( x −
x
)
1
1
2
−
=
Σ
=
n
s
n
i
i
o quadrado do desvio padrão s2 é chamada variância da amostra.
O coeficiente de variação
O coeficiente de variação é uma relação entre o desvio padrão e a média. O coeficiente
de variação é uma medida da variabilidade dos valores em torno da média,
relativamente à própria média.
3. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
17 3
s
x
cv =
E X EMP LO
1) O seguinte conjunto de valores apresenta a chuva anual ocorrida em uma
cidade ao longo de 30 anos. Calcule a média, o desvio padrão e o coeficiente
de variação destes dados.
ano P (mm) ano P (mm) ano P (mm)
1954 1671 1964 2024 1974 1357
1955 1485 1965 1305 1975 2023
1956 1766 1966 1644 1976 1390
1957 1565 1967 1908 1977 1641
1958 2082 1968 1913 1978 1585
1959 1370 1969 1485 1979 1526
1960 1926 1970 1693 1980 1962
1961 2042 1971 1313 1981 1672
1962 1691 1972 1567 1982 1404
1963 1491 1973 1493 1983 1352
A média é de 1645,1 mm por ano, o desvio padrão é de 241,9 mm por ano e o coeficiente de variação
é de 0,15.
O coeficiente de assimetria
O coeficiente de assimetria é um valor que caracteriza o quanto uma amostra de dados
é assimétrica com relação à média. Uma amostra é simétrica com relação à média se o
histograma dos dados revela o mesmo comportamento de ambos os lados da média.
( x x
)
3
n
i 1
3
i
n s
G
×
−
=
Σ
=
A assimetria é chamada positiva quando o valor de G é positivo e a assimetria é
negativa quando o valor de G é negativo. Algumas variáveis importantes na hidrologia,
como as vazões máximas anuais em rios, apresentam uma assimetria positiva.
4. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
Assimetria Valor de G Exemplo de histograma
Nula 0 ou próximo
17 4
de zero
Positiva G > 0
Negativa G < 0
O cálculo da assimetria de uma amostra é um pouco mais complexo do que o da
média e do desvio padrão. A maior parte das calculadoras simples não permite calcular
diretamente o coeficiente de assimetria. No programa Excel a função chamada
“Distorção” permite calcular o coeficiente de assimetria.
Quartis e quantis
Quantis separam a amostra de forma semelhante à mediana, porém em intervalos
diferentes. Enquanto a mediana separa a amostra em dois grupos, com 50% dos dados
com valores inferiores e 50% dos dados com valores superiores à mediana, os quartis e
os quantis divdem a amostra em grupos de tamanhos diferentes. O primeiro Quartil é
o valor que separa a amostra em dois grupos em que 25% dos pontos tem valor
inferior ao quartil e 75% tem valor superior ao quartil. O terceiro Quartil é o valor que
separa a amostra em dois grupos em que 75% dos pontos tem valor inferior ao quartil
e 25% tem valor superior ao quartil. Já o segundo quartil é a própria mediana.
Além dos três quartis, que separam a amostra em quatro, podem ser definidos quantis
arbitrários, que dividem a amostra arbitrariamente em frações diferentes. Por exemplo,
5. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
o quantil 90 % divide a amostra em dois grupos. O primeiro (90% dos dados) tem
valores inferiores ao quantil 90% e o segundo (10% dos dados) tem valores superiores
ao quantil 90%.
No programa Excel é possível obter os quantis desejados usando uma função
denominada Percentil.
A curva de permanência
A curva de permanência é equivalente a um histograma de freqüências acumuladas
relativas das vazões de um rio em um determinado local. A elaboração da curva de
permanência é uma das análises estatísticas mais simples e mais importantes na
hidrologia. A curva de permanência auxilia na análise dos dados de vazão com relação
a perguntas como as destacadas a seguir.
• O rio tem uma vazão aproximadamente constante ou extremamente variável
entre os extremos máximo e mínimo?
• Qual é a porcentagem do tempo em que o rio apresenta vazões em
17 5
determinada faixa?
• Qual é a porcentagem do tempo em que um rio tem vazão suficiente para
atender determinada demanda?
A curva de permanência expressa a relação entre a vazão e a freqüência com que esta
vazão é superada ou igualada. A curva de permanência pode ser elaborada a partir de
dados diários ou dados mensais de vazão.
Na prática, a curva de permanência é relativamente fácil de obter, desde que existam
dados de vazão. Usando a planilha de cálculo Excel, por exemplo, a curva de
permanência pode ser gerada calculando os valores dos quantis de 1% a 99%, usando a
função Percentil. O percentil 1% corresponde à vazão que é superada 99% do tempo,
o percentil 10% corresponde à vazão que é superada em 90% do tempo.
A Figura 14. 2 apresenta o hidrograma de vazões diárias do rio Taquari, em Muçum
(RS), e a curva de permanência que corresponde aos mesmos dados apresentados no
hidrograma. Observa-se que a vazão de 1000 m3.s-1 é igualada ou superada em menos
de 10% do tempo. Apesar de apresentar picos de cheias com 7000 m3.s-1 ou mais, na
maior parte do tempo as vazões do rio Taquari neste local são bastante inferiores a 500
m3.s-1.
Para destacar mais a faixa de vazões mais baixas a curva de permanência é apresentada
com eixo vertical logarítmico, como mostra a Figura 14. 3.
6. Figura 14. 2: Hidrograma de vazões diárias do rio Taquari em Muçum (RS) e a curva de permanência correspondente.
Figura 14. 3: Curva de permanência do rio Taquari em Muçum com eixo das vazões logarítmico para dar destaque à faixa de vazões
mais baixas.
Alguns pontos da curva de permanência recebem atenção especial:
• A vazão que é superada em 50% do tempo (mediana das vazões) é a chamada
Q50.
7. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
• A vazão que é superada em 90% do tempo é chamada de Q90 e é utilizada
como referência para legislação na área de Meio Ambiente e de Recursos
Hídricos em muitos Estados do Brasil.
• A vazão que é superada em 95% do tempo é chamada de Q95 e é utilizada para
definir a Energia Assegurada de uma usina hidrelétrica.
E X EMP LO
2) Os dados de vazão do rio Descoberto em Santo Antônio do Descoberto
(GO) foram organizados na forma de uma curva de permanência, como
mostra a figura abaixo. Um empreendedor solicita outorga de 2,5 m3.s-1 num
ponto próximo no mesmo rio. Considerando que a legislação permite outorgar
apenas 20% da Q90 a cada solicitante, responda: é possível atender a
solicitação?
Observa-se na curva de permanência que a vazão Q90 é de 7 m3.s-,1 aproximadamente. Portanto a
máxima vazão que pode ser outorgada para um usuário individual neste ponto corresponde a:
17 7
max Q 0,2 7 1,4m s− = × = ×
3 1
Como o empreendedor solicitou 2,5 m3.s-,1 não é possível atender sua solicitação.
A curva de permanência também é útil para diferenciar o comportamento de rios e
para avaliar o efeito de modificações como desmatamento, reflorestamento,
construção de reservatórios e extração de água para uso consuntivo.
8. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
A Figura 14. 4 apresenta as curvas de permanência dos rios Cuiabá, em Cuiabá (MT), e
Taquari, em Coxim (MS), baseadas nos dados de vazão diária de 1980 a 1984. As duas
bacias tem áreas de drenagem de tamanho semelhante. A bacia do rio Cuiabá tem,
aproximadamente, 22.000 km2, e a do rio Taquari cerca de 27.000 km2. O relevo e a
precipitação média anual são semelhantes. A vazão média do rio Cuiabá é de 438 m3.s-1
neste período, enquanto a vazão média do rio Taquari é de 436 m3.s-1, ou seja, são
praticamente idênticas. Entretanto, observa-se que as vazões mínimas são mais altas no
rio Taquari do que no rio Cuiabá e as vazões máximas são maiores no rio Cuiabá.
O rio Cuiabá apresenta maior variabilidade das vazões, que se alternam rapidamente
entre situações de baixa e de alta vazão, enquanto o rio Taquari permanece mais tempo
com vazões próximas da média. Esta diferença ocorre basicamente porque a geologia
da bacia do rio Taquari favorece mais a infiltração da água no solo, e esta água chega ao
rio apenas após um longo período em que fica armazenada no subsolo. A vazão do rio
Taquari é naturalmente regularizada pelos aqüíferos existentes na bacia, enquanto que
na bacia do rio Cuiabá este efeito não é tão importante.
Figura 14. 4: Comparação entre as curvas de permanência dos rios Taquari (MS) e Cuiabá (MT).
A Figura 14. 5 apresenta as curvas de permanência de vazão afluente (entrada) e
efluente (saída) do reservatório de Três Marias, no rio São Francisco (MG). Este
reservatório tem um grande volume e uma grande capacidade de regularização,
permitindo reter grande parte das vazões altas que ocorrem durante o período do
verão, aumentando a disponibilidade de água no período de estiagem. Como resultado
observa-se que a vazão Q90 é alterada de 148 m3.s-1 para 379 m3.s-1 pelo efeito de
regularização do reservatório, enquanto a vazão Q95 é alterada de 120 m3.s-1 para 335
m3.s-1.
17 8
9. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Figura 14. 5: Curvas de permanência de vazão afluente e efluente do reservatório de Três Marias, no rio São Francisco (MG).
Portanto o efeito da regularização da vazão sobre a curva de permanência é torná-la
mais horizontal, com valores mais próximos da mediana durante a maior parte do
tempo.
Séries temporais
A vazão de um rio é uma variável que se modifica de forma contínua no tempo, e pode
ser representada em um hidrograma, que é o gráfico que relaciona os valores de vazão
com o tempo, como na Figura 14. 6.
Diversas análises estatísticas de dados hidrológicos são realizadas de forma mais
conveniente sobre valores discretos no tempo, ao contrário das seqüências contínuas.
A partir de uma seqüência contínua de vazões é possível identificar séries temporais de
valores discretos, como, por exemplo, as vazões médias anuais, as vazões máximas
anuais e as vazões mínimas anuais, conforme representado na Figura 14. 7 e na Tabela
14. 1.
As séries discretas que são obtidas a partir da observação de alguns anos de dados de
vazão são tratadas como amostras do comportamento de um rio ou de uma bacia. A
população, neste caso, seriam todos os anos de existência de um rio. A vazão é
considerada uma variável aleatória porque depende de fenômenos climáticos
complexos e de difícil previsibilidade a partir de um certo horizonte.
17 9
10. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
Figura 14. 6: As vazões variam continuamente no tempo (linha) mas a partir dos dados de vazão é possível gerar séries temporais
discretas, como as médias, máximas (triângulos) e mínimas (círculos) anuais (adaptado de Dingman, 2002).
Figura 14. 7: Gráfico das séries discretas de médias, mínimas e máximas anuais.
18 0
11. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Tabela 14. 1: Valores das séries temporais discretas de vazões médias, mínimas e máximas anuais relativos à figura anterior.
Ano Vazão média anual Vazão mínima anual Vazão máxima anual
1990 95 57 132
1991 93 69 126
1992 72 48 100
1993 86 60 113
1994 56 29 80
1995 73 53 88
1996 96 68 132
Risco, probabilidade e tempo de retorno
Séries temporais discretas são convenientes para avaliar riscos em hidrologia. Risco é
muitas vezes entendido como um sinônimo de probabilidade, mas em hidrologia é
mais adequado considerar o risco como a probabilidade de ocorrência de um evento
multiplicada pelos prejuízos que se espera da ocorrência deste evento.
Projetos de estruturas hidráulicas sempre são elaborados admitindo probabilidades de
falha. Por exemplo, as pontes de uma estrada são projetadas com uma altura tal que a
probabilidade de ocorrência de uma cheia que atinja a ponte seja de apenas 1% num
ano qualquer. Isto ocorre porque é muito caro dimensionar as pontes para a maior
vazão possível, por isso admite-se uma probabilidade, ou risco, de que a estrutura falhe.
Isto significa que podem ocorrer vazões maiores do que a vazão adotada no
dimensionamento.
A probabilidade admitida pode ser maior ou menor, dependendo do tipo de estrutura.
A probabilidade admitida para a falha de uma estrutura hidráulica é menor se a falha
desta estrutura provocar grandes prejuízos econômicos ou mortes de pessoas. Assim, a
probabilidade de falha admitida para um dique de proteção de uma cidade é a
probabilidade de que ocorra uma cheia em que o nível da água supere o nível de
proteção do dique. Diques que protegem grandes cidades deveriam ser construídos
admitindo uma probabilidade menor de falha do que diques de proteção de pequenas
áreas agrícolas. A Tabela 14. 2 apresenta o tempo de retorno em anos adotado,
normalmente, para diferentes tipos de estrutura.
18 1
12. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
Tabela 14. 2: Tempo de retorno adotado para diferentes estruturas, de acordo com o risco associado.
Estrutura TR (anos)
Bueiros de estradas pouco movimentadas 5 a 10
Bueiros de estradas muito movimentadas 50 a 100
Pontes 50 a 100
Diques de proteção de cidades 50 a 200
Drenagem pluvial 2 a 10
Grandes barragens (vertedor) 10.000
Pequenas barragens 100
O risco também pode estar relacionado a situações de vazões mínimas. Por exemplo,
considere uma cidade que utilize a água de um rio para abastecimento da população.
Dependendo do tamanho da população e das características do rio, existe um sério
risco de que, num ano qualquer, ocorram alguns dias em que a vazão do rio é inferior à
vazão necessária para abastecer a população.
No caso da análise de vazões máximas, são úteis os conceitos de probabilidade de
excedência e de tempo de retorno de uma dada vazão. A probabilidade anual de excedência
de uma determinada vazão é a probabilidade que esta vazão venha a ser igualada ou
superada num ano qualquer. O tempo de retorno desta vazão é o intervalo médio de
tempo, em anos, que decorre entre duas ocorrências subseqüentes de uma vazão maior
ou igual. O tempo de retorno é o inverso da probabilidade de excedência como
expresso na seguinte equação:
18 2
P
TR
1
= (14.1)
onde TR é o tempo de retorno em anos e P é a probabilidade de ocorrer um evento
igual ou superior em um ano qualquer. No caso de vazões mínimas, P refere-se à
probabilidade de ocorrer um evento com vazão igual ou inferior.
A equação acima indica que a probabilidade de ocorrência de uma cheia de 10 anos de
tempo de retorno, ou mais, num ano qualquer é de 0,1 (ou 10%).
A vazão máxima de 10 anos de tempo de retorno (TR = 10 anos) é excedida em média
1 vez a cada dez anos. Isto não significa que 2 cheias de TR = 10 anos não possam
ocorrem em 2 anos seguidos. Também não significa que não possam ocorrer 20 anos
seguidos sem vazões iguais ou maiores do que a cheia de TR=10 anos.
Existem duas formas de atribuir probabilidades e tempos de retorno às vazões
máximas e mínimas: métodos empíricos e métodos analíticos.
13. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Probabilidades empíricas podem ser estimadas a partir da observação das variáveis
aleatórias. Por exemplo, a probabilidade de que uma moeda caia com a face “cara”
virada para cima é de 50%. Esta probabilidade pode ser estimada empiricamente
lançando a moeda 100 vezes e contando quantas vezes cada uma das faces fica voltada
para cima.
O problema das probabilidades empíricas é que quando o tamanho da amostra é
pequeno, a estimativa tende a ser muito incerta. Suponha, por exemplo, que apenas 6
lançamentos sejam feitos para estimar a probabilidade de que uma moeda caia com a
face “cara” voltada para cima. É possível que seja estimada uma probabilidade muito
diferente de 50%.
Para contornar este problema é comum supor que os dados hidrológicos sejam
aleatórios e que sigam uma determinada distribuição de probabilidade analítica, como a
distribuição normal, por exemplo. Esta metodologia analítica permite explorar melhor
as amostras relativamente pequenas de dados hidrológicos, como se descreve na
seqüência deste capítulo.
Chuvas anuais e a distribuição normal
O total de chuva que cai ao longo de um ano pode ser considerado uma variável
aleatória com distribuição aproximadamente normal. Esta suposição permite explorar
melhor amostras relativamente pequenas, com apenas 20 anos, por exemplo.
A distribuição normal é descrita em qualquer livro introdutório de estatística e se aplica
a muitos tipos de informações da natureza. Um gráfico da função densidade de
probabilidade da distribuição normal tem uma forma de sino e é simétrica com relação
à média, que é o valor central. A forma em sino indica que existe uma probabilidade
maior de ocorrerem valores próximos à média do que nos extremos mínimo e
máximo.
A função densidade de probabilidade (PDF) da distribuição normal é uma expressão
que depende de dois parâmetros: a média e o desvio padrão da população, conforme a
equação seguinte:
18 3
( )
−
1
× − ×
× ×
=
2
2
exp
2
1
μ
x
x
x
x
x
f x
s
p s
(14.2)
onde μx é a média da população e sx é o desvio padrão da população. Para o caso mais
simples, em que a média da população é zero e o desvio padrão igual a 1, a expressão
acima fica simplifcada:
14. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
1 2 z
( ) × −
18 4
×
=
2
exp
2
f z z
p
(14.3)
onde z é uma variável aleatória com média zero e desvio padrão igual a 1.
O gráfico desta última é apresentado na Figura 14. 8. A área total sob a curva é igual a
1. A área hachurada representa a probabilidade de ocorrência de um valor maior do
que z (figura de cima) ou menor do que z (figura de baixo).
A área sob a curva pode ser calculada por integração analítica, mas resulta numa série
infinita. Por este motivo, as aplicações práticas são mais comuns na forma de tabelas
que relacionam o valor de z com a probabilidade de ocorrer um valor maior do que z
ou menor do que z. Existem, também, tabelas que fornecem valores da área entre 0 e
z, ou de –z a z.
No final do capítulo é apresentada uma tabela de probabilidades da distribuição
normal. No programa Excel é possível obter os valores das probabilidades utilizando a
função DIST.NORMP(z), que dá a probabilidade de ocorrer um valor inferior a z.
Lembrando a relação entre probabilidades e tempos de retorno, é interessante saber os
valores de z que correspondem a alguns valores específicos de probabilidade, como 0,1
0,01 e 0,001. Estes valores correspondem aos tempos de retorno de 10, 100 e 1000
anos. No final do capítulo é apresentada uma tabela de probabilidades da distribuição
normal, indicando os valores de z correspondentes aos tempos de retorno de 2 a 10000
anos.
Figura 14. 8: Gráfico da distribuição normal (na figura superior é indicada a área hachurada que representa a probabilidade de ocorrer
um valor maior do que z; e na figura inferior é indicada a área hachurada que representa a probabilidade de ocorrer um valor menor do
que z).
15. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Uma variável aleatória x com média μx e desvio padrão sx pode ser transformada em
uma variável aleatória z, com média zero e desvio padrão igual a 1 pela transformação
abaixo:
= (14.4)
18 5
− μ
x x
x
z
s
Esta transformação pode ser utilizada para estimar a probabilidade associada a um
determinado evento hidrológico em que a variável segue uma distribuição normal.
Considere, por exemplo, a chuva anual em um determinado local. Anos com chuva
próxima da média são relativamente freqüentes, enquanto anos muito chuvosos ou
muito secos são menos freqüentes. Em muitos locais as chuvas anuais seguem,
aproximadamente uma distribuição normal, como mostra a Figura 14. 9.
Figura 14. 9: Histograma de freqüências de chuvas anuais no posto pluviométrico localizado em Lamounier, MG.
A probabilidade de ocorrência de chuvas anuais superiores a 2000 mm, por exemplo,
pode ser estimada a partir da análise dos dados de n anos, e da suposição de que os
dados seguem uma distribuição normal.
E X EMP LOS
3) As chuvas anuais no posto pluviométrico localizado em Lamounier, em Minas
Gerais (Código 02045005) seguem, aproximadamente, uma distribuição
16. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
normal, com média igual a 1433 mm e desvio padrão igual a 299 mm. Qual é a
probabilidade de ocorrer um ano com chuva total superior a 2000 mm?
Considerando que a média e o desvio padrão da amostra disponível sejam boas aproximações da média
e do desvio padrão da população, pode se estimar o valor da variável reduzida z para o valor de 2000
mm:
1,896
18 6
2000 1433
299
=
−
=
−
μ
x x x
@
−
=
s
z
x
x
s
de acordo com a Tabela A, no final do capítulo, a probabilidade de ocorrência de um valor maior do
que z=1,896 é de aproximadamente 0,0287 (valor correspondente a z=1,9). Portanto, a
probabilidade de ocorrer um ano com chuva total superior a 2000 mm é de, aproximadamente,
2,87%. O tempo de retorno correspondente é de pouco menos de 35 anos. Isto significa que, em média,
um ano a cada 35 apresenta chuva total superior a 2000 mm neste local.
4) As chuvas anuais no posto pluviométrico localizado em Lamounier, em Minas
Gerais (Código 02045005) seguem, aproximadamente, uma distribuição
normal, com média igual a 1433 mm e desvio padrão igual a 299 mm. Qual é a
probabilidade de ocorrer um ano com chuva total inferior a 550 mm?
A distribuição normal é simétrica. A probabilidade de ocorrer um valor superior a z é igual à
probabilidade de ocorrer um valor inferior a –z. Assim,
2,95
550 1433
299
= −
−
=
−
μ
x x x
@
−
=
s
z
x
x
s
de acordo com a Tabela A, no final do capítulo, a probabilidade de ocorrência de um valor maior do
que z=2,95está entre 0,0012 e 0,0019. Portanto, a probabilidade de ocorrer um ano com chuva total
superior a 2000 mm é de, aproximadamente, 0,15%. O tempo de retorno correspondente é de pouco
menos de 666 anos. Isto significa que, em média, um ano a cada 666 apresenta chuva total inferior a
550 mm neste local.
Vazões máximas
Selecionando apenas as vazões máximas de cada ano em um determinado local, é
obtida a série de vazões máximas deste local e é possível realizar análises estatísticas
relacionando vazão com probabilidade. As séries de vazões disponíveis na maior parte
dos locais (postos fluviométricos) são relativamente curtas, não superando algumas
dezenas de anos.
17. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Distribuição empírica
Analisando as vazões do rio Cuiabá no período de 1984 a 1992, por exemplo,
podemos selecionar de cada ano apenas o valor da maior vazão, e analisar apenas as
vazões máximas (Tabela 14. 3). Reorganizando as vazões máximas para uma ordem
decrescente, podemos atribuir uma probabilidade de excedência empírica a cada uma
das vazões máximas da série, utilizando a fórmula de Weibull:
P (14.5)
18 7
m
+1
=
N
onde N é o tamanho da amostra (número de anos); e m é a ordem da vazão (para a
maior vazão m=1 e para a menor vazão m=N). O resultado é apresentado na Tabela
14. 4.
Figura 14. 10: Série de vazões do rio Cuiabá em Cuiabá, de 1984 ao final de 1991, evidenciando a vazão máxima de cada ano.
18. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
18 8
Tabela 14. 3: Vazões máximas anuais entre 1984 e 1991.
Ano Q máx
1984 1796.8
1985 1492.0
1986 1565.0
1987 1812.0
1988 2218.0
1989 2190.0
1990 1445.0
1991 1747.0
Tabela 14. 4: Vazões máximas reorganizadas em ordem decrescente, com ordem e probabilidade empírica associada.
Ano Vazão (m3/s) Ordem Probabilidade TR (anos)
1988 2218.0 1 0.11 9.0
1989 2190.0 2 0.22 4.5
1987 1812.0 3 0.33 3.0
1984 1796.8 4 0.44 2.3
1991 1747.0 5 0.56 1.8
1986 1565.0 6 0.67 1.5
1985 1492.0 7 0.78 1.3
1990 1445.0 8 0.89 1.1
O problema da estimativa empírica de probabilidades é que não é possível extrapolar a
estimativa para tempos de retorno maiores. Por exemplo, se é necessário estimar a
vazão máxima de 100 anos de tempo de retorno, mas existem apenas 18 anos de dados
observados, as probabilidades empíricas permitem estimar vazões máximas de TR
próximo de 18 anos.
Distribuição normal
Para extrapolar as estimativas de vazão máxima é necessário supor que as vazões
máximas anuais seguem uma distribuição de probabilidades conhecida, como no caso
das chuvas anuais.
Vazões máximas segundo uma distribuição normal podem ser estimadas por:
x = x + K × s (14.6)
onde x é a vazão máxima para uma dada probabilidade; x é a média das vazões
máximas anuais; e s é o desvio padrão das vazões máximas anuais. O valor de K é
obtido de tabelas de distribuição normal (equivalente ao z nas tabelas A e B ao final do
capítulo).
19. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Infelizmente, porém, as vazões máximas não seguem a distribuição normal.
Histogramas de vazões máximas anuais tendem a apresentar uma forte assimetria
positiva (longa cauda na direção dos maiores valores), o que invalida o uso da
distribuição normal (Figura 14. 11).
Figura 14. 11: Comparação entre um histograma de vazões máximas observadas do rio Cuiabá em Cuiabá entre 1967 e 1999 e a
distribuição normal.
Para superar este problema existem outras distribuições de probabilidade que são,
normalmente, utilizadas para a análise de vazões máximas. A mais simples destas
distribuições é a denominada log-normal. Nesta distribuição a suposição é que os
logaritmos das vazões seguem uma distribuição normal.
18 9
Distribuição log-normal
A distribuição normal parte da equação:
( ) ( ) x x x K slog log = log + × (14.7)
onde log(x) é o logaritmo da vazão máxima; log(x) é a média dos logaritmos das
vazões máximas anuais observadas; slogx é o desvio padrão dos logaritmos das vazões
máximas anuais observadas. O valor de K é obtido das tabelas A e B do final do
capítulo (K é equivalente a z dado nas tabelas).
Se o objetivo da análise é determinar a vazão de 100 anos de tempo de retorno em um
determinado local, por exemplo, a seqüência de etapas para a estimativa supondo que
os dados correspondem a uma distribuição log-normal é a seguinte:
• Obter vazões máximas de N anos
20. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
• Calcular os logaritmos das vazões máximas
• Calcular a média e o desvio padrão dos logaritmos das vazões máximas
• Obter o valor de z para a probabilidade correspondente ao tempo de retorno
19 0
de 100 anos
• Obter o valor do logaritmo da vazão de tempo de retorno de 100 anos a partir
da equação 14.7.
• Obter o valor da vazão através da função inversa do logaritmo.
Esta seqüência de etapas fica mais clara na aplicação em um exemplo.
E X EMP LO
5) As vazões máximas anuais do rio Guaporé no posto fluviométrico Linha
Colombo são apresentadas na tabela abaixo. Utilize a distribuição log-normal
para estimar a vazão máxima com 100 anos de tempo de retorno.
ANO MAXIMA ANO MAXIMA ANO MAXIMA ANO MAXIMA ANO MAXIMA ANO MAXIMA
1940 953 1950 1192 1960 falha 1970 365 1980 653 1990 falha
1941 1171 1951 356 1961 718 1971 671 1981 537 1991 falha
1942 723 1952 246 1962 503 1972 1785 1982 945 1992 falha
1943 267 1953 1093 1963 falha 1973 726 1983 1650 1993 1115
1944 646 1954 840 1964 457 1974 397 1984 1165 1995 639
1945 365 1955 622 1965 915 1975 480 1985 888
1946 1359 1956 falha 1966 742 1976 falha 1986 728
1947 411 1957 598 1967 840 1977 673 1987 809
1948 480 1958 646 1968 331 1978 760 1988 945
1949 365 1959 953 1969 320 1979 780 1989 1380
Este exemplo apresenta uma situação muito comum na análise de dados hidrológicos: as falhas. As
falhas são períodos em que não houve observação. As falhas são desconsideradas na análise, assim o
tamanho da amostra é N=48. Utilizando logaritmos de base decimal, a média dos logaritmos das
vazoes máximas é 2,831 e o desvio padrão é 0,206. Para o tempo de retorno de 100 anos a
probabilidade de excedência é igual a 0,01. Na tabela B, ao final do capítulo, pode-se obter o valor de
z correspondente (z=2,326). A vazão máxima de TR=100 anos é obtida por:
x x
s
z
−
@
2,831
0,206
2,326
−
@
x
x = 2,326 × 0,206 + 2,831 = 3,31
21. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
19 1
10 2041 3,31 Q = =
Portanto, a vazão máxima de 100 anos de tempo de retorno é 2041 m3/s.
Este procedimento pode ser repetido para outros valores de TR, e o resultado pode ser apresentado na
forma de um gráfico, relacionando vazão com tempo de retorno, como na figura a seguir. Nesta figura
fica claro, também, que a suposição de uma distribuição log-normal é muito mais adequada do que a
suposição de uma distribuição normal.
As vazões máximas estimadas com as probabilidades empíricas são mostradas pelos pontos, a
distribuioção normal é apresentada como a linha pontilhada e a linha contínua mostra vazões máximas
estimadas com a distribuição log-normal.
Distribuição Log-Pearson Tipo III
A distribuição Log-Pearson Tipo III pode ser descrita por três parâmetros: a média, o
desvio padrão e o coeficiente de assimetria.
A equação utilizada para estimar a vazão máxima é igual à utilizada na distribuição Log-
Normal, entretanto o valor de K é obtido de outra tabela.
( ) ( ) x x x K slog log = log + ×
22. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
onde K depende do coeficiente de assimetria dos dados e pode ser obtido na tabela C,
no final do capítulo.
Distribuição de Gumbel
A probabilidade de que uma determinada vazão venha a ser igualada ou excedida em
um ano qualquer pode ser estimada usando a distribuição de Gumbel, de acordo com a
equação:
− − = − (14.8)
b e P 1 e
onde P é a probabilidade; e é a base dos logaritmos naturais e b é dado por:
(x x 0 45 s)
b = × − + ,
×
19 2
1
×
,
0 7797 s
(14.9)
onde x é a vazão máxima; x é a média das vazões máximas anuais; e s é o desvio
padrão das vazões máximas anuais.
A distribuição de Gumbel é também chamada de Distribuição de Valores Extremos do
tipo 1, e é amplamente utilizada em análise estatística de eventos extremos. Uma
vantagem desta distribuição é que não é necessário utilizar tabelas de probabilidades.
A vazão para um dado tempo de retorno TR (em anos) pode ser obtida por uma
forma inversa da equação 14.8:
TR
−
= − × + ×
TR 1
x x s 0,45 0,7797 ln ln
Vazões mínimas
A análise de vazões mínimas é semelhante à análise de vazões máximas, exceto pelo
fato que no caso das vazões mínimas o interesse é pela probabilidade de ocorrência de
vazões iguais ou menores do que um determinado limite.
No caso da análise utilizando probabilidades empíricas, esta diferença implica em que
os valores de vazão devem ser organizados em ordem crescente, ao contrário da
ordem decrescente utilizada no caso das vazões máximas.
Normalmente, as análises estatísticas de vazões mínimas são realizadas sobre as vazões
mínimas de 7 dias, 15 dias ou 30 dias de duração. Neste caso, para cada ano do registro
23. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
histórico encontra-se a vazão mínima média de D dias (médias móveis de D dias). O
restante do procedimento de análise é semelhante ao apresentado aqui.
Uma vazão mínima obtida por análise estatística muito utilizada como vazão de
referência mínima é a Q7,10, ou 7Q10, que vem a ser a vazão média de 7 dias de duração
com tempo de retorno de 10 anos.
Distribuição normal
A aplicação da análise estatística usando a distribuição normal para vazões mínimas é
analisada através de um exemplo.
E X EMP LO
6) A tabela abaixo apresenta as vazões mínimas anuais observadas no rio Piquiri,
no município de Iporã (PR). Considerando que os dados seguem uma
distribuição normal, determine a vazão mínima de 5 anos de tempo de retorno.
A distribuição normal se ajusta bem aos dados observados?
19 3
ano
Vazão
mínima
1980 202
1981 128.6
1982 111.4
1983 269
1984 158.2
1985 77.5
1986 77.5
1987 166
1988 70
1989 219.6
1990 221.8
1991 111.4
1992 204.2
1993 196
1994 172
1995 130.4
1996 121.6
1997 198
1998 320.6
1999 101.2
2000 118.2
2001 213
Os valores de vazão mínima são reorganizados em ordem crescente e a probabilidade empírica
para cada valor é calculada. A seguir é calculada a média e o desvio padrão do conjunto de
dados.
24. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
19 4
ano ordem probabilidade
TR
empírico
Vazão
mínima
1988 1 0.04 23.0 70
1985 2 0.09 11.5 77.5
1986 3 0.13 7.7 77.5
1999 4 0.17 5.8 101.2
1982 5 0.22 4.6 111.4
1991 6 0.26 3.8 111.4
2000 7 0.30 3.3 118.2
1996 8 0.35 2.9 121.6
1981 9 0.39 2.6 128.6
1995 10 0.43 2.3 130.4
1984 11 0.48 2.1 158.2
1987 12 0.52 1.9 166
1994 13 0.57 1.8 172
1993 14 0.61 1.6 196
1997 15 0.65 1.5 198
1980 16 0.70 1.4 202
1992 17 0.74 1.4 204.2
2001 18 0.78 1.3 213
1989 19 0.83 1.2 219.6
1990 20 0.87 1.2 221.8
1983 21 0.91 1.1 269
1998 22 0.96 1.0 320.6
Média = 163
Desvio padrão = 65.2
Os valores da vazão para diferentes tempos de retorno são calculados por:
Q Q S K Q = − ×
Onde K é o valor da tabela da distribuição normal para as probabilidades (veja tabela B ao final
do capítulo).
Tempo
de
retorno K Q
2 0 163.1
5 0.842 108.2
10 1.282 79.5
50 2.054 29.2
100 2.326 11.5
Na figura abaixo vê-se que o ajuste da distribuição normal não é muito bom para estes dados. A
vazão mínima com tempo de retorno de 5 anos é estimada em 108 m3/s.
25. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
1
1 1 A ×
l B
19 5
350
300
250
200
150
100
50
0
1.0 10.0 100.0
Tempo de retorno (anos)
Vazão mínima (m3/s) .
Distribuição Weibull
Uma distribuição de freqüências teórica mais adequada para a estimativa de vazões
mínimas de alto tempo de retorno é a distribuição de Weibull (veja em Naghettini e
Pinto, 2007).
Na análise de vazões mínimas usando a distribuição de Weibull é usada a mesma
equação:
x = x + K × S (14.10)
e o valor de K é obtido por:
( ) ( )
−
1
= + × − − 1
T
K A B 1
1
l
l l ln (14.11)
onde
T é o tempo de retorno em anos e
( ) (l )
l
= − G + (14.12)
26. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
1
l (14.13)
l = para − 1,0 £ G £ 2 (14.14)
+ × + × + × + ×
19 6
e
( )
2
2 1
1
2
B 1
−
+ G −
= G +
l l
onde
4
4
3
3
1
2
0 1 2 H H G H G H G H G
onde
H0 = 0,2777757913
H1 = 0,3132617714
H2 = 0,0575670910
H3 = -0,0013038566
H4 = -0,0081523408
e onde G é o coeficiente de assimetria; e onde G(.) é a função Gama, que é uma
generalização da função fatorial para números reais não inteiros.
Uma dificuldade da aplicação da distribuição de Weibul é a necessidade de calcular o
valor da função Gama. O valor da função Gama é dada por:
¥
( ) ∫
− − G = ×
w 1 xw x e dx
0
O programa Excel permite calcular o valor do logaritmo da função gama através da
função LnGama(x).
E X EMP LO
7) Refaça o exemplo anterior usando a distribuição de Weibull.
Os valores da média e desvio padrão são os mesmos calculados antes:
Média = 163
27. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Desvio padrão = 65.2
Além disso é calculado o coeficiente de assimetria. Usando a função do Excel (Distorção(x)) o
valor encontrado é
G=0,5662
A partir destes dados é calculado o valor de l = 2,116
Usando a função do Excel LnGama(x) são calculados os valores de B(l) e A(l).
B(l)=2,2726
A(l)=0,2599
E com estes valores são calculados os termos K para cada tempo de retorno T em anos, conforme
a tabela abaixo:
19 7
TR Kt Vazão Weibull
2 -0.10153 156.5
5 -0.89405 104.8
10 -1.22803 83.0
25 -1.51140 64.6
50 -1.65317 55.3
100 -1.75422 48.7
A figura a seguir mostra os resultados comparados à distribuição empírica e à distribuição normal.
Observa-se que a distribuição de Weibull se adequa mais para a estimativa de vazões mínimas do que
a distribuição normal, especialmente para tempos de retorno altos, quando a distribuição normal tende a
valores negativos, o que é fisicamente impossível, já que as vazões mínimas são limitadas a valores
maiores do que zero.
28. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
A distribuição binomial
A distribuição de probabilidades binomial é adequada para avaliar o número (x) de
ocorrências de um dado evento em N tentativas.
As seguintes condições devem existir para que seja válida a distribuição binomial: 1)
são realizadas N tentativas; 2) em cada tentativa o evento pode ocorrer ou não, sendo
que a probabilidade de que o evento ocorra é dada por P enquanto a probabilidade de
que o evento não ocorra é dada por 1-P ; 3) a probabilidade de ocorrência do evento
numa tentativa qualquer é constante e as tentativas são independentes, isto é, a
ocorrência ou não do evento na tentativa anterior não altera a probabilidade de
ocorrência atual.
Estas propriedades ficam mais claras considerando o exemplo de um dado de seis
faces. A probabilidade de obter um “seis” num lançamento qualquer é de 1/6. A
probabilidade de não obter um “seis” num lançamento qualquer é de 5/6. Se um dado
é lançado uma vez, resultando em um “seis”, isto não altera a probabilidade de obter
um “seis” no lançamento seguinte.
De acordo com a probabilidade binomial, a probabilidade de que um evento ocorra x
vezes em N tentativas, é dada pela equação 14.15.
!
P X x − × × −
( ) (14.15)
19 8
N
= = 1
( )
( ) x N x
x P P
× −
! !
x N x
Nesta equação Px(X=x) é a probabilidade de que o evento ocorra x vezes em N
tentativas. P é a probabilidade que o evento ocorra numa tentativa qualquer e (1-P) é a
probabilidade que o evento não ocorra numa tentativa qualquer.
E X EMP LOS
8) Calcule a probabilidade de obter exatamente 5 “coroas” em 10 lançamentos de
uma moeda.
Neste caso x =5 e N=10. A probabilidade de obter “coroa” num lançamento qualquer é de 50%, ou
1/2. A probabilidade de obter exatamente 5 “coroas” pode ser calculada pela equação 14.15.
10!
( )
0,246
1
2
× 1
− 1
2
5! 10 5 !
( 5)
5 10 5
=
×
× −
= =
−
P X x
29. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Portanto, a probabilidade de obter exatamente 5 “coroas” em 10 lançamentos é de 24,6%.
9) A probabilidade da vazão de 10 anos de tempo de retorno seja igualada ou
excedida num ano qualquer é de 10%. Qual é a probabilidade que ocorram
duas cheias iguais ou superiores à cheia de TR = 10 anos em dois anos
seguidos?
Neste caso x =2 e N=2. A probabilidade de ocorrer a cheia num ano qualquer é de 10%, ou 1/10.
A probabilidade de ocorrer exatamente 2 cheias em 2 anos pode ser calculada pela equação 14.15.
=
19 9
2!
( )
0,01
1
10
1
10
× 1
− 1
10
2! 2 2 !
( 2)
2 2 2 2
=
×
× −
= =
−
P X x
Portanto, a probabilidade de ocorrerem exatamente 2 cheias em 2 anos é 1%.
10) A probabilidade da vazão de 10 anos de tempo de retorno seja igualada ou
excedida num ano qualquer é de 10%. Qual é a probabilidade que ocorra pelo
menos uma cheia desta magnitude (ou superior) ao longo de um período de 5
anos?
Este problema poderia ser resolvido somando a probabilidade de ocorrência de 1 única vazão com estas
características ao longo dos 5 anos com a probabilidade de ocorrência de 2 vazões, e assim por diante
para 3, 4 e 5 casos. Porém, neste caso, a melhor forma de resolver o problema é pensar qual é a
probabilidade de que não ocorra nenhuma vazão igual ou superior ao longo dos 5 anos, que poderá ser
chamada de P(x=0). A probabilidade de que ocorra pelo menos uma cheia será dada por 1-P(x=0).
Sendo assim, calculamos primeiramente a probabilidade com x =0 e N=5.
5!
( )
0 5 0
1
10
1
1
10
0! 5 0 !
( 0)
−
− ×
×
× −
P X = = x
0,59
9
10
( 0) 1
5
=
P X = = × x
Portanto, a probabilidade de não ocorrer nenhuma vazão igual ou superior a vazão com TR=10 anos
ao longo de 5 anos é de 59%. Isto significa que a probabilidade de ocorrer pelo menos uma vazão assim
é de 41%.
30. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
Tabelas de distribuições de probabilidades
Tabela A: Probabilidade de ocorrer um valor maior do que Z, considerando uma distribuição
normal com média zero e desvio padrão igual a 1.
Z Probabilidade
0.0 0.5000
0.1 0.4602
0.2 0.4207
0.3 0.3821
0.4 0.3446
0.5 0.3085
0.6 0.2743
0.7 0.2420
0.8 0.2119
0.9 0.1841
1.0 0.1587
1.1 0.1357
1.2 0.1151
1.3 0.0968
1.4 0.0808
1.5 0.0668
1.6 0.0548
1.7 0.0446
1.8 0.0359
1.9 0.0287
2.0 0.0228
2.1 0.0179
2.2 0.0139
2.3 0.0107
2.4 0.0082
2.5 0.0062
2.6 0.0047
2.7 0.0035
2.8 0.0026
2.9 0.0019
3.0 0.0013
20 0
31. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Tabela B: Probabilidade de ocorrer um valor maior do que z, considerando uma distribuição
normal com média zero e desvio padrão igual a 1.
20 1
z Probabilidade TR
0.000 0.5 2
0.842 0.2 5
1.282 0.1 10
1.751 0.04 25
2.054 0.02 50
2.326 0.01 100
2.878 0.002 500
3.090 0.001 1000
3.719 0.0001 10000
Tabela C: Valores de K para estimativa de vazões máximas usando a distribuição Log-Pearson
Tipo III (os valores do coeficiente de assimetria estão na primeira coluna e os valores de K estão
na região cinza escuro da tabela).
Tempo de retorno / Probabilidade
2 5 10 25 50 100
Coeficiente de assimetria 0,5 0,2 0,1 0,04 0,02 0,01
1,4 -0,225 0,705 1,337 2,128 2,706 3,271
1,0 -0,164 0,758 1,340 2,043 2,542 3,022
0,6 -0,099 0,800 1,328 1,939 2,359 2,755
0,2 -0,033 0,830 1,301 1,818 2,159 2,472
0,0 0,000 0,842 1,282 1,751 2,054 2,326
-0,2 0,033 0,850 1,258 1,680 1,945 2,178
-0,6 0,099 0,857 1,200 1,528 1,720 1,880
-1,0 0,164 0,852 1,128 1,366 1,492 1,588
-1,4 0,225 0,832 1,041 1,198 1,270 1,318
Leituras adicionais
Os métodos de estimativa de vazões máximas apresentados neste texto são
relativamente simples e a forma de apresentação é resumida. Para realizar análises de
vazões máximas mais rigorosas normalmente é necessário testar três ou mais
distribuições de probabilidade teóricas, e avaliar qual é a distribuição que melhor se
adequa aos dados. Livros sobre hidrologia estatística existem em grande número,
principalmente em língua inglesa. Um livro dedicado exclusivamente a este tema em
língua portuguesa, denominado Hidrologia Estatística, foi lançado recentemente no
32. W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
Brasil, e pode ser obtido gratuitamente através da Companhia de Pesquisas de
Recursos Minerais (CPRM), impresso ou em formato pdf (http://www.cprm.gov.br).
A leitura deste livro permitirá ao leitor aprofundar o conhecimento introduzido neste
capítulo.
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Exercícios
1) Uma análise de 40 anos de dados revelou que a chuva média anual em um
local na bacia do rio Uruguai é de 1800 mm e o desvio padrão é de 350 mm.
Considerando que a chuva anual neste local tem uma distribuição normal, qual
é a chuva anual de um ano muito seco, com tempo de retorno de 10 anos?
2) O que é a curva de permanência?
3) Qual é a porcentagem do tempo em que é superada ou igualada a vazão Q90?
4) Se um rio intermitente passa mais da metade do tempo completamente seco,
qual é a sua Q80?
5) É correto afirmar que a vazão Q90 é sempre inferior a Q95 em qualquer ponto
de qualquer rio? E o inverso?
6) É correto dizer que a vazão Q95 é igual à soma das vazões Q40 e Q55? Explique.
7) Qual é o efeito de um reservatório sobre a curva de permanência de vazões de
um rio?
8) Considerando a idéia de risco como a probabilidade de ocorrência de um
evento associada aos prejuízos potenciais decorrentes deste evento, avalie qual
é a pior situação:
a. Uma cidade protegida por um dique dimensionado para a cheia de 100
anos de tempo retorno. Caso a cheia supere o dique, serão inundados
2 bairros, com prejuízo total estimado em 800 milhões de reais.
b. Uma ponte dimensionada para a cheia de 25 anos de tempo de
retorno. Caso a cheia atinja a ponte esta será destruída. A construção
de uma nova ponte e a interrupção temporária do tráfego totalizam
um prejuízo de 75 milhões de reais.
9) A tabela abaixo apresenta as vazões máximas do rio Xingu, em Altamira (PA),
de 1971 a 1990. Estime a vazão máxima de 50 anos de tempo de retorno
considerando válida a distribuição log-normal. Compare as estimativas usando
a distribuição de Gumbel e a distribuição Log-Pearson tipo III.
33. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
20 3
Ano Vazão máxima (m3/s)
1971 15633
1972 19116
1973 22121
1974 30160
1975 22969
1976 16773
1977 21520
1978 28655
1979 24994
1980 32330
1981 17794
1982 31210
1983 19056
1984 22422
1985 26338
1986 23718
1987 20198
1988 21881
1989 23970
1990 24354
10) Calcule a vazão Q7,10 do rio Xingu em Altamira (PA) usando os dados da tabela
abaixo. Use a distribuição de Weibull e compare com a estimativa usando a
distribuição empírica.
Ano Mínimas 7 dias (m3/s)
1971 554
1972 608
1973 1048
1974 1106
1975 663
1976 646
1977 1017
1978 1317
1979 1229
1980 1008
1981 904
1982 1244
1983 1001
1984 1249
1985 1181
1986 1348
1987 964
1988 994
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11) Na cidade de Porto Amnésia um apresentador de televisão defende a remoção
do dique que protege a cidade das cheias do rio Goiaba. Ele argumenta
afirmando que o dique foi dimensionado para a cheia de 50 anos, e que há 65
anos não ocorre na cidade nenhuma cheia que justificaria a construção de
qualquer dique. Analise as idéias do apresentador. Calcule qual é a
probabilidade de que não ocorra nenhuma cheia de tempo de retorno igual ou
superior a 50 anos ao longo de um período de 65 anos.
12) Na mesma cidade um arquiteto propõe a substituição de 2000 metros do dique
por uma estrutura composta por peças móveis removíveis de 10 m de
comprimento. Quando estas peças são expostas à pressão da água equivalente
a que ocorreria durante uma cheia, a probabilidade de falha (para cada uma) é
de 0,01 %. Qual é a probabilidade de que, durante uma cheia, pelo menos uma
das peças venha a falhar?
13) Por que as vazões mínimas são calculadas com médias de 7 dias ou de 30 dias
e as vazões máximas são calculadas com valores instantâneos ou de média
diária?
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