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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC
Rua Tubalcaim Faraco, nº 150, Centro, Edifício Seven Business Center, 11º andar, CEP nº 88.701-150 – Tubarão-SC
Fone/Fax: (48) 3302-1000 - e-mail: prsc-prmtubarao@mpf.mp.br
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) DA 1ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO
JUDICIÁRIA DE TUBARÃO/SC
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da República
signatário, e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, pelo
Promotor de Justiça abaixo-assinado, no uso de suas atribuições constitucionais e legais,
com fulcro no art. 129, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem
como nos dispositivos pertinentes da Lei n.º 7.347/85, da Lei Complementar n.º 75/93 e
Lei 8.625/93, na tutela do patrimônio histórico-cultural, com base dos elementos
constantes da Notícia de Fato n. 1.33.007.000282/2018-16, em anexo, vem, perante
Vossa Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
em desfavor de:
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE
TRANSPORTES – DNIT, CNPJ 04.892.707-0001-00, autarquia federal
vinculada ao Ministério dos Transportes, que deve ser citada na pessoa
do seu representante judicial, o Procurador Federal Especializado, com
endereço na Rua Álvaro Millen da Silveira, 104, CEP 88.020-180,
Florianópolis/SC;
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
EM SANTA CATARINA- IPHAN, autarquia federal, que deve ser citada
na pessoa do seu representante judicial, o Procurador Federal
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Especializado, com endereço na Praça Getúlio Vargas, nº 268, Centro,
Florianópolis/SC;
MUNICÍPIO DE MIGUEL PEREIRA/RJ, CNPJ 32.415.283/0001-29,
pessoa jurídica de direito público, com sede na Rua Prefeito Manoel
Guilherme Barbosa, n. 375, Centro, Miguel Pereira/RJ, fone (24) 2483-
9202;
pelos motivos fáticos e jurídicos a seguir expostos:
1. OBJETO DA AÇÃO
Esta Ação Civil Pública visa à proteção do patrimônio histórico-cultural
do Município de Tubarão/SC e Sul-catarinense, tendo em vista a Cessão do Direito de Uso
Gratuito n. 72, pelo DNIT, com anuência do IPHAN, ao Município de Miguel Pereira/RJ, da
Locomotiva à vapor Pacific, Fabricação Baldwin, n. 53, 1920, principal peça integrante do
Museu Ferroviário de Tubarão/SC, única e original, que compõe o conjunto de locomotivas
do referido museu, tendo importante valor a preservação da memória e do progresso
tecnológico do Município e região Sul-catarinense.
Busca-se, portanto, a manutenção da locomotiva referida no Museu
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Ferroviário de Tubarão/SC, bem como assegurar que todos os demais bens móveis
dotados de valor histórico-cultural integrantes do acervo sejam conservados in situ, isto é,
apenas nos municípios que tenham relações histórico-culturais.
2. DOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS
No dia 28/08/2018, a Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor –
SALV, mantenedora do Museu Ferroviário de Tubarão, protocolizou representação na
Procuradoria da República em Tubarão, noticiando a existência de risco de dano ao
patrimônio histórico-cultural do Município de Tubarão e do Estado de Santa Catarina,
tendo em vista a Cessão de Uso Gratuito n. 72, pelo DNIT, em favor do Município de Miguel
Pereira/RJ, da Locomotiva a Vapor classe Pacific, n. 53, Fabricante Baldwin Locomotive
Works, ano 1920 (CARTA 18/MFT/2018, de fls. 02-08 da Notícia de Fato).
Consta da representação que o bem cedido é integrante do acervo
estático do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, fazendo parte da Coleção de Locomotivas
à vapor do acervo histórico do Museu Ferroviário de Tubarão, localizado na sala de
exposições como “peça de museu”, para fins de salvaguarda, preservação, educação,
apreciação e comunicação, como relevante exemplar que narra a história ferroviária
catarinense por meio da trajetória da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina – EFDTC,
desde sua criação em 1884.
Registram os representantes que a Estrada de Ferro Dona Tereza
Cristina – EFDTC foi a primeira ferrovia implantada em solo catarinense, tornando
indiscutível a importância da locomotiva como Patrimônio Cultural Material do Município
de Tubarão e do Estado de Santa Catarina. Outrossim, salienta que a perda desse item
compromete de forma definitiva a relevância do conjunto histórico onde está inserido, pois
se trata de item único, sem reposição, exemplo material da presença do trem horário
(passageiros) na região sul – catarinense.
Acrescentam, ainda, que a locomotiva Pacific, n. 53, sempre operou na
região sul – catarinense no trecho da EFDTC, em grande parte como veículo de tração
dos trens de passageiros que circularam até 1968. Após deixar de operar como tração do
“Trem Horário”, no início da década de 1980, a RFFSA a transferiu para a Seção de
Tratamento de Dormentes, onde hoje está localizada a sede do Museu Ferroviário de
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Tubarão. Deixada à mercê de intempéries, foi se deteriorando com o passar dos anos.
Com efeito, os representantes destacam os trabalhos de salvamento do
patrimônio cultural ferroviário realizado, desde a década de 1990, e a importância da
locomotiva para a preservação da memória histórica e cultural do próprio Museu
Ferroviário de Tubarão, onde permanece a locomotiva – relembre-se – desde a década de
1980:
(…) Já na década de 1990, com o início dos trabalhos de salvamento do
patrimônio cultural ferroviário realizado por voluntários, hoje membros da
diretoria da SALV, essa locomotiva foi uma das primeiras a ser incorporada
ao conjunto de acervos do museu. Como elemento simbólico e histórico
da história ferroviária sul - catarinense, passou a representar a presença
viva dos trens de passageiros, além de ser um item remanescente da
própria Oficina de Tratamento de Dormentes, passando assim, a
representar a memória histórica e cultural do próprio lugar onde hoje está
instalado o Museu Ferroviário de Tubarão. Assim, a presença do item
como parte do acervo representa também a preservação da memória
institucional do próprio museu e de sua mantenedora, bem como a
memória do próprio movimento de salvamento e preservação desse
conjunto. O bem foi recuperado pela própria equipe de voluntários da
SALV, com recursos próprios da instituição, para ser um dos itens estáticos
que comporiam a Exposição de Locomotivas a Vapor da EFDTC. (...)
Destaque-se que o Município de Miguel Pereira/RJ pretende utilizar a
referida locomotiva como material rodante “Maria Fumaça”, para fins turísticos, com
circulação em malha ferroviária, conforme se vê do Ofício n. 249/208/GAB (fls. 145-146
da Notícia de Fato anexa), endereçado ao DNIT.
Porém, importante frisar que a destinação pretendida é absolutamente
inviável e coloca em risco esse item do Patrimônio Cultural Material, pois se trata de peça
de museu, única, que perdeu sua função original. No ponto, aduzem os representantes:
(…) Em nenhum momento desde o início dos trabalhos de preservação e
restauração pela equipe do museu, a locomotiva foi considerada com
possibilidades de voltar a funcionar, sendo restaurada apenas
esteticamente, para cumprir sua função museológica. Como bem
musealizado a locomotiva perdeu completamente sua função original para
tomar-se a representação material da história e da memória cultural de toda
uma região ferroviária. Desse modo, a decisão de autorizar a retirada do
item do conjunto do acervo à revelia da própria instituição que a preserva
para transferir a um município que não possui relação cultural nenhuma
com o histórico do próprio bem, toma-se um ato irresponsável e antiético,
que fere inclusive os pressupostos teórico-metodológicos da Museologia e
da legislação museológica e patrimonial de proteção de bens musealizados
no Brasil. Toma-se um desrespeito também com todo o trabalho que a
SALV realiza há 20 anos para proteção desse patrimônio cultural, incluindo-
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se uma luta junto ao IPHAN, DNIT e SPU para regularizar a posse legal do
acervo como meio de impedir ações arbitrárias dessa natureza que
comprometem o conjunto como um todo e o bem em particular, uma vez
que não há qualquer garantia que o item será realmente preservado além
de estar fora do seu contexto histórico. (...)
A inexistência de relação histórico-cultural entre o Município de Miguel
Pereira/RJ e a locomotiva Pacific n. 53 é manifesta, pois ela sempre circulou na EFDTC e
permanece no local onde hoje é o Museu Ferroviário de Tubarão desde a década de 1980,
tendo sido restaurada pelos voluntários da SALV, hoje mantenedores do museu
mencionado.
Vale destacar que o DNIT realizou a Cessão do Direito de Uso Gratuito
da locomotiva ao Município de Miguel Pereira/RJ, desconsiderando, por completo, a
relevância histórico-cultural do bem, bem como a existência prévia do Termo 38/BENS
MÓVEIS/2018/SEATEC-CGPF/CGPF/DIF/DNIT SEDE, referente ao Processo
50600.012343/2017-91, o qual não havia sido firmado, definitivamente, pela SALV em
razão da identificação de diversos equívocos ao proceder à conferência dos bens
arrolados. Assim, por ter sido ultrapassado o prazo legal no tocante ao pleito eleitoral, não
foi finalizado o Termo de Cessão de Uso n. 38.
Os representantes destacaram que o Prefeito de Miguel Pereira/RJ, Sr.
André Português, e o Secretário Municipal de Turismo, Sr. Sandro C. M. Chagas, visitaram
o Museu Ferroviário de Tubarão para conhecer as locomotivas e foram devidamente
informados da importância histórico-cultural da locomotiva e da impossibilidade de sua
utilização, em razão do comprometimento da caldeira e dos riscos decorrentes do sistema
de freios original à vapor. Consta da representação:
(...) Nesse interim, no dia 06 de junho de 2018, a instituição recebeu uma
visita dos representantes da Prefeitura Municipal de Miguel Pereira/RJ, Sr
André Português, Prefeito Municipal, Sr Sandro C. M. Chagas, Secretário
Municipal de Turismo entre outros, para conhecer o acervo de Locomotivas
à Vapor, expor o projeto turístico ferroviário daquele município e averiguar
a possibilidade de se conseguir uma máquina de tração para operar no
Trem Turístico. A equipe da SALV, juntamente com representantes da
concessionária do transporte ferroviário de carga e arrendatária da malha
férrea, Ferrovia Tereza Cristina S.A. - FTC, apresentaram ao Prefeito a
impossibilidade de transferência de quaisquer locomotivas integrantes do
conjunto principal, dentre as quais a Pacific, nº 53. Essa locomotiva em
especial foi a que mais chamou a atenção do Prefeito André Português.
Diante do extremo interesse do Prefeito, os representantes da SALV
sempre se posicionaram de modo a esclarecer a situação do bem e o
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impacto negativo que a perda do mesmo teria sobre o conjunto
musealizado. Também foi esclarecido sobre a real situação da máquina,
cuja caldeira daria muito trabalho para recuperação, além do que, ter um
sistema de freios original à vapor, sendo insegura a sua operação. Embora
estivesse restaurada como "peça de museu", o custo monetário para
colocá-la em funcionamento seria altíssimo e dependeria de equipe
especializada para garantir a segurança para operação como trem de
passageiros. Na ocasião também foi apresentado ao Prefeito as quatro
locomotivas à vapor classe "Santa Fé" que já estão em processo de
transferência para outros municípios em virtude de seu péssimo estado de
conservação para que sejam restauradas em condição de operar em
passeios turísticos. A primeira locomotiva transferida foi a Locomotiva
Santa Fé 201, para 1 º Batalhão Ferroviário Benjamin Constant, em
Lages/SC. As demais estão aguardando conclusão dos referidos
processos. O interesse do Município de Miguel Pereira não era pela
restauração desse tipo de equipamento, mas ao contrário, uma que já
tivesse condições de operar em curto espaço de tempo. Também foi
sugerido a construção de uma réplica com tração à diesel, que poderia se
adequar melhor ao pretenso projeto turístico. Os representantes do
Município de Miguel Pereira/RJ e a equipe da SAL V acordaram sobre a
elaboração de orçamento para construção de uma réplica, uma vez que
não haveria possibilidade de nenhuma outra locomotiva original sair de
Tubarão, sob pena de comprometer o próprio conjunto. (...)
Não obstante a fundamentação apresentada, no dia 16/07/2018, a
SALV recebeu visita do Coordenador-Geral do Patrimônio Ferroviário do DNIT, Sr. Luciano
Sacramento, apresentando uma cópia do Termo de Cessão de Uso n. 72, assinado em 04
de julho de 2018, e cópia da publicação em Diário Oficial de 5 de julho de 2018, com o
objetivo de comunicar a decisão do DNIT de ceder a Locomotiva Pacific, Fabricação
Baldwin, n. 53, 1920, para o Município de Miguel Pereira/RJ para ser um ativo operacional
do projeto turístico daquele município. Na ocasião, a situação do bem foi comentada e
iniciaram tratativas para uma possível reversão do ato. De acordo com os representantes,
foi ofertada a substituição do exemplar único por outro com duplicata, qual seja, a
Locomotiva Santa Fé 205, status operacional.
Em 15/08/18, representantes da Prefeitura de Miguel Pereira/RJ e
técnicos a serviço desse Município compareceram na sede do Museu para realizar teste
de ultrassom na caldeira da Locomotiva Pacific, n. 53, ocasião em que teria sido
comprovado seu péssimo estado de conservação. Tentou-se, na ocasião, convencer os
representantes pela substituição ou desistência da locomotiva, sem êxito.
Em 28/08/2018, a SALV foi comunicada informalmente, por telefone,
que a Prefeitura de Miguel Pereira/RJ irá retirar a Locomotiva à Vapor Pacific, Fabricação
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Baldwin, n. 53, 1920, no prazo máximo de 10 (dez) dias.
O ato praticado pelo DNIT contraria todas as tratativas anteriormente
formalizadas pelo IPHAN que, inclusive, já havia reconhecido o valor histórico-cultural do
bem a sua importância para o conjunto de locomotivas do Museu Ferroviário de
Tubarão/SC, tendo se manifestado pela cessão de uso à SALV em 2013 e reiterado em
2016.
O valor histórico do acervo objeto do Termo de Transferência
INV/RFFSA n. 102/2010, contido no processo 01450.007171/2010-12, que se refere a um
conjunto de bens móveis da extinta RFFSA, localizados no município de Tubarão/SC, foi
devidamente reconhecido pelo Parecer Técnico n. 126/2013 – IPHAN/SC, datado de
02/04/2013, que ressaltou a importância do conjunto para ambiência historica (fls.
62/67).
(…) Em julho daquele ano, o referido processo foi encaminhado à
Superintendência em Santa Catarina com a solicitação de que fosse
realizada vistoria e emitido parecer que determinasse:
1. o valor histórico do acervo;
2. a correspondência entre os bens vistoriados e a listagem integrante do
Termo de Transferência, e
3. eventual destinação ao conjunto de bens (incluída manifestação de
interessado, e informação sobre existência e viabilidade de projeto para tal
destinação).
(…)
Neste início de 2013, finalmente foi possível providenciar a ida de duas
técnicas para desempenhar a tarefa: fui acompanhada pela colega Mônica
Magalhães, responsável pelo Arquivo e a Biblioteca da Superintendência,
em vistoria realizada nos dias 4 e 5 de março.
(…)
O interesse histórico e de preservação dos bens em questão,
considerados em conjunto, nos parece evidente. Trata-se de um acervo
que inclui elementos tanto de valor artístico quanto de valor tecnológico e
científico, relacionando-se com a evolução tecnológica e as principais
tipologias empregadas no Brasil entre o século XIX e os anos de 1970
(conforme Portaria IPHAN n. 407, de 21 de dezembro de 2010, Art. 4º).
Cabe ressaltar, ainda, que a curadoria do Museu Ferroviário de Tubarão
tem buscado o melhor equilíbrio entre aquilo que deve compor o acerco
como peças avulsas (expostas ou devidamente guardadas
individualmente) e o que deve ser integrado a outros itens contribuindo
para a ambiência histórica e até para o funcionamento do maquinário.
Assim, diversos itens do acerco em tela encontram-se instalados nos
vagões e locomotivas, inclusive os utilizados no passeio histórico
promovido pelo Museu.
(…)
Por fim, quanto à destinação proposta para o acervo em questão,
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considerando o interesse da Sociedade de Amigos da Locomotiva a Vapor
(SALV) em dar uso compatível para os bens, conforme descrito em ofício
(anexo), o parecer é de que o acervo deve permanecer sob a tutela desta
instituição, mediante formalização de cessão de uso. (…)”.
Foi firmada pela Superintendente Estadual do IPHAN a Declaração n.
07/2013, em 24/09/2013, com o seguinte teor (fl. 73 da NF):
Declaramos para os devidos fins que o acervo de bens pertencente à antiga
Rede Ferroviária Federal S/A, sob guarda do Museu Ferroviário de
Tubarão, encontra-se em processo de transferência para o Instituto
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (processo IPHAN n.
01450.007171/2010-12) por ser considerado de interesse histórico e
cultural.
Considerando o zeloso e abnegado trabalho já executado pela Sociedade
de Amigos da Locomotiva a Vapor na gestão do Museu Ferroviário de
Tubarão e deste acervo, findo o processo de transferência envidaremos
tratativas para cessão de uso do acervo a esta instituição.
Nesse sentido, constou na parte final do Parecer Técnico n.
385/2016/IPHAN/SC, de 05/09/2016, que trata da destinação dos bens móveis da extinta
RFFSA, referentes a Termos de Transferências de convênios firmados com entre a RFFSA
e entidades de Santa Catarina, em seu item 15, que os demais bens do termo de
transferência 102/2010 (fls. 53-57 da Notícia de Fato):
“(…) deverão ser devolvidos ao DNIT com a recomendação de que sejam
destinados à SALV (Sociedade Amigos da Locomotiva a Vapor), que vem
preservando os bens de forma apropriada há muitos anos. Observamos
apenas que alguns dos bens arrolados não se encontram no museu ou
encontram-se sob concessão da FTC. Qualquer destinação diversa
desta, o IPHAN deverá ser consultado” (grifo nosso).
A necessidade de consulta ao IPHAN decorre da sua função de
preservação do patrimônio histórico-cultural, tendo fundamento legal específico no artigo
9º da Lei 11.483/2007, bem como no Termo de Conciliação n. 04/2016/CCAF/CGU/AGU-
MIC.
Importante frisar que, em cumprimento ao Termo de Conciliação n.
04/2016/CCAF/CGU/AGU-MIC, o IPHAN comunicou o DNIT, por seu Diretor de
Infraestrutura Ferroviária, Sr. Charles Magno Nogueira Beniz, que a SALV já havia
manifestado interesse no recebimento das demais locomotivas listadas no Termos de
Transferência n. 102/2010 (fls. 60-61 da NF).
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Não por acaso, o próprio DNIT havia consignado a impossibilidade de
atendimento do pleito do Município de Miguel Pereira/RJ no Despacho/DNIT
SEDE/DIF/CGPF/COPAF, com a concordância do Coordenador de Patrimônio Ferroviário
Substituto, Sr. Bruno Rodrigues, nos seguintes termos (fl. 152 da NF):
Trata o presente do Ofício n. 249/2018/GAB pelo qual a Prefeitura
Municipal de Miguel Pereira/RJ solicita a doação do bem móvel “Locomoiva
Baldwin N. 53 (4-6-2)”, localizado no Município de Tubarão/SC.
Após pesquisa, foi verificado através do Processo SEI n.
50600.022343/2017-91, que o bem não operacional foi transferido ao
IPHAN por meio do Termo de Transferência n. 102/2010. Por sua vez,
aquela autarquia repassou à OSCIP ABPF, e atualmente o bem encontra-
se em procedimento para que seja restaurado pela Sociedade dos Amigos
da Locomotiva a Vapor – SALV.
Dessa forma, sugerimos o envio de correspondência à Prefeitura para
encaminhar as informações obtidas, bem como comunicar sobre a
impossibilidade de atendimento do pleito.
Em que pese a necessidade de conservação in situ do patrimônio
histórico-cultural, devidamente reconhecida pelo IPHAN, o DNIT ignorou as normas
constitucionais, legais e convencionais que protegem o bem material em questão e cedeu
o direito de uso ao Município de Miguel Pereira/RJ.
Segundo informado pelos representantes, em reunião realizada nesta
Procuradoria da República em 29/08/2018, o IPHAN em Brasília teria sido consultado e
informado que caberia ao DNIT decidir acerca da destinação do bem, com fundamento no
Termo de Conciliação n. 04/2016/CCAF/CGU/AGU-MIC. Desconsiderou, assim, as
manifestações anteriores que reconheciam o valor histórico-cultural do bem e as tratativas
em curso para a sua cessão para a SALV, contribuindo, portanto, para o risco de dano ao
patrimônio histórico-cultural Sul-catarinense.
Os riscos ao patrimônio histórico-cultural foram muito bem explicitados
no Parecer Técnico Museológico n. 001/MUS/MFT/2018 anexo, transcrito integralmente
adiante, no tópico referente à tutela provisória de urgência.
Em razão da relevância cultural do bem para o Sul-catarinense, foi
protolizada Solicitação de Tombamento perante a Fundação Catarinense de Cultura – FCC
sob n. 2922/2018, em 30/08/2018 (documento anexo), daí decorrendo importantes
consequências previstas na legislação estadual de regência.
A Lei Estadual n. 17.565/2018, que consolida as leis que dispõe sobre
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o Patrimônio Cultural do Estado de Santa Catarina, estabelece os efeitos do tombamento
nos artigos 12 a 19. Pela sua relevância para a presente ação, transcreve-se os seguintes
dispositivos:
Art. 12 Iniciado o processo de tombamento, desde logo incidirão os efeitos
desta Lei.
Art. 13 Os bens tombados ficam sujeitos à vigilância permanente da FCC,
que poderá inspecioná-los sempre que julgar conveniente.
Art. 14 Os bens tombados são transferíveis, observadas as seguintes
condições:
I – os do Estado à União, desde que sejam conservados em Santa
Catarina, e aos Municípios;
II – os do Município à União, com a restrição do inciso I deste artigo, ao
Estado ou a outro Município; e
III – os particulares, a qualquer pessoa natural ou jurídica, com cláusula
de não remoção definitiva para fora do território estadual.
§3º somente se permitirá a saída do bom tombado do Estado, por tempo
certo e para fins de intercâmbio cultural, a juízo do órgão competente.
(…)
Art. 16 Os bens tomados não poderão, em caso nenhum, ser destruídos,
demolidos ou mutilados, tampouco, sem prévia autorização do órgão
competente, ser reparados, pintados ou restaurados, sob pena de multa de
50% (cinquenta por cento) sobre o dano causado.
Como visto, iniciado o processo de tombamento, como no caso da
Locomotiva Pacific n. 53, incidem todos os efeitos do próprio tombamento, inclusive a
vedação de remoção para fora do território do Estado de Santa Catarina. A propósito,
pertinente a previsão legal de conservação in situ, constante do artigo 14 acima transcrito,
que determina que a previsão dos bens tombados ou em processo de tombamento seja
realizado no próprio Estado de Santa Catarina. Ainda, o artigo 16 veda quaisquer reparos
que seriam necessários para que a Locomotiva Pacific n. 53 pudesse ser utilizada para a
finalidade pretendida.
Não bastasse, em 03/09/2018 a Câmara de Vereadores de
Tubarão/SC, em regime de urgência, aprovou o Projeto de Lei n. 076/2018, que dispõe
sobre a preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Natural do Município de Tubarão,
cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e institui o Fundo Municipal de Proteção
do Patrimônio Cultural de Tubarão1. A lei aguarda sanção do Excelentíssimo Prefeito
Municipal.
Conclui-se, portanto, que a cessão em tela se trata de ato de cunho
1
https://www.tubarao.sc.gov.br/noticias/index/ver/codNoticia/510758/codMapaItem/16675. Acesso em 03/09/2018.
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11
exclusivamente político, que não atende ao interesse público e põe em risco bem
importante do patrimônio histórico-cultural, não restando outra alternativa senão buscar a
tutela jurisdicional para sua preservação.
3. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A competência da Justiça Federal decorre da presença do Ministério
Público Federal no polo ativo e do DNIT e IPHAN no polo passivo, sendo competente a
Justiça Federal em razão da pessoa, nos termos do artigo 109, I, da Constituição da
República.
Saliente-se que a Subseção Judiciária de Tubarão/SC constitui foro
competente para o processo e julgamento da lide, nos termos do art. 2º da Lei de Ação
Civil Pública, uma vez que representa o juízo federal do lugar onde ocorreu o dano, tendo
em vista que a Locomotiva Pacific, Fabricação Baldwin, n. 53, 1920, integra o conjunto do
Museu Ferroviário do Município de Tubarão/SC, o qual integra esta subseção, e será
afetado em seu conjunto com a retirada do bem.
Portanto, competente a Subseção da Justiça Federal de Laguna, nos
termos do artigo 2º da Lei n.7.347/85.
4. DA LEGITIMIDADE ATIVA DOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS
FEDERAL E ESTADUAL – LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO
É função institucional do Ministério Público brasileiro zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição Federal,
promovendo as medidas necessárias à sua garantia, bem como promover o Inquérito Civil
e a Ação Civil Pública para a proteção do Patrimônio Público e Social, do Meio Ambiente
e de outros interesses difusos e coletivos (Constituição Federal, art. 129, incisos II e III).
Além da previsão constitucional, o art. 6º, “b”, da Lei Complementar
75/93, atribui ao Ministério Público Federal a proteção do patrimônio público e social, do
meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico, e o art. 37, II, da mesma norma, prescreve que o Órgão exercerá as suas
funções nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para defesa de
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12
direitos e interesses das populações indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, integrantes do patrimônio
nacional.
Por fim, o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, legitima o Ministério Público
a propor a ação civil para reparação dos danos causados ao meio ambiente, incluindo o
meio ambiente artificial.
Ademais, a presente ação trata do patrimônio histórico-cultural do
Município de Tubarão e do Sul-catarinense, sobressaindo a atribuição do Ministério
Público do Estado de Santa Catarina para a sua tutela e, em razão do envolvimento das
autarquias federais, DNIT e IPHAN, bem como do patrimônio público federal, justifica-se
a atribuição do Ministério Público Federal.
A respeito do litisconsórcio ativo facultativo entre Ministérios Públicos,
dispõe o artigo 5º, §5º, da Lei 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
(…)
§5º Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da
União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos
de que cuida esta lei.
Nessa ordem de ideias, decidiu a Primeira Turma do Superior Tribunal
de Justiça no Recurso Especial 1444484/RN, Min. Benedito Gonçalves, decisão publicada
no DJe em 29/09/2017:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO ENTRE
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, ESTADUAL E DO TRABALHO.
ARTIGO 5º, § 5º, DA LEI N. 7.347/1985. COMUNHÃO DE DIREITOS
FEDERAIS, ESTADUAIS E TRABALHISTAS.
1. Nos termos do artigo 5º, § 5º, da Lei n. 7.347/1985: "admitir-se-á o
litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito
Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida
esta lei.".
2. À luz do art. 128 da CF/88, o Ministério Público abrange: o Ministério
Público da União, composto pelo Ministério Público Federal, o Ministério
Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios; e os Ministérios Públicos dos Estados.
3. Assim, o litisconsórcio ativo facultativo entre os ramos do MPU e os MPs
dos Estados, em tese, é possível, sempre que as circunstâncias do caso
recomendem, para a propositura de ações civis públicas que visem à
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio-
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, bem como a
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qualquer outro interesse difuso ou coletivo, inclusive de natureza
trabalhista.
(…)
6. Dessa forma, diante da pluralidade de direitos que a presente demanda
visa proteger, quais sejam: direitos à ordem econômica, ao trabalho, à
saúde e ao consumidor, é viável o litisconsórcio ativo entre o MPF, MPE e
MPT.
7. Recurso especial provido.
Insofismável, pois, a atribuição dos Ministérios Públicos Federal e
Estadual para propor a presente Ação Civil Pública, forte nos arts. 129, II e III, da
Constituição Federal, artigo 5º, §5º, da Lei 7.347/85, bem como a competência da Justiça
Federal para processar e julgar a demanda, com fulcro no art. 109, I, da Carta Magna.
5. LEGITIMIDADE PASSIVA
O DNIT foi o responsável pela Cessão do Direito de Uso Gratuito da
Locomotiva ao Município de Miguel Pereira/RJ, com anuência do IPHAN, desconsiderando
a importância histórico-cultural do bem material em relação ao Município de Tubarão/SC
e ao Estado de Santa Catarina.
Outrossim, compete ao IPHAN zelar pela proteção do Patrimônio
Cultural Material em questão, nos termos do artigo 9º da Lei 11.483/2007:
Art. 9o Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -
IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico,
histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, bem como zelar pela sua
guarda e manutenção.
§ 1o Caso o bem seja classificado como operacional, o IPHAN deverá
garantir seu compartilhamento para uso ferroviário.
§ 2o A preservação e a difusão da Memória Ferroviária constituída pelo
patrimônio artístico, cultural e histórico do setor ferroviário serão
promovidas mediante:
I - construção, formação, organização, manutenção, ampliação e
equipamento de museus, bibliotecas, arquivos e outras organizações
culturais, bem como de suas coleções e acervos;
II - conservação e restauração de prédios, monumentos, logradouros, sítios
e demais espaços oriundos da extinta RFFSA.
§ 3o As atividades previstas no § 2o
deste artigo serão financiadas, dentre
outras formas, por meio de recursos captados e canalizados pelo Programa
Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, instituído pela Lei nº 8.313, de 23
de dezembro de 1991.
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14
Assim, o IPHAN concorreu para a cessão do bem ao Município de Miguel
Pereira/RJ, deixando de zelar pelo patrimônio histórico e cultural oriundo da extinta
RFFSA, contrariando o seu dever legal.
6. DO DIREITO
A própria Constituição da República determina a vinculação temática
dos bens culturais com os diferentes “grupos formadores da sociedade” e, via de
consequência, com o território que eles habitam:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação.
(...)
A pertinência locacional do bem integra o conceito de patrimônio
cultural e, portanto, é da essência da coisa em sua dimensão histórico-cultural. Pensemos
num exemplo: que relevância cultural haverá na preservação, por município baiano
fortemente ligado à imigração africana, de bens pertinentes à colonização alemã em Santa
Catarina?
A moderna teoria jurídica estruturante de Friedrich Müller bem
esclarece a necessidade de integração entre a norma e a situação de fato normatizada.
Sua correta aplicação no caso em foco revela que esse correto e completo conceito de
patrimônio cultural é constitutivo do sentido da norma protetiva.
Portanto, a Locomotiva à vapor Pacific, Fabricação Baldwin, n. 53,
1920, remete à história e à cultura do Município de Tubarão/SC e do Estado de Santa
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Catarina, referindo-se à identidade e à memória do “grupo” desse Município e região,
encontrando-se no local em que sediado o Museu Ferroviário de Tubarão desde a década
de 1980, sendo o principal e único exemplar, cuja retirada afeta inclusive o conjunto de
locomotivas ali expostas.
Essa noção de vínculo entre o elemento cultural e o contexto de sua
criação ou utilização como dado essencial de sua faceta preservacionista já foi expressa
em documentos normativos, de origem estatal ou não, tutelares do patrimônio histórico.
A Carta Para a Proteção e Gestão do Patrimônio Arqueológico (Carta
de Lausanne, de 1990), em seus arts. 3º e 6º, preceitua a relevância da conservação dos
bens in situ – princípio que resguarda a necessidade de manutenção do conjunto de bens
integrantes do patrimônio histórico-cultural no seu local de origem, isto é, onde presentes
suas raízes histórico-culturais e, portanto, onde mais exprimirão a memória dos indivíduos
que os circundam.
Confira-se os seguintes excertos:
Artigo 3. Legislação e economia.
A proteção do patrimônio arqueológico deve ser considerada uma
obrigação moral de cada ser humano. Mas é também uma
responsabilidade pública coletiva. Esta responsabilidade deve traduzir-se
pela adoção de uma legislação adequada e pela garantia de fundos
suficientes para financiar, eficazmente, os programas de conservação do
patrimônio arqueológico.
(…)
A legislação deve garantir a conservação do patrimônio arqueológico em
função das necessidades da história e das tradições de cada país e de
cada região, dando especial relevo à conservação in situ e aos imperativos
da investigação.
(…)
Artigo 6. Manutenção e conservação
O objetivo fundamental da conservação do patrimônio arqueológico deverá
ser a manutenção in situ dos monumentos e sítios, compreendendo a sua
conservação a longo prazo e o cuidado dispensado aos respectivos
arquivos, coleções, etc. Qualquer translação viola o princípio segundo o
qual o patrimônio deve ser conservado no seu contexto original. Este
princípio acentua a necessidade de operações de manutenção, de
conservação e de gestão adequadas.
(…)
O empenhamento e a participação da população local devem ser
encorajados como forma de promover a manutenção do patrimônio
arqueológico.
Por sua vez, a Carta do II Congresso Internacional de Arquitetos e
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Técnicos dos Monumentos Históricos do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
– ICOMOS (Carta de Veneza), na mesma esteira da Carta de Lausanne, preconiza que “a
conservação e a restauração dos monumentos visam a salvaguardar tanto a obra de arte
quanto o testemunho histórico” (art. 3º) e que “o monumento é inseparável da história de
que é testemunho e do meio em que se situa” (art. 7º).
O princípio da conservação dos bens in situ é tão relevante na proteção
do patrimônio histórico-cultural que uma convenção internacional foi elaborada
exclusivamente com o escopo de repor aos seus sítios originais os bens culturais furtados
ou ilicitamente exportados. Trata-se da Convenção da UNIDROIT, inserida em nosso
direito positivo por meio do Decreto n. 3.166/1999.
Na mesma linha, a Lei Estadual n. 17.565/2018, que consolida as leis
que dispõe sobre o Patrimônio Cultural do Estado de Santa Catarina, estabelece a regra
da conservação in situ dos bens culturais estaduais, somente admitindo a saída do bem
tombado do Estado para fins de intercâmbio cultural, vedação que se aplica desde o início
do processo de tombamento:
Art. 12 Iniciado o processo de tombamento, desde logo incidirão os efeitos
desta Lei.
Art. 13 Os bens tombados ficam sujeitos à vigilância permanente da FCC,
que poderá inspecioná-los sempre que julgar conveniente.
Art. 14 Os bens tombados são transferíveis, observadas as seguintes
condições:
I – os do Estado à União, desde que sejam conservados em Santa
Catarina, e aos Municípios;
II – os do Município à União, com a restrição do inciso I deste artigo, ao
Estado ou a outro Município; e
III – os particulares, a qualquer pessoa natural ou jurídica, com cláusula
de não remoção definitiva para fora do território estadual.
§3º somente se permitirá a saída do bom tombado do Estado, por tempo
certo e para fins de intercâmbio cultural, a juízo do órgão competente.
(…)
Devidamente estabelecida a premissa da pertinência locacional, cabe
declinar a fonte da obrigação conservacionista. Primeiro, a regra-matriz constitucional:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios:
(...)
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os
sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte
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e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à
tecnologia, à pesquisa e à inovação;(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 85, de 2015)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas
formas;
No plano infraconstitucional, a Convenção Relativa à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972, que também é documento com força de
lei (Decreto 80.978/1977), considerando que “a proteção desse patrimônio em escala
nacional é frequentemente incompleta, devido à magnitude dos meios de que necessita e
a insuficiência dos recursos econômicos, científicos e técnicos do país em cujo território
se acha o bem a ser protegido”, impõe ao Estado, entre outras, as seguintes obrigações:
- identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às futuras
gerações o patrimônio cultural e natural situado em seu território, utilizando ao máximo
seus recursos disponíveis, e, quando for o caso, mediante assistência e cooperação
internacional de que possa beneficiar-se, notadamente nos planos financeiro, artístico,
científico e técnico;
– adotar uma política geral que vise a dar ao patrimônio cultural e
natural uma função na vida da coletividade e a integrar a proteção desse patrimônio nos
programas de planificação geral;
– instituir em seu território, na medida em que não existam, um ou mais
serviços de proteção, conservação e valorização do patrimônio cultural e natural, dotados
de pessoal e meios apropriados que lhes permitam realizar as tarefas a eles confiadas;
– tomar as medidas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas e
financeiras adequadas para a identificação, proteção, conservação, revalorização e
reabilitação desse patrimônio.
Por fim, cumpre anotar que são aplicáveis à preservação do meio
ambiente artificiar, quando dotado de significação cultural, os princípios fundamentais do
Direito Ambiental, em especial os da intervenção estatal obrigatória, da supremacia do
interesse público, da precaução, da responsabilidade e da indisponibilidade.
7. DA TUTELA PROVISÓRIA
O microssistema processual coletivo, formado, dentre outras, pela Lei
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da Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor e Lei da Ação Popular, permite,
no bojo das ações coletivas, sejam proferidas decisões de cognição sumária, tanto de
caráter antecipatório/satisfativa, como de cunho cautelar. Neste sentido, dispõem as leis
mencionadas:
Lei nº: 7. 347/85: Art. 4o Poderá ser ajuizada ação cautelar para os
fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar dano ao patrimônio
público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à honra e à
dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, à ordem
urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico. (Redação dada pela Lei nº 13.004,
de 2014)
Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação
prévia, em decisão sujeita a agravo.
Lei nº: 4.717/65: artigo 5º, § 4º Na defesa do patrimônio público caberá
a suspensão liminar do ato lesivo impugnado.
Lei nº: 8.078/90: Artigo 84, § 3° Sendo relevante o fundamento da
demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final,
é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia,
citado o réu.
As disposições específicas das leis que integram o microssistema
processual coletivo são anteriores à introdução da tutela antecipada no Código de
Processo Civil de 1973, em seu artigo 273, época em que era aceito o uso da tutela
cautelar satisfativa, conforme se vê da redação do artigo 4º da Lei n. 7.347/85,
anteriormente transcrito. Outrossim, após a introdução da tutela antecipada (satisfativa)
no ordenamento jurídico nacional em 1994, embora os requisitos para o deferimento de
tutela antecipada e cautelar fossem diversos, ambos referiam-se à impossibilidade de
aguardar-se o tempo do processo para a efetivação da jurisdição, isto é, não havia
diferenças substanciais.
Diante da incongruência da legislação e da dificuldade teórica e prática
de diferenciação entre as tutelas antecipada e cautelar em diversas situações, com o
objetivo de superar as infindáveis discussões e primar pela efetividade da jurisdição, o
Código de Processo Civil em vigor unificou o regime das tutelas provisórias de urgência,
além de acrescentar, de forma generalizada, a possibilidade de concessão de tutela
provisória de evidência, antes restrita.
Neste sentido, colhe-se do Código de Processo Civil:
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Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou
evidência.
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada,
pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos
que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco
ao resultado útil do processo.
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da
demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do
processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório da parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas
documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos
repetitivos ou em súmula vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental
adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem
de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos
fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova
capaz de gerar dúvida razoável.
Dessa forma, os requisitos necessários para o deferimento da tutela
provisória de urgência foram unificados pelo Código de Processo Civil, não havendo
diferenças substanciais em relação aos requisitos constantes das leis especiais que
integram o microssistema processual coletivo, resumindo-se à probabilidade do direito
e ao perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Igualmente, aplicável a
tutela provisória de evidência, diante da aplicação subsidiária do Código de Processo civil.
A probabilidade do direito restou devidamente demonstrada na petição
inicial, porquanto devidamente provado o risco de dano ao Patrimônio Cultural Material,
mediante a cessão do direito de uso da locomotiva para o Município de Miguel Pereira/RJ,
que não possui nenhum vínculo histórico-cultural com o bem. Com isso, descaracteriza-
se o próprio conjunto de locomotivas constantes do Museu Ferroviário de Tubarão/SC.
Quanto ao risco de dano ou risco de resultado útil ao processo, a
proteção do bem material não pode aguardar até o trânsito em julgado da sentença
definitiva – que como se sabe pode durar anos até que eventuais recursos sejam julgados
– para a determinação de medidas efetivas que impeçam as atividades ilícitas causadoras
de dano ao Patrimônio Cultural Material, que poderá ser seriamente danificado no
transporte para o Rio de Janeiro, por se tratar de peça de museu, única, devidamente
restaurada pela SALV, além de ser a peça principal do conjunto de locomotivas do Museu
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20
Ferroviário de Tubarão/SC.
Outrossim, ainda que seja transportada adequadamente, a destinação
pretendida é absolutamente incompatível e põe em risco não apenas a locomotiva, mas
os usuários do projeto turístico, por se tratar de peça de museu com caldeira comprometida
e sistema de freios originais à vapor, que não oferecem segurança, conforme bem
salientado pelos representantes.
De outro lado, eventuais alterações para atender às normas de
segurança implicariam na descaracterização do bem original e único exemplar, cuja
relevância histórico-cultural é reconhecida pelo próprio IPHAN, indo de encontro às
determinações constitucionais e infraconstitucionais, bem como convenções
internacionais que versam sobre a matéria.
Vale ressaltar que a qualquer momento o Município de Miguel
Pereira/RJ poderá comparecer para realizar a remoção da locomotiva, o que poderá
acarretar danos irreversíveis ao patrimônio cultural material, sendo imprescindível o
deferimento de tutela provisória de urgência liminar para impedir o ato, declarando a
nulidade do Contrato de Cessão de Direito de Uso n. 72/2018, independente da prévia
oitiva dos representantes judiciais da Fazenda Pública.
Observe-se, ainda, que os mesmos fundamentos que inviabilizam a
remoção da Locomotiva Pacific n. 53 para o Município de Miguel Pereira/RJ aplicam-se às
demais locomotivas integrantes do acervo do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, sendo
necessário, desde já, ampliar-se a vedação de remoção para os demais bens móveis
integrantes do conjunto, tendo em vista tratativas anteriores visando à substituição do
bem.
Os riscos de danos decorrentes da remoção da Locomotiva do Museu
Ferroviário de Tubarão são bem esclarecidos no Parecer Técnico Museológico n.
001/MUS/MFT/2018, subscrito pela Museóloga Silvana Silva de Souza, valendo a pena
sua transcrição integral:
O Setor Museológico do Museu Ferroviário de Tubarão, mantido pela
Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor - SALV, localizado na
Avenida Pedro Zapelini, 2200, cruzamento férreo, Oficinas, Tubarão/Se,
CNPJ 02.063.805/0001 -00, vem por meio deste esclarecer os potenciais
impactos negativos e riscos iminentes de perdas e danos causados pela
movimentação do acervo de Locomotivas a Vapor para possível retirada de
uma Locomotiva a Vapor, classe Pacífic, nº 53, Fabricante Baldwin
Locomotive Works, ano 1920, do espaço expositivo do Museu. Essa ação
viria ao encontro de uma decisão do Departamento Nacional de
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Transportes terrestres - DNIT que formalizou, à revelia da instituição,
Cessão de Uso Gratuito do bem em favor da Prefeitura Municipal de Miguel
Pereira/RI, para possível operação como veículo de tração de trem turístico
daquela localidade. Sobre a Locomotiva a vapor objeto do Termo 72 BENS
MÓVEIS/2018/SEATEC-CGPF/CGPF/DIF/DNITSEDE, o Museu
Ferroviário de Tubarão esclarece que se trata de bem não operacional
musealizado, restaurado em estática para fins únicos de preservação,
estudo, pesquisa, comunicação, educação, fruição como bem cultural.
Assim sendo, o bem perdeu sua função original de operação de tração
ferroviária, não sendo recomendada sua utilização para esse fim pelos
seguintes motivos:
• A caldeira não foi restaurada para potencial uso de queima de carvão. As
chapas metálicas estão com estrutura comprometida, havendo inúmeros
pontos de corrosão interna, fragilidade na composição do material e
necessidade de troca completa do estaiamento. • O freio ainda está no
sistema a vapor, o que necessitaria uma substituição para freio 6SL básico,
com instalação de compressor, sistema a ar. • Como restauração estática,
peças e elementos internos que garantiriam seu funcionamento não foram
recuperados ou estão faltantes. • O Tender foi recuperado apenas
esteticamente, apresentando ao longo de 1O anos da última restauração
inúmeros pontos de corrosão extrema com perda completa de partes, o
que obrigou ação de reparo. Desse modo, o tanque de água necessitaria
de restauro completo para voltar à sua função original. • A SALV não se
responsabiliza por quaisquer potenciais problemas técnicos, operacionais
e de segurança, nem pelo trabalho de restauração posterior para
funcionamento feito por qualquer outra equipe técnica, uma vez que está
declarando todos os riscos previamente. A Locomotiva supracitada está
localizada em linha ferroviária estática, com bitola métrica, ligado à malha
férrea pertencente à concessionária Ferrovia Tereza Cristina S.A, dentro
da sala de exposição do Museu Ferroviário de Tubarão. A edificação é um
galpão de alvenaria construído parte com vigas pré-moldadas, possui
janelas laterais com esquadrias de ferro e vidro, treliças de madeira, treliças
pré-moldadas e cobertura com telhado fibrocimento. A entrada do galpão
possui três vãos de largura de 3m e altura de 4,5m, Pé direito do galpão
pré-moldado mede cerca de 7,5m e na parte onde possui treliça de madeira
tem a medida aproximada de 5,5m. Localizado à frente do bem estão 04
(quatro) veículos ferroviários, 03 (três) dos quais apresentando estado
avançado de degradação. São eles (a partir da referência da própria
locomotiva, nº 53): 1- Locomotiva a vapor, classe 2-10-2, modelo Texas, nº
300, The Baldwin Locomotive Works, USA, 1940. Status: estática.
Restaurado. Essa locomotiva é a maior peça do acervo. Com 26 metros de
comprimento, altura aproximada de 4,5 m e tara de 160 toneladas.
2- Locomotiva a vapor LocoBreak, Bitola 1,60m, péssimo estado de
conservação. Apresenta perda de partes, peças soltas, estado de corrosão
avançado. Por apresentar bitola de tamanho diferente à linha estática, está
em suporte adaptado, não havendo "pernas de trilho" ao longo da linha
para remoção do mesmo pelo sistema de tração. O uso de guindaste não
é recomendado em virtude da área de localização (Galpão coberto), cuja
manobra de veículo pesado em espaço expositivo pode vir a danificar
outras peças do próprio acervo.
3- Locomotiva a Vapor classe 2-8-0, modelo Consolidation, nº 100, Alco
Cooke Works, USA, 1919. Status: em estática, aguardando restauração.
Com tara de 70 toneladas, é o bem em maior estado de degradação. A
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estrutura de chaparias está completamente comprometida pela corrosão.
Há inúmeras peças soltas, cuja movimentação sem o devido
acompanhamento técnico especializado poderia acarretar perda por queda
ao longo da linha ou dano durante a manobra.
4- Locomotiva a vapor, classe 2-6-6-2, articulada, modelo Mallet, nº 203,
The Baldwin Locomotive Works, USA, 1949. Status: estática. Aguardando
restauro. Essa peça é também de grande porte, com tara de 100 toneladas
aproximadamente. Há falta de braçagens junto aos rodeiros, o que
ocasionaria uma remoção por arrasto com locomotiva a diesel. Embora
seja a peça com o estado menos avançado de degradação das 3, sua
estrutura também possui fragilidades, perdas de partes e risco de quebra
ou perda de componentes durante a manobra. Sobre a movimentação dos
veículos, o Museu Ferroviário de Tubarão esclarece que há necessidade
de acompanhamento de profissionais especializados para minimizar os
riscos junto ao acervo em questão. Operação delicada, de máxima
atenção, com tempo mínimo de 2 dias. Além disso, o espaço de manobra
na área externa do Museu é extremamente limitado, necessitando
interrupção de via pública de alta rotatividade e liberação de área de
manobra dentro das dependências da Ferrovia Tereza Cristina.
A SALV declara não possuir nem equipe nem estrutura técnica ou
operacional para realização da movimentação, sendo necessário apoio
logístico da concessionária. Também não há possibilidade monetária de
arcar com as custas de todo e qualquer dano causado durante esse
trabalho, uma vez que afetará outras peças do acervo e possivelmente a
estrutura predial.
A SALV não recomenda a operação em virtude dos impactos danosos junto
aos demais bens envolvidos na operação e se mantém no dever e
responsabilidade para proteção do Patrimônio Cultural Ferroviário posto
em sua guarda. A proteção material de um bem patrimonial é também a
proteção de seu valor histórico e simbólico. Desse modo, há que se ter um
planejamento cuidadoso, técnico e especializado para que qualquer ação
de movimentação do item em questão não prejudique o conjunto de bens
culturais como um todo.
A pedido dos Ministérios Público Federal e Estadual, a SALV
providenciou orçamento e informações técnicas acerca das providências que deveriam ser
adotadas para o regular transporte da locomotiva, obtendo as informações constantes da
Carta 1227/2018 anexa, que informa o custo aproximado de R$ 75.000,00 (setenta e cinco
mil reais), tendo em vista que a locomotiva e seu equipamento Teder totalizam 73
toneladas, 18 metros de comprimento, 4 metros de altura e 2.8 metros de largura, sendo
necessário um equipamento cavalo de quatro eixos com carreta de seis eixos, além de um
veículo escolta. Além disso, seriam necessárias as licenças federal e estaduais (RJ e SP)
de travessia e recolhimento da Taxa de Utilidade de Via – TUV, sendo o tempo de
transporte estimado entre 10 (dez) e 15 (quinze) dias.
Adicionalmente, a própria retirada da Locomotiva do Museu Ferroviário
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apresenta inúmeras dificuldades expostas no documento “Condições e posicionamentos
do veículo do Museu Ferroviário”, subscrito pelo Engenheiro Mecânico Robson Ricardo
Marquardt da Silva, que, após apresentar o panorama das instalações e localização das
locomotivas, apresenta as seguintes observações e comentários:
Caso for retirar a locomotiva Baldwin Nº53 observamos seguintes
requisitos operacionais a serem respeitados:
• Impossibilidade de utilização de equipamentos como guincho ou
guindaste dentro das instalações cobertas, devido a altura da cobertura e
capacidade do piso;
• Caso for movimentar os veículos ferroviários terá que ser pelo método de
tracionamento, sendo mais adequado utilizar equipamento ferroviário,
serviço esse que, provavelmente, exigiria ainda um acordo com a FTC e
mediante a necessária remuneração por esse serviço;
• Caso a movimentação dos veículos seja realizada, será necessário
construção de linha de bitola larga para movimentar veiculo 03, pois os
truques possuem rodeiros de bitola larga, serviço que deve ser executado
por empresa ferroviária especializada;
• Caso a movimentação seja realizada, será necessário local para
estacionar os veículos ferroviários, pois o museu não possui linhas com
espaço necessário, conforme levantamento planimétrico anexo elaborado
por engenheiro civil. Para este serviço, provavelmente, exigiria ainda um
acordo com a FTC e mediante a necessária remuneração por esse serviço;
• Caso a movimentação seja realizada, é provável a destruição do veículo
02 devido sua condição atual, possuído estrutura em situação de corrosão
avançada;
• Antes da realização da movimentação dos veículos ferroviários, será
necessário verificação e manutenção nas linhas do museu para suportar
movimentação do veículo 04, pois possui alta tara.
(…)
• Caso aconteça o carregamento da locomotiva Nº53, será necessário
outro local para esta operação pois o museu ferroviário não tem espaço
físico para comportar carreta, que será especifica, e guindaste. Neste caso,
provavelmente, demandaria um acordo com a FTC, pois possui área mais
adequada para este trabalho;
• Recomenda-se acompanhamento técnico de um profissional técnico de
segurança do trabalho a ser eventualmente executado pois envolve
trabalhos especiais.
Logo, a não remoção da locomotiva também salvaguarda o patrimônio
público, ao impedir a realização de gastos desnecessários em razão da possibilidade de
determinação do retorno da locomotiva ao Museu Ferroviário de Tubarão, conforme vasta
fundamentação apresentada.
Sendo assim, os Ministérios Públicos Federal e Estadual requerem o
deferimento de tutela provisória de urgência liminarmente para declarar a nulidade do
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Contrato de Cessão de Direito de Uso n. 72/2018, celebrado entre o DNIT e o Município
de Miguel Pereira/RJ, bem como determinar ao DNIT que se abstenha de autorizar, a
qualquer título (doação, cessão etc), a transferência de locomotivas e quaisquer outras
peças integrantes do acervo histórico-cultural do Museu Ferroviário de Tubarão/SC,
especialmente a Locomotiva Pacific, Fabricante Baldwin, n. 53, 1920, para municípios que
não possuam relação histórico-cultural com os bens, e ao Município de Miguel Pereira/RJ,
que se abstenha de retirar a locomotiva Pacific, Fabricante Baldwin, n. 53, 1920, ou
qualquer outra locomotiva ou bem integrante do acervo histórico-cultural do Museu
Ferroviário de Tubarão, tendo em vista a completa ausência de vínculo histórico-cultural
com os referidos bens.
8. DOS PEDIDOS:
Como pedidos principais, os MINISTÉRIOS PÚBLICOS FEDERAL E
ESTADUAL requerem, liminarmente:
8.1. Tutela provisória de urgência:
8.1.1) seja declarada a nulidade do Contrato de Cessão do Direito de
Uso n. 72/2018, celebrado entre o DNIT e o Município de Miguel Pereira/RJ, ou,
subsidiariamente, seja suspensa sua eficácia até o julgamento final da presente demanda;
8.1.2) em relação ao DNIT, seja determinada a obrigação de não fazer,
consistente em não autorizar, a qualquer título (doação, cessão etc), a transferência de
locomotivas e quaisquer outras peças integrantes do acervo histórico-cultural do Museu
Ferroviário de Tubarão/SC, especialmente a Locomotiva Pacific, Fabricante Baldwin, n.
53, 1920, para municípios que não possuam relação histórico-cultural com os bens;
8.1.3) em relação ao Município de Miguel Pereira/RJ, seja determinada
a obrigação de não fazer, para que se abstenha de retirar a locomotiva Pacific, Fabricante
Baldwin, n. 53, 1920, ou qualquer outra locomotiva ou bem integrante do acervo histórico-
cultural do Museu Ferroviário de Tubarão, tendo em vista a completa ausência de vínculo
histórico-cultural com os referidos bens;
8.1.4) em relação ao IPHAN, seja determinada a obrigação de não
fazer, consistente em não anuir com a destinação de bens de valor histórico-cultural do
acervo do Museu Ferroviário de Tubarão/SC a municípios que não possuem relação
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC
25
histórico-cultural com os bens a serem destinados, assegurando a conservação in situ;
8.1.5) a cominação de multa diária para todas as medidas acima
requeridas, em caso de descumprimento.
8.2 Pedidos Definitivos:
8.2.1) a citação dos demandados DNIT, IPHAN e MUNICÍPIO DE
MIGUEL PEREIRA/RJ, através de seus representantes judiciais, respectivamente, para
comparecerem à audiência preliminar de conciliação, nos termos do artigo 334, do CPC;
8.2.2) sejam confirmadas, em julgamento definitivo, as tutelas
provisórias requeridas;
8.2.3) a intimação do Município de Tubarão/SC e da Fundação
Catarinense de Cultura, através das respectivas procuradorias, para, querendo, intervirem
na presente ação, tendo em vista o risco de dano ao patrimônio histórico-cultural municipal
e estadual, respectivamente;
8.2.4) a condenação solidária dos demandados ao patrocínio em jornal
de divulgação regional, da publicação da sentença;
8.2.5) a produção de todo o gênero de provas admitidas em direito,
especialmente a testemunhal, a pericial, documental e a inspeção judicial;
Sem custas, assim como todas as ações afetas ao Ministério Público
(art. 18 da Lei n° 7.347/85; art. 4º, III, da Lei nº 9.289/96).
Dá-se a causa o valor simbólico de R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor
de alçada, por se tratar o patrimônio histórico-cultural bem de interesse difuso de valor
inestimável.
Tubarão/SC, 04 de setembro de 2018.
MÁRIO ROBERTO DOS SANTOS SANDRO DE ARAUJO
Procurador da República Promotor de Justiça
Assinado digitalmente por SANDRO DE ARAUJO:75369737991
DN: C=BR, O=ICP-Brasil, OU=Autoridade Certificadora Raiz Brasileira v2, OU=AC SOLUTI, OU=AC SOLUTI Multipla,
OU=Certificado PF A3, CN=SANDRO DE ARAUJO:75369737991
Razão: Eu sou o autor deste documento
Localização:
Data: 2018-09-04 18:51:35
SANDRO DE ARAUJO:75369737991

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Tubarao acp mpe e mpf locomotiva a vapor pacific 53 baldwin 1920 certificado

  • 1. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC Rua Tubalcaim Faraco, nº 150, Centro, Edifício Seven Business Center, 11º andar, CEP nº 88.701-150 – Tubarão-SC Fone/Fax: (48) 3302-1000 - e-mail: prsc-prmtubarao@mpf.mp.br EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) DA 1ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE TUBARÃO/SC O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da República signatário, e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, pelo Promotor de Justiça abaixo-assinado, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro no art. 129, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como nos dispositivos pertinentes da Lei n.º 7.347/85, da Lei Complementar n.º 75/93 e Lei 8.625/93, na tutela do patrimônio histórico-cultural, com base dos elementos constantes da Notícia de Fato n. 1.33.007.000282/2018-16, em anexo, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em desfavor de: DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT, CNPJ 04.892.707-0001-00, autarquia federal vinculada ao Ministério dos Transportes, que deve ser citada na pessoa do seu representante judicial, o Procurador Federal Especializado, com endereço na Rua Álvaro Millen da Silveira, 104, CEP 88.020-180, Florianópolis/SC; INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL EM SANTA CATARINA- IPHAN, autarquia federal, que deve ser citada na pessoa do seu representante judicial, o Procurador Federal
  • 2. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 2 Especializado, com endereço na Praça Getúlio Vargas, nº 268, Centro, Florianópolis/SC; MUNICÍPIO DE MIGUEL PEREIRA/RJ, CNPJ 32.415.283/0001-29, pessoa jurídica de direito público, com sede na Rua Prefeito Manoel Guilherme Barbosa, n. 375, Centro, Miguel Pereira/RJ, fone (24) 2483- 9202; pelos motivos fáticos e jurídicos a seguir expostos: 1. OBJETO DA AÇÃO Esta Ação Civil Pública visa à proteção do patrimônio histórico-cultural do Município de Tubarão/SC e Sul-catarinense, tendo em vista a Cessão do Direito de Uso Gratuito n. 72, pelo DNIT, com anuência do IPHAN, ao Município de Miguel Pereira/RJ, da Locomotiva à vapor Pacific, Fabricação Baldwin, n. 53, 1920, principal peça integrante do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, única e original, que compõe o conjunto de locomotivas do referido museu, tendo importante valor a preservação da memória e do progresso tecnológico do Município e região Sul-catarinense. Busca-se, portanto, a manutenção da locomotiva referida no Museu
  • 3. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 3 Ferroviário de Tubarão/SC, bem como assegurar que todos os demais bens móveis dotados de valor histórico-cultural integrantes do acervo sejam conservados in situ, isto é, apenas nos municípios que tenham relações histórico-culturais. 2. DOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS No dia 28/08/2018, a Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor – SALV, mantenedora do Museu Ferroviário de Tubarão, protocolizou representação na Procuradoria da República em Tubarão, noticiando a existência de risco de dano ao patrimônio histórico-cultural do Município de Tubarão e do Estado de Santa Catarina, tendo em vista a Cessão de Uso Gratuito n. 72, pelo DNIT, em favor do Município de Miguel Pereira/RJ, da Locomotiva a Vapor classe Pacific, n. 53, Fabricante Baldwin Locomotive Works, ano 1920 (CARTA 18/MFT/2018, de fls. 02-08 da Notícia de Fato). Consta da representação que o bem cedido é integrante do acervo estático do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, fazendo parte da Coleção de Locomotivas à vapor do acervo histórico do Museu Ferroviário de Tubarão, localizado na sala de exposições como “peça de museu”, para fins de salvaguarda, preservação, educação, apreciação e comunicação, como relevante exemplar que narra a história ferroviária catarinense por meio da trajetória da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina – EFDTC, desde sua criação em 1884. Registram os representantes que a Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina – EFDTC foi a primeira ferrovia implantada em solo catarinense, tornando indiscutível a importância da locomotiva como Patrimônio Cultural Material do Município de Tubarão e do Estado de Santa Catarina. Outrossim, salienta que a perda desse item compromete de forma definitiva a relevância do conjunto histórico onde está inserido, pois se trata de item único, sem reposição, exemplo material da presença do trem horário (passageiros) na região sul – catarinense. Acrescentam, ainda, que a locomotiva Pacific, n. 53, sempre operou na região sul – catarinense no trecho da EFDTC, em grande parte como veículo de tração dos trens de passageiros que circularam até 1968. Após deixar de operar como tração do “Trem Horário”, no início da década de 1980, a RFFSA a transferiu para a Seção de Tratamento de Dormentes, onde hoje está localizada a sede do Museu Ferroviário de
  • 4. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 4 Tubarão. Deixada à mercê de intempéries, foi se deteriorando com o passar dos anos. Com efeito, os representantes destacam os trabalhos de salvamento do patrimônio cultural ferroviário realizado, desde a década de 1990, e a importância da locomotiva para a preservação da memória histórica e cultural do próprio Museu Ferroviário de Tubarão, onde permanece a locomotiva – relembre-se – desde a década de 1980: (…) Já na década de 1990, com o início dos trabalhos de salvamento do patrimônio cultural ferroviário realizado por voluntários, hoje membros da diretoria da SALV, essa locomotiva foi uma das primeiras a ser incorporada ao conjunto de acervos do museu. Como elemento simbólico e histórico da história ferroviária sul - catarinense, passou a representar a presença viva dos trens de passageiros, além de ser um item remanescente da própria Oficina de Tratamento de Dormentes, passando assim, a representar a memória histórica e cultural do próprio lugar onde hoje está instalado o Museu Ferroviário de Tubarão. Assim, a presença do item como parte do acervo representa também a preservação da memória institucional do próprio museu e de sua mantenedora, bem como a memória do próprio movimento de salvamento e preservação desse conjunto. O bem foi recuperado pela própria equipe de voluntários da SALV, com recursos próprios da instituição, para ser um dos itens estáticos que comporiam a Exposição de Locomotivas a Vapor da EFDTC. (...) Destaque-se que o Município de Miguel Pereira/RJ pretende utilizar a referida locomotiva como material rodante “Maria Fumaça”, para fins turísticos, com circulação em malha ferroviária, conforme se vê do Ofício n. 249/208/GAB (fls. 145-146 da Notícia de Fato anexa), endereçado ao DNIT. Porém, importante frisar que a destinação pretendida é absolutamente inviável e coloca em risco esse item do Patrimônio Cultural Material, pois se trata de peça de museu, única, que perdeu sua função original. No ponto, aduzem os representantes: (…) Em nenhum momento desde o início dos trabalhos de preservação e restauração pela equipe do museu, a locomotiva foi considerada com possibilidades de voltar a funcionar, sendo restaurada apenas esteticamente, para cumprir sua função museológica. Como bem musealizado a locomotiva perdeu completamente sua função original para tomar-se a representação material da história e da memória cultural de toda uma região ferroviária. Desse modo, a decisão de autorizar a retirada do item do conjunto do acervo à revelia da própria instituição que a preserva para transferir a um município que não possui relação cultural nenhuma com o histórico do próprio bem, toma-se um ato irresponsável e antiético, que fere inclusive os pressupostos teórico-metodológicos da Museologia e da legislação museológica e patrimonial de proteção de bens musealizados no Brasil. Toma-se um desrespeito também com todo o trabalho que a SALV realiza há 20 anos para proteção desse patrimônio cultural, incluindo-
  • 5. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 5 se uma luta junto ao IPHAN, DNIT e SPU para regularizar a posse legal do acervo como meio de impedir ações arbitrárias dessa natureza que comprometem o conjunto como um todo e o bem em particular, uma vez que não há qualquer garantia que o item será realmente preservado além de estar fora do seu contexto histórico. (...) A inexistência de relação histórico-cultural entre o Município de Miguel Pereira/RJ e a locomotiva Pacific n. 53 é manifesta, pois ela sempre circulou na EFDTC e permanece no local onde hoje é o Museu Ferroviário de Tubarão desde a década de 1980, tendo sido restaurada pelos voluntários da SALV, hoje mantenedores do museu mencionado. Vale destacar que o DNIT realizou a Cessão do Direito de Uso Gratuito da locomotiva ao Município de Miguel Pereira/RJ, desconsiderando, por completo, a relevância histórico-cultural do bem, bem como a existência prévia do Termo 38/BENS MÓVEIS/2018/SEATEC-CGPF/CGPF/DIF/DNIT SEDE, referente ao Processo 50600.012343/2017-91, o qual não havia sido firmado, definitivamente, pela SALV em razão da identificação de diversos equívocos ao proceder à conferência dos bens arrolados. Assim, por ter sido ultrapassado o prazo legal no tocante ao pleito eleitoral, não foi finalizado o Termo de Cessão de Uso n. 38. Os representantes destacaram que o Prefeito de Miguel Pereira/RJ, Sr. André Português, e o Secretário Municipal de Turismo, Sr. Sandro C. M. Chagas, visitaram o Museu Ferroviário de Tubarão para conhecer as locomotivas e foram devidamente informados da importância histórico-cultural da locomotiva e da impossibilidade de sua utilização, em razão do comprometimento da caldeira e dos riscos decorrentes do sistema de freios original à vapor. Consta da representação: (...) Nesse interim, no dia 06 de junho de 2018, a instituição recebeu uma visita dos representantes da Prefeitura Municipal de Miguel Pereira/RJ, Sr André Português, Prefeito Municipal, Sr Sandro C. M. Chagas, Secretário Municipal de Turismo entre outros, para conhecer o acervo de Locomotivas à Vapor, expor o projeto turístico ferroviário daquele município e averiguar a possibilidade de se conseguir uma máquina de tração para operar no Trem Turístico. A equipe da SALV, juntamente com representantes da concessionária do transporte ferroviário de carga e arrendatária da malha férrea, Ferrovia Tereza Cristina S.A. - FTC, apresentaram ao Prefeito a impossibilidade de transferência de quaisquer locomotivas integrantes do conjunto principal, dentre as quais a Pacific, nº 53. Essa locomotiva em especial foi a que mais chamou a atenção do Prefeito André Português. Diante do extremo interesse do Prefeito, os representantes da SALV sempre se posicionaram de modo a esclarecer a situação do bem e o
  • 6. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 6 impacto negativo que a perda do mesmo teria sobre o conjunto musealizado. Também foi esclarecido sobre a real situação da máquina, cuja caldeira daria muito trabalho para recuperação, além do que, ter um sistema de freios original à vapor, sendo insegura a sua operação. Embora estivesse restaurada como "peça de museu", o custo monetário para colocá-la em funcionamento seria altíssimo e dependeria de equipe especializada para garantir a segurança para operação como trem de passageiros. Na ocasião também foi apresentado ao Prefeito as quatro locomotivas à vapor classe "Santa Fé" que já estão em processo de transferência para outros municípios em virtude de seu péssimo estado de conservação para que sejam restauradas em condição de operar em passeios turísticos. A primeira locomotiva transferida foi a Locomotiva Santa Fé 201, para 1 º Batalhão Ferroviário Benjamin Constant, em Lages/SC. As demais estão aguardando conclusão dos referidos processos. O interesse do Município de Miguel Pereira não era pela restauração desse tipo de equipamento, mas ao contrário, uma que já tivesse condições de operar em curto espaço de tempo. Também foi sugerido a construção de uma réplica com tração à diesel, que poderia se adequar melhor ao pretenso projeto turístico. Os representantes do Município de Miguel Pereira/RJ e a equipe da SAL V acordaram sobre a elaboração de orçamento para construção de uma réplica, uma vez que não haveria possibilidade de nenhuma outra locomotiva original sair de Tubarão, sob pena de comprometer o próprio conjunto. (...) Não obstante a fundamentação apresentada, no dia 16/07/2018, a SALV recebeu visita do Coordenador-Geral do Patrimônio Ferroviário do DNIT, Sr. Luciano Sacramento, apresentando uma cópia do Termo de Cessão de Uso n. 72, assinado em 04 de julho de 2018, e cópia da publicação em Diário Oficial de 5 de julho de 2018, com o objetivo de comunicar a decisão do DNIT de ceder a Locomotiva Pacific, Fabricação Baldwin, n. 53, 1920, para o Município de Miguel Pereira/RJ para ser um ativo operacional do projeto turístico daquele município. Na ocasião, a situação do bem foi comentada e iniciaram tratativas para uma possível reversão do ato. De acordo com os representantes, foi ofertada a substituição do exemplar único por outro com duplicata, qual seja, a Locomotiva Santa Fé 205, status operacional. Em 15/08/18, representantes da Prefeitura de Miguel Pereira/RJ e técnicos a serviço desse Município compareceram na sede do Museu para realizar teste de ultrassom na caldeira da Locomotiva Pacific, n. 53, ocasião em que teria sido comprovado seu péssimo estado de conservação. Tentou-se, na ocasião, convencer os representantes pela substituição ou desistência da locomotiva, sem êxito. Em 28/08/2018, a SALV foi comunicada informalmente, por telefone, que a Prefeitura de Miguel Pereira/RJ irá retirar a Locomotiva à Vapor Pacific, Fabricação
  • 7. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 7 Baldwin, n. 53, 1920, no prazo máximo de 10 (dez) dias. O ato praticado pelo DNIT contraria todas as tratativas anteriormente formalizadas pelo IPHAN que, inclusive, já havia reconhecido o valor histórico-cultural do bem a sua importância para o conjunto de locomotivas do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, tendo se manifestado pela cessão de uso à SALV em 2013 e reiterado em 2016. O valor histórico do acervo objeto do Termo de Transferência INV/RFFSA n. 102/2010, contido no processo 01450.007171/2010-12, que se refere a um conjunto de bens móveis da extinta RFFSA, localizados no município de Tubarão/SC, foi devidamente reconhecido pelo Parecer Técnico n. 126/2013 – IPHAN/SC, datado de 02/04/2013, que ressaltou a importância do conjunto para ambiência historica (fls. 62/67). (…) Em julho daquele ano, o referido processo foi encaminhado à Superintendência em Santa Catarina com a solicitação de que fosse realizada vistoria e emitido parecer que determinasse: 1. o valor histórico do acervo; 2. a correspondência entre os bens vistoriados e a listagem integrante do Termo de Transferência, e 3. eventual destinação ao conjunto de bens (incluída manifestação de interessado, e informação sobre existência e viabilidade de projeto para tal destinação). (…) Neste início de 2013, finalmente foi possível providenciar a ida de duas técnicas para desempenhar a tarefa: fui acompanhada pela colega Mônica Magalhães, responsável pelo Arquivo e a Biblioteca da Superintendência, em vistoria realizada nos dias 4 e 5 de março. (…) O interesse histórico e de preservação dos bens em questão, considerados em conjunto, nos parece evidente. Trata-se de um acervo que inclui elementos tanto de valor artístico quanto de valor tecnológico e científico, relacionando-se com a evolução tecnológica e as principais tipologias empregadas no Brasil entre o século XIX e os anos de 1970 (conforme Portaria IPHAN n. 407, de 21 de dezembro de 2010, Art. 4º). Cabe ressaltar, ainda, que a curadoria do Museu Ferroviário de Tubarão tem buscado o melhor equilíbrio entre aquilo que deve compor o acerco como peças avulsas (expostas ou devidamente guardadas individualmente) e o que deve ser integrado a outros itens contribuindo para a ambiência histórica e até para o funcionamento do maquinário. Assim, diversos itens do acerco em tela encontram-se instalados nos vagões e locomotivas, inclusive os utilizados no passeio histórico promovido pelo Museu. (…) Por fim, quanto à destinação proposta para o acervo em questão,
  • 8. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 8 considerando o interesse da Sociedade de Amigos da Locomotiva a Vapor (SALV) em dar uso compatível para os bens, conforme descrito em ofício (anexo), o parecer é de que o acervo deve permanecer sob a tutela desta instituição, mediante formalização de cessão de uso. (…)”. Foi firmada pela Superintendente Estadual do IPHAN a Declaração n. 07/2013, em 24/09/2013, com o seguinte teor (fl. 73 da NF): Declaramos para os devidos fins que o acervo de bens pertencente à antiga Rede Ferroviária Federal S/A, sob guarda do Museu Ferroviário de Tubarão, encontra-se em processo de transferência para o Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (processo IPHAN n. 01450.007171/2010-12) por ser considerado de interesse histórico e cultural. Considerando o zeloso e abnegado trabalho já executado pela Sociedade de Amigos da Locomotiva a Vapor na gestão do Museu Ferroviário de Tubarão e deste acervo, findo o processo de transferência envidaremos tratativas para cessão de uso do acervo a esta instituição. Nesse sentido, constou na parte final do Parecer Técnico n. 385/2016/IPHAN/SC, de 05/09/2016, que trata da destinação dos bens móveis da extinta RFFSA, referentes a Termos de Transferências de convênios firmados com entre a RFFSA e entidades de Santa Catarina, em seu item 15, que os demais bens do termo de transferência 102/2010 (fls. 53-57 da Notícia de Fato): “(…) deverão ser devolvidos ao DNIT com a recomendação de que sejam destinados à SALV (Sociedade Amigos da Locomotiva a Vapor), que vem preservando os bens de forma apropriada há muitos anos. Observamos apenas que alguns dos bens arrolados não se encontram no museu ou encontram-se sob concessão da FTC. Qualquer destinação diversa desta, o IPHAN deverá ser consultado” (grifo nosso). A necessidade de consulta ao IPHAN decorre da sua função de preservação do patrimônio histórico-cultural, tendo fundamento legal específico no artigo 9º da Lei 11.483/2007, bem como no Termo de Conciliação n. 04/2016/CCAF/CGU/AGU- MIC. Importante frisar que, em cumprimento ao Termo de Conciliação n. 04/2016/CCAF/CGU/AGU-MIC, o IPHAN comunicou o DNIT, por seu Diretor de Infraestrutura Ferroviária, Sr. Charles Magno Nogueira Beniz, que a SALV já havia manifestado interesse no recebimento das demais locomotivas listadas no Termos de Transferência n. 102/2010 (fls. 60-61 da NF).
  • 9. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 9 Não por acaso, o próprio DNIT havia consignado a impossibilidade de atendimento do pleito do Município de Miguel Pereira/RJ no Despacho/DNIT SEDE/DIF/CGPF/COPAF, com a concordância do Coordenador de Patrimônio Ferroviário Substituto, Sr. Bruno Rodrigues, nos seguintes termos (fl. 152 da NF): Trata o presente do Ofício n. 249/2018/GAB pelo qual a Prefeitura Municipal de Miguel Pereira/RJ solicita a doação do bem móvel “Locomoiva Baldwin N. 53 (4-6-2)”, localizado no Município de Tubarão/SC. Após pesquisa, foi verificado através do Processo SEI n. 50600.022343/2017-91, que o bem não operacional foi transferido ao IPHAN por meio do Termo de Transferência n. 102/2010. Por sua vez, aquela autarquia repassou à OSCIP ABPF, e atualmente o bem encontra- se em procedimento para que seja restaurado pela Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor – SALV. Dessa forma, sugerimos o envio de correspondência à Prefeitura para encaminhar as informações obtidas, bem como comunicar sobre a impossibilidade de atendimento do pleito. Em que pese a necessidade de conservação in situ do patrimônio histórico-cultural, devidamente reconhecida pelo IPHAN, o DNIT ignorou as normas constitucionais, legais e convencionais que protegem o bem material em questão e cedeu o direito de uso ao Município de Miguel Pereira/RJ. Segundo informado pelos representantes, em reunião realizada nesta Procuradoria da República em 29/08/2018, o IPHAN em Brasília teria sido consultado e informado que caberia ao DNIT decidir acerca da destinação do bem, com fundamento no Termo de Conciliação n. 04/2016/CCAF/CGU/AGU-MIC. Desconsiderou, assim, as manifestações anteriores que reconheciam o valor histórico-cultural do bem e as tratativas em curso para a sua cessão para a SALV, contribuindo, portanto, para o risco de dano ao patrimônio histórico-cultural Sul-catarinense. Os riscos ao patrimônio histórico-cultural foram muito bem explicitados no Parecer Técnico Museológico n. 001/MUS/MFT/2018 anexo, transcrito integralmente adiante, no tópico referente à tutela provisória de urgência. Em razão da relevância cultural do bem para o Sul-catarinense, foi protolizada Solicitação de Tombamento perante a Fundação Catarinense de Cultura – FCC sob n. 2922/2018, em 30/08/2018 (documento anexo), daí decorrendo importantes consequências previstas na legislação estadual de regência. A Lei Estadual n. 17.565/2018, que consolida as leis que dispõe sobre
  • 10. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 10 o Patrimônio Cultural do Estado de Santa Catarina, estabelece os efeitos do tombamento nos artigos 12 a 19. Pela sua relevância para a presente ação, transcreve-se os seguintes dispositivos: Art. 12 Iniciado o processo de tombamento, desde logo incidirão os efeitos desta Lei. Art. 13 Os bens tombados ficam sujeitos à vigilância permanente da FCC, que poderá inspecioná-los sempre que julgar conveniente. Art. 14 Os bens tombados são transferíveis, observadas as seguintes condições: I – os do Estado à União, desde que sejam conservados em Santa Catarina, e aos Municípios; II – os do Município à União, com a restrição do inciso I deste artigo, ao Estado ou a outro Município; e III – os particulares, a qualquer pessoa natural ou jurídica, com cláusula de não remoção definitiva para fora do território estadual. §3º somente se permitirá a saída do bom tombado do Estado, por tempo certo e para fins de intercâmbio cultural, a juízo do órgão competente. (…) Art. 16 Os bens tomados não poderão, em caso nenhum, ser destruídos, demolidos ou mutilados, tampouco, sem prévia autorização do órgão competente, ser reparados, pintados ou restaurados, sob pena de multa de 50% (cinquenta por cento) sobre o dano causado. Como visto, iniciado o processo de tombamento, como no caso da Locomotiva Pacific n. 53, incidem todos os efeitos do próprio tombamento, inclusive a vedação de remoção para fora do território do Estado de Santa Catarina. A propósito, pertinente a previsão legal de conservação in situ, constante do artigo 14 acima transcrito, que determina que a previsão dos bens tombados ou em processo de tombamento seja realizado no próprio Estado de Santa Catarina. Ainda, o artigo 16 veda quaisquer reparos que seriam necessários para que a Locomotiva Pacific n. 53 pudesse ser utilizada para a finalidade pretendida. Não bastasse, em 03/09/2018 a Câmara de Vereadores de Tubarão/SC, em regime de urgência, aprovou o Projeto de Lei n. 076/2018, que dispõe sobre a preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Natural do Município de Tubarão, cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e institui o Fundo Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural de Tubarão1. A lei aguarda sanção do Excelentíssimo Prefeito Municipal. Conclui-se, portanto, que a cessão em tela se trata de ato de cunho 1 https://www.tubarao.sc.gov.br/noticias/index/ver/codNoticia/510758/codMapaItem/16675. Acesso em 03/09/2018.
  • 11. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 11 exclusivamente político, que não atende ao interesse público e põe em risco bem importante do patrimônio histórico-cultural, não restando outra alternativa senão buscar a tutela jurisdicional para sua preservação. 3. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A competência da Justiça Federal decorre da presença do Ministério Público Federal no polo ativo e do DNIT e IPHAN no polo passivo, sendo competente a Justiça Federal em razão da pessoa, nos termos do artigo 109, I, da Constituição da República. Saliente-se que a Subseção Judiciária de Tubarão/SC constitui foro competente para o processo e julgamento da lide, nos termos do art. 2º da Lei de Ação Civil Pública, uma vez que representa o juízo federal do lugar onde ocorreu o dano, tendo em vista que a Locomotiva Pacific, Fabricação Baldwin, n. 53, 1920, integra o conjunto do Museu Ferroviário do Município de Tubarão/SC, o qual integra esta subseção, e será afetado em seu conjunto com a retirada do bem. Portanto, competente a Subseção da Justiça Federal de Laguna, nos termos do artigo 2º da Lei n.7.347/85. 4. DA LEGITIMIDADE ATIVA DOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS FEDERAL E ESTADUAL – LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO É função institucional do Ministério Público brasileiro zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias à sua garantia, bem como promover o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública para a proteção do Patrimônio Público e Social, do Meio Ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (Constituição Federal, art. 129, incisos II e III). Além da previsão constitucional, o art. 6º, “b”, da Lei Complementar 75/93, atribui ao Ministério Público Federal a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e o art. 37, II, da mesma norma, prescreve que o Órgão exercerá as suas funções nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para defesa de
  • 12. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 12 direitos e interesses das populações indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, integrantes do patrimônio nacional. Por fim, o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, legitima o Ministério Público a propor a ação civil para reparação dos danos causados ao meio ambiente, incluindo o meio ambiente artificial. Ademais, a presente ação trata do patrimônio histórico-cultural do Município de Tubarão e do Sul-catarinense, sobressaindo a atribuição do Ministério Público do Estado de Santa Catarina para a sua tutela e, em razão do envolvimento das autarquias federais, DNIT e IPHAN, bem como do patrimônio público federal, justifica-se a atribuição do Ministério Público Federal. A respeito do litisconsórcio ativo facultativo entre Ministérios Públicos, dispõe o artigo 5º, §5º, da Lei 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública: Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (…) §5º Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. Nessa ordem de ideias, decidiu a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1444484/RN, Min. Benedito Gonçalves, decisão publicada no DJe em 29/09/2017: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, ESTADUAL E DO TRABALHO. ARTIGO 5º, § 5º, DA LEI N. 7.347/1985. COMUNHÃO DE DIREITOS FEDERAIS, ESTADUAIS E TRABALHISTAS. 1. Nos termos do artigo 5º, § 5º, da Lei n. 7.347/1985: "admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.". 2. À luz do art. 128 da CF/88, o Ministério Público abrange: o Ministério Público da União, composto pelo Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e os Ministérios Públicos dos Estados. 3. Assim, o litisconsórcio ativo facultativo entre os ramos do MPU e os MPs dos Estados, em tese, é possível, sempre que as circunstâncias do caso recomendem, para a propositura de ações civis públicas que visem à responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio- ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, bem como a
  • 13. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 13 qualquer outro interesse difuso ou coletivo, inclusive de natureza trabalhista. (…) 6. Dessa forma, diante da pluralidade de direitos que a presente demanda visa proteger, quais sejam: direitos à ordem econômica, ao trabalho, à saúde e ao consumidor, é viável o litisconsórcio ativo entre o MPF, MPE e MPT. 7. Recurso especial provido. Insofismável, pois, a atribuição dos Ministérios Públicos Federal e Estadual para propor a presente Ação Civil Pública, forte nos arts. 129, II e III, da Constituição Federal, artigo 5º, §5º, da Lei 7.347/85, bem como a competência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda, com fulcro no art. 109, I, da Carta Magna. 5. LEGITIMIDADE PASSIVA O DNIT foi o responsável pela Cessão do Direito de Uso Gratuito da Locomotiva ao Município de Miguel Pereira/RJ, com anuência do IPHAN, desconsiderando a importância histórico-cultural do bem material em relação ao Município de Tubarão/SC e ao Estado de Santa Catarina. Outrossim, compete ao IPHAN zelar pela proteção do Patrimônio Cultural Material em questão, nos termos do artigo 9º da Lei 11.483/2007: Art. 9o Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e manutenção. § 1o Caso o bem seja classificado como operacional, o IPHAN deverá garantir seu compartilhamento para uso ferroviário. § 2o A preservação e a difusão da Memória Ferroviária constituída pelo patrimônio artístico, cultural e histórico do setor ferroviário serão promovidas mediante: I - construção, formação, organização, manutenção, ampliação e equipamento de museus, bibliotecas, arquivos e outras organizações culturais, bem como de suas coleções e acervos; II - conservação e restauração de prédios, monumentos, logradouros, sítios e demais espaços oriundos da extinta RFFSA. § 3o As atividades previstas no § 2o deste artigo serão financiadas, dentre outras formas, por meio de recursos captados e canalizados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, instituído pela Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991.
  • 14. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 14 Assim, o IPHAN concorreu para a cessão do bem ao Município de Miguel Pereira/RJ, deixando de zelar pelo patrimônio histórico e cultural oriundo da extinta RFFSA, contrariando o seu dever legal. 6. DO DIREITO A própria Constituição da República determina a vinculação temática dos bens culturais com os diferentes “grupos formadores da sociedade” e, via de consequência, com o território que eles habitam: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (...) A pertinência locacional do bem integra o conceito de patrimônio cultural e, portanto, é da essência da coisa em sua dimensão histórico-cultural. Pensemos num exemplo: que relevância cultural haverá na preservação, por município baiano fortemente ligado à imigração africana, de bens pertinentes à colonização alemã em Santa Catarina? A moderna teoria jurídica estruturante de Friedrich Müller bem esclarece a necessidade de integração entre a norma e a situação de fato normatizada. Sua correta aplicação no caso em foco revela que esse correto e completo conceito de patrimônio cultural é constitutivo do sentido da norma protetiva. Portanto, a Locomotiva à vapor Pacific, Fabricação Baldwin, n. 53, 1920, remete à história e à cultura do Município de Tubarão/SC e do Estado de Santa
  • 15. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 15 Catarina, referindo-se à identidade e à memória do “grupo” desse Município e região, encontrando-se no local em que sediado o Museu Ferroviário de Tubarão desde a década de 1980, sendo o principal e único exemplar, cuja retirada afeta inclusive o conjunto de locomotivas ali expostas. Essa noção de vínculo entre o elemento cultural e o contexto de sua criação ou utilização como dado essencial de sua faceta preservacionista já foi expressa em documentos normativos, de origem estatal ou não, tutelares do patrimônio histórico. A Carta Para a Proteção e Gestão do Patrimônio Arqueológico (Carta de Lausanne, de 1990), em seus arts. 3º e 6º, preceitua a relevância da conservação dos bens in situ – princípio que resguarda a necessidade de manutenção do conjunto de bens integrantes do patrimônio histórico-cultural no seu local de origem, isto é, onde presentes suas raízes histórico-culturais e, portanto, onde mais exprimirão a memória dos indivíduos que os circundam. Confira-se os seguintes excertos: Artigo 3. Legislação e economia. A proteção do patrimônio arqueológico deve ser considerada uma obrigação moral de cada ser humano. Mas é também uma responsabilidade pública coletiva. Esta responsabilidade deve traduzir-se pela adoção de uma legislação adequada e pela garantia de fundos suficientes para financiar, eficazmente, os programas de conservação do patrimônio arqueológico. (…) A legislação deve garantir a conservação do patrimônio arqueológico em função das necessidades da história e das tradições de cada país e de cada região, dando especial relevo à conservação in situ e aos imperativos da investigação. (…) Artigo 6. Manutenção e conservação O objetivo fundamental da conservação do patrimônio arqueológico deverá ser a manutenção in situ dos monumentos e sítios, compreendendo a sua conservação a longo prazo e o cuidado dispensado aos respectivos arquivos, coleções, etc. Qualquer translação viola o princípio segundo o qual o patrimônio deve ser conservado no seu contexto original. Este princípio acentua a necessidade de operações de manutenção, de conservação e de gestão adequadas. (…) O empenhamento e a participação da população local devem ser encorajados como forma de promover a manutenção do patrimônio arqueológico. Por sua vez, a Carta do II Congresso Internacional de Arquitetos e
  • 16. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 16 Técnicos dos Monumentos Históricos do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – ICOMOS (Carta de Veneza), na mesma esteira da Carta de Lausanne, preconiza que “a conservação e a restauração dos monumentos visam a salvaguardar tanto a obra de arte quanto o testemunho histórico” (art. 3º) e que “o monumento é inseparável da história de que é testemunho e do meio em que se situa” (art. 7º). O princípio da conservação dos bens in situ é tão relevante na proteção do patrimônio histórico-cultural que uma convenção internacional foi elaborada exclusivamente com o escopo de repor aos seus sítios originais os bens culturais furtados ou ilicitamente exportados. Trata-se da Convenção da UNIDROIT, inserida em nosso direito positivo por meio do Decreto n. 3.166/1999. Na mesma linha, a Lei Estadual n. 17.565/2018, que consolida as leis que dispõe sobre o Patrimônio Cultural do Estado de Santa Catarina, estabelece a regra da conservação in situ dos bens culturais estaduais, somente admitindo a saída do bem tombado do Estado para fins de intercâmbio cultural, vedação que se aplica desde o início do processo de tombamento: Art. 12 Iniciado o processo de tombamento, desde logo incidirão os efeitos desta Lei. Art. 13 Os bens tombados ficam sujeitos à vigilância permanente da FCC, que poderá inspecioná-los sempre que julgar conveniente. Art. 14 Os bens tombados são transferíveis, observadas as seguintes condições: I – os do Estado à União, desde que sejam conservados em Santa Catarina, e aos Municípios; II – os do Município à União, com a restrição do inciso I deste artigo, ao Estado ou a outro Município; e III – os particulares, a qualquer pessoa natural ou jurídica, com cláusula de não remoção definitiva para fora do território estadual. §3º somente se permitirá a saída do bom tombado do Estado, por tempo certo e para fins de intercâmbio cultural, a juízo do órgão competente. (…) Devidamente estabelecida a premissa da pertinência locacional, cabe declinar a fonte da obrigação conservacionista. Primeiro, a regra-matriz constitucional: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte
  • 17. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 17 e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; No plano infraconstitucional, a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972, que também é documento com força de lei (Decreto 80.978/1977), considerando que “a proteção desse patrimônio em escala nacional é frequentemente incompleta, devido à magnitude dos meios de que necessita e a insuficiência dos recursos econômicos, científicos e técnicos do país em cujo território se acha o bem a ser protegido”, impõe ao Estado, entre outras, as seguintes obrigações: - identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às futuras gerações o patrimônio cultural e natural situado em seu território, utilizando ao máximo seus recursos disponíveis, e, quando for o caso, mediante assistência e cooperação internacional de que possa beneficiar-se, notadamente nos planos financeiro, artístico, científico e técnico; – adotar uma política geral que vise a dar ao patrimônio cultural e natural uma função na vida da coletividade e a integrar a proteção desse patrimônio nos programas de planificação geral; – instituir em seu território, na medida em que não existam, um ou mais serviços de proteção, conservação e valorização do patrimônio cultural e natural, dotados de pessoal e meios apropriados que lhes permitam realizar as tarefas a eles confiadas; – tomar as medidas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para a identificação, proteção, conservação, revalorização e reabilitação desse patrimônio. Por fim, cumpre anotar que são aplicáveis à preservação do meio ambiente artificiar, quando dotado de significação cultural, os princípios fundamentais do Direito Ambiental, em especial os da intervenção estatal obrigatória, da supremacia do interesse público, da precaução, da responsabilidade e da indisponibilidade. 7. DA TUTELA PROVISÓRIA O microssistema processual coletivo, formado, dentre outras, pela Lei
  • 18. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 18 da Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor e Lei da Ação Popular, permite, no bojo das ações coletivas, sejam proferidas decisões de cognição sumária, tanto de caráter antecipatório/satisfativa, como de cunho cautelar. Neste sentido, dispõem as leis mencionadas: Lei nº: 7. 347/85: Art. 4o Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar dano ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Redação dada pela Lei nº 13.004, de 2014) Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. Lei nº: 4.717/65: artigo 5º, § 4º Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado. Lei nº: 8.078/90: Artigo 84, § 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. As disposições específicas das leis que integram o microssistema processual coletivo são anteriores à introdução da tutela antecipada no Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 273, época em que era aceito o uso da tutela cautelar satisfativa, conforme se vê da redação do artigo 4º da Lei n. 7.347/85, anteriormente transcrito. Outrossim, após a introdução da tutela antecipada (satisfativa) no ordenamento jurídico nacional em 1994, embora os requisitos para o deferimento de tutela antecipada e cautelar fossem diversos, ambos referiam-se à impossibilidade de aguardar-se o tempo do processo para a efetivação da jurisdição, isto é, não havia diferenças substanciais. Diante da incongruência da legislação e da dificuldade teórica e prática de diferenciação entre as tutelas antecipada e cautelar em diversas situações, com o objetivo de superar as infindáveis discussões e primar pela efetividade da jurisdição, o Código de Processo Civil em vigor unificou o regime das tutelas provisórias de urgência, além de acrescentar, de forma generalizada, a possibilidade de concessão de tutela provisória de evidência, antes restrita. Neste sentido, colhe-se do Código de Processo Civil:
  • 19. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 19 Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Dessa forma, os requisitos necessários para o deferimento da tutela provisória de urgência foram unificados pelo Código de Processo Civil, não havendo diferenças substanciais em relação aos requisitos constantes das leis especiais que integram o microssistema processual coletivo, resumindo-se à probabilidade do direito e ao perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Igualmente, aplicável a tutela provisória de evidência, diante da aplicação subsidiária do Código de Processo civil. A probabilidade do direito restou devidamente demonstrada na petição inicial, porquanto devidamente provado o risco de dano ao Patrimônio Cultural Material, mediante a cessão do direito de uso da locomotiva para o Município de Miguel Pereira/RJ, que não possui nenhum vínculo histórico-cultural com o bem. Com isso, descaracteriza- se o próprio conjunto de locomotivas constantes do Museu Ferroviário de Tubarão/SC. Quanto ao risco de dano ou risco de resultado útil ao processo, a proteção do bem material não pode aguardar até o trânsito em julgado da sentença definitiva – que como se sabe pode durar anos até que eventuais recursos sejam julgados – para a determinação de medidas efetivas que impeçam as atividades ilícitas causadoras de dano ao Patrimônio Cultural Material, que poderá ser seriamente danificado no transporte para o Rio de Janeiro, por se tratar de peça de museu, única, devidamente restaurada pela SALV, além de ser a peça principal do conjunto de locomotivas do Museu
  • 20. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 20 Ferroviário de Tubarão/SC. Outrossim, ainda que seja transportada adequadamente, a destinação pretendida é absolutamente incompatível e põe em risco não apenas a locomotiva, mas os usuários do projeto turístico, por se tratar de peça de museu com caldeira comprometida e sistema de freios originais à vapor, que não oferecem segurança, conforme bem salientado pelos representantes. De outro lado, eventuais alterações para atender às normas de segurança implicariam na descaracterização do bem original e único exemplar, cuja relevância histórico-cultural é reconhecida pelo próprio IPHAN, indo de encontro às determinações constitucionais e infraconstitucionais, bem como convenções internacionais que versam sobre a matéria. Vale ressaltar que a qualquer momento o Município de Miguel Pereira/RJ poderá comparecer para realizar a remoção da locomotiva, o que poderá acarretar danos irreversíveis ao patrimônio cultural material, sendo imprescindível o deferimento de tutela provisória de urgência liminar para impedir o ato, declarando a nulidade do Contrato de Cessão de Direito de Uso n. 72/2018, independente da prévia oitiva dos representantes judiciais da Fazenda Pública. Observe-se, ainda, que os mesmos fundamentos que inviabilizam a remoção da Locomotiva Pacific n. 53 para o Município de Miguel Pereira/RJ aplicam-se às demais locomotivas integrantes do acervo do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, sendo necessário, desde já, ampliar-se a vedação de remoção para os demais bens móveis integrantes do conjunto, tendo em vista tratativas anteriores visando à substituição do bem. Os riscos de danos decorrentes da remoção da Locomotiva do Museu Ferroviário de Tubarão são bem esclarecidos no Parecer Técnico Museológico n. 001/MUS/MFT/2018, subscrito pela Museóloga Silvana Silva de Souza, valendo a pena sua transcrição integral: O Setor Museológico do Museu Ferroviário de Tubarão, mantido pela Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor - SALV, localizado na Avenida Pedro Zapelini, 2200, cruzamento férreo, Oficinas, Tubarão/Se, CNPJ 02.063.805/0001 -00, vem por meio deste esclarecer os potenciais impactos negativos e riscos iminentes de perdas e danos causados pela movimentação do acervo de Locomotivas a Vapor para possível retirada de uma Locomotiva a Vapor, classe Pacífic, nº 53, Fabricante Baldwin Locomotive Works, ano 1920, do espaço expositivo do Museu. Essa ação viria ao encontro de uma decisão do Departamento Nacional de
  • 21. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 21 Transportes terrestres - DNIT que formalizou, à revelia da instituição, Cessão de Uso Gratuito do bem em favor da Prefeitura Municipal de Miguel Pereira/RI, para possível operação como veículo de tração de trem turístico daquela localidade. Sobre a Locomotiva a vapor objeto do Termo 72 BENS MÓVEIS/2018/SEATEC-CGPF/CGPF/DIF/DNITSEDE, o Museu Ferroviário de Tubarão esclarece que se trata de bem não operacional musealizado, restaurado em estática para fins únicos de preservação, estudo, pesquisa, comunicação, educação, fruição como bem cultural. Assim sendo, o bem perdeu sua função original de operação de tração ferroviária, não sendo recomendada sua utilização para esse fim pelos seguintes motivos: • A caldeira não foi restaurada para potencial uso de queima de carvão. As chapas metálicas estão com estrutura comprometida, havendo inúmeros pontos de corrosão interna, fragilidade na composição do material e necessidade de troca completa do estaiamento. • O freio ainda está no sistema a vapor, o que necessitaria uma substituição para freio 6SL básico, com instalação de compressor, sistema a ar. • Como restauração estática, peças e elementos internos que garantiriam seu funcionamento não foram recuperados ou estão faltantes. • O Tender foi recuperado apenas esteticamente, apresentando ao longo de 1O anos da última restauração inúmeros pontos de corrosão extrema com perda completa de partes, o que obrigou ação de reparo. Desse modo, o tanque de água necessitaria de restauro completo para voltar à sua função original. • A SALV não se responsabiliza por quaisquer potenciais problemas técnicos, operacionais e de segurança, nem pelo trabalho de restauração posterior para funcionamento feito por qualquer outra equipe técnica, uma vez que está declarando todos os riscos previamente. A Locomotiva supracitada está localizada em linha ferroviária estática, com bitola métrica, ligado à malha férrea pertencente à concessionária Ferrovia Tereza Cristina S.A, dentro da sala de exposição do Museu Ferroviário de Tubarão. A edificação é um galpão de alvenaria construído parte com vigas pré-moldadas, possui janelas laterais com esquadrias de ferro e vidro, treliças de madeira, treliças pré-moldadas e cobertura com telhado fibrocimento. A entrada do galpão possui três vãos de largura de 3m e altura de 4,5m, Pé direito do galpão pré-moldado mede cerca de 7,5m e na parte onde possui treliça de madeira tem a medida aproximada de 5,5m. Localizado à frente do bem estão 04 (quatro) veículos ferroviários, 03 (três) dos quais apresentando estado avançado de degradação. São eles (a partir da referência da própria locomotiva, nº 53): 1- Locomotiva a vapor, classe 2-10-2, modelo Texas, nº 300, The Baldwin Locomotive Works, USA, 1940. Status: estática. Restaurado. Essa locomotiva é a maior peça do acervo. Com 26 metros de comprimento, altura aproximada de 4,5 m e tara de 160 toneladas. 2- Locomotiva a vapor LocoBreak, Bitola 1,60m, péssimo estado de conservação. Apresenta perda de partes, peças soltas, estado de corrosão avançado. Por apresentar bitola de tamanho diferente à linha estática, está em suporte adaptado, não havendo "pernas de trilho" ao longo da linha para remoção do mesmo pelo sistema de tração. O uso de guindaste não é recomendado em virtude da área de localização (Galpão coberto), cuja manobra de veículo pesado em espaço expositivo pode vir a danificar outras peças do próprio acervo. 3- Locomotiva a Vapor classe 2-8-0, modelo Consolidation, nº 100, Alco Cooke Works, USA, 1919. Status: em estática, aguardando restauração. Com tara de 70 toneladas, é o bem em maior estado de degradação. A
  • 22. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 22 estrutura de chaparias está completamente comprometida pela corrosão. Há inúmeras peças soltas, cuja movimentação sem o devido acompanhamento técnico especializado poderia acarretar perda por queda ao longo da linha ou dano durante a manobra. 4- Locomotiva a vapor, classe 2-6-6-2, articulada, modelo Mallet, nº 203, The Baldwin Locomotive Works, USA, 1949. Status: estática. Aguardando restauro. Essa peça é também de grande porte, com tara de 100 toneladas aproximadamente. Há falta de braçagens junto aos rodeiros, o que ocasionaria uma remoção por arrasto com locomotiva a diesel. Embora seja a peça com o estado menos avançado de degradação das 3, sua estrutura também possui fragilidades, perdas de partes e risco de quebra ou perda de componentes durante a manobra. Sobre a movimentação dos veículos, o Museu Ferroviário de Tubarão esclarece que há necessidade de acompanhamento de profissionais especializados para minimizar os riscos junto ao acervo em questão. Operação delicada, de máxima atenção, com tempo mínimo de 2 dias. Além disso, o espaço de manobra na área externa do Museu é extremamente limitado, necessitando interrupção de via pública de alta rotatividade e liberação de área de manobra dentro das dependências da Ferrovia Tereza Cristina. A SALV declara não possuir nem equipe nem estrutura técnica ou operacional para realização da movimentação, sendo necessário apoio logístico da concessionária. Também não há possibilidade monetária de arcar com as custas de todo e qualquer dano causado durante esse trabalho, uma vez que afetará outras peças do acervo e possivelmente a estrutura predial. A SALV não recomenda a operação em virtude dos impactos danosos junto aos demais bens envolvidos na operação e se mantém no dever e responsabilidade para proteção do Patrimônio Cultural Ferroviário posto em sua guarda. A proteção material de um bem patrimonial é também a proteção de seu valor histórico e simbólico. Desse modo, há que se ter um planejamento cuidadoso, técnico e especializado para que qualquer ação de movimentação do item em questão não prejudique o conjunto de bens culturais como um todo. A pedido dos Ministérios Público Federal e Estadual, a SALV providenciou orçamento e informações técnicas acerca das providências que deveriam ser adotadas para o regular transporte da locomotiva, obtendo as informações constantes da Carta 1227/2018 anexa, que informa o custo aproximado de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), tendo em vista que a locomotiva e seu equipamento Teder totalizam 73 toneladas, 18 metros de comprimento, 4 metros de altura e 2.8 metros de largura, sendo necessário um equipamento cavalo de quatro eixos com carreta de seis eixos, além de um veículo escolta. Além disso, seriam necessárias as licenças federal e estaduais (RJ e SP) de travessia e recolhimento da Taxa de Utilidade de Via – TUV, sendo o tempo de transporte estimado entre 10 (dez) e 15 (quinze) dias. Adicionalmente, a própria retirada da Locomotiva do Museu Ferroviário
  • 23. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 23 apresenta inúmeras dificuldades expostas no documento “Condições e posicionamentos do veículo do Museu Ferroviário”, subscrito pelo Engenheiro Mecânico Robson Ricardo Marquardt da Silva, que, após apresentar o panorama das instalações e localização das locomotivas, apresenta as seguintes observações e comentários: Caso for retirar a locomotiva Baldwin Nº53 observamos seguintes requisitos operacionais a serem respeitados: • Impossibilidade de utilização de equipamentos como guincho ou guindaste dentro das instalações cobertas, devido a altura da cobertura e capacidade do piso; • Caso for movimentar os veículos ferroviários terá que ser pelo método de tracionamento, sendo mais adequado utilizar equipamento ferroviário, serviço esse que, provavelmente, exigiria ainda um acordo com a FTC e mediante a necessária remuneração por esse serviço; • Caso a movimentação dos veículos seja realizada, será necessário construção de linha de bitola larga para movimentar veiculo 03, pois os truques possuem rodeiros de bitola larga, serviço que deve ser executado por empresa ferroviária especializada; • Caso a movimentação seja realizada, será necessário local para estacionar os veículos ferroviários, pois o museu não possui linhas com espaço necessário, conforme levantamento planimétrico anexo elaborado por engenheiro civil. Para este serviço, provavelmente, exigiria ainda um acordo com a FTC e mediante a necessária remuneração por esse serviço; • Caso a movimentação seja realizada, é provável a destruição do veículo 02 devido sua condição atual, possuído estrutura em situação de corrosão avançada; • Antes da realização da movimentação dos veículos ferroviários, será necessário verificação e manutenção nas linhas do museu para suportar movimentação do veículo 04, pois possui alta tara. (…) • Caso aconteça o carregamento da locomotiva Nº53, será necessário outro local para esta operação pois o museu ferroviário não tem espaço físico para comportar carreta, que será especifica, e guindaste. Neste caso, provavelmente, demandaria um acordo com a FTC, pois possui área mais adequada para este trabalho; • Recomenda-se acompanhamento técnico de um profissional técnico de segurança do trabalho a ser eventualmente executado pois envolve trabalhos especiais. Logo, a não remoção da locomotiva também salvaguarda o patrimônio público, ao impedir a realização de gastos desnecessários em razão da possibilidade de determinação do retorno da locomotiva ao Museu Ferroviário de Tubarão, conforme vasta fundamentação apresentada. Sendo assim, os Ministérios Públicos Federal e Estadual requerem o deferimento de tutela provisória de urgência liminarmente para declarar a nulidade do
  • 24. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 24 Contrato de Cessão de Direito de Uso n. 72/2018, celebrado entre o DNIT e o Município de Miguel Pereira/RJ, bem como determinar ao DNIT que se abstenha de autorizar, a qualquer título (doação, cessão etc), a transferência de locomotivas e quaisquer outras peças integrantes do acervo histórico-cultural do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, especialmente a Locomotiva Pacific, Fabricante Baldwin, n. 53, 1920, para municípios que não possuam relação histórico-cultural com os bens, e ao Município de Miguel Pereira/RJ, que se abstenha de retirar a locomotiva Pacific, Fabricante Baldwin, n. 53, 1920, ou qualquer outra locomotiva ou bem integrante do acervo histórico-cultural do Museu Ferroviário de Tubarão, tendo em vista a completa ausência de vínculo histórico-cultural com os referidos bens. 8. DOS PEDIDOS: Como pedidos principais, os MINISTÉRIOS PÚBLICOS FEDERAL E ESTADUAL requerem, liminarmente: 8.1. Tutela provisória de urgência: 8.1.1) seja declarada a nulidade do Contrato de Cessão do Direito de Uso n. 72/2018, celebrado entre o DNIT e o Município de Miguel Pereira/RJ, ou, subsidiariamente, seja suspensa sua eficácia até o julgamento final da presente demanda; 8.1.2) em relação ao DNIT, seja determinada a obrigação de não fazer, consistente em não autorizar, a qualquer título (doação, cessão etc), a transferência de locomotivas e quaisquer outras peças integrantes do acervo histórico-cultural do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, especialmente a Locomotiva Pacific, Fabricante Baldwin, n. 53, 1920, para municípios que não possuam relação histórico-cultural com os bens; 8.1.3) em relação ao Município de Miguel Pereira/RJ, seja determinada a obrigação de não fazer, para que se abstenha de retirar a locomotiva Pacific, Fabricante Baldwin, n. 53, 1920, ou qualquer outra locomotiva ou bem integrante do acervo histórico- cultural do Museu Ferroviário de Tubarão, tendo em vista a completa ausência de vínculo histórico-cultural com os referidos bens; 8.1.4) em relação ao IPHAN, seja determinada a obrigação de não fazer, consistente em não anuir com a destinação de bens de valor histórico-cultural do acervo do Museu Ferroviário de Tubarão/SC a municípios que não possuem relação
  • 25. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC 25 histórico-cultural com os bens a serem destinados, assegurando a conservação in situ; 8.1.5) a cominação de multa diária para todas as medidas acima requeridas, em caso de descumprimento. 8.2 Pedidos Definitivos: 8.2.1) a citação dos demandados DNIT, IPHAN e MUNICÍPIO DE MIGUEL PEREIRA/RJ, através de seus representantes judiciais, respectivamente, para comparecerem à audiência preliminar de conciliação, nos termos do artigo 334, do CPC; 8.2.2) sejam confirmadas, em julgamento definitivo, as tutelas provisórias requeridas; 8.2.3) a intimação do Município de Tubarão/SC e da Fundação Catarinense de Cultura, através das respectivas procuradorias, para, querendo, intervirem na presente ação, tendo em vista o risco de dano ao patrimônio histórico-cultural municipal e estadual, respectivamente; 8.2.4) a condenação solidária dos demandados ao patrocínio em jornal de divulgação regional, da publicação da sentença; 8.2.5) a produção de todo o gênero de provas admitidas em direito, especialmente a testemunhal, a pericial, documental e a inspeção judicial; Sem custas, assim como todas as ações afetas ao Ministério Público (art. 18 da Lei n° 7.347/85; art. 4º, III, da Lei nº 9.289/96). Dá-se a causa o valor simbólico de R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor de alçada, por se tratar o patrimônio histórico-cultural bem de interesse difuso de valor inestimável. Tubarão/SC, 04 de setembro de 2018. MÁRIO ROBERTO DOS SANTOS SANDRO DE ARAUJO Procurador da República Promotor de Justiça Assinado digitalmente por SANDRO DE ARAUJO:75369737991 DN: C=BR, O=ICP-Brasil, OU=Autoridade Certificadora Raiz Brasileira v2, OU=AC SOLUTI, OU=AC SOLUTI Multipla, OU=Certificado PF A3, CN=SANDRO DE ARAUJO:75369737991 Razão: Eu sou o autor deste documento Localização: Data: 2018-09-04 18:51:35 SANDRO DE ARAUJO:75369737991