3. Série: Documentos do Etene.
Obras já publicadas na série:
V. 01 – Possibilidades da Mamona como Fonte de Matéria-Prima para a Pro-
dução de Biodiesel no Nordeste Brasileiro
V. 02 – Perspectivas para o Desenvolvimento da Carcinicultura no Nordeste
Brasileiro
V. 03 – Modelo de Avaliação do Prodetur/NE-II: base conceitual e metodológica
V. 04 – Diagnóstico Socioeconômico do Setor Sisaleiro do Nordeste Brasileiro
V. 05 – Fome Zero no Nordeste do Brasil: construindo uma linha de base para
avaliação do programa
V. 06 – A Indústria Têxtil e de Confecções no Nordeste: características, desa-
fios e oportunidades
V. 07 – Infra-Estrutura do Nordeste: estágio atual e possibilidades de investi-
mentos
V. 08 – Grãos nos Cerrados Nordestinos: produção, mercado e estruturação
das principais cadeias
V.09 – O Agronegócio da Caprino-Ovinocultura no Nordeste Brasileiro
V.10 – Proposta de Zoneamento para a Cajucultura
V.11 – Pluriatividade no Espaço Rural do Pólo Baixo Jaguaribe, Ceará
V.12 – Apicultura Nordestina: principais mercados, riscos e oportunidades
V.13 – Cotonicultura nos Cerrados Nordestinos: produção, mercado e estru-
turação da cadeia produtiva
V.14 – A Indústria de Calçados no Nordeste: características, desafios e opor-
tunidades
V.15 – Fruticultura Nordestina: desempenho recente e possibilidades de polí-
ticas
V.16 – Floricultura: caracterização e mercado
V.17 – Floricultura: perfil da atividade no Nordeste brasileiro
V.18 – Setor Sucroalcooleiro Nordestino: desempenho recente e possibilida-
des de políticas
V.19 – Vitivinicultura Nordestina: características e perspectivas
V.20 – Extrativismo da Carnaúba: relações de produção, tecnologia e mercados
4. Maria Odete Alves, Enga Agrônoma
Mestre em Desenvolvimento Rural e Pesquisadora do BNB-ETENE
Jackson Dantas Coêlho
Economista, mestrando em Economia Rural e Pesquisador do BNB-ETENE
EXTRATIVISMO DA CARNAÚBA
Relações de produção, tecnologia e mercados
Série Documentos do ETENE
N0 20
Fortaleza
Banco do Nordeste do Brasil
2008
6. Conselho Editorial
José Sydrião de Alencar Júnior
Francisco das Chagas Farias Paiva
José Maurício de Lima da Silva
Ozeas Duarte de Oliveira
José Maria Marques de Carvalho
Maria Odete Alves
Biágio de Oliveira Mendes Júnior
Paulo Dídimo Camurça Vieira
Ademir da SIlva Costa
7. AGRADECIMENTOS
Aos colegas DEMÉTRIO Gomes Crisóstomo e Maria TERTULIANA Maia
Araripe, da Central de Informações do ETENE, pela prontidão em fornecer os
dados necessários ao desenvolvimento do trabalho e à NADJA Holanda de Oliveira,
pela montagem dos mapas.
Aos colegas Francisco Raimundo EVANGELISTA, CARLOS ALBERTO Fi-
gueiredo Júnior e MARCOS FALCÃO Gonçalves, pela leitura e contribuições ao
texto final deste documento.
Aos bolsistas da COERG ABRAHÃO Macario Silva Netto e JULIANA Alves
Araújo, pelo valioso auxílio durante a tabulação de dados, TIAGO Almeida Saraiva,
pela elaboração das planilhas do CD-ROM encartado neste documento, assim
como aos colegas da CIEST, pela definição do seu leiaute final.
Aos colegas técnicos de campo, pela articulação com os atores locais e
viabilização das entrevistas na maioria dos municípios visitados (AURELIANO
Nogueira de Oliveira: Russas e Limoeiro do Norte (CE); RICARDO Mesquita
Alencar: Mossoró, Apodi e Felipe Guerra (RN); PEDRO Rodrigues de Sousa:
Campo Maior e Piripiri (PI)).
Ao Agente de Desenvolvimento João Edivaldo Nogueira DO VAL, que nos
auxiliou no trabalho em Parnaíba (PI) e ao Gerente Geral da Agência de Espe-
rantina GENÍLSON José Dias, que nos acompanhou durante as visitas realizadas
nesse Município.
Ao Engenheiro Agrônomo Francisco Hélio Mota Dias, técnico do Escritório
da Emater em Granja (CE) que, além da grande contribuição com seus conhe-
cimentos sobre a região e o extrativismo da carnaúba, nos acompanhou durante
todas as visitas realizadas no Município.
Aos diretores da ONG Instituto Carnaúba, em Sobral, Osvaldo Aguiar e
Expedito Torres, que nos acompanharam durante as visitas realizadas em Sobral
e Cariré.
A todos os atores da cadeia do extrativismo da carnaúba nos três estados
produtores, pelas entrevistas concedidas e valiosas contribuições, sem as quais
este trabalho não teria sido concretizado.
8.
9. PREFÁCIO
Grande fonte de riqueza no Nordeste em tempos idos, a carnaúba já foi o
ícone de uma civilização existente na Região, como escreveu Manuel Correia de
Andrade. Atualmente, mesmo que por decreto, essa palmeira voltou a ocupar
o seu lugar de direito, o de símbolo do estado do Ceará, apesar do desrespeito
expresso pela derrubada de carnaubais para inserção de culturas mais lucrativas,
tanto no Ceará como no Rio Grande do Norte. Ainda é grande o desconhecimento
acerca das potencialidades da “árvore da vida” brasileira, fato em parte gerado
pelo limitado número de pesquisas realizadas do fim da década de 1940 até os
dias atuais.
Na tentativa de resgatar o conhecimento dessa riqueza, produzida unicamen-
te no Nordeste (especificamente no Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte), esta
publicação apresenta os resultados da pesquisa que abordou, de forma ampla,
aspectos agronômicos, distribuição geográfica da carnaubeira, mercado da cera,
tecnologia utilizada e relações sociais de produção, trazendo também uma síntese
do histórico da intervenção do Estado, assim como sugestões de políticas para
o setor como um todo.
A pesquisa aborda todos os produtos do extrativismo e suas utilidades, em
especial a cera, que tem maior valor econômico na “árvore da vida” e é matéria-
prima com dezenas de aplicações na indústria cosmética, farmacêutica, informática
e de polimento.
Os processos, desde o corte da palha até a industrialização da cera, são
descritos e analisados detalhadamente, permitindo ao leitor a percepção das
tecnologias utilizadas no extrativismo e relações sociais existentes. No entanto, o
desafio oferecido pela complexidade desses fatores pouco atrai estudiosos para
compreender a atividade e contribuir com propostas de solução para os problemas
sociais e tecnológicos envolvidos. Este desinteresse reflete-se no reduzido número
de publicações científicas abordando o tema.
Mas, sem dúvida alguma, a contribuição mais importante deste trabalho deve
ser atribuída ao esforço de estimar custos e lucro líquido do processo extrativo,
aspecto jamais explorado, pelo menos no nível de complexidade aqui proposto.
Esse esforço originou um CD contendo uma planilha para elaboração de orça-
10. mentos, acompanhado de manual de instruções, na tentativa de ajudar, de forma
prática, aqueles que lidam com a atividade.
Espera-se que essa pesquisa, conjugada com outras atualmente em realização
nos três Estados de ocorrência da palmeira, extrapole os muros do conhecimento
acadêmico e transforme-se em soluções para a cadeia produtiva da carnaúba,
especialmente para os segmentos que estão na base do extrativismo e trabalham
arduamente, não só de julho a dezembro, mas durante todo o ano e, conforme
afirmou Hélio Mota, engenheiro agrônomo técnico do Escritório da Emater em
Granja-CE, “feito escola de samba, que quando termina o desfile, começa a tra-
balhar na fantasia para o ano seguinte”.
José Sydrião de Alencar Júnior
Superintendente do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do
Nordeste - ETENE
10
11. SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS. ..............................................................................13
.
LISTA DE FOTOS...................................................................................15
LISTA DE FIGURAS................................................................................17
LISTA DE GRÁFICOS..............................................................................17
LISTA DE SIGLAS. .................................................................................19
.
INTRODUÇÃO....................................................................................... 3 2
1 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................25
2 – CARACTERÍSTICAS AGRONÔMICAS E DISTRIBUIÇÃO
GEOGRÁFICA..................................................................................29
3 – PRODUTOS DA CARNAUBEIRA: USOS E MERCADO.......................43
3.1 – A Raiz..........................................................................................43
3.2 – O Palmito....................................................................................44
3.3 – O Fruto (amêndoa)......................................................................45
3.4 – A Folha (palha)............................................................................46
3.5 – O Caule (tronco)..........................................................................51
3.6 – A Cera..........................................................................................52
4 – PROCESSO PRODUTIVO: ATORES, RELAÇÕES
SOCIAIS E TECNOLOGIA.................................................................63
4.1 – Etapa 1: arrendamento, corte, transporte e secagem da folha 65
4.2 – Etapa 2: extração do pó cerífero................................................76
4.3 – Etapa 3: beneficiamento do pó cerífero.....................................82
4.3.1 – Processo artesanal...................................................................82
4.3.2 – Processo industrial..................................................................88
5 – PROCESSO PRODUTIVO: ESTIMATIVAS DE CUSTO E RECEITA......93 .
5.1 – Etapas 1 e 2: arrendamento, corte, secagem e extração do pó....94 .
5.2 – Etapa 3: beneficiamento do pó cerífero.....................................99
5.2.1 – Produção de cera de origem.................................................... 99
5.2.2 – Produção de cera industrial................................................... 02 1
6 – POLÍTICAS E AÇÕES DE APOIO À ATIVIDADE............................... 07 1
6.1 – Intervenção Estatal Planejada: dos anos 1940 à década de 1980 107
6.2 – Ações não Planejadas: dos anos 1990 aos dias atuais.............113
6.2.1 – Financiamento da produção..................................................113
6.2.2 – Outras ações de apoio à atividade........................................121
6.2.2.1 – Ações de entidades públicas. .............................................121
.
11
12. 6.2.2.2 – Ações de entidades não-governamentais...........................125
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES DE POLÍTICAS...............135
7.1 – Etapas de Campo......................................................................137
7.1.1 – Financiamento da produção..................................................137
7.1.2 – Investimento em tecnologia..................................................139
7.2 – Etapa Industrial........................................................................140
.
7.2.1 – Investimento em tecnologia..................................................140
7.2.2 – Etapa comercial.....................................................................140
REFERÊNCIAS.................................................................................... 142
APÊNDICE A: Estimativas de custo e receita no extrativismo
da carnaúba.................................................................151
APÊNDICE B: A Fazenda Raposa e o experimento com genótipos
de carnaubeiras produtoras de cera...........................184
.
APÊNDICE C: Emulsão de cera de carnaúba: uma técnica inovadora
de conservação pós-colheita.......................................193
APÊNDICE D: Substitutos da cera de carnaúba.................................194
APÊNDICE E: Projetos de pesquisa em execução no BNB e
Agenda de Pesquisa ....................................................198
ANEXO A: Quantidade produzida (em toneladas) na extração
de carnaubeira por tipo de produto extrativo (2004) – mu-
nicípios do Nordeste brasileiro.......................................202
ANEXO B: Carta da carnaúba.............................................................211
ANEXO C: Pauta de reivindicações do Sindicarnaúba......................213
12
13. LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Média da Produção de Pó, Cera e Fibra de Carnaúba
nos anos de 2001, 2002 e 2003. ......................................26
.
Tabela 2 – Somatório da Produção Obtida nos Anos de 1990 a 2006,
em Toneladas, na Extração de Carnaubeira por Tipo de
Produto – Brasil e Unidades da Federação......................33
Tabela 3 _ Quantidade Produzida, em Toneladas, na Extração de
Carnaubeira por Tipo de Produto Extrativo (1990 – 2006) –
Brasil e Unidades da Federação.......................................34
Tabela 4 – Somatório do Valor da Produção nos Anos de 1990 a 2006,
na Extração da Carnaubeira por Tipo de Produto
Extrativo – Brasil e Unidades da Federação....................36
.
Tabela 5 – Composição da Cinza das Raízes da Carnaubeira –
Dados em Percentuais......................................................44
Tabela 6 – Produção de Cera de Carnaúba, em Tonelada, no Brasil –
1920-2006.........................................................................56
Tabela 7 – Remuneração Média dos Trabalhadores nas Fases de
Corte, Transporte e Secagem da Palha de Carnaúba – com
Base em Diária.................................................................75
.
Tabela 8 – Remuneração Média dos Trabalhadores nas Fases de
Corte, Transporte e Secagem da Palha de Carnaúba – Base
em Milheiro......................................................................75
Tabela 9 – Variação e Remuneração Média Diária dos Trabalhadores
na Fase de Extração do Pó Cerífero por “Bateção”
Mecânica – Base em Diárias.............................................81
Tabela 10 – Estimativa de Custo de Bateção Mecânica de um
Milheiro de Palhas de Carnaúba (7,50kg de Pó Cerífero) –
Bateção Própria; Máquina Própria – 2005. .....................95
.
Tabela 11 – Custo de Bateção Mecânica de Um Milheiro de Palhas de
Carnaúba (7,50kg de Pó Cerífero): Parâmetros e Formas de
Pagamento Diversas Observadas em Campo – 2005.......96
Tabela 12 – Resumo de Custo e Receita no Extrativismo da
Carnaúba – um Milheiro de Palha (7.5kg de Pó Cerífero):
Diversos Parâmetros Observados em Campo, considerando
Produção e Venda de Pó – 2005. .....................................98
.
13
14. Tabela 13 – Custo de Produção de um Quilo de Cera de Origem em
Fábrica Artesanal – 2005..................................................99
Tabela 14 – Resumo de Custo e Receita no Extrativismo da Carnaúba –
um Milheiro de Palha (7,5kg de Pó Cerífero): Diversos
Parâmetros Observados em Campo, com Produção
de Pó, Produção e Venda de Cera de Origem – 2005....101
Tabela 15 – Resumo de Custo e Receita com Aquisição de 7,5kg de Pó
Cerífero, Produção de Cera de Origem, Ensacamento e
Transporte e Venda de Cera de Origem – Taxa de Juros de
5% a.m. – 2005................................................................102
Tabela 16 – Resumo de Custo e Receita com Aquisição de 7,5kg de Pó
Cerífero, Produção de Cera de Origem, Ensacamento e
Transporte e Venda de Cera de Origem – Taxa de Juros de
0,53% a.m. – 2005...........................................................102
Tabela 17 – Estimativa da Produção e do Faturamento Anual (2003)
por Empresas Produtoras de Cera de Carnaúba.
Piauí. 2003......................................................................104
Tabela 18 – Estimativa do Custo de Produção Mensal de Cera de
Carnaúba. Piauí..............................................................105
Tabela 19 – Custo de Uma Tonelada de Cera de Carnaúba Tipo Um 106
Tabela 20 – Custo de uma Tonelada de Cera de Carnaúba Tipo Três 106
Tabela 21 – Financiamento do BNB à Cadeia Produtiva da Carnaúba,
por Estado, Período 1998-2006. ....................................116
.
Tabela 22 – Financiamento do BNB para a Cadeia Produtiva da
Carnaúba, por Porte, Período 1998-2006......................117
.
Tabela 23 – Financiamento do BNB para a Cadeia Produtiva da
Carnaúba, por Finalidade, Período 1998-2006..............119
Tabela 24 – Financiamento aos Miniprodutores, por Finalidade,
Período 1998-2006.........................................................119
Tabela 25 – Financiamento do BNB para a Cadeia Produtiva da
Carnaúba, por Ano, Período 1998-2006.........................120
14
15. LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Carnaubal no Município de Russas (CE) ................................ 29
Foto 2 – Folha da Carnaubeira............................................................. 31
.
Foto 3 – Flores da Carnaubeira. ........................................................... 32
.
Foto 4 – Frutos da Carnaubeira............................................................ 33
Foto 5 – Carnaubal Plantado em Russas (CE) ....................................... 37
Foto 6 – Queimada de Carnaubal em Limoeiro do Norte (CE). ........... 38 .
Foto 7 – Boca-de-leão em Felipe Guerra (RN) ...................................... 42
Foto 8 – Xarope Composto com Raiz da Carnaubeira ........................ 43
Foto 9 – Broto Terminal da Folha da Carnaubeira............................... 45
Foto 10 – Frutos da Carnaubeira.......................................................... 46
Foto 11 – Confecção Artesanal de Vassouras em Felipe Guerra(RN).... 47
Foto 12 – Artesanato de Palha em Jericoacoara (CE)........................... 47
Foto 13 – Coberta com Palha de Carnaúba em Jericoacoara............... 47
Foto 14 – Peças Decorativas de Talo de Carnaubeira........................... 48
Foto 15 – Chapéus em Fase de Acabamento numa Fábrica Localizada
em Sobral (CE)....................................................................... 49
Foto 16 – Artesanato de Cestarias e Móveis de Carnaúba (Porto das
Barcas, Parnaíba, PI) ............................................................. 50
Foto 17 – Peças Decorativas de Talos de Carnaúba (Porto das Barcas,
Parnaíba, PI).......................................................................... 50
.
Foto 18 – Papel Artesanal de Palha de Carnaúba................................. 51
Foto 19 – Tipos de Cera de Origem...................................................... 55
Foto 20 – Cera Industrial Tipo Um, Três e Quatro em Escama e
Atomizada............................................................................. 55
Foto 21 – Vareiro em Limoeiro do Norte (CE)...................................... 68
Foto 22 – Aparador/Enfiador em Limoeiro do Norte (CE).................... 69
Foto 23 – Acessórios Utilizados pelo Vareiro para Proteção de
Ferimentos, em Limoeiro do Norte (CE)............................... 70
Foto 24 – Carroça de Transportar Palha para o Lastro........................ 71
Foto 25 – Lastro para Estender a Palha, em Russas (CE)...................... 72
Foto 26 – Trinchador da Palha para Produção de Vassouras, em
Felipe Guerra (RN)................................................................. 76
Foto 27 – Mulher Trabalhando no Riscado da Palha de Carnaúba,
em Cariré (CE)........................................................................ 77
15
16. Foto 28 – Máquina Guarany Ciclone, de Propriedade da Foncepi
(Piripiri, PI)............................................................................ 78
Foto 29 – Máquina Guarany Ciclone Atual, em Apodi (RN)................. 80
Foto 30 – Homem Batendo Palha na Atual Máquina Guarany Ciclone,
em Felipe Guerra (RN) .......................................................... 80
Foto 31 – Trabalhadores na Máquina Guarani Ciclone: Falta de Proteção,
em Felipe Guerra (RN)........................................................... 81
Foto 32 – Minhocão, em Felipe Guerra (RN)........................................ 82
.
Foto 33 – Caldeira para Cozimento do Pó Cerífero, em Felipe
Guerra (RN)............................................................................ 83
Foto 34 – Prensa da Cera de Origem, em Felipe Guerra (RN).............. 83
Foto 35 – Gamela de Resfriamento e Secagem da Cera de Origem,
em Felipe Guerra (RN) .......................................................... 83
Foto 36 – Recozimento da Cera de Origem em Latas de Querosene,
em Cariré (CE)........................................................................ 85
Foto 37 – Prenseiro (ou Prensador) de Cera de Origem, em Felipe
Guerra (RN) ........................................................................... 86
Foto 38 – Ensacamento da Cera em Escamas, em Piripiri (PI)............. 89 .
Foto 39 – Cera de Carnaúba Atomizada, em Piripiri (PI)..................... 91
16
17. LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Roteiro de Viagens Durante a Pesquisa de Campo............. 27
Figura 2 – Mapa de Ocorrência de Carnaúba (Fibra, ou Pó, ou Cera) na
Área de Atuação do BNB, no Ano de 2006.......................... 35
Figura 3 – Fluxograma dos Processos Extrativo e Industrial da
Carnaúba no Nordeste Brasileiro. .......................................64
.
Figura 4 – Atores Sociais no Processo Produtivo da Carnaúba............ 65
Figura 5 – Fluxograma do Refino da Cera Bruta
(de Olho ou da Palha)...........................................................89
Figura 6 – Fluxograma do Refino da Cera do Pó (de Olho ou da
Palha)....................................................................................90
Figura 7 – Fluxograma do Processamento da Borra de Cera de
Carnaúba na Indústria. ........................................................90
.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Participação Percentual (em Relação ao Valor Total de
Exportações) da Cera de Carnaúba na Pauta dos Três
Estados Produtores.......................................................... 54
Gráfico 2 – Produção de Cera de Carnaúba, em Tonelada, no Brasil –
1920-1979 / 1990-2006. ................................................... 57
.
Gráfico 3 – Evolução dos Volumes de Cera de Carnaúba Exportados
de 1937 a 2006................................................................. 57
Gráfico 4 – Principais Países de Destino das Exportações de Cera de
Carnaúba (em kg) – Acumulado 2001/2006. ................... 58
.
Gráfico 5 – Evolução do Preço Médio Real de Cera de Carnaúba –
1937 a 2006...................................................................... 61
17
19. LISTA DE SIGLAS
ALICEWEB Sistema de Análise das Informações de Comércio
Exterior via Internet do Ministério do
Desenvolvimento
ACC Adiantamento de Contrato de Câmbio
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
AGF Aquisições do Governo Federal
APA Área de Proteção Ambiental
BB Banco do Brasil
BNB Banco do Nordeste do Brasil
BCB Banco Central do Brasil
CACEX Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S.A
CCA Centro de Ciências Agrárias
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico
CODECE Companhia de Desenvolvimento do Ceará
COFINS Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
CSCPC Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Carnaúba
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
EGF Empréstimo do Governo Federal
ETENE Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste
EMATERCE Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
FACIC Federação das Associações do Comércio, Indústria,
Serviços e Agropecuária do Ceará
FAEC Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará
FAPEPI Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí
FETRAECE Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado
do Ceará
FIEC Federação das Indústrias do Estado do Ceará
FINAME Financiamento de Máquinas e Equipamentos
FINEP Financiadora de Estudos e Pesquisas
19
20. FONCEPI Fontenele Ceras do Piauí, S/A
FUNCAP Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis.
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços
IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
IRPJ Imposto de Renda Pessoa Jurídica
ISS Imposto Sobre Serviços
MCT Ministério da Ciência e Tecnologia
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior
MIN Ministério da Integração
NUTEC Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará
PDI Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação
PIS Programa de Integração Social
PROGER Programa de Geração de Emprego e Renda
PROMOVALE Programa de Valorização Rural dos Vales Irrigáveis
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar
PROVARZEAS Programa Nacional de Aproveitamento Racional de
Várzeas Irrigáveis
SDE Secretaria de Desenvolvimento Econômico
SEAGRI Secretaria de Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará
SEBRAE-CE Serviço de Apoio às Pequenas e Médias
Empresas do Ceará
SESEMAR Assessoria e Apoio aos Povos das Serras, Sertão e Mar
SINE-RN Sistema de Emprego e Renda do Rio Grande do Norte
SNA Sociedade Nacional de Agricultura
UFC Universidade Federal do Ceará
UFPI Universidade Federal do Piauí
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNEB Universidade do Estado da Bahia
20
21. De longe é hostiário suspenso
do templo azul, claro, imenso
do infinito...
O leque da carnaubeira
é uma bandeira,
quebra-luz do sol a pino;
e o palmito,
esgalgo, fino,
é esbelto equilibrista
- pés poisados nas margens dos ribeiros
e lagos brasileiros,
com um disco plúmbeo na crista.
Nessas palmas recortadas
e espalmadas
ao vento
como exóticas pantalhas,
- na pobreza dessas palhas,
quanta esplêndida riqueza
dadivosa natureza
encerra,
para glória da terra,
minha terra
que de luz se inunda
e a deusa Flora preferiu, fecunda!
Carnaubeira, eu te amo,
desde a fina raiz tonificante,
que é suave e refrescante;
e o caule que serve de cumeeira
às casas grandes,
aos palácios e choupanas,
- até os renovos verdejantes
de que se tira a cera
e faz a vela
que ilumina o pobre
e a palha com que se cobre
o lar e tece esteiras,
redes, cofos, abanos e chapéus!
Da Costa Andrade e Simplício Mendes
21
23. INTRODUÇÃO
A decisão de realizar a presente pesquisa partiu de uma demanda oriunda da
área de políticas de desenvolvimento do BNB, a qual requeria um mapeamento
da ocorrência de carnaubeiras na região Nordeste, com o objetivo de analisar a
pertinência de financiar projetos oriundos da região de Campo Maior, no Estado
do Piauí. Na ocasião, os gestores da agência bancária instalada naquele município
questionavam sobre a restrição ao financiamento de custeio para as atividades de
extração de pó da cera de carnaúba em algumas regiões do Estado, decorrente
de um normativo interno datado de 1995.
Ao iniciarmos os primeiros levantamentos exploratórios para responder à
demanda, observamos o quão era difícil o entendimento do setor, em virtude da
complexidade das relações sociais, de produção e comerciais. Por outro lado,
constatava-se o pouco interesse de estudiosos e pesquisadores pelo setor, tra-
duzido no reduzido número tanto de publicações científicas que o explicassem
quanto de pesquisas que contribuíssem para resolver os problemas de defasagem
tecnológica.
Este conjunto de fatores, aliado à grande importância econômica e social que
parecia ter o extrativismo da carnaúba para três Estados nordestinos (Ceará, Piauí
e Rio Grande do Norte), levou a Superintendência do Etene a tomar a decisão de
realizar o presente estudo, que pretendeu, além de cobrir o vácuo de informações
atualizadas, servir de instrumento de reflexão para os que atuam no setor e de
orientação para gestores que definem e elaboram políticas públicas. Diante do
cenário inicialmente observado, relacionaram-se algumas questões básicas que
serviriam de subsídio para a elaboração do roteiro de pesquisa, quais sejam:
a) qual a área de ocorrência de carnaubais no Brasil? Qual a área explorada?
b) quais os municípios com maior concentração de carnaubais?
c) existe um sistema de cultivo para a exploração da carnaúba?
d) quais os principais produtos da carnaúba?
Por extrativismo, entende-se como sendo “o processo de exploração dos recursos vegetais nativos que
compreende a coleta ou apanha de produtos como madeiras, látex, sementes, fibras, frutos e raízes, entre
outros, de forma racional, permitindo a obtenção de produções sustentadas ao longo do tempo, ou de modo
primitivo e itinerante, possibilitando, geralmente, apenas uma única produção” (IBGE, 2002).
23
24. e) que novos produtos químicos e/ou naturais são concorrentes da cera?
f) que custos de produção são considerados na coleta do pó e no benefi-
ciamento da cera?
g) qual o nível de tecnologia nos processos de coleta e beneficiamento do
pó e da cera? Tem havido modernização?
h) qual o nível de organização do setor? Qual o nível de qualificação da
mão-de-obra envolvida?
i) qual a variação da quantidade e da capacidade instalada das empresas
processadoras de cera?
j) existem usos alternativos para a planta industrial da carnaúba?
k) quais os mercados explorados: local, regional, nacional, internacional?
l) quais os quantitativos e preços de mercado praticados ano a ano? Quais
os principais concorrentes brasileiros e onde estão instalados?
m) existem ou existiram incentivos fiscais à exploração da atividade? Quais?
n) existem ou existiram políticas de financiamento da produção? Quais?
o) quais os fatores de competitividade do setor extrativista da carnaúba?
O presente documento, resultante final do estudo, é dividido em seis capítulos,
mais as considerações finais e sugestões para formulação de políticas. No primeiro,
consta a metodologia utilizada para a realização do trabalho de investigação; no
segundo, a descrição das características botânicas e fisiológicas da carnaubeira,
o tipo de condição edafoclimática ao qual a carnaubeira se adequa, bem como
sua distribuição geográfica no Brasil; o terceiro capítulo é dedicado aos principais
produtos da carnaubeira, suas utilizações e mercado, em especial a cera, principal
produto comercial dessa palmeira; o quarto capítulo refere-se às relações sociais
entre os diversos atores da cadeia produtiva e ao nível de tecnologia utilizado
no processo produtivo; no quinto capítulo, são feitas estimativas de custos nas
etapas de corte, extração e beneficiamento do pó cerífero; no sexto capítulo, é
feito um resgate histórico das políticas de apoio à atividade, em especial as de
financiamento, abordando também a ação de entidades de classe e de organizações
não-governamentais.
24
25. 1 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a realização desta investigação, adotou-se uma abordagem dialética, de
acordo com o proposto por Minayo (2002, p. 24), na qual se utiliza ao mesmo
tempo da pesquisa quantitativa e qualitativa, numa tentativa de abarcar “[...] o
sistema de relações e o modo de conhecimento exterior do sujeito, mas também
as representações sociais que traduzem o mundo dos significados”. Essa aborda-
gem, por um lado, permite o aprofundamento da análise dos significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, bem como da compreensão das estruturas
e instituições resultantes da ação humana; por outro, permite que determinados
fatos e fenômenos sejam quantificados, o que admite uma melhor explicação
destes, à medida que confere um elemento qualificador a mais.
O universo da pesquisa foi o Nordeste brasileiro, focando-se nas áreas de
ocorrência da carnaubeira associada à existência de atividade extrativista. A coleta
de informações constou de duas etapas: a primeira, em que se buscaram infor-
mações secundárias nas diversas fontes (bibliografia existente, bancos de dados,
Internet, documentos oficiais); a segunda constou de uma pesquisa de campo nas
principais áreas extrativas da carnaúba.
A definição das áreas para a realização da pesquisa de campo foi feita com
base em alguns critérios:
a) os dois municípios com as médias mais elevadas em termos de produção de pó,
cera e fibra, nos anos de 2001, 2002 e 2003 (Tabela 1), em cada estado produtor;
b) inclusão de municípios ausentes na amostra inicial, mas que se situavam
na rota para se chegar aos demais;
c) municípios não-apontados na Tabela 1, mas que contavam com indústrias
de chapéus e de cera, bem como a concentração de corretores, entidades de
classe e de apoio à atividade, os quais, se avaliou, poderiam oferecer contribui-
ções importantes para a investigação, em vista do conhecimento sobre a cadeia
produtiva como um todo.
De acordo com dados da Produção Extrativa Vegetal do IBGE referentes aos anos de 2001, 2002 e
2003.
Ao iniciar o estudo exploratório (aqui entendido como a fase de construção do projeto de pesquisa, em
que houve acesso ao primeiro material bibliográfico e documental), novas situações foram-se colocando,
apontando para a limitação do apoio somente nos dados de produção extrativa fornecidos pelo IBGE. Diante
dessa nova situação, tomou-se a decisão de expandir a amostra, de forma a abarcar toda essa realidade.
25
26. Tabela 1 – Média da Produção de Pó, Cera e Fibra de Carnaúba nos Anos de
2001, 2002 e 2003
Anos Totais
Município
2001 2002 2003 TOTAL Média
Campo Maior - PI - [pó] 286 1.588 2.230 4.104 1.368
Piripiri - PI - [pó] 928 810 896 2.634 878
Granja - CE - [pó] 792 807 806 2.405 802
Camocim - CE - [pó] 756 787 785 2.328 776
Batalha - PI - [pó] 255 651 605 1.511 504
Russas - CE - [cera] 600 720 750 2.070 690
Granja - CE - [cera] 314 320 318 952 317
Apodi - RN - [cera] 297 324 276 897 299
Morada Nova – CE - [cera] 300 297 290 887 296
Aracati - CE - [cera] 170 182 191 543 181
Felipe Guerra – RN - [cera] 130 124 128 382 127
Canindé - CE - [fibra] 166 111 715 992 331
São Gonçalo do Amarante - CE
217 221 216 654 218
- [fibra]
Pacatuba - CE - [fibra] 90 99 104 293 98
Lavras da Mangabeira - CE - [fibra] 85 86 88 259 86
Granja - CE - [fibra] 85 86 86 257 86
Uruoca - CE - [fibra] 25 25 26 76 25
Fonte: IBGE (2002).
Assim, durante a pesquisa de campo, foram ouvidos os seguintes atores:
trabalhadores do corte da palha, da máquina de bater e da indústria artesanal; ren-
deiros descapitalizados e capitalizados; proprietários e responsáveis terceirizados
por máquinas de bater palha; pequenos proprietários descapitalizados; grandes
proprietários capitalizados; donos de fábricas artesanais de cera; industriais da
cera; industriais-exportadores da cera; corretores; representantes de entidades de
classe; industriais da palha (chapéus); donos de indústrias artesanais de vassouras;
trabalhadores da indústria artesanal de vassouras e chapéus; representantes de
ONGs, representantes de institutos de pesquisas e da Universidade. No total,
foram realizadas 30 entrevistas.
Para a articulação com os diversos atores e agendamento de visitas, contou-se
com o conhecimento e a colaboração decisiva dos diversos técnicos de campo e
agentes de desenvolvimento do BNB espalhados pelo Nordeste. Foram realizadas
26
27. viagens entre novembro de 2005 e março de 2006 para os Estados do Ceará,
Piauí e Rio Grande do Norte. A primeira durou do dia 29 de novembro a 2 de
dezembro de 2005, partindo-se de Fortaleza com destino aos Vales do Jaguaribe
(no Ceará) e do Apodi (no Rio Grande do Norte); a segunda viagem foi realizada
entre os dias 8 e 13 de janeiro de 2006, tendo como destino os Vales do Acaraú
(no Ceará), do Parnaíba, do Longá e do Mato (no Piauí). Em Fortaleza, Caucaia e
Maracanaú, onde existe uma concentração de indústrias de cera e de corretores,
as visitas foram realizadas nos intervalos das demais, entre outubro de 2005 e
maio de 2006 (Figura 1).
Figura 1 – Roteiro de Viagens durante a Pesquisa de Campo
Fonte: Elaboração própria.
Após a demarcação das áreas a serem visitadas e dos atores a serem ouvi-
dos, partiu-se para a definição dos instrumentos de coleta das informações em
27
28. campo. Optou-se pela elaboração de roteiros de entrevistas específicos para cada
um dos atores, abordando as seguintes temáticas: processo produtivo, relações
de produção, tecnologia, produtos, mercado, organização, políticas para o setor
(financiamento para produção e pesquisa), assistência técnica e carga tributária.
Utilizaram-se, também, a observação direta, a participação em seminários e o regis-
tro fotográfico de atores, equipamentos, fatos, eventos e momentos considerados
significativos para a pesquisa. No decorrer do processo, relatórios de cada uma
das entrevistas foram elaborados e, ao final, todas as informações sistematizadas
em uma matriz temática lógica, seguindo-se uma análise interpretativa e posterior
incorporação ao texto final deste documento.
28
29. 2 – CARACTERÍSTICAS AGRONÔMICAS E DISTRIBUIÇÃO
GEOGRÁFICA
A carnaubeira (Copernicia prunifera (Miller) H. E. Moore) é uma planta
nativa do Nordeste brasileiro que, em condições normais, cresce em média cerca
de 30cm por ano, atingindo a maturidade botânica (primeira floração) entre 12 e
15 anos de idade, podendo alcançar uma altura superior a 10 metros e produzir
entre 45 e 60 folhas anuais (Foto 1).
A planta possui um tronco reto e cilíndrico com diâmetro entre 15 e 25
centímetros. Geralmente, ocorre nos pontos mais próximos dos rios, preferindo
solos argilosos (pesados), aluviais (de margens de rios) e com a capacidade de
suportar alagamento prolongado durante a época de chuvas, além de ser bastante
Foto 1 – Carnaubal no Município de Russas (CE)
Fonte: Autores
A literatura também traz o nome Copernicia cerifera Mart. É apenas uma de vinte e uma espécies que
compõem o gênero Copernicia, nome dado em homenagem ao astrônomo Nicolau Copérnico, devido à
copa redonda da palmeira.
29
30. resistente a elevados teores de salinidade. Apresenta também elevada capacidade
de adaptação ao calor, suportando 3.000 horas de insolação por ano. Segundo
Duque (2004), a idade das palmeiras, o tipo de solo, o clima e a proximidade
com o mar são fatores que influenciam na produção de cera.
A densidade dos carnaubais está diretamente relacionada com o teor de
argila no solo. Nos solos aluvionares com teores mais altos, há maior ocorrência
da carnaubeira, enquanto nos tabuleiros, fora da calha do rio, o teor de argila no
solo é menor e, em razão disso, os carnaubais são mais escassos e menos densos
(ALBUQUERQUE; CESTARO, 1995).
As folhas da carnaubeira são dispostas de modo a formar um conjunto esfe-
roidal e a copa apresenta tonalidade verde levemente azulada, em conseqüência
da cera que recobre a lâmina, em forma de leque de até 1,5m de comprimento,
de superfície plissada com a extremidade segmentada em longos filamentos mais
ou menos eretos e rígidos (Foto 2). A lâmina da folha é afixada ao tronco por
pecíolos rígidos de até 2 metros de comprimento, recobertos parcialmente, prin-
cipalmente nos bordos, de espinhos rígidos em forma de “unha-de-gato” (RISCH
NETO, 2004).
O pó que recobre a palha é uma conseqüência de sua adaptação às regiões
secas, dado que esta camada de pó reflete a luz, o que ameniza danos ao ma-
quinário fotossintético, por reduzir o aquecimento das folhas. A camada de pó
dificulta a perda de água por transpiração e protege a planta contra o ataque de
fungos (MOREIRA; SILVA, 1974 apud MESQUITA, 2005). Este pó, ao passar
pelo processo de cozimento, gera a cera de carnaúba.
O principal aproveitamento econômico da carnaúba dá-se pelo corte das fo-
lhas, que é feito no período seco (verão), variando, portanto, de julho a dezembro,
dependendo da região e da extensão do período sem chuvas. Quando frondosa,
a carnaubeira pode chegar a produzir 60 folhas por árvore, o que geralmente
acontece em anos de período chuvoso com boa precipitação pluviométrica.
Sobre as características das flores e estames da carnaubeira (Foto 3), Corrêa
apud Carvalho (1982) diz que:
Deve-se ressaltar que os solos aluviais da caatinga nordestina, em geral, apresentam elevado teor de
acidez.
30
31. Foto 2 – Folha da Carnaubeira
Fonte: Autores.
[...] são campanuladas, amareladas, dispostas em espádices de
mais de 2m. de comprimento e protegidas por espata tubulo-
sa; ovário ligeiramente piloso, estilo relativamente espesso e
estigma 3-lobado, estames formando anel carnoso 6-dentado,
os dentes correspondendo ovóide-globosa, de 2cm., glabra,
luzidia, amarelo-esverdeada, roxo-escura na maturação, com
albúmen branco e duro, adocicado, adstringente.
A carnaubeira ocorre no Nordeste brasileiro nos vales dos rios da região da
caatinga, principalmente do Parnaíba e seus afluentes (Piauí), do Jaguaribe, do
Acaraú e do Cauípe (no Ceará), do Apodi (no Rio Grande do Norte) e do médio
São Francisco. Também pode ser encontrada nos Estados do Pará, Tocantins,
Maranhão e Goiás, no entanto, sem produção de pó.
Informações sobre a produção brasileira de carnaúba são apresentadas nas
Tabelas 2 e 3. Os dados são agregados por estados produtores, a partir dos princi-
pais produtos extrativos (cera, pó e fibra), numa série de 17 anos (1990 a 2006).
Na Tabela 2, é possível observar o somatório desta série, por estado produtor e,
na Tabela 3, os mesmos dados, porém desagregados ano a ano.
Segundo Carvalho (1982), outra espécie de carnaubeira existe ainda no Paraguai, Argentina e Mato Grosso,
sem produção de cera, sob a denominação de Copernicia australis Becc., ou carandá, como é chamada no
Centro-Sul brasileiro. Ela também vegeta nos banhados e campos pantanosos.
31
32. Foto 3 – Flores da Carnaubeira
Fonte: Autores.
Foto 4 – Frutos da Carnaubeira
Fonte: Autores.
Segundo dados do IBGE (Tabela 2), o produto de maior representatividade no
Brasil é o pó (em torno de 220 mil toneladas) que, apesar da queda na produção
durante a primeira metade dos anos 1990 (Tabela 3), com perda de 39% entre os
anos de 1992 e 1996, conseguiu recuperar-se e apresentar uma variação positiva
no ano de 2006 relativamente aos anos de 2000 (59,7%), 2001 (56,5%), 2002
(27,9%), 2003 (16,5%), 2004 (9,8%) e 2005 (0,7%). A produção de cera, no
32
33. entanto, experimentou sucessivas quedas de produção, acumulando uma redução
de 52% no ano de 2006, relativamente a 1990. Queda razoável, também experi-
mentou a produção de fibras, que passou de 2.876 toneladas (1990) para 2.298
toneladas (2006), equivalendo a uma redução de 20% na produção (Tabela 3).
A ocorrência da exploração da carnaubeira para produção de pó cerífero,
segundo o IBGE (2008), predomina nos Estados do Piauí e Ceará, conforme se
pode observar na Figura 2. A partir do somatório da produção dos anos de 1990
a 2006 (Tabela 2), é possível atestar que o Ceará é o primeiro produtor de cera
(32.153 toneladas) e o segundo de pó (82.624 toneladas), enquanto a situação
inversa ocorre com o Piauí: primeiro produtor de pó (128.528 toneladas) e se-
gundo de cera (16.693 toneladas).
Tabela 2 – Somatório da Produção Obtida nos Anos de 1990 a 2006, em
Toneladas, na Extração de Carnaubeira por Tipo de Produto – Brasil
e Unidades da Federação
Produto CERA PÓ FIBRA
Estado Quant. % Quant. % Quant. %
CE 32.153 48,6 82.624 37,7 34.149 97,6
PI 16.693 25,3 128.528 58,6 0 0,0
RN 16.473 24,9 334 0,2 581 1,7
PB 186 0,3 0 0,0 0 0,0
BA 0 0,0 0 0,0 9 0,0
MA 562 0,9 7.758 3,5 233 0,7
AM 33 0,0 0 0,0 0 0,0
BRASIL 66.100 100,0 219.244 100,0 34.972 100,0
Nota: Municípios com percentual zero indicam produção inexpressiva, embora existente, em relação
ao total.
Fonte: IBGE (2007)
Em termos de valores de produção de cera, ao longo do mesmo período
(Tabela 4), o Ceará lidera com 46%, seguido por Rio Grande do Norte e Piauí,
com participações próximas entre si, 26 e 28%, respectivamente. Há ainda geração
de valores pela produção de cera no Maranhão, Paraíba, Bahia, Pará e Amazonas,
mas em parcela mínima, sem representatividade. Na mesma Tabela, observa-se
que, em termos de valores de produção de pó, as posições se invertem: o Piauí
é responsável por 54%, o Ceará por 42% e chama atenção o fato de o Maranhão
registrar maior participação que o Rio Grande do Norte, já que este, tradicional-
mente, é o estado citado como um dos três produtores de pó e cera da região (e
33
35. Figura 2 – Mapa de Ocorrência de Carnaúba (Fibra ou
Pó, ou Cera) na Área de Atuação do BNB, no
Ano de 2006
Fonte: IBGE (2007)
do planeta). Nas viagens de campo, constatou-se que a produção de pó no Piauí
é bem mais forte do que mostram os dados do IBGE, embora não se registre a
existência das fábricas artesanais de cera tão comuns nos Estados do Ceará e Rio
Grande do Norte. Os dados relativos ao Rio Grande do Norte e Maranhão, no
entanto, suscitam dúvidas.
Quanto à fibra de carnaúba, o levantamento do IBGE coloca o Ceará como
o gerador de valor quase absoluto, cabendo uma pequena fração ao Rio Grande
do Norte, Bahia e Maranhão.
No Ceará, são encontrados carnaubais em diversas regiões, tanto no sertão
quanto no litoral. No litoral, em virtude da implantação dos perímetros irrigados às
margens dos rios, bem como do desenvolvimento da carcinicultura, perderam-se
grandes quantidades de árvores de carnaúba, conforme explícito no documento da
Secretaria de Desenvolvimento Econômico (CEARÁ, 2003). A maior ocorrência
se dá nos vales dos rios Jaguaribe e Acaraú.
35
36. Tabela 4 – Somatório do Valor da Produção nos Anos de 1990 a 2006, na Extração
da Carnaubeira por Tipo de Produto Extrativo – Brasil e Unidades da
Federação
Valores em mil reais de 2007
Produto CERA PÓ FIBRA
Estado Valor % Valor % Valor %
CE 197.295 45,4 318.240 41,6 23.112 97,8
PI 121.137 27,8 410.581 53,8 0 0,0
RN 111.491 25,6 1.039 0,1 203 1,0
PB 722 0,2 0 0,0 0 0,0
BA 0 0,0 0 0,0 37 0,1
MA 4.411 1,0 34.368 4,5 279 1,1
AM 75 0,0 0 0,0 0 0,0
PA 0 0,0 5 0,0 0 0,0
BRASIL 435.131 100,0 764.233 100,0 23.631 100,0
Nota: Os municípios sem informação para, pelo menos, um produto da extração da carnaúba não
aparecem nas listas.
Fonte: IBGE (2007)
No Vale do Jaguaribe, até a década de 1970, a economia girava em torno
da carnaúba. Foi durante esse período que a carnaubeira se expandiu para além
das várzeas, chegando à caatinga por meio de plantios feitos entre as linhas de
plantações de feijão. No Distrito de Flores, em Russas, conforme se pode obser-
var (Foto 5), vários campos de carnaúba implantados ainda permanecem nos dias
atuais. Diversas famílias da região, a exemplo dos Estácios, dos Jerônimos e dos
Remígios, extraíam suas riquezas da carnaubeira.
Ainda na década de 1970, com a implantação do Promovale, programa do
governo estadual que utilizou recursos do Provárzeas, houve uma grande devas-
tação de carnaubais para implantação de culturas irrigadas, principalmente nos
municípios de Limoeiro do Norte e Morada Nova, reduzindo significativamente a
ocorrência de carnaubais nesses dois municípios.
Valores atualizados pelo IPCA do IBGE, tomando como índice inicial o do mês de junho de cada ano, cujo
valor será atualizado e, como final, o mês de dezembro de 2007, utilizando metodologia de atualização
disponível na página da Internet do Bacen (2007). Escolheu-se como mês final dezembro de 2007, por
refletir um valor mais próximo do dos dias atuais; se a atualização ocorresse somente no período em foco,
1990-2006, os valores já estariam desatualizados em mais de um ano.
36
37. Foto 5 – Carnaubal Plantado em Russas, CE
Fonte: Autores.
Mais recentemente, com a implantação do Projeto de Irrigação Chapadões
de Russas, várias áreas de carnaubais foram eliminadas, para instalação de culturas
irrigadas, principalmente arroz. Referido projeto ainda se encontra em implanta-
ção e, portanto, continua contribuindo para a erradicação de diversos carnaubais
no Vale do Jaguaribe. Isso pode ser percebido facilmente até quando se transita
pelas estradas da região (Foto 6). Apesar da proibição do Ibama, ainda hoje se
observam queimadas, mesmo às margens das estradas.
De acordo com dados do IBGE para 2006, a maior produção de pó no Ceará
é observada, na ordem, nos municípios de Moraújo, Granja, Camocim, Coreaú,
Santana do Acaraú e Morrinhos. Na produção de cera, destacam-se os municípios
de Russas, Granja, Morada Nova, Aracati, Cariré e Santana do Acaraú. A utiliza-
ção de fibra tem mais importância nos municípios de Canindé, São Gonçalo do
Amarante e Pacatuba. O município de Sobral, embora não apareça com represen-
tatividade nos dados do IBGE, em termos de produção de fibra, possui 10 fábricas
de chapéus legalmente constituídas, além de outras informais e de menor porte,
as quais contam com fornecedores de palha em vários municípios de toda a região
adjacente. De acordo com informações obtidas em campo, no Vale do Acaraú,
20% das palhas do tipo “olho” são destinados à produção de chapéus. Algumas
propriedades rurais com carnaubais não estão sendo exploradas, em virtude de
Ver no subitem 4.1, a definição de palha tipo “olho”.
37
38. Foto 6 – Queimada de Carnaubal em Limoeiro do
Norte, CE
Fonte: Autores.
os donos serem absenteístas e desenvolverem atividades urbanas, sem interesse
no extrativismo da carnaúba. Dessa forma, não as exploram e não as arrendam a
terceiros, alegando que a atividade não é lucrativa. A inviabilidade econômica, no
entanto, não estimulou a devastação da carnaúba na região de Sobral. Aliás, em
todo o Vale do Acaraú, não se observa a derrubada de carnaubais.
Outra região do Ceará sem representatividade nos dados do IBGE, mas com
ocorrência de carnaubais e produção de pó significativa é o Vale do Rio Cauípe,
no município de Caucaia, onde se observou a existência de diversas indústrias
artesanais de cera e cerca de 30 mil hectares de carnaubais nativos, ainda não
totalmente explorados. Segundo relatos, essa é a região que produz a cera de
melhor qualidade no Estado. Segundo afirmação de entrevistados, nessa região
também não ocorre a devastação dos carnaubais. Verifica-se uma grande preo-
cupação, por parte daqueles que a exploram, com a preservação, principalmente
em virtude de sua grande importância econômica para a população local, pois
grande parte tem o sustento (sobrevivência) na exploração da carnaúba. Como
afirmou um entrevistado, “Sem ela, o que seria o povo de Catuana? Por viverem
dela, sabem do seu valor e não a devastam”. Trata-se de região pobre, na qual
a produção agrícola é puramente de subsistência. Assim, a extração da cera de
carnaúba é a principal atividade econômica local.
No Piauí, os campos de carnaubais ocorrem principalmente em grandes
propriedades, associados a culturas de subsistência. Os principais pólos de
38
39. ocorrência de carnaubais no Piauí são as microrregiões de Campo Maior, Baixo
Parnaíba Piauiense, Litoral Piauiense, Valença do Piauí, Alto Médio Canindé, Picos
e Floriano. De acordo com dados do IBGE para 2006, os principais municípios
produtores de pó no Estado do Piauí são, na ordem, Campo Maior, Piripiri, Picos,
Piracuruca, Batalha e Castelo do Piauí. Importante observar que, embora o IBGE
não apresente dados de produção de cera ou fibra no estado do Piauí, a publicação
PIAUÍ (2002) coloca a produção de cera nesse Estado com uma representação
de 87% do total produzido no Brasil e 40 a 50% da produção nordestina. O
mesmo documento cita a cera de carnaúba como o principal produto da pauta
de exportações do Estado do Piauí.
No município de Campo Maior (PI), existem grandes extensões de carnaubais
nativos de diversas densidades. Por tamanha representatividade, o município é
conhecido pela alcunha de “Terra dos Carnaubais”. Conforme informações do
projeto Mapeamento Espacial e Zoneamento da Carnaúba no Piauí (REALIZA-
DO..., 2005), realizado em 2005 por pesquisadores da Universidade Federal do
Piauí, a carnaúba está presente em 140 dos 223 municípios do Estado. Segundo
este levantamento, Luzilândia é o município que se destaca com a maior área de
ocorrência com carnaúba (31,39%), seguido de Joaquim Pires (26,78%) e Campo
Maior (24,6%). Em números absolutos, porém, é em Campo Maior que existe a
maior cobertura de área com carnaúba (409,36km²), seguido por Joaquim Pires
(204,25km²) e Luzilândia (231km2).
No Rio Grande do Norte, a carnaúba era nativa do Vale do Assu. Segundo
Andrade (1986) apud. Alburque e Cestaro (1995), na várzea do Assu, no início
dos anos 1960, havia seis milhões de carnaubeiras ocupando uma área de 25 mil
hectares, mais de 62% da várzea. A densidade em determinados trechos era tão
alta que mal podia-se caminhar pelo carnaubal.
Restou pouco dos carnaubais nativos porque eles deram lugar às culturas
“nobres” ou mais rentáveis, com a transferência gradual dos trabalhadores para
estas novas atividades. Muitas das pequenas usinas que elaboravam a cera fecha-
ram as portas e, com elas, as casas comerciais exportadoras. Restou apenas o
vocativo para a região, a terra dos carnaubais, que passou a ser de Campo Maior
(PI). As culturas extrativistas deram lugar às exploradas racionalmente (melão, uva,
maracujá, mamão e uva), com apoio da técnica, sendo tal passagem sustentada
no fato que os produtos emergentes são mais rentáveis e atrativos para o capita-
lista. Em meados dos anos 1980, já se dizia que o extrativismo da carnaúba, no
39
40. Estado, era uma atividade em extinção. Se cultivada, uma plantação de carnaúba
só poderia ser explorada pelo menos oito anos depois, tempo mais que suficiente
para outras atividades econômicas atraírem capital e impedirem o desenvolvimento
da atividade carnaubeira. Com esse baixo grau de competitividade, a introdução
de outras culturas é facilitada (CRUZ, 1995).
Com a substituição da cera por sintéticos derivados do petróleo, a produção foi
drasticamente reduzida e a carnaúba passou a ser utilizada para fabricação de lenha e
carvão e para alimentar outras atividades produtivas do vale (VALÊNCIO, 1995).
A construção da barragem Armando Ribeiro Gonçalves, no Vale do Assu, que
é “maior que a do Orós, no Ceará” e “duas vezes superior à Baía de Guanabara”,
trouxe consigo a destruição do município de São Rafael, obrigando a transferência
da população de dez mil habitantes, o soterramento de um potencial de recursos
minerais e arqueológicos, além de vastos carnaubais. A barragem era parte do
projeto de irrigação do Baixo Assu, comandado pelo Dnocs no final da década
de 1970. Este reservatório tem capacidade de armazenamento de 2,4 bilhões de
metros cúbicos, complementado por um perímetro público de irrigação de 9 mil
hectares (ARANHA, 1995). O lago da barragem inundou 13.135 hectares de ca-
atinga hiperxerófila e 5.750 hectares de carnaúba e, na área do perímetro irrigado,
eliminou 2.620 hectares de caatinga e 4.370 hectares de carnaúba, perfazendo
então quase 10.000 hectares de carnaúbas submersas (VALÊNCIO, 1995).
Com a perenização do rio Piranhas-Assu, depois da construção da barragem
Armando Gonçalves, houve condições para o desenvolvimento da agricultura ir-
rigada do vale. Muitas empresas agrícolas se instalaram no Estado do Rio Grande
do Norte para explorar a fruticultura tropical à custa de incentivos fiscais, que
deveriam ser pagos com uma suposta geração de muitos empregos. O que hou-
ve, na realidade, foi uma rápida destruição de carnaubais. Além disso, a prática
inadequada da agricultura irrigada elevou a salinização dos solos (CARVALHO,
1992 apud ALBUQUERQUE; CESTARO, 1995).
As áreas mais atingidas por essa redução encontram-se nos municípios
de Assu, Ipanguaçu e Carnaubais, já que eles foram os mais favorecidos com a
introdução da agricultura comercial no vale do Açu na década de 1980. Alguns
dados comprovam: em 1966, havia uma área de 447km2 ocupados por carnaubais,
que, em 1988, restringiam-se a cerca de 194km2, uma queda de 56% em apenas
22 anos. Uma ação devastadora que ocorreu numa taxa média de 11km2/ano,
40
41. que, se mantendo, extinguiria todo o carnaubal em 18 anos (ALBUQUERQUE;
CESTARO, 1995).
Atualmente, de acordo com os dados do IBGE para 2006, os municípios
de Apodi, Felipe Guerra e Açu são os principais produtores de cera de carnaúba.
Observações locais confirmam tais municípios como maiores produtores de cera, ao
lado de Mossoró, Carnaubais e Ipanguaçu; apenas o município de Triunfo Potiguar
tem produção expressiva de fibra (Figura 2), acompanhado de cinco outros com
produção irrisória. De acordo com a fonte IBGE, registra-se produção irrisória de
pó nesse Estado no ano de 2004, dado contestável pela realidade verificada durante
a pesquisa de campo, em que se observou a ocorrência de carnaubais e extração
de pó nos municípios de Mossoró, Apodi e Felipe Guerra. Importante registrar
que, apesar de tamanha devastação de carnaubais nesse Estado, atualmente se
observam campos com espera de corte por dois e até três anos.
O cultivo de camarão também é uma atividade que, em muitas áreas desses
municípios, ocupou o lugar dos carnaubais.
A carnaubeira é uma planta resistente a pragas e doenças. De pragas naturais,
existem relatos sobre o gafanhoto, que, de vez em quando, danifica a palha, e
também o parasitismo de uma trepadeira de origem africana (Cryptostegia gran-
diflora R, Br.), conhecida por “boca-de-leão”, “unha-de-moça”, “viúva-alegre”
ou “banana-braba”, dependendo da região. Esta trepadeira pode chegar a matar
a planta ao tornar-se sua hospedeira.
No Vale do Jaguaribe, não se ouviram relatos da existência da “boca-de-leão”,
em virtude de sua rara ocorrência. Os predadores naturais também são raros.
Relatos foram feitos sobre uma lagarta e gafanhotos gigantes, os quais teriam
atacado alguns carnaubais há alguns anos. Observou-se, porém que são pragas
isoladas, não recorrentes, conforme constatado durante pesquisa de campo.
Nas regiões visitadas do Piauí, não há registro da invasora “boca-de-leão”,
por lá chamada de banana-braba.
No entanto, essa trepadeira ocorre freqüentemente em carnaubais da região
de Felipe Guerra, no Rio Grande do Norte (Foto 7), e em algumas regiões do
noroeste cearense, como em Granja.
Segundo informação da Embrapa, até 2002, apenas o fungo Pseudocercospora
coperniciae Braun Freire havia sido catalogado como patógeno da carnaúba,
41
42. causando manchas foliares (BRAUN; FREIRE, 2002 apud FREIRE; BARGUIL,
2006). No entanto, outros estudos, ainda não publicados, conduziram análises
sobre a presença dos fungos Aspergillus niger, Cladosporium cladosporioides e
Penicillium citrinum no endosperma de frutos da carnaubeira.
Durante a quadra invernosa de 2006, foi detectada uma infecção generalizada
em frutos de carnaubeiras adultas, no município de Chorozinho (CE), causando uma
queda drástica dos frutos. O isolamento do patógeno aconteceu no laboratório de
Fitopatologia da Embrapa Agroindústria Tropical, e o exame microscópico revelou
tratar-se de espécie do gênero Colletotrichum. Esta foi a primeira constatação da
ocorrência de antracnose em frutos de carnaubeira no Brasil (FREIRE; BARGUIL,
2006). Durante a pesquisa de campo, nada se ouviu a respeito das patologias
relatadas no comunicado técnico da Embrapa.
Foto 7 – Boca-de-leão em Felipe Guerra, RN
Fonte: Autores.
42
43. 3 – PRODUTOS DA CARNAUBEIRA: USOS E MERCADO
Da carnaubeira tudo se aproveita. Sem esquecer que a planta é também
utilizada na arborização urbana e no paisagismo de praças e jardins, dela se apro-
veita da raiz ao broto terminal. Apesar disso, sob o ponto de vista econômico,
praticamente não houve avanços. Carvalho (1982), ao comparar o contido nos
escritos de M. A. Macedo, de 1855 e 1867, com a situação que observava em
1935, chegou à conclusão que pouca mudança havia ocorrido entre um período
e outro. Essa observação continua válida para os dias atuais.
3.1 – A Raiz
Em ampla revisão bibliográfica sobre as utilidades da raiz da carnaubeira,
Carvalho (1982) encontrou referências sobre propriedades medicinais, das quais
os próprios indígenas já tinham conhecimento, pois a usavam freqüentemente para
curar afecções cutâneas. O autor cita também sua utilização, na forma de chá,
como depurativo e diurético, bem como no tratamento de sífilis e reumatismo,
adicionada em xaropes. Johnson (1972) também cita o uso das raízes como diu-
rético e depurativo. De fato, nas casas de produtos naturais, em Fortaleza (CE),
encontrou-se um xarope composto de 11 plantas medicinais, dentre as quais a
raiz de carnaúba (Foto 8). Este produto, denominado de “Carnaúba Composta”,
é um fitoterápico produzido pela “Divisão de Manipulação Homeopática” de uma
indústria de produtos naturais da cidade de Suzano, São Paulo. O “Composto”
Foto 8 – Xarope Composto com Raiz da
Carnaubeira
Fonte: Autores.
43
44. é indicado como medicamento auxiliar no tratamento de doenças como sífilis,
gota, reumatismo agudo e crônico, pele ressecada, doenças venéreas, além de
depurativo e diurético, dentre outras indicações.
Das cinzas das raízes, é possível extrair o sal, que pode substituir o sal-de-
cozinha, o qual também seria utilizado pelos indígenas e sertanejos em áreas de
ocorrência da palmeira. Johnson (1972) informa que pedaços de raízes podem
ser queimados e as cinzas geradas utilizadas como sal em alimentos. Este sal foi
analisado pelos químicos Theodor e Gustavo Peckolt e apresentou em sua com-
posição elevado teor de cloro, sódio e potássio, conforme mostrado na Tabela
5 a seguir.
Tabela 5 – Composição da Cinza das Raízes da Carnaubeira: dados em
percentuais
Componentes Proporção (%)
Água 18,539
Ácido carbônico 1,109
Cloro 37,666
Ácido sulfúrico 6,456
Magnésia 0,142
Cal 0,032
Potassa 13,679
Soda 21,511
Sílica, substâncias orgânicas etc. 0,850
Fonte: Carvalho (1982, p. 22)
3.2 – O Palmito
O palmito da carnaúba (broto terminal), conhecido em algumas regiões como
barriga-amarela, é comestível (Foto 9). Embora se saiba que a sua retirada provoca
a morte da palmeira, existem relatos de sua utilização como alimentação humana e
de animais. Johnson (1972), assim como Macedo apud Carvalho (1982), refere-se
à utilização do palmito como alimento para diferentes animais e na alimentação
humana (na forma de goma) durante a seca de 1845. Em sua composição, segundo
análise realizada por Peckolt apud Carvalho (1982), encontram-se lecitinas, fósforo
De acordo com publicação de 1934 dos pesquisadores, citada por Carvalho (1982).
44
45. e sais minerais úteis na composição de alimentos para pessoas convalescentes e
mulheres em período de lactação.
Foto 9 – Broto Terminal da Folha da Carnaubeira
Fonte: Autores.
3.3 – O Fruto (amêndoa)
Na forma de cacho e com aparência preta (quando maduro) e esverdeada
(quando ainda não atingiu a maturação), o fruto da carnaubeira é composto por
casca e amêndoa (Foto 10). Na amêndoa encontram-se a polpa e o caroço. A
polpa, quando maduro o fruto, tem sabor adocicado e é bastante apreciada por
crianças. Daí se extraem uma espécie de farinha e um leite que, à semelhança do
leite extraído do babaçu, pode substituir o leite do coco-da-baía na alimentação
humana. O óleo extraído da amêndoa é comestível e pode ser utilizado na ali-
mentação humana. O caroço é basicamente aproveitado pelos animais de criação.
Torrado e moído, pode ser utilizado na composição de mingaus e em substituição
ao café na alimentação humana (CARVALHO, 1982; RISCH NETO, 2004). Outra
possibilidade de utilização do fruto se delineia a partir de pesquisa atualmente em
desenvolvimento pela Embrapa-Agroindústria Tropical. Trata-se da produção de
45
46. geléia da polpa, que já se encontra em fase de teste sensorial. O caroço poderia
funcionar também como excelente combustível, de interesse, inclusive, dos países
desenvolvidos, onde é maior a preocupação com a preservação ambiental. No
entanto, somente o desenvolvimento de pesquisas poderá lançar luzes sobre as
diversas possibilidades de uso que pode ou poderia ter.
Foto 10 – Frutos da Carnaubeira
Fonte: Autores.
3.4 – A Folha (palha)
A palha (folha seca), depois da cera, é o produto da carnaúba que tem mais
importância econômica no Nordeste, principalmente na produção artesanal. A
atividade artesanal existe nos três estados produtores, aproveitando a palha na
confecção de inúmeros objetos como tarrafas, escovas, cordas, chapéus, bolsas,
vassouras, cestas, assentos de cadeiras e sofás, colchões, redes e esteiras, além
de sua utilização em cobertura de construções rústicas e como adubo, se triturada
(Fotos 11, 12 e 13).
No Ceará, existem arranjos produtivos de artesanato de carnaúba nos
municípios de Palhano (conhecida pela alcunha de terra da palha) e Itaiçaba.
Ambos municípios possuem tradição na atividade, produzindo artigos como
fruteiras, jogos americanos, cestas para café da manhã, porta-copos, travessas,
bolsas e cestas, descansos de prato, até luminárias, com preços que variam de
R$ 0,25 a R$ 18,00. Nestes arranjos, de acordo com o Ipece (2001; 2002),
o governo estadual tem atuado no sentido de organizar e capacitar os artesãos,
46
47. Foto 11 – Confecção Artesanal Foto 12 – Artesanato de Palha em Jericoacoara (CE)
de Vassouras em Fonte: Autores.
Felipe Guerra (RN)
Fonte: Autores.
Foto 13 – Coberta com Palha de Carnaúba em Jericoacoara (CE)
Fonte: Autores.
a fim de solucionar os problemas envolvendo produção, compra de insumos,
armazenamento de matéria-prima e produtos finais, capital de giro e comercia-
lização dos produtos.
As peças apresentadas na Foto 14 são produzidas por um artista francês que vive
em Canoa Quebrada (CE). São peças decorativas, confeccionadas a partir do talo da
47
48. folha de carnaúba. Em entrevista, o artista afirmou que desde 1995 trabalha com talo
de carnaúba, uma excelente alternativa de material reciclável que permite desenvolver
a criatividade, diante da grande riqueza e diversidade de opções de uso.
Foto 14 – Peças Decorativas de Talo de
Carnaubeira
Fonte: Autores.
Ainda no Ceará, no Sobral, existe uma concentração de fábricas de chapéus
de palha, as quais são responsáveis pela exportação para estados como São
Paulo e Amazonas, e países como Argentina, Venezuela e Espanha (Foto 15).
O chapéu é confeccionado a partir da palha-olho, sendo que, de cada olho, é
possível produzir um chapéu simples. Existe uma prática entre empresários da
atividade de terceirizar a produção do chapéu cru (ou chapéu bruto). Por meio
de um agenciador, o empresário faz a palha chegar a diversos trabalhadores (em
geral, mulheres), os quais produzem as peças em suas residências, no meio ru-
ral, recebendo entre 0,25 e R$ 0,65 por cada uma, dependendo do modelo. Já
na fábrica, as peças passam por um processo de acabamento antes de seguirem
para o mercado consumidor, sendo vendido por preços que variam de R$ 0,40
a R$ 2,00, dependendo do modelo. Para garantir a oferta de palha que serve de
matéria-prima, alguns empresários financiam rendeiros na fase do corte da folha.
O processo de preparação da palha para produção de chapéus é totalmente ma-
nual, já que ela, quando submetida à máquina de triturar para extração do pó,
fica inutilizada para o artesanato.
48
49. Foto 15 – Chapéus em Fase de Acabamento numa Fábrica
Localizada em Sobral (CE)
Fonte: Autores.
No Rio Grande do Norte, o artesanato de palha de carnaúba predomina
nas regiões de Trairi e no vale do rio Assu, com trabalhos de destaque nas
cidades de Assu, Ipanguaçu, Upanema, São Rafael, Pedro Avelino, São José de
Campestre, e zona metropolitana de Natal. A carnaúba é uma das maiores fontes
de matéria-prima para o artesanato do estado. O processo de preparação da palha
é totalmente manual, desde sua coleta à elaboração de vários tipos de tranças,
esteiras e produtos intermediários, que entram na confecção de utensílios de mesa,
bolsas, cestas, baús e chapéus (SINE-RN, 2005).
Nesse estado, o artesanato de palha de carnaúba teve sua origem nas co-
munidades indígenas que habitavam as terras antes da invasão européia. Teve seu
apogeu nas décadas de 1930 e 1940, tornando-se uma grande força econômica
do Vale do Assu, região onde atualmente se desenvolvem várias culturas através
do sistema de irrigação e de muitas riquezas naturais (COUTINHO, 2006).
No Piauí, a palha de carnaúba é muito utilizada no artesanato de cestaria, trança-
dos e tapetes, no município de Ilha Grande de Santa Isabel. Pedro II é um importante
centro de produção de tecelagem manual no estado, produzindo mantas, tapetes
e bolsas. Em Parnaíba, no Porto das Barcas, encontra-se artesanato de cestarias,
móveis e peças decorativas feitos com talos de carnaúba (Fotos 16 e 17).
Outra utilização que pode ter a palha de carnaúba é na indústria de papel.
Macedo apud Carvalho (1982), já em 1855, fazia recomendações nesse sentido.
49
50. Foto 16 – Artesanato de Cestarias e Móveis
de Carnaúba (Porto das Barcas,
Parnaíba – PI)
Fonte: Autores.
Foto 17 – Peças Decorativas de Talos de
Carnaúba (Porto das Barcas,
Parnaíba – PI)
Fonte: Autores.
No entanto, só recentemente, o assunto despertou o interesse de estudiosos.
A professora Tereza Neuma de Castro Dantas, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, vem realizando pesquisas com a produção artesanal de papel
a partir da palha, utilizando a técnica da reciclagem, cujos resultados são anima-
dores (Foto 18).
Quando triturada, na forma de bagana, a palha pode ser utilizada como
alimentação de ovinos e também como excelente fertilizante agrícola, no preparo
50
51. Foto 18 – Papel Artesanal de Palha de Carnaúba
Fonte: Autores.
da terra das culturas de subsistência (feijão e milho) e frutícolas. Essa qualidade
ela adquire após o processo de secagem ao sol e trituração mecânica. Segundo
pesquisa conduzida pela Embrapa, o uso da palha ou bagana de carnaúba permite
que o pomar cresça mais rapidamente, com maior uniformidade e precocidade.
A bagana decompõe-se rapidamente, apresentando baixa relação entre carbono
e hidrogênio, e assegura maior umidade e menor temperatura do terreno. Desta
forma, garante-se a produtividade e a fertilidade do solo, além da melhoria da
qualidade da fruta cultivada (SNA, 1999).
Da palha, é ainda possível extrair um sal e um álcali (empregado no fabri-
co de sabão), sobre os quais pouco se sabe, por falta de estudos específicos
(GICO, 1995).
3.5 – O Caule (tronco)
O tronco da carnaubeira é bastante resistente ao esmagamento e tem gran-
de durabilidade em quaisquer obras expostas ou imersas na água salgada. Uma
vantagem é que não é suscetível ao cupim.
Quando maduro, o tronco da carnaubeira também tem grande utilização,
principalmente na construção civil, na forma de vigamentos, cata-ventos, mesas,
portas, cobertas, caibros e ripas, currais, porteiras e lenha para combustão. Devido
à sua durabilidade na água salgada, pode ser também utilizado na construção de
postes, pontes e mourões de cercas. Trabalhado ou serrado, pode ser utilizado
na confecção de artefatos torneados (bengalas, utensílios domésticos, caixas) e
51
52. móveis rústicos, devido à forma cilíndrica retilínea e à resistência de sua madeira
aos agentes naturais (chuvas e salinidade) e biológicos (cupim e outros insetos).
Johnson (1972) relata sobre a utilização do tronco também em prensas para
mandioca.
Em publicações de 1855 e 1867, Macedo apud Carvalho (1982) registra sua
admiração pelo elevado uso que é dado ao tronco da carnaubeira na construção
civil de algumas cidades cearenses: 2/3 das construções de Aracati, metade das
construções de Icó e 1/3 das construções de Crato.
No decorrer do século passado, a utilidade da carnaubeira como fonte
produtora de cera se sobrepôs ao seu uso como fonte de madeira, ficando este
restrito à construção civil nas áreas de grande ocorrência natural.
A carnaubeira tem tido também muita utilização no paisagismo: em Fortale-
za, várias avenidas, espaços de passeio, estacionamento de lojas e condomínios
estão ornamentados com a palmeira, o que supõe, pelo seu lento crescimento,
que elas tenham sido transplantadas de seus locais de origem, o que obviamente
anula sua utilidade de produtora de pó e de palhas para o artesanato. É certo que
nem sempre os cuidados devidos são tomados no transplante e manutenção da
carnaubeira nos novos locais (como observar o solo em que serão recolocadas),
o que pode causar a morte da palmeira.
3.6 – A Cera
A cera, obtida do pó que recobre as folhas, é considerada o principal produto
da carnaubeira. No passado, teve grande importância como produto de exporta-
ção; além disso, foi muito utilizada na iluminação de casas, sob a forma de velas,
principalmente no meio rural nordestino.
Apesar de ter sido substituída totalmente ou em parte, na composição
de alguns produtos (Apêndice D), atualmente, a cera ainda é empregada na
composição de diversos outros. Na área médica, é utilizada em revestimento
de cápsulas, cera dental, produtos de tratamento de cabelo e pele. É empre-
gada também em cosméticos (batom, rímel e creme de barbear) e produtos
de limpeza, filmes plásticos, adesivos e fotográficos; utilizada na confecção de
vernizes, tintas, esmaltes, lubrificantes, sabonetes, isolantes, graxas de sapato
e para polimento (pisos e carros), bem como na composição de revestimentos,
52
53. laqueadores e impermeabilizantes. Na papelaria, é componente para fabricação
de papel-carbono, lápis de cera, cola, grafite. Na informática, é componente
na confecção de chips, tonners de impressoras e código de barra. Outras
indústrias que a utilizam: alimentícia (polimento de frutas e queijos, goma de
mascar, doces, refrigerantes); automobilística (capas de assento de automóveis
e polimento de pintura); cerâmica; explosivos e fósforo (com auxílio do ácido
pícrico, substância presente na cera); embalagens de papelão para produtos ali-
mentícios e revestimento de latas; frutas e flores artificiais, vegetais desidratados;
poliéster; borracha e materiais elétricos (CERA..., 2003; CARNAUBEIRA...,
2003; MACHADO E CIA, 2004; RISCH NETO, 2004; PONTES INDÚSTRIA
DE CERA, 2005).
A cera de carnaúba é considerada um produto nobre, tendo os mercados
interno e externo garantidos, principalmente pela exigência cada vez maior por
produtos naturais e ecologicamente corretos. Além da infinidade de aplicações,
a extração da cera não causa danos ao meio ambiente, pois as folhas retiradas na
colheita são repostas no ano seguinte, atendendo também a exigência de alguns
mercados por produtos de qualidade e base natural. O custo de oportunidade
do trabalho com a extração também é nulo, já que é praticada no período de
entressafra de outras culturas.
A cera é refinada de acordo com variadas classificações e utilizada indus-
trialmente em diversas áreas, em muitos casos, sem substitutos perfeitos, com
relevância na pauta de exportações do Piauí e figurando também, em menor
percentual, nas pautas do Ceará e Rio Grande do Norte (Gráfico 1). A tendência
no Ceará é de discreta elevação no período 2003-2006, mas sem recuperar a
representatividade que tinha no final da década de 1990. No Piauí, nos mesmos
quatro anos, a tendência é de elevação mais pronunciada da cera na pauta de
exportações do Estado, fato que se comprova na atenção que o governo estadual
tem dedicado ao produto, que só perdeu espaço no período 2003-2005 em
virtude da elevação nas exportações de soja.
No Rio Grande do Norte, tanto a tendência de queda como a irrisória par-
ticipação do produto na pauta de exportações, durante os oito anos observados,
comprovam a decadência que o extrativismo da carnaúba vem sofrendo no Estado.
Aparentemente, é perceptível que a importância do produto na pauta de exporta-
ções de cada Estado está relacionada ao grau de conservação da palmeira. Apesar
53
54. da Carnaúba ser símbolo do Ceará e a derrubada ser proibida por lei, sabe-se que
esta acontece para dar lugar a atividades mais lucrativas, cujos produtos também
estão presentes na pauta de exportações, como a carcinicultura. Já no Piauí, onde
se observou grande densidade de carnaubais conservados (mesmo que alguns não
sejam regularmente explorados) a participação da cera na pauta de exportação é
bem mais expressiva.
Participação da Cera de Carnaúba na Pauta de Exportações de cada Estado
Produtor
40,00
Participação percentual
35,00
30,00
25,00 CE
20,00 PI
15,00 RN
10,00
5,00
0,00
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Ano
Gráfico 1 – Participação Percentual (em Relação ao Valor Total de Exportações)
da Cera de Carnaúba na Pauta dos Três Estados Produtores
Fonte: Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2007).
A cera produzida artesanalmente é denominada de cera de origem e classifi-
cada em três tipos: amarela ou cera olho, obtida a partir do “pó de olho”; arenosa
e gorda, obtidas do “pó de olho” (Foto 19). A cera arenosa, de cor verde- acin-
zentada, contém 6% de água em média; a cera gorda, de cor negro-esverdeada,
difere da arenosa por não conter água em sua composição.
Na produção industrial, obtém-se uma cera de melhor qualidade, denomi-
nada de cera industrial, classificada também em três tipos: Um, Três e Quatro10
(Foto 20).
Na Tabela 6 (e Gráfico 2) a seguir, observa-se a produção de cera no
Brasil nos anos de 1920 a 2006, exceto 1980 a 1989, por falta de dados.
De 1920 a 1972, a tendência é de elevação, chegando ao máximo de 22 mil
toneladas. Deste ano em diante, a produção começa a cair, chegando ao nível
10 A descrição detalhada da classificação da cera encontra-se nos itens 4.3.1 e 4.3.2.
54
55. Foto 19 – Tipos de Cera de Origem
Fonte: Autores.
Foto 20 – Cera Industrial Tipos Um, Três e Quatro em Escama e Atomizada
Fonte: Autores.
mais baixo em 1998, com 1.959 toneladas. Mesmo no período da II Guerra
Mundial (1939-1945), quando foi grande a demanda por cera de carnaúba
pela indústria bélica norte-americana, a produção média representou apenas
53% da verificada no período 1969-1975, pouco antes do declínio. As secas,
apesar de aumentar o período de luminosidade, não aumentam a produção
de cera, ainda que possa ser observado aumento em 1959 e 1971, anos em
que sucederam grandes secas11.
11 Em ano de inverno ruim (pouca chuva), ocorre redução no número de folhas produzidas, reduzindo, em
conseqüência, a quantidade de pó extraída.
55