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BÁRBARA DE OLIVEIRA LOPES




O PAPEL DO JORNALISTA NO JORNALISMO 
           COLABORATIVO: 
  ESTUDO DO CASO DO BLOG DO NASSIF




  UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO (UNINOVE)
   COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO
            SÃO PAULO – 2008
BÁRBARA DE OLIVEIRA LOPES




O PAPEL DO JORNALISTA NO JORNALISMO 
           COLABORATIVO: 
  ESTUDO DO CASO DO BLOG DO NASSIF


                Trabalho de conclusão de curso apresentado como 
                exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel 
                em   Comunicação   Social   com   habilitação   em 
                Jornalismo   pela   Universidade   Nove   de   Julho   – 
                Uninove.

                Orientadora: Profa. Patrícia Quevedo Kay




  UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO (UNINOVE)
   COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO
            SÃO PAULO – 2008
RESUMO




        O papel do jornalista no jornalismo colaborativo: Estudo do caso do Blog  do 
Nassif. O objetivo deste trabalho é fazer um estudo da interação entre jornalista e leitores no 
blog   mantido   por   Luis   Nassif.   Por   meio   da   análise,   descobriu­se   que   os   leitores   são 
convidados a participar das coberturas e sua participação é incentivada com a publicação de 
textos de leitores na área principal do blog e do elogio público a essa participação. Nassif 
também compartilha com os leitores a observância pelas regras da comunidade. A análise teve 
como  base o estudo do jornalismo colaborativo e suas  implicações  em conceitos teóricos 
como gatekeeping e agenda setting. Com isso, observa­se que esses conceitos não funcionam 
da mesma maneira na internet, por esta ser um ambiente em que não há escassez de espaço, 
como em meios impressos ou de tempo, como em meios eletrônicos (rádio e televisão). 
        Palavras­chave: jornalismo colaborativo, internet, conteúdo gerado por usuários.
Para o Gustavo, minha força e minha inspiração
SUMÁRIO



 Introdução............................................................................................................................ 5
 1. A internet e a contracultura............................................................................................ 7
     1.1. Aspectos técnicos..................................................................................................... 8
     1.1.1. O computador........................................................................................................ 8
     1.1.2. A internet............................................................................................................ 10
     1.2. Implicações culturais............................................................................................. 12
     1.3. Trabalho colaborativo............................................................................................ 15
 2.  Do jornalismo pessoal ao jornalismo colaborativo..................................................... 17
     2.1. Origens................................................................................................................... 17
     2.2. Jornalismo alternativo na internet......................................................................... 18
     2.3. Tipos e funções da participação............................................................................ 23
     2.4. Implicações para o jornalismo tradicional…........................................................ 26
 3. O Blog do Nassif.......................................................................................................... 29
     3.1. Biografia................................................................................................................ 29
     3.2. O Blog e a participação dos leitores...................................................................... 29
     3.3. O Blog, a mídia e a internet................................................................................... 31
     3.4. Cobertura do acidente da TAM............................................................................. 32
     3.5. Conclusão.............................................................................................................. 35
 Bibliografia........................................................................................................................ 37
5

INTRODUÇÃO




        A discussão sobre quem é e o que faz um jornalista não é nova. Isso porque a matéria­
prima do jornalismo, a notícia, é, em última análise, de difícil definição, objeto de estudo de 
incontáveis pensadores. A notícia separa­se da informação em geral apenas por um limite 
muito tênue, e mesmo este por vezes desaparece. A multiplicidade de papéis do jornalista no 
mercado de trabalho e a defesa aguerrida que a categoria faz da restrição dessas atividades a 
profissionais credenciados tornam essa uma questão complexa – ainda mais levando­se em 
conta que o jornalismo sempre conviveu com produções feitas por amadores, militantes de 
determinada causa ou aficionados por determinado assunto. 
        A   complexidade   aumenta   com   o   advento   da   internet   e   a   entrada   em   cena   novos 
modelos de produção e difusão de informações. O trabalho colaborativo no desenvolvimento 
de programas de computador e na criação de fóruns sobre variados assuntos, que acompanha 
a internet desde sua criação, no começo deste século chegou ao jornalismo. O jornalismo 
colaborativo ou participativo ganhou densidade e atenção pública com o material produzido 
por usuários após os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. 
        O   crescimento   do   jornalismo   colaborativo   coincidiu,   também,   com   crescentes 
questionamentos   sobre   a   indepedência   dos   meios   tradicionais.   Redações   cada   vez   mais 
enxutas   e   a   concentração   das   empresas   jornalísticas   em   poucos   grandes   conglomerados 
acenderam discussões sobre a qualidade do serviço prestado e sobre a democratização da 
imprensa.
        Este novo contexto representa um desafio e uma oportunidade para o jornalista. Ele 
passa   a   ter   a   disposição   ferramentas   inéditas   até   então,   porém   precisa   desenvolver   novas 
habilidades para se sobressair. A participação dos leitores, que passam a ser colaboradores, 
co­autores, é mais uma chance de enriquecer o trabalho do jornalista que uma ameaça a sua 
profissão.
        Neste trabalho, decidimos  analisar o blog do renomado jornalista Luis Nassif para 
descobrir quais habilidades novas estavam sendo colocadas em prática. Nassif, que construiu 
sua   carreira  na  grande  imprensa,   também  sempre  manteve um  olhar  crítico  em  relação   à 
cobertura   da   mídia   em   casos   polêmicos.   Sua   adesão   ao   formato   blog,   em   2006,   já   veio 
acompanhada do convite à participação dos leitores. Restava saber se isso se deu, e de que 
6

forma.
         Para descobrir, após uma leitura dos arquivos do Blog do Nassif, coletamos textos que 
têm  como assunto a participação  dos  leitores, comentários  sobre a mídia tradicional e  os 
novos meios que surgem. Esta compilação, que pode ser consultada no Anexo I, permitiu 
traçar   um   retrato   da   relação   que   o   jornalista   estabeleceu   com   seu   público.   Além   disso, 
decidimos analisar a cobertura de um caso específico: o acidente com o vôo 3054, da TAM, 
em julho de 2007. Tratava­se de um caso difícil, pela necessidade de conhecimentos técnicos 
de aviação e pela politização por que a investigação passou em alguns momentos. Reunimos 
os posts sobre o acidente publicados em julho e agosto de 2007 no Anexo II. 
         Para dar embasamento teórico à nossa análise, que forma o terceiro capítulo deste 
trabalho, resolvemos estudar o surgimento da internet e sua relação com os ideais libertários 
da   contracultura,   no   primeiro   capítulo.   O   segundo   capítulo   traz   um   breve   panorama   do 
jornalismo não como empresa, mas como exercício da liberdade de expressão, antes e depois 
da   internet.   Também   no   segundo   capítulo,   trazemos   a   contribuição   de   alguns   autores   no 
tocante a conceitos teóricos da área de comunicação dentro do novo contexto. 
7

1. A INTERNET E A CONTRACULTURA



                                     “Estamos criando agora um espaço no qual o povo do planeta pode ter um 
                          novo tipo de relacionamento: quero poder interagir totalmente com a consciência que 
                                                                          está tentando se comunicar comigo”.
                                      John Perry Barlow, músico e fundador da Electronic Frontier Foundation  
                                                                               (apud CASTELLS, 1999, p. 443)




        A   internet   como   é   hoje   existe   pelo   encontro   de   dois   grupos   aparentemente 
antagônicos:  hippies  e militares. Mas a verdade é que nos anos 1960 e 1970, as principais 
universidades americanas eram o ponto de convergência de ambos, especialmente na busca 
pela inovação. A contracultura teve um papel­chave para o modelo de  comunicação mediada 
por computadores, que por sua vez possibilitou a existência de novos modelos de jornalismo, 
como o jornalismo colaborativo.
        Desde   o   advento   da   internet,   muitos   estudiosos   vêm   se   entusiasmando   com   as 
mudanças   e   o   potencial   de   mudanças   trazidos   pelas   novas   tecnologias.   Para   muitos,   é   a 
realização de fato do conceito de aldeia global de McLuhan, inicialmente desenvolvido para 
explicar a transformação no universo da comunicação causada pela televisão. McLuhan foi o 
principal teórico a enfatizar que as mudanças tecnológicas – como a invenção da escrita ou da 
imprensa – trazem mudanças cognitivas para a sociedade. A teoria da mídia, que tinha pouco 
crédito   nos  meios  acadêmicos  nos  anos  1980, principalmente por sua falta  de ênfase  nos 
aspectos sociopolíticos, ganhou novo fôlego ao ser adaptada para o estudo da era digital.
        É dentro dessa perspectiva que diversos autores vêm apontando a importância da era 
digital, como algo que tem impacto mesmo sobre quem não está diretamente envolvido. "Esse 
[a revolução da tecnologia da informação] é (...), no mínimo, um evento histórico da mesma 
importância   da   Revolução   Industrial   no   século   XVIII,   induzindo   um   padrão   de 
descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura” (CASTELLS, 1999, p. 
68).
        Diferentemente da televisão, que se constitui basicamente como uma via de mão única, 
a internet trouxe como seu principal ganho a comunicação multidirecional, estabelecendo, de 
fato, uma teia.
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                           O que torna a internet tão interessante? Dizer que ela é 'anarquista' é um modo 
                           grosseiro e falso de apresentar as coisas. Trata­se de um objeto comum, dinâmico, 
                           construído, ou  pelo menos  alimentado  por  todos  que o  utilizam.  Ele  certamente 
                           adquiriu esse caráter de não­separação por ter sido fabricado, ampliado, melhorado 
                           pelos informatas que a princípio eram seus principais usuários. Ele faz uma ligação 
                           por ser ao mesmo tempo o objeto comum de seus produtores e de seus exploradores. 
                           (LÉVY, 1996, p.  128­9)



        Embora aspectos técnicos e culturais ocorram simultaneamente, optamos por tratá­los 
em tópicos separados, para preservar a cronologia e aprofundar o estudo de ambos.




1.1. ASPECTOS TÉCNICOS


1.1.1. O computador


        A  inovação  se  tornou um  fator  chave para  o  Departamento  de  Defesa do  governo 
americano a partir da Segunda Guerra. Um dos pontos estratégicos era a decodificação de 
mensagens inimigas e a elaboração de modelos de criptografia, além do desenvolvimento de 
armas ­ que chegou à bomba atômica. Castells se refere a Segunda Guerra como "a mãe de 
todas as tecnologias" (1999, p. 78). A divisão do mundo após o fim do conflito continuou 
impulsionando as pesquisas militares e, mais que isso, ampliando os campos de interesse das 
forças armadas. Com a Guerra Fria, a competição com os soviéticos deixou de ser apenas de 
poder bélico, mas também uma disputa pelos corações e mentes de todo o mundo.
        Em fevereiro de 1946, seis meses após o fim da Segunda Guerra, com patrocínio das 
forças   armadas,   uma   equipe   da   Universidade   da   Pensilvânia   desenvolveu   o   primeiro 
computador para uso geral, o ENIAC (Computador e Integrador Numérico Eletrônico,  na 
sigla   em   inglês).   O   desenvolvimento   da   máquina   havia   começado   em   1943.   O   Exército 
investiu 500 mil dólares nas pesquisas, com o objetivo de ter uma ferramenta para cálculos 
balísticos.   O   ENIAC   pesava   30   toneladas   e   ocupava   uma   área   de   180   metros   quadrados. 
Quando foi acionado, seu consumo de energia foi tão alto que as luzes da Filadélfia piscaram.
9

        Em   1947,   físicos   da   empresa   Bell   Laboratories,   em   Nova   Jersey,   inventaram   o 
transistor ­ o ENIAC utilizava válvulas a vácuo. A fabricação do transistor passou a ser feita 
com silício em 1954, com o feito creditado à Texas Instruments. A empresa patenteou, três 
anos   mais   tarde,   o   Circuito   Integrado,   que   permitia   a   integração   de   diversos   transistores 
miniaturizados   em   um   chip.   Um  dos   inventores   era   Robert   Noyce,   fundador   da   Fairchild 
Semiconductors e, mais tarde, da Intel, ambas no Vale do Silício, na Califórnia.
        A Fairchild passou, em 1959, a utilizar o processo plano para a fabricação de circuitos 
integrados. "Em apenas três anos, entre 1959 e 1962, o preço dos semicondutores caiu 85% e a 
produção   aumentou   vinte   vezes,   sendo   que   50%   dela   foi   destinada   a   usos   militares" 
(CASTELLS,   1999,   p.77).   Essa   tendência   de   barateamento   do   processamento   em 
computadores foi descrita por outro co­fundador da Intel, Gordon E. Moore, em um artigo de 
1965. Ele afirma que o número de transistores que podem ser colocados em um circuito pelo 
mesmo custo cresce exponencialmente e dobra a cada dois anos. A afirmação ficou conhecida 
como Lei de Moore. O preço médio de um circuito integrado caiu de 50 dólares em 1962 para 
1 dólar em 1971. A mudança do coração das inovações em microeletrônica para o Vale do 
Silício acabaria se consolidando ao longo dos anos seguintes.
        Foi   na   década   de   1970   que   "as   novas   tecnologias   da   informação   difundiram­se 
amplamente,   acelerando   seu   desenvolvimento   sinérgico   e   convergindo   em   um   novo 
paradigma" (CASTELLS, 1999, p. 76). Em 1971, o engenheiro da Intel Ted Hoff inventou o 
microprocessador. Em 1975, o engenheiro Ed Roberts, da fabricante MITS, no Novo México, 
criou uma "caixa de computação", batizada de Altair. A máquina era vendida em kits pelo 
correio,   por   meio   de   anúncios   em   revistas   voltadas   para   aficionados   por   eletrônica.   A 
expectativa da MITS era de vender apenas algumas centenas de exemplares, mas apenas no 
primeiro mês, milhares de unidades foram vendidas. O Altair foi a fagulha que acendeu o 
estopim   da   revolução   do   computador   pessoal   nos   anos   seguintes.   Seu   design   serviu   de 
inspiração para o Apple I e, posteriormente, para o Apple II.
        A história da Apple acabou se tornando uma das lendas do Vale do Silício. Fundada 
em 1976, com capital de 91 mil dólares, a empresa atingiu, em 1982, a marca de mais de 500 
milhões de dólares em vendas. Em 1981, a IBM (que nos anos 1950 também havia recebido 
patrocínio militar) lançou uma máquina com o nome de Computador Pessoal (PC, na sigla em 
inglês), que se tornaria o nome genérico do microcomputador. Como o PC foi desenvolvido 
com base em tecnologias desenvolvidas para a IBM por terceiros, ficou sujeito à clonagem, 
10

que logo foi praticada em escala maciça, especialmente na Ásia. Embora tenha sido um golpe 
para a IBM, isso permitiu a popularização do PC em lugar dos computadores da Apple. Em 
1984, a Apple lança o Macintosh, o primeiro computador a usar mouse e interface gráfica, 
baseado, pelo menos parcialmente, em pesquisas que a Xerox fazia na época.
        O Altair também acendeu o entusiasmo de dois estudantes da Harvard, Bill Gates e 
Paul Allen. Eles apresentaram para a MITS uma implementação da linguagem BASIC para o 
Altair. Quando a companhia aceitou a proposta, Gates abandonou a faculdade e mudou­se 
para o Novo México e lá fundou a Microsoft.
        Nas   últimas   décadas,   os   computadores   aumentaram   incrivelmente   a   capacidade   de 
processamento, armazenamento e memória, em uma escala que pode ser descrita de acordo 
com   a   Lei   de   Moore.   Por   trás   disso,   está   uma   das   características   mais   importantes   da 
revolução da informação: sua capacidade de se realimentar. Segundo Castells, o custo médio 
do   processamento   da   informação   caiu   de   aproximadamente   US$   75   por   cada   milhão   de 
operações, em 1960, para menos de um centésimo de centavo de dólar em 1990. A tecnologia 
e   o   design   para   fabricação   de   computadores   passaram   a   ser   aperfeiçoados   pelo   uso   de 
computadores.


                            O   que   caracteriza   a   atual   revolução   tecnológica   não   é   a   centralidade   de 
                            conhecimentos   e   informação,   mas   a   aplicação   desse   conhecimento   e   dessa 
                            informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/ 
                            comunicação   da   informação,   em   um   ciclo   de   realimentação   cumulativo   entre   a 
                            inovação e seu uso. (CASTELLS, 1999, p. 69)



        É também o que Lévy caracteriza como "máquina darwiniana".


                            Os sistemas darwinianos apresentam uma capacidade de aprendizagem não­dirigida 
                            ou   (o   que   dá   no  mesmo  do  ponto  de   vista   de   uma   teoria   do   espírito)   de   uma 
                            capacidade de autocriação contínua. (...) As máquinas darwinianas arrastam consigo 
                            seus ambientes no caminho de uma história irreversível. (LÉVY, 1996, p. 102)



1.1.2. A internet


        Além do desenvolvimento de hardware e software, a internet também é resultado de 
avanços   em   telecomunicações   e   em   optoeletrônica   (o   uso   de   cabos   de   fibra   ótica   para 
11

transmissão de dados).
        Em 1969, a Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas (ARPA, na sigla em inglês), 
do   Departamento   de   Defesa   dos   Estados   Unidos,   lançou   o   projeto   de   uma   rede   de 
comunicação que fosse invulnerável a ataques nucleares. Vale lembrar que a experiência da 
Segunda Guerra havia mostrado a importância de um meio de comunicação segura como 
estratégia bélica. O modelo escolhido utilizava a troca de pacotes de dados e um sistema em 
que não houvesse um comando central. Cada ponto da rede poderia se comunicar diretamente 
com outro e com mais de um ponto ao mesmo tempo. Em uma rede com um servidor ou 
comando   central,   um   ataque  inimigo   que   atingisse   esse   centro   derrubaria   toda   a   rede.   O 
sistema de comutação de pacotes de dados era um novo conceito na época ­ o comum então 
era a comutação de circuitos, como na comunicação telefônica.
        Batizada de ARPANET, estabeleceu seus  primeiros  quatro nós  na Universidade  da 
Califórnia em Los Angeles, no Stanford Research Institute, na Universidade da Califórnia em 
Santa   Bárbara   e   na   Universidade   de   Utah.   "Estava   aberta   aos   centros   de   pesquisa   que 
colaboravam com o Departamento de Defesa dos EUA, mas os cientistas começaram a usá­la 
para suas próprias comunicações, chegando a criar uma rede de mensagens entre entusiastas 
de ficção científica”. (CASTELLS, 1999, p. 83)
        Em   1971,   Ray   Tomlinsom,   um   programador   da   BBN,   empresa   contratada   pelo 
Departamento de Defesa, desenvolveu e mandou a primeira mensagem eletrônica. Esse tipo de 
comunicação rapidamente se difundiu: em 1973, 75% do tráfego da ARPANET eram e­mails. 
Em 1973, um novo serviço foi incorporado, a transferência de arquivos, via FTP (Protocolo de 
Transferência de Arquivos, na sigla em inglês).
        O crescimento da rede foi rápido. Em setembro de 1971, a rede contava com 15 nós e 
23 hosts conectados à ARPANET, em universidades e centros de pesquisa do governo. Nesse 
ano,   com   a   rede   bem   estabelecida,   a   ARPA   transferiu   a   operação   da   ARPANET   para   a 
Agência de Comunicações do Departamento de Defesa. Em 1983, com 213 nós, a parte militar 
da rede foi desmembrada, formando a MILNET. 
        Um  dos   usos   mais   populares   da   internet   começou   a  ser   feito  no   ano   seguinte:   os 
grupos de discussão. Também passam a ser registrados os primeiros domínios (endereços na 
internet). Os primeiros chats, do IRC, datam de 1988.
        Porém vem de 1991 um dos marcos mais importantes. Uma equipe do Centro Europeu 
de Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em francês), liderada por Tim Berners Lee, criou a 
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WWW – world wide web, rede de alcance mundial – um aplicativo que organizava os sites de 
acordo com sua informação. 


                         Não montaram a  pesquisa  na  tradição  da ARPANET, mas com a contribuição da 
                         cultura dos  hackers  da década de 1970. Basearam­se parcialmente no trabalho de 
                         Ted Nelson que, em seu panfleto de 1974, 'Computer Lib', convocava o povo a usar o 
                         poder dos computadores em benefício próprio. Nelson imaginou um novo sistema de 
                         organizar   informações   que   batizou   de   'hipertexto',   fundamentado   em   remissões 
                         horizontais. (CASTELLS, 1999, p.88)



        O CERN distribuiu gratuitamente o software WWW. Ele foi fundamental para fazer 
com que a internet saísse dos ambientes acadêmicos e técnicos e atingisse o grande público. 
        Ao longo dos anos 1990, estima­se que a internet tenha dobrado de tamanho a cada 
ano,   com  exceção  de  1996 e  1997, que tiveram  um  crescimento  ainda  mais  explosivo.   A 
segunda metade da década também marca a descoberta da rede por empresas de todos os 
tamanhos, que passaram a investir no potencial da internet. Ações de empresas de internet 
tiveram enorme valorização em bolsas de valores. Essa “corrida pelo ouro” acabou não se 
mostrando   sustentável   com   o   estouro   da   chamada   “bolha   ponto­com”,   em   2001,   quando 
diversas empresas foram à falência.
        Em meados dos anos 2000, passam a ocupar lugar de destaque  sites  que oferecem 
ferramentas para que os usuários possam personalizar e publicar conteúdos. Essa categoria de 
sites foi agrupada sob o rótulo de Web 2.0. 




1.2. IMPLICAÇÕES CULTURAIS


        O desenvolvimento da internet correu simultaneamente à revolução nos costumes e 
com a convergência geográfica para a Califórnia.


                         Enquanto empresas grandes e bem estabelecidas do leste eram rígidas (e arrogantes) 
                         demais para reequipar­se constantemente com base em novas fronteiras tecnológicas, 
                         o Vale do Silício continuou produzindo muitas novas empresas e e praticando troca 
                         de   experiências   e   difusão   de   conhecimentos   por   intermédio   da   rotatividade   de 
                         profissionais e de cisões parciais. Conversas noturnas em bares e restaurantes, como 
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                            o Walker's Wagon Wheel Bar e o Grill in the Mountain View, fizeram mais pela 
                            difusão   da   inovação   tecnológica   que   a   maioria   dos   seminários   de   Stanford.   (...) 
                            Outro fator importante da formação do Vale do Silício foi a existência de uma rede 
                            de empresas de capital de risco desde o início. (CASTELLS, 1999, p. 101­ 102).


        Com isso, técnicos e engenheiros ganhariam a vizinhança de escritores, artistas em 
geral e de hippies de todo o país, que convergiram para a Califórnia. Já no século XIX, por 
sua   localização   e   com   a   corrida   pelo   ouro   e   o   estabelecimento   de   diversas   indústrias,   o 
condado de São Francisco abrigava um grande número de imigrantes, especialmente latinos e 
asiáticos   (o   bairro   de   Chinatown   se   formou   por   volta   de   1850),   criando   ali   uma   cultura 
poliglota. Desde os anos 1940, a Universidade da California em Berkeley abrigava poetas de 
vanguarda, como Kenneth Rexroth, Madeline Gleason e Robert Duncan. Foi também entre 
meados da década de 1940 e a década de 1960 que começou a aparecer a Geração Beat, como 
ficou conhecido o grupo de escritores, incluindo Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. 
Burroughs,   que   desafiava   os   valores   americanos   tradicionais,   se   interessava   por 
experimentações com drogas e pela espiritualidade oriental. A realização de leituras e festivais 
fez com que o período ficasse conhecido como Renascença de São Francisco e começasse a 
consolidar a imagem da região como centro da contracultura.
        Em 1967, dois anos antes da criação da ARPANET, São Francisco havia sido palco do 
chamado "Verão do Amor", que reuniu cerca de cem mil jovens de todos os Estados Unidos. 
Essa concentração foi crucial para a visibilidade do movimento  hippie. A cidade já era o 
epicentro da contracultura, onde fervilhavam música, drogas psicodélicas, liberdade sexual e 
revolta política. O ano de 1968 ficou marcado pelos protestos jovens ao redor do mundo.


                            Nos EUA, as contradições da Guerra do Vietnã davam lugar a um forte movimento 
                            de resistência pacifista. A deserção e a desobediência civil assumiam dimensões de 
                            radical   atitude   política.   Surgia   uma   Nova   Esquerda   valorizando   o   domínio   da 
                            problemática pessoal ou de lutas tidas como secundárias ­ a liberação sexual, a luta 
                            dos   negros,   das   mulheres,   as   reivindicações   minoritárias.   Bob   Dylan,   Allen 
                            Ginsberg,   Black   Panthers...   novos   símbolos   e   formas   culturais   tomavam   corpo, 
                            expressando   aquilo   que   Herbert   Marcuse,   filósofo   de   cabeceira   da   nova 
                            intelligentsia, chamou de a Grande Recusa. (HOLLANDA, GONÇALVES, 1982, p. 
                            69)



        Pierre Lévy cita um exemplo de como contracultura e tecnologia se conectaram na 
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época:


                           O movimento social californiano Computers for the People quis colocar a potência 
                           do cálculo  dos  computadores  nas  mãos  dos  indivíduos  , liberando­os  ao  mesmo 
                           tempo da tutela dos informatas. Como resultado prático desse movimento "utópico", 
                           a partir do fim dos anos 70 o preço dos computadores estava ao alcance das pessoas 
                           físicas,   e   neófitos   podiam   aprender   a   usá­los   sem   especialização   técnica.   O 
                           significado social da informática foi completamente transformado. (LÉVY, 1999, p. 
                           125)



         Stewart   Brand   é   um   escritor   que   ficou   conhecido   pelos   catálogos   Whole   Earth, 
publicados duas vezes por ano entre 1968 e 1972, com outras edições eventuais até 1998. O 
objetivo   era   catalisar   a   emergência   de   um   domínio   de   poder   pessoal,   por   meio   da 
disponibilização de tecnologias simples para indivíduos interessados em criar comunidades 
sustentáveis ­ as comunidades hippies que pipocaram nos Estados Unidos nesse período.


                           “Os revolucionários do computador pessoal eram a contracultura”, [Stewart] Brand 
                           me lembrou (...). O co­fundador da Apple Steve Jobs viajou para a Índia em busca 
                           de iluminação; o fundador e desenvolvedor do Lotus 1­2­3, Mitch Kapor, havia sido 
                           um professor de meditação transcendental. Eles eram cinco ou dez anos mais novos 
                           que os hippies, mas eles  vieram  do mesmo zeitgeist  dos anos  1960, e adotaram 
                           muitas das idéias de libertação pessoal e iconoclastia. (RHEINGOLD, 1994,cap.2)



         Steve Jobs, fundador de uma das mais importantes empresas de tecnologia até hoje, a 
Apple,   compara   os   catálogos  Whole   Earth  a   uma   espécie   de   Google   em   papel,   em   um 
discurso em uma cerimônia de formatura na Universidade de Stanford: 


                           Quando eu era jovem, havia uma publicação incrível chamada  The Whole Earth  
                           Catalog,   que   foi   uma   das   bíblias   da   minha   geração.   Foi   criada   por   um   sujeito 
                           chamado Stewart Brand perto daqui em Menlo Park, e ele a trouxe à vida com seu 
                           toque poético. Isso foi  no fim dos anos  1960, antes  de computadores  pessoais  e 
                           publicação   informatizada,   então   era   feita   com   máquinas   de   escrever,   tesouras   e 
                           câmeras  polaróide.  Era  uma espécie  de  Google  em  papel,  35 anos   de  o Google 
                           existir: era idealista, e repleta de dicas elegantes e grandes idéias. (JOBS, 2005)
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1.3. TRABALHO COLABORATIVO


        Um  dos   usos   da   internet   é  facilitar   o   trabalho   colaborativo  entre   equipes   que   não 
necessariamente mantêm contato pessoal, ou que estão distantes geograficamente. Os dois 
maiores exemplos deste tipo de trabalho são o movimento software livre e o desenvolvimento 
da enciclopédia virtual Wikipedia.
        Softwares  livres   são   aqueles   que   podem   ser   usados,   estudados,   modificados   e 
redistribuídos   sem   restrições   (ou   com   poucas   restrições)   de   direitos   autorais.   Além   do 
programa em si, o usuário pode acessar seu código­fonte, algo como a receita do programa. 
        Os direitos autorais passaram a se aplicar também a programas de computador em 
1980. A caixa­preta fechada dos softwares começou a incomodar programadores, entre eles 
Richard   Stallman,   que   então   trabalhava   no   Laboratório   de   Inteligência   Artificial   do   MIT 
(Massachusetts Institute of Technology). Em 1983, Stallman anunciou o Projeto GNU, para o 
desenvolvimento de um sistema operacional livre através da contribuição em massa. Ele criou 
o termo “software livre” e, em 1986, a ONG Fundação Software Livre. Além da programação, 
as atividades da fundação estão voltadas para o ativismo.
        Em 1988, foi publicada a Licença Pública Geral GNU, uma alternativa aos direitos de 
propriedade intelectual. Foi sob essa licença que Linus Torvalds publicou, em 1991, um dos 
programas essenciais para o sistema operacional sonhado por Stallman. Surgia assim o Linux 
(ou GNU/Linux). 


                           O   fator   significativo   no   êxito   do   Linux   foi  seu  interminável   aprimoramento   em 
                           conseqüência da contribuição de milhares de usuários, que descobriam novos usos e 
                           aperfeiçoavam   o  software,   depois   divulgando   esses   aperfeiçoamentos   na   Rede, 
                           gratuitamente,   retribuindo   assim   o   presente   técnico   que   haviam   recebido.   Esse 
                           esforço   constante   e   multifacetado   para   melhorar   a   comunicabilidade   da   rede 
                           constitui um notável exemplo de como a produtividade de cooperação tecnológica 
                           através da rede acabou por aperfeiçoá­la. (CASTELLS, 1999, p.441)


           O Linux possui uma fatia de mercado atualmente em cerca de 1%, o bastante para 
incomodar a Microsoft, que tem hegemonia nesta área com o Windows. Além disso, o sucesso 
do Linux inspirou o desenvolvimento de outros programas livres, como o navegador Mozilla 
Firefox, que detém mais de 20% de seu mercado. 
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        Seguindo a mesma filosofia, foi criada, em 2001, a Wikipedia. Fundada por Jimmy 
Wales   e   Larry   Sanger,   também   sob   uma   licença   que   previa   livre   uso,   modificação   e 
redistribuição.  A  enciclopédia  criada  por eles  utiliza  o software wiki,  que  possibilita   que 
qualquer   pessoa   edite   o   material   ou   publique   novas   páginas.   Porém,   as   mudanças,   as 
diferentes versões de cada verbete ficam armazenadas para consulta, com indicação de quem 
fez a alteração. 
        No final de 2001, a Wikipedia já tinha 20 mil artigos, em 18 idiomas. Atualmente, há 
edições em 161 idiomas. A edição em inglês da enciclopédia superou a marca de 2,6 milhões 
de verbetes. A versão em português possui cerca de 445 mil artigos. O medidor de audiência 
na internet Alexa colocou a Wikipedia entre os quinze sites mais populares. Outra medida de 
seu sucesso é o volume de doações arrecadadas, que sustentam um orçamento estimado em 
quase 6 milhões de dólares no biênio 2008/2009. 
        Para   lidar   com   as   preocupações   sobre   a   confiabilidade   dos   artigos,   a   Wikipedia 
desenvolveu um modelo de comunidade, que pode indicar se um artigo sofre de parcialidade 
ou   carência  de   citações,  ou  até   mesmo   fechar   a  edição   de  verbetes   relacionados  a  temas 
polêmicos do noticiário. Em comparação com a tradicional Enciclopédia Britânica, a revista 
cientfíca Nature encontrou um nível similar de acuracidade. 
        Também tornou­se um modelo para outros empreendimentos colaborativos. A “família 
Wikimedia” conta com um dicionário (Wiktionary), um canal de notícias (Wikinews), uma 
biblioteca de livros virtuais (Wikibooks), entre outros projetos. 
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2. DO JORNALISMO PESSOAL AO JORNALISMO COLABORATIVO


                                                               “Não retrate a comunidade. Seja a comunidade”.
                                                                                             Tim Porter, escritor1




2.1. ORIGENS


        Ao   lançarmos   um   olhar   sobre   a   história   da   imprensa,   percebe­se   que   a 
profissionalização e a institucionalização nunca foram absolutas. A onipresença dos grandes 
jornais, do rádio e da televisão podem ofuscar um pouco esta realidade, mas publicações 
alternativas   têm   estado   presentes   em   todos   os   momentos,   especialmente   durante   crises, 
situações de instabilidade política, tragédias, etc.
        Em   seu  Nós,   os   Media,   Dan   Gilmor   narra   como   panfletos   contribuíram   para   a 
independência e formação dos Estados Unidos. “Nos finais do século XVIII, um dos nossos 
primeiro   panfletários,   Thomas   Paine,   inspirou   muita   gente   com   seus   escritos   acerca   da 
revolta,   da   liberdade   e   da   governação”   (2004,   p.   22).   Um   dos   adeptos   dos   panfletos   era 
Thomas Jefferson. Os autores anônimos dos Federalist Papers, que se dedicaram a analisar a 
Constituição   proposta   e   discutir   o   funcionamento   da   nova   república,tiveram   papel 
importantíssimo para a aprovação da Constituição nos estados americanos. A Carta, aliás, tem 
como primeira emenda a garantia da liberdade de expressão.
        No Brasil, um dos momentos que fez disparar o gatilho da imprensa alternativa foi a 
ditadura militar. Kucinski, em sua pesquisa sobre o assunto, afirma que no Brasil, entre 1964 e 
1980,   “nasceram   e   morreram   cerca   de   150   periódicos   que   tinham   como   traço   comum   a 
oposição intransigente ao regime militar” (2003, p. 13). O número inclui jornais de âmbito 
regional   ou   com   temáticas   específicas,   como   os   feministas.   Entre   os   de   maior   destaque, 
estavam Pasquim, Movimento, Opinião e Versus.  O autor aponta ainda que no apogeu desse 
tipo   de   publicação,   nos   anos   entre   1975   e   1977,   os   oito   maiores   somavam   até   160   mil 
exemplares por semana. 
        Ele também destaca a ocorrência desse fenômeno em outros momentos de agitação 
política.


1 http://www.timporter.com/firstdraft/archives/000347.html. Último acesso em 12/12/2008
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                            Apesar de complexo, o fenômeno alternativo teve contornos nítidos no tempo, como 
                            outros   surtos   na   história   do   nosso   jornalismo,   entre   os   quais   o   dos   pasquins 
                            irreverentes e panfletários do período da Regência, que atingiu seu apogeu em 1830 
                            com cerca de cinqüenta títulos, e o dos jornais anarquistas de operários, meio século 
                            depois, com quase quatrocentos títulos. Nos três momentos, pequenos jornais sem 
                            fins mercantis, produzidos precariamente, às vezes por um só homem, como eram 
                            muitos pasquins, dirigiam­se à sociedade civil e às classes subalternas criticando o 
                            Estado e propondo mudanças. (KUCINSKI, 2003, p. 21)



        Nos anos 1980 e 1990, proliferam em diversos países fanzines. Dessas publicações 
amadoras, feitas por fãs de alguns fenômenos da cultura pop, há registro desde os anos 1930. 
Porém a explosão do movimento punk e de seu do it yourself (faça você mesmo) trouxe nova 
vitalidade   para   o   gênero,   em   uma   época   marcada   pela   estagnação   econômica   e   pelo 
desemprego   em   diversas   partes   do   mundo.   Normalmente   em   edições   fotocopiadas   ou 
mimeografadas   e   enviadas   pelo   correio,   sem   qualquer   regularidade,   os   zines   nasceram   e 
morreram aos milhares. Nos Estados Unidos e na Grã­Bretanha, alguns dos mais respeitados 
críticos culturais começaram suas carreiras nesse tipo de revista. Entre eles, Greil Marcus e 
Lester Bangs. (STONEMAN, 2001)


2.2. JORNALISMO ALTERNATIVO NA INTERNET


        O advento da internet, além de facilitar a criação de publicações, aumentou de forma 
avassaladora seu alcance. Uma das primeiras ferramentas desenhadas para o novo meio, o 
wiki, em 1994, tinha como objetivo justamente possibilitar a criação colaborativa de conteúdo. 
O uso mais conhecido do wiki é a enciclopédia online Wikipedia, mas há sites jornalísticos 
que usam a ferramenta, como o WikiNews.  (GILLMOR, 2005)
        Em 1997, surge o Slashdot, site dedicado a notícias de tecnologia, em que os usuários 
podem   enviar   links   para   matérias   publicadas   em   outros   sites.   A   novidade   trazida   pelo 
Slashdot,   entretanto,   é   o   diálogo   que   se   desenvolve   nos   comentários   de   cada   notícia.   No 
começo,   enquanto  havia   um  grupo   pequeno  de  usuários,  apenas   o  fundador  do  site,   Rob 
Malda, organizava as mensagens e separava o “joio do trigo”. Porém, um ano depois, cerca de 
50 mil pessoas participavam do espaço. Acompanhando o crescimento de seu site, Malda foi 
19

aprimorando uma ferramenta de programação que permite que qualquer usuário com alguma 
assiduidade venha a se tornar um moderador temporariamente e dar notas aos comentários. O 
número de notas é limitado. Quem navega pode optar por ver apenas as entradas com notas 
mais altas, na escala que vai de ­1 a 5. O histórico de notas recebidas pelo usuário compõe seu 
“carma” e usuários com carmas mais elevados ganham privilégios, como terem mais chances 
de serem escolhidos moderadores.
        Steve Johnson incluiu o Slashdot como um dos casos em seu livro Emergência, sobre 
sistemas do tipo bottom­up (de baixo para cima). Trata­se de sistemas que se organizam sem 
uma liderança central, mas que, a partir de regras próprias e com a ação de indivíduos, cria 
um todo “inteligente” (não necessariamente no sentido da inteligência humana) e evolutivo. 


                            Em linguagem mais técnica, são complexos sistemas adaptativos que mostram um 
                            comportamento   emergente.   Neles,   os   agente   que   residem   em   uma   escala   acima 
                            deles: formigas criam colônias; cidadãos criam comunidades; um software simples 
                            de reconhecimento de padrões aprende a recomendar novos livros. O movimento das 
                            regras de nível baixo para a sofisticação de nível mais alto é o que chamamos de 
                            emergência. (JOHNSON, 2003, p. 14)


        O  feedback  –   tanto   positivo   como   negativo   –   é   um   dos   mecanismos   para   o 
funcionamento de comunidades. No caso do Slashdot o  feedback positivo é dado pelo valor 
atribuído   à   participação;   o   negativo,   pela   escassez,   já   que   os   poderes   de   moderação   se 
esgotam. 


                            O problema para Malda era como construir um sistema homeostático que levasse o 
                            site naturalmente àquele estado, sem que nenhum indivíduo estivesse no controle. A 
                            solução a que ele chegou seria imediatamente reconhecido hoje: uma mistura de 
                            feedbacks   positivo   e   negativo,   uma   dose   de   acaso   estruturado,   interações   entre 
                            vizinhos e controle descentralizado. De um certo ângulo, o Slashdot hoje se parece 
                            com uma colônia de formigas. De outro, parece uma democracia virtual. O próprio 
                            Malda compara­o às tarefas de um júri. (JOHNSON, 2003, p. 115)



        O Slashdot foi pioneiro em um modelo que atualmente é utilizado em diversos sites, 
como a gigante de vendas online Amazon e o respeitado Epinions, de resenhas de produtos. 
Ambos computam tanto notas dadas pelos usuários aos artigos como os próprios usuários são 
avaliados, pela freqüência e qualidade de participação. Também é o exemplo para sites de 
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jornalismo colaborativo que atuam sem a presença de uma equipe de edição centralizada, 
como veremos adiante.
        Em 1999, dois acontecimentos tiveram grande impacto na maneira como as pessoas 
passaram a usar a internet: os protestos anti­globalização e o surgimento dos blogs.
         Desde   meados   dos   anos   1990,   movimentos   populares   e   anti­capitalistas   como   os 
zapatistas no México, o Movimento dos Sem Terra brasileiro, o inglês Reclaim the Streets, a 
Rede de Mulheres Indígenas da América do Norte, e outros começaram a se articular em uma 
rede, que em 1998 ganhou o nome de Ação Global dos Povos. Um dos princípios dos grupos 
envolvidos era a ausência de hierarquia; a organização deveria ser horizontal. A primeira ação 
internacional foi o “Carnaval contra o Capitalismo”, que ocorreu em 18 de junho de 1999, 
enquanto o G8 se reunia na Alemanha. Com o lema “Nossa resistência é tão transnacional 
quanto o capital”, foram realizados protestos simultâneos em distritos financeiros de mais de 
40 países, incluindo Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, França, Israel e Nigéria. 
         A internet – emails e a lista de discussão – foi um fator­chave para a abrangência do 
movimento e contato entre os grupos. Mas ainda havia o entrave do pouco espaço na mídia 
tradicional   para   os   protestos.   Na   reunião   de   criação   da   Ação   Global   dos   Povos,   um   dos 
participantes havia dito: “O inimigo global é relativamente bem conhecido, mas a resistência 
global que ele enfrente raramente passa através do filtro da mídia” (LUDD, 2002, pp. 15­16).
         Assim, para as próximas manifestações, os movimentos criaram seu próprio veículo 
na internet, o Indymedia – Independent Media Center (Centro de Mídia Independente). O site 
foi   ao   ar   em   24   de   novembro   de   1999,   dias   antes   dos   protestos   contra   a   reunião   da 
Organização   Mundial   do   Comércio   (OMC)   em   Seattle,   nos   Estados   Unidos.   A   primeira 
entrada   dá   o   tom   do   que   viria:   “A   web   alterou   dramaticamente   o   equilíbrio   entre   mídia 
multinacional e ativista. Com apenas um pouco de programação e algum equipamento barato, 
podemos   estruturar   um   website   automatizado   que   rivaliza   com   as   corporações” 
(INDYMEDIA, 1999). 
         A OMC começou a sua reunião no dia 30, mas as negociações do que seria a Rodada 
do Milênio, sobre a diminuição das barreiras comerciais, sequer iniciaram2, devido a diversos 
fatores, entre os quais os massivos protestos que ocorreram na data. O Indymedia foi o espaço 
em   que  ativistas,  curiosos   e   jornalistas   buscaram   notícias,   fotos,   áudio   e   vídeos   sobre   as 

2 Um novo encontro aconteceu em novembro de 2001, em Doha, no Qatar, e a agenda estabelecida então ficou
  conhecida como Rodada de Doha. As negociações, ainda em andamento, até a última reunião em 2008 em
  Genebra, não levaram a um acordo, principalmente pela discordância entre países desenvolvidos e em
  desenvolvimento.
21

manifestações e a repressão policial – o próprio Centro de Mídia Independente, aliás, recebeu 
“uma   violenta   visita   do   FBI”,   como   lembra   Gillmor   (2004,   p.   148).   Atualmente,   há   150 
versões locais e autônomas do Indymedia. A brasileira permite que qualquer pessoa publique 
conteúdo, mas remove da página inicial spams, textos repetidos e em desacordo com a política 
editorial do site. Esse material é reunido em uma seção chamada “Artigos escondidos”, para, 
de acordo com o coletivo editorial, dar transparência ao processo. 
        Se   o   Indymedia   era   a   possibilidade   de   publicar   com   apenas   um   pouco   de 
programação,   na   mesma   época   surgia   uma   ferramenta   que   permitia   criar   seu   espaço   na 
internet mesmo a quem não tinha nenhum conhecimento de linguagem HTML. Os  blogs  – 
abreviação para web log (registro de web) – são páginas de internet que publicam entradas em 
ordem  cronológica  inversa,  ou seja, as  mais  recentes  acima das  mais  antigas. A primeira 
comunidade de blogs foi a Open Diary, que foi ao ar em outubro de 1998. Além de oferecer a 
criação de diários, a Open Diary logo implementou uma funcionalidade para que usuários 
pudessem colocar comentários em entradas de outros diários, que depois se tornaria uma das 
características mais comuns desse tipo de publicação. Em meados de 1999, mais de 10 mil 
diários faziam parte da comunidade. Também em 1999, surgiram outros dois serviços online 
para   criação   e   hospedagem   de  blogs:   o   LiveJournal   e   o   blogger.com,   que   rapidamente 
alcançaram extrema popularidade. O blogger.com foi comprado pelo Google em 2003, por 
valores não revelados.
        Com o acesso cada vez maior e mais barato à conexão à internet por banda larga, os 
blogs experimentaram uma explosão. O mecanismo de ranqueamento de blogs Technorati cita 
a pesquisa da Universal McCann para referendar sua visão de que os blogs vieram para ficar: 
em todo o mundo, 184 milhões de pessoas já criaram um blog e 346 milhões de pessoas – 
77% dos usuários ativos de internet – lêem blogs. O próprio Technorati tem indexados 133 
milhões de blogs desde 2002, dos quais 1,5 milhão haviam publicado algum conteúdo nos sete 
dias anteriores à elaboração do relatório, em junho de 2008. (TECHNORATI, 2008) 
        O espectro formado por todos essas páginas vai de projetos individuais a publicações 
coletivas, dos mais amadores aos corporativos; seu conteúdo vai de textos literários e fotos, 
passa por cartuns e culinária, até abordagens sofisticadas.
        Segundo Dan Gillmor, 


                           Nos últimos 150 anos, dispusemos essencialmente de dois meios de comunicação: 
22

                            de   um   para   muitos   (livros,   jornais,   rádio   e   televisão)   e   de   um   para   um   (cartas, 
                            telégrafo   e   telefone).   Pela   primeira   vez,   a   Internet   permite­nos   dispor   de 
                            comunicação  de  muitos  para  muitos   e  de  alguns  para  alguns   ... De  muitos   para 
                            muitos, de alguns para alguns. Nestes dois casos e em todos os outros, o blogue é o 
                            meio de comunicação. (GILLMOR, 2004, pp. 42 e 45)


        As novas ferramentas para publicação já haviam conquistado algum espaço, mas um 
período de tragédia as colocou à prova como instrumento de informação alternativa à mídia 
tradicional. A cobertura do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos 
mobilizou milhares de pessoas que levaram à internet seus relatos, imagens, informações e 
comentários. 
         De acordo com o Pew Internet Project, em pesquisa citada por Bowman e Willis 
(2003,   p.   7),   os   ataques   geraram   o   maior   volume   de   tráfego   para   os   sites   de   notícias 
tradicionais na história da Web até então. Muitos sites não deram conta da enorme demanda e 
o público se voltou para e­mails, blogs e fóruns.  
         Gillmor (2004), falando sobre um dos blogs que ascenderam na época, o InstanPundit, 
de Glenn Reynolds, descreve da seguinte forma:


                            Actualmente, InstanPundit.com goza de enorme aceitação. Reynolds está sempre a 
                            publicar comentários cortantes, de tendência libertária e conservadora3, sobre uma 
                            grande diversidade de questões. Tornou­se uma estrela num firmamento que, ainda 
                            há muito pouco tempo, não poderia ter existido, um firmamento que conseguiu o 
                            maior impulso no dia mais cruel da história americana recente. O dia que ficou 
                            congelado no tempo, mas as explosões dos aviões contra aquelas torres trouxeram 
                            uma redobrada onde de calor ao glaciar dos meios de comunicação e o gelo continua 
                            a derreter­se. (GILLMOR, 2004, p. 39)


        Foi   a   partir   deste   momento   que   ganhou   em   popularidade   os   termos   jornalismo 
cidadão, jornalismo participativo ou jornalismo colaborativo – além dos termos mais comuns 
na área de tecnologia mídia gerada pelo usuário e conteúdo gerado pelo usuário. (Em inglês, 
citizen journalism  tem um caráter muito mais voltado à produção feita pelos cidadãos; em 
português, a expressão pode indicar a cobertura de assuntos relacionados à cidadania. Por 

3 Libertário, no contexto político americano, é aquele que defende mínima intervenção do Estado na economia
  (redução de impostos, privatização da Previdência Social, pouca regulação do mercado) e em outros aspectos
  da vida social, como direito ao aborto, ao porte de armas, liberação da prostituição, jogos de azar e de drogas.
  (Nota da autora)
23

isso, neste trabalho optamos por “jornalismo colaborativo”).
        Os desdobramentos do 11 de Setembro também levaram a uma cobertura intensa na 
internet   e   ao   reconhecimento,   por   alguns   veículos   importantes,   das   possibilidades   que 
surgiam.   Para   cobrir   as   manifestações   em   diversos   lugares   que   precederam   a   invasão 
americana no Iraque, a BBC News fez um apelo para que seus leitores enviassem fotos tiradas 
com câmeras digitais ou celulares com câmeras embutidas e publicou as melhores em seu site 
(BOWMAN e WILLIS, 2003, p.8). Os autores também citam pesquisa mostrando que, nos 
primeiros dias da guerra do Iraque, 17% dos americanos com acesso à internet usaram o meio 
como principal fonte de informação sobre a guerra; logo após o 11 de Setembro, eram apenas 
3%. (BOWMAN e WILLIS, 2003:8).




2.3. TIPOS E FUNÇÕES DA PARTICIPAÇÃO


        O estudo do Media Center define jornalismo participativo como "o ato de um cidadão, 
ou   grupo   de   cidadãos,   participa   ativamente   no   processo   de   coletar,   reportar,   analisar   e 
disseminar   notícias   e   informação.   O   intuito   dessa   participação   é   produzir   a   informação 
independente,   confiável,   precisa,   abrangente   e   relevante   de   que   necessita   a   democracia" 
(BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 9). 
        Essa participação pode se dar de diversas maneiras, muitas das quais estão em um 
terreno pantanoso quanto a serem de fato jornalismo ou não. Lasica (2003) propõe que em 
geral o jornalismo participativo se enquadra em uma das seguintes categorias:
        1.       Participação   do   público   em   veículos   mainstream  –   que   inclui   blogs   de 
membros da equipe do veículo com espaços para comentários, fóruns, artigos escritos por 
leitores e fotos e vídeos enviados pelo público. No Brasil, a maioria dos jornais e portais de 
notícias (Folha de S. Paulo/UOL, Estado de S.Paulo, O Globo, Terra, entre outros) conta com 
espaços do gênero;
        2.       Sites de notícia independentes ­ que podem ser desde blogs individuais até sites 
voltados a nichos ou comunidades locais. Os blogs dos jornalistas Luis Nassif e Pedro Dória 
(que não são subordinados às empresas onde eles trabalham) estão nessa categoria, assim 
como o blog coletivo de tecnologia Gizmodo. Outra iniciativa de interesse no Brasil é o Rio 
Body Count, em que, a exemplo do Iraq Body Count, seus criadores computam as mortes por 
24

violência no Rio de Janeiro.
         3.      Sites participativos – em que o material produzidos pelo público é o principal 
recurso.   O   coreano   OhmyNews   é   o   exemplo   mais   famoso,   com   milhões   de   visitantes 
diariamente e dezenas de milhares de colaboradores. O OhmyNews conta com uma equipe de 
profissionais   que   faz   a   edição   do   material   e   os   colaboradores   recebem   um   pagamento 
simbólico em dinheiro.
         4.      Sites colaborativos – em que, além de enviar material, o público em geral pode 
participar do processo de edição. É o que acontece no Slashdot, no Kuro5hin e no brasileiro 
Overmundo.
         5.      Mídia magra  – listas de discussão por e­mail e newsletters. No Brasil, o Ex­
Blog do César Maia pode ser considerado um exemplo. 
         6.      Sites de transmissão pessoais – entre os quais estão os podcasts e videocasts.
         Bowman   e   Willis   (2003)   fazem   uma   classificação   partindo   da   função   que   a 
colaboração do público pode exercer: 
         1.      Comentário – o mais comum e talvez o mais importante nível de participação. 
Isso se aplica tanto ao espaço para comentários em sites de notícias como textos de opinião e 
análise.  “... alguns defendem que o blog é a próxima geração das páginas  de editoriais e 
opinião dos jornais” (BOWMAN e WILLIS, 2003, p.33). 
         2.      Filtragem   e   edição  –   que   incluem   filtragem,   classificação,   ranqueamento   e 
apontamento de links. São os casos em que ocorre seleção e julgamento editorial. O escândalo 
da demissão de procuradores da República no governo Bush levou o então ministro da Justiça 
americano,   Alberto   Gonzáles,   a   renunciar.   O   caso   foi   trazido   à   tona   por   Joshua   Micah 
Marshall, do blog Talking Points Memo, que recebeu o prêmio George Polke pela cobertura. 
“Informado   por   leitores   em   vários   cantos   do   país,   percebeu   que   havia   uma   série   de 
procuradores   públicos   sendo   demitidos.   Invariavelmente,   eram   procuradores   que   haviam 
aberto   processos   contra   políticos   republicanos   locais.   Não   havia   ninguém   no   jornalismo 
tradicional atento a estas histórias que eram, essencialmente, pequenas e regionais”. (DÓRIA, 
2008) 
         3.      Checagem – um dos exemplos trazidos por Gillmor (2004, pp.185­186) é o de 
Kayceen Nicole, que criou um blog para falar sobre sua luta contra a leucemia. Entre 2001 e 
2002, o espaço teve milhares de visitas de internautas que enviavam mensagens de apoio e 
ofertas de auxílio, até que sucumbiu à doença. Porém, em 18 de maio de 2001, um usuário 
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questionou no MetaFilter se ela existia de verdade. Um grupo de usuários tomou para si a 
tarefa de descobrir: investigaram registros, trocaram informações, e revelaram a farsa. Se este 
é um caso mais profundo, não devemos perder de vista o trabalho cotidiano de checagem 
feitos pelo público de blogs e jornais. 
        4.       Reportagem   de   base  ­   “Assumindo   a   forma   de   testemunhas   ou   relatos   de 
primeira­mão, usuários de internet participam do processo de reportagem e reunião de fatos, 
muitas vezes produzindo notícias de impacto (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 33). Também 
se enquadram nessa categoria a participação de especialista ou diletantes, que publicam em 
seu blog ou em outros espaços, especialmente quando se trata de assuntos que não têm uma 
boa cobertura da mídia tradicional. 
        5.       Reportagem extensiva – envolve a publicação de material complementar a uma 
matéria.  Muitos  jornalistas   usam  seus   blogs  para  públicar  íntegras  de  entrevistas, versões 
menos editadas de textos, etc. 
        6.       Reportagem “código aberto” e revisão pelos pares – alguns sites começam a 
permitir que leitores avaliem determinado material antes mesmo de sua publicação oficial, de 
maneira similar à revisão por pares feitas em publicações científicas. Recentemente, a revista 
Wired   criou   um   blog4  para   acompanhar   a   elaboração   de   um   perfil   do   roteirista   Charlie 
Kaufman para a edição de novembro. Foram publicados e­mails internos (mas não de fontes), 
áudio, vídeos, rascunhos de texto e de diagramação, numa espécie de  making off em tempo 
real da reportagem. 
        7.       Transmissão de áudio e vídeo
        8.       Compra,   venda   e   anúncios  ­   “O   ethos   igualitário   que   move   o   jornalismo 
participativo não se resume meramente à disseminação de notícias e informação, mas também 
abrange comércio e anúncios” (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 36). Há casos bem sucedidos 
de jornalistas independentes que conseguiram levantar fundos com a doação de leitores, como 
Chris Allbritton, que em 2003 pediu contribuição financeira a seus leitores para ir ao Iraque 
fazer reportagens sobre o conflito. No total, 342 pessoas enviram cerca de 14,5 mil dólares 
(GILLMOR,   2004,   p.158).   Outro   exemplo   é   o   site   Kuro5hin,   que   permite   que   leitores 
comentem os anúncios. 
        9.       Gerenciamento   de  conteúdo  –  em   que   as   pessoas   usam   blogs   para   coletar, 
armazenar e compartilhar conhecimentos sobre determinado assunto. 


4 http://blog.wired.com/storyboard/. Último acesso em 12/12/2008.
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2.4. IMPLICAÇÕES PARA O JORNALISMO TRADICIONAL


        A   participação   do   público   traz   à   tona   novamente   questionamentos   sobre   o   que   é 
jornalismo, o que é notícia, quem são os jornalistas. As discussões, por exemplo, se blogs são 
jornalismo, tema da matéria de capa da revista Imprensa de setembro de 2008 (para a revista, 
a discussão acabou: não são, como afirma na capa), acontecerem em 2003 em um programa 
da rede de televisão pública americana, PBS (LASICA, 2003). 
        Como descreve o relatório do Media Center:


                            Claramente, o jornalismo está em processo de redefinição, se ajustando às forças 
                            desordenantes   que   o   cercam.   Assim,   não   é   surpreendente   que   discussões   sobre 
                            formas   de   jornalismo   participativo,  como  os   blogs,   sejam   freqüentemente 
                            consumidas   por   debates   defensivos   sobre   o   que   é   jornalismo   e   quem   pode, 
                            legitimamente, se autodenominar jornalista. (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 11)


        Na transposição para outro ambiente, a internet, alguns dos paradigmas do jornalismo 
sofrem alterações5, borrando ainda mais os limites entre informação e notícia. Neste trabalho 
vamos nos deter nas implicações da internet em duas teorias do jornalismo: agenda setting e 
gatekeeping. 
        A   hipótese   do  agenda   setting  propõe   que   “a   mídia,   pela   seleção,   disposição   e 
incidência   de   suas   notícias,   vem   determinar   os   temas   sobre   os   quais   o   público   falará   e 
discutirá” (BARROS FILHO, 1995, p. 169).   Simultaneamente, os assuntos excluídos pela 
mídia não entram na agenda de debates das pessoas. 
        Porém,   uma   das   características   da   internet   é   a   personalização   do   noticiário   que   o 
público recebe. Amplificada, essa personalização pode ser definida como o The Daily Me, a 
previsão feita por Nicholas Negroponte em 1995 que os leitores poderiam escolher apenas os 
tópicos e fontes que lhes interessassem (apud BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 7). 
         Atualmente, a maioria dos portais e sites de notícias estrangeiros incluem opções para 
personalização da página inicial. No iGoogle, do Google, o usuário pode escolher destaques 
de diversos sites e sua disposição na página; no MyTimes, do The New York Times, é possível 
escolher entre editorias do jornal, sugestões de jornalistas da equipe e material externo; o 
Yahoo oferece, com o MyYahoo, um serviço similar. 
5 Algumas dessas mudanças já começavam a acontecer com a transmissão televisiva via cabos de fibra ótica,
  que possibilitou o surgimento de canais como a CNN.
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          Mas não é necessário sequer ir até os sites. O RSS (Really Simple Sindication  ou 
Distribuição Realmente Fácil)  é um elemento que é cada vez mais presente nos sites que têm 
atualizações freqüentes. Com um programa conhecido como agregador, o usuário pode se 
inscrever   ou   assinar   os   sites   que   deseja   acompanhar.   Nesse   agregador,   o   usuário   passa   a 
receber as atualizações de seus sites preferidos. “De um momento para o outro, o sistema RSS 
põe a Internet a funcionar como deve ser. Em vez de procurar tudo, a Internet traz até nós o 
que pretendemos, nas condições por nós estabelecidas” (GILLMOR, 2004, p. 54). Boa parte 
dos agregadores também apresentam ferramentas de redes sociais, ao permitir que o usuário 
também receba atualizações indicadas por seu grupo de amigos. Outro uso interessante é feito 
pelo Google, ao oferecer assinaturas para resultados de buscas por determinadas palavras­
chave. Assim, o usuário pode ficar sabendo sempre que houver um novo resultado para aquela 
busca. 
          Com o largo espectro temático e ideológico dos blogs e sites e a cultura do link e dos 
comentários, o poder do agenda setting se divide em número cada vez maior de mãos. Por 
outro lado, o Daily Me não é tão individual como previsto. Como afirmam Bowman e Willis 
(2003), a idéia do Daily Me está sendo substituída pelo Daily We. 
          O conceito de gatekeeping estabelece que o fluxo de notícias dentro dos meios de 
comunicação passa por zonas filtro que definem qual material será aceito e qual será rejeitado. 
O jornalista atua, portanto, como um porteiro. Bruns (2003) lembra que o conceito já vinha 
sendo questionado, antes mesmo da internet, devido à contaminação pela influência crescente 
das assessorias  de imprensa e especialistas em manipulação (spin doctors), que debilita o 
processo de gatekeeping.
          O gatekeeping se baseia na noção de que há uma realidade identificável de eventos, 
que  ultrapassa  os   canais   de   publicação,   limitados   seja   pelo   espaço,   no   caso  dos   veículos 
impressos,  seja   pelo  tempo,  no  caso  da  televisão   e  do  rádio.   Na internet,  porém,   não   há 
escassez de espaço; pelo contrário, há uma tendência a capacidades cada vez maiores  de 
armazenamento, como um dos corolários da Lei de Moore.
          Com a internet, afirma Bruns (2003, p.4), "não apenas há uma multidão de portões 
pelos quais informação e eventos potencialmente noticiáveis emergem à arena pública, como 
também  existe um  igual  número  de  critérios  para  avaliar  a 'noticiabilidade'  para  públicos 
específicos". O uso de hiperlinks permite ao autor apontar diretamente para fontes e para 
outros pontos de vista.
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        Ao gatekeeping, o autor contrapropõe o conceito de gatewatching. Os gatewatchers 
atuam como bibliotecários especializados, selecionando quais informações são confiáveis na 
área que cobrem. Os publicadores, que podem ser pessoas comuns ou partidários de uma 
causa,   não   levam   a   informação   para   o   usuário,   mas   sim   permite   que   ele   venha   até   a 
informação.   Ao   manter   os   benefícios   do   gatekeeping,   o   gatewatching   permite   confrontar 
diversos problemas na abordagem do gatekeeper:


                           •      as matérias têm potencial para ser mais profundamente informativas, já que 
                           os leitores podem explorar material das fontes diretamente, e de maneira completa;
                           •      a velocidade do noticiário  aumenta,  já que notícias  podem  ser  publicadas 
                           assim que uma fonte de informação é encontrada na internet, sem a necessidade de 
                           esperar   jornalistas   escreverem   suas   matérias   ou   gatekeepers   completarem   sua 
                           avaliação;
                           •      o processo de edição se torna mais transparente e não se evita que leitores 
                           chequem as fontes de uma notícia; ao contrário, isso é encorajado;
                           •      o viés pessoal do editor pode ainda afetar sua matéria, mas como leitores 
                           estão mais inclinados a consultar fontes originais, esse viés tem efeito reduzido;
                           •      gatewatchers   não   precisam   de   grandes   habilidades   jornalísticas,   e   sim   de 
                           habilidades para pesquisa geral online. (BRUNS, 2003, pp. 8­9)



        Em relação ao terceiro e ao quarto tópico, um ponto interessante a ser considerado é o 
uso   que   as   próprias   fontes   fazem   da   internet.   O   Departamento   de   Defesa   do   governo 
americano,   por   exemplo,   publica   em   seu   site6  a   íntegra   das   entrevistas   importantes   do 
secretário e de seu adjunto. Assim, o público tem como conhecer o contexto em que foram 
dadas as declarações e julgar se foram editadas de maneira inadequada. 


                           Qual   a  indústria  que,  por  tradição,  se  encontra  entre  as   menos   transparentes?  O 
                           jornalismo. Temos sido uma caixa negra e, nos anos recentes, apenas conseguimos 
                           tornarmo­nos   ligeiramente  menos   opacos.  O  público,  porém,  está  a  exigir  maior 
                           transparência no nosso domínio e a fazer seu próprio jornalismo quando nós não 
                           conseguimos responder de maneira satisfatória … Não estamos habituados, por mais 
                           saudáveis que nos sintamos, a ser analisados da mesma maneira que analisamos as 
                           outras pessoas. (GILLMOR, 2004, p. 74)




6 http://www.defenselink.mil/transcripts/
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3. O BLOG DO NASSIF


3.1. BIOGRAFIA


        Luis   Nassif   nasceu   em   1950,   em   Poços   de   Caldas,   Minas   Gerais.   Formou­se   em 
jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Trabalhou na 
revista Veja, de 1970 a 1979. A seguir, foi para o Jornal da Tarde, onde criou a seção “Seu 
Dinheiro”, de finanças pessoais, e o “Jornal do Carro”. Em 1983, foi para a Folha de S.Paulo, 
onde foi colunista e membro do conselho editorial. Escrevia principalmente sobre economia, 
embora um de seus espaços no jornal fosse uma coluna de crônicas.  Ele ficou na Folha de 
1983 a 2006, com um intervalo entre 1987 e 1991. Em 1987, criou a Agência Dinheiro Vivo, 
de notícias de economia em tempo real. 
        É vencedor do Prêmio Esso de Reportagem, em 1986, por sua cobertura do Plano 
Cruzado; do Prêmio Ayrton Senna, na categoria Jornalista Econômico, em 2003; recebeu 
menção honrosa do prêmio Jabuti de 2003, categoria crônica; vencedor do prêmio de Melhor 
Jornalista de Economia da Imprensa Escrita do site Comunique­se em 2003, 2005 e 2008. Ele 
atuou como comentarista econômico na TV Cultura e na TV Bandeirantes. É membro do 
Conselho do Instituto de Estudos Avançados da USP e do Conselho de Economia da Fiesp. 
        Já   lançou   os   livros  O   Menino   de   São   Benedito   e   Outras   Crônicas  (2001),  O 
Jornalismo dos Anos 90  (2003) e  Os Cabeça­de­Planilha  (2007). Além do trabalho como 
jornalista, Nassif também é cantor e compositor, pesquisador de samba e choro. 
        Criou o Blog do Nassif em 30 de maio de 2006, pouco antes de deixar a Folha. O blog 
continuou hospedado pelo UOL, portal pertencente ao grupo Folha da Manhã, que edita a 
Folha   de   S.   Paulo,   até   setembro   de   2006.   Desde   então,  está   hospedado   no   portal   iG 
(www.projetobr.com.br/web/blog/5). 
        Em 2007, Nassif lançou o Dossiê Veja, série de textos denunciando manipulações e 
distorções intencionais no noticiário da revista semanal. 




3.2. O BLOG E A PARTICIPAÇÃO DOS LEITORES

        Desde o início, Nassif abriu espaço no blog para as  manifestações  de leitores.  No 
30

primeiro post, de apresentação (“O Blog”, 30/5/2006), ele já destaca essa participação: 


                           Sempre que levanto um tema polêmico, costumo receber e­mails consistentes, de 
                           pessoas com diferentes opiniões. Pretendo abrir espaço para esse tipo de comentário, 
                           mais do que para os comentários curtos e impressionistas dos blogs convencionais. 
                           Por   isso   mesmo,   quem   tiver   comentários   maiores   a   fazer,   poderá   escrever   para 
                           luisnassifonline@uol.com.br Os melhores serão publicados, dentro dos limites  de 
                           espaço do blog”. (Anexo I)



        Cerca de uma semana depois, é publicado o primeiro comentário de leitor como post 
na área principal  do  blog (“Do leitor”, 6/6/2006, Anexo I). Em 17/7/2006, é publicado   o 
primeiro post com o objetivo exclusivo de fazer elogio público à participação dos leitores (“O 
Blog e os leitores”, Anexo I). Esse procedimento é uma constante no blog (por exemplo, nos 
posts “O acidente da Gol”, 17/11/2006; “Livro em rede”, 27/11/2006; e “A discussão sobre o 
Youtube”, 9/1/2007, Anexo I) e uma dos mecanismos utilizadas para atrair a participação 
qualificada.   Com   o   tempo,   o   grupo   de   leitores,   especialmente   o   de   contribuidores   mais 
freqüentes, passa a ser referido como comunidade. 
        Também são criadas seções específicas para a participação dos leitores. A primeira é a 
“Trivial variado”, com estréia em 20/3/2007 (“Trivial variado”, Anexo I), com o objetivo de 
ser   um  post  no qual  os  freqüentadores  poderiam  publicar  quaisquer  comentários  que  não 
estivessem relacionados com os assuntos dos outros posts do dia. Com o tempo, o “Trivial” 
acabou por se tornar um espaço para publicação de textos literários, poemas, discussões sobre 
arte e cultura e outros temas mais leves. Em agosto de 2008, criou outra seção com objetivo 
similar, a “Fora de pauta” (“Fora de pauta”, 26/8/2008, Anexo I), publicada diariamente por 
volta do meio­dia. 
        Com o crescimento da popularidade do blog e aumento no número dos comentários, 
alguns  posts  são dedicados também a esclarecer as “regras de convívio” no espaço (cabe 
destacar que os comentários passam por moderação e só vão ao ar – integral ou parcialmente 
– depois de aprovados). É o caso dos posts “O Estatuto da Gafieira” (3/11/2006), “Estatuto da 
gafieira”   (5/2/2007),   “Convivência   democrática”   (17/6/2007),   “Filtros   nos   comentários” 
(6/7/2007), entre outros (Anexo I). A moderação veta a publicação de comentários de teor 
ofensivo   ou   grosseiros,   como   define   um   dos  posts:   “Críticas   pesadas   contra   terceiros 
continuarão a não ser aceitas. Contra o blogueiro (desde que não contenham elementos de 
31

injúria, calúnia ou difamação) serão aceitas, mas desde que o comentarista se identifique. Só 
faltava   abrir   um   espaço   democrático   para   receber   porradas   de   anônimos”   (“Estatuto   da 
gafieira”,  5/2/2007, Anexo I). Outro comportamento comum é fechar os comentários ou pedir 
aos   freqüentadores   que  não   o  façam   quando  se  trata  de  posts  com  a   resposta   de  alguém 
criticado no blog, como em “A Abril se manifesta” (2/2/2008). 
        O   Projeto   Brasil   surge   de   forma   paralela,   como   “um   empreendimento   jornalístico 
independente que oferece os conteúdos e ferramentas necessárias para a discussão estruturada 
de   temas   estratégicos   para   o   desenvolvimento   nacional   (...)   tem   como   objetivo   principal 
mudar   o   foco   das   discussões   na   imprensa   brasileira”7.   Além   do   conteúdo   produzido   por 
equipe própria, o Projeto Brasil se alimenta de fóruns de discussão. Os fóruns estão divididos 
em   “comunidades”,   termo   usado   aqui   com   sentido   levemente   diferente   do   anteriormente 
mencionado, já que neste caso os participantes são cadastrados em uma rede social, criam 
perfis, podem criar grupos e interagir de formas diferenciadas em relação ao blog. São elas: 
“Comunidade do Blog Luis Nassif Online”, “Comunidade Verso & Prosa” e “Comunidade 
Projeto Brasil Gestão”. 
        A relação entre o Projeto Brasil, os fóruns e o  blog  é evidenciada nos  posts  sobre o 
desenvolvimento do Projeto, com o objetivo de “1. Dar dar mais visibilidade aos artigos dos 
comentaristas do Blog, publicando no PB aqueles comentários mais elaborados. 2. Permitir 
mais tempo de vida às discussões permanentes, que serão transferidas para o Fórum Online” 
(“Blog e Projeto Brasil”, 12/11/2007, Anexo I). 




3.3. O BLOG, A MÍDIA E A INTERNET

        Neste   período,   destacam­se   as   discussões   sobre   o   comportamento   da   imprensa 
tradicional (“O papel da mídia”, 22/6/2006; “O papel da mídia – 2”, 22/6/2006, Anexo I), por 
sinal, assunto analisado por Nassif no livro  O Jornalismo dos Anos 90,  e também sobre as 
novas tecnologias e o novo modelo de comunicação surgido delas (“Conhecimento em rede”, 
29/9/2006; “A nova era da comunicação”, 24/10/2006, Anexo I). Um texto em especial mostra 
sua visão em relação à internet e aos blogs:


                           A homogeneização do pensamento acabou deixando ao relento fatias importantes do 

7 Fonte: http://www.projetobr.com.br/c/portal/layout?p_l_id=PUB.1013.29. Último acesso em 12/12/1008.
32

                           público, do leitor intelectualmente mais exigente àquele cujas preferências políticas 
                           deixaram de ser contempladas pelo conjunto da mídia.
                           Todo   esse   quadro   se   formou   no   momento   em   que   a   proliferação   de   blogs,   na 
                           Internet,   criou   novos   espaços   de   opinião.   Antes,   tinha­se   o   jornal   dando   a 
                           visibilidade a seus colunistas, emprestando parte de seu prestígio e recebendo, de 
                           volta, a agregação de mais leitores e prestígio. Com os blogs, o aval não é mais do 
                           jornal, mas é individual, do blogueiro.
                           Os blogs são apenas a parte mais visível de um processo de criação de novos centros 
                           de   opinião,   como   grupos   de   discussão,   fóruns,   ONGs.   E   novos   atores   de   peso 
                           entrando no jogo, como as empresas de telefonia e os portais.
                           Nos próximos anos, a mídia brasileira passará pelas maiores transformações da sua 
                           história. Os jornais que entenderem o processo continuarão no jogo” (“O jogo da 
                           convergência digital”, 29/8/2006, Anexo I).


        A observação crítica da cobertura da imprensa sobre os assuntos em pauta – e falta de 
cobertura   sobre   determinados   assuntos   –   é   um   dos   aspectos   mais   relevantes   do   Blog   do 
Nassif,   que   trespassa   os   comentários   sobre.   E,   como   espécie   de   epílogo   virtual   a  O 
Jornalismo dos Anos 90, em de janeiro de 2008, lançou a série “O caso Veja” (“O fenômeno 
Veja”, 30/1/2008), denunciando o uso da revista semanal de maior circulação do País para 
promover   empresas   ou   atacar   adversários,   a   partir   de   interesses   comerciais   ou   intrigas 
pessoais. 
        Até novembro de 2008 foram escritos 24 capítulos,  vários deles mostrando a atuação 
de jornalistas e colunistas a serviço do banqueiro Daniel Dantas, acusado de diversos crimes 
financeiros.   “O   caso   Veja”   também   contou   com   a   colaboração   de   leitores,   tanto   no 
levantamento de material a pedido de Nassif (tendo como exemplo o post “Preparativos”, 
16/2/2008, Anexo I), como na investigação e análise. Sobre isso, diz Nassif: “Foi um trabalho 
minucioso de pesquisa feito por vocês … Quando pedi a ajuda de vocês, houve quem risse do 
pedido. Esse povo não sabe o que é o trabalho cooperativo em rede” (“A rede e os g00db0ys”, 
21/2/2008, Anexo I). 


3.4. COBERTURA DO ACIDENTE DA TAM 


        A cobertura do acidente com o vôo 3054 da TAM é um caso exemplar da participação 
do público no Blog do Nassif. Este material foi escolhido para análise por se tratar de um 
33

tema em que aspectos técnicos têm grande relevância, mas que ainda assim apresentou um 
forte   caráter   político.   Assim,   com   informações   difíceis   de   serem   contestadas   por   não­
especialistas   e   acontecendo   em   meio   a   um   momento   de   grande   polarização   política,   a 
cobertura jornalística fica sujeita a manipulações e sensacionalismo. O material produzido 
pelo blog (jornalista e leitores) é uma narrativa tanto das investigações das causas do acidente 
como de como a imprensa se comportou em relação ao caso. Porém, como destacado no 
capítulo anterior, momentos de tragédia acabam disparando uma grande participação amadora 
no noticiário.
        O acidente aconteceu em 17 de julho de 2007, quando uma aeronave Airbus A320 da 
TAM Linhas Aéreas, vinda de Porto Alegre, teve problemas na aterrissagem no aeroporto de 
Congonhas,   em   São   Paulo,   e   chocou­se   contra   um   prédio   da   TAM   Express.   No   total, 
morreram   199   pessoas,   sendo   187   que   estavam   a   bordo   (181   passageiros,   dos   quais   19 
funcionários da TAM, e 6 tripulantes). É o pior acidente da aviação no Brasil.
        Foram levantados 37 posts no Blog do Nassif a partir da madrugada de 18 de julho de 
2007 até o fim do mês de agosto do mesmo ano (Anexo II). Outros posts no período faziam 
referência indireta ou referência a assuntos relacionados (como a gestão da Agência Nacional 
de Aviação Civil ou o desempenho comercial da TAM). Neste trabalho, porém, reduzimos 
nossa seleção aos textos relacionados diretamente ao acidente. 
        O primeiro post sobre o acidente publicado por Nassif é uma contribuição feita por 
leitor (“Sobre a pista de Congonhas”, 18/7/2007, Anexo II). O conteúdo é uma sugestão à 
convocação   dos   leitores­especialistas   do   blog.   Outros   12   dos   posts   selecionados   contêm 
comentários   ou   e­mails   enviados   por   leitores,   seja   com   texto   próprio,   seja   reproduzindo 
material de outra fonte. Deste último caso, temos os posts “A hidroplanagem na aviação” 
(18/7/2007), em que a leitora Silvana reproduz texto do site Air Safety Group, e “FAA aprova 
sistema aéreo brasileiro” (19/7/2007), com texto da BBC enviado pela leitora Luzete (Anexo 
II). 
        Dos textos de autoria dos comentadores, destaca­se o post “O peso do Airbus da TAM” 
(2/8/2007), em que o leitor Gustavo faz um trabalho de cruzamento de informações oficiais da 
Airbus, publicadas em seu site, do número de passageiros e quantidade de combustível no 
avião, de acordo com o publicado na imprensa, e outras, para fazer um cálculo independente 
do peso do avião. Na ocasião, havia a hipótese de que o excesso de peso pudesse ser um dos 
fatores responsáveis pelo acidente. O cálculo, feito com base em informações públicas, era 
34

inédito na cobertura até aquele momento. 
        Também é digno de menção o post “Dos leitores” (29/7/2007), com um apanhado de 
comentários curtos (em geral com quatro ou cinco frases), que tratam, em maioria, de como a 
imprensa   vinha   tratando   o   acidente.   A   crítica   à   abordagem   da   grande   imprensa   também 
aparece nos comentários publicados como texto principal dos leitores André Borges Lopes 
(“A dura mudança de rota”, 29/7/2007) e weden (“A segunda morte dos pilotos”, 2/8/2007).
        Luis Nassif chama os leitores à colaboração com a cobertura em cinco posts: 
            •   “Sobre a pista de Congonhas” (18/7/2007), que embora reproduza comentário 
                de leitor, é endossado ao ser publicado como texto principal;
            •   “A   propósito   do   furo   do   JN”   (19/7/2007),   em   que   se   dirige   aos   leitores 
                especialistas   em   dois   momentos:   “os   leitores   especialistas   me   corrijam,   se 
                estiver errado” e “Solicito que os leitores especialistas expliquem melhor essa 
                questão, para que se possa avaliar as  seguintes  questões...”. Menos de  duas 
                horas   depois   da   publicação   deste   post,   é   publicado   “O   uso   do   reverso” 
                (20/7/2007), com resposta do leitor Antonio Carlos de So aos questionamentos 
                do jornalista;
            •   “A questão IPT x ANAC” (23/7/2007), em que o convite aparece na seguinte 
                forma: “Quem tiver elementos, fique à vontade para enriquecer a discussão”. O 
                post foi editado posteriormente de modo a incluir comentários dos leitores José 
                e Paulo Travaglini;
            •   “O manual do Airbus” (25/7/2007), em que é publicado o link do manual “para 
                nossos especialistas”;
            •   “A defesa pós­morte” (1/8/2007), em que embora não nomeie leitores como 
                interlocutores, é constituído apenas de duas perguntas que, pelo contexto, não 
                podem ser consideradas apenas como recurso retórico.
        Por fim, merece citação o post “O acidente aéreo e o Blog” (15/8/2007), com elogios à 
participação dos leitores: 
                          Encontrei minha colega Maria Lídia, da TV Gazeta. Me disse que a cobertura do 
                          acidente, pelo seu jornal, se orientou fundamentalmente pelas análises e informações 
                          que vocês ajudaram a colocar no Blog.
                          Especialmente o cálculo do peso do avião, preparado pelo Gustavo, que, segundo 
                          ela, deixou todos seus entrevistados da área surpresos, por perceber que ali estava 
                          um dos pontos centrais, que a cobertura da grande mídia não aprofundou.
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  • 1. BÁRBARA DE OLIVEIRA LOPES O PAPEL DO JORNALISTA NO JORNALISMO  COLABORATIVO:  ESTUDO DO CASO DO BLOG DO NASSIF UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO (UNINOVE) COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO SÃO PAULO – 2008
  • 2. BÁRBARA DE OLIVEIRA LOPES O PAPEL DO JORNALISTA NO JORNALISMO  COLABORATIVO:  ESTUDO DO CASO DO BLOG DO NASSIF Trabalho de conclusão de curso apresentado como  exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel  em   Comunicação   Social   com   habilitação   em  Jornalismo   pela   Universidade   Nove   de   Julho   –  Uninove. Orientadora: Profa. Patrícia Quevedo Kay UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO (UNINOVE) COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO SÃO PAULO – 2008
  • 3. RESUMO O papel do jornalista no jornalismo colaborativo: Estudo do caso do Blog  do  Nassif. O objetivo deste trabalho é fazer um estudo da interação entre jornalista e leitores no  blog   mantido   por   Luis   Nassif.   Por   meio   da   análise,   descobriu­se   que   os   leitores   são  convidados a participar das coberturas e sua participação é incentivada com a publicação de  textos de leitores na área principal do blog e do elogio público a essa participação. Nassif  também compartilha com os leitores a observância pelas regras da comunidade. A análise teve  como  base o estudo do jornalismo colaborativo e suas  implicações  em conceitos teóricos  como gatekeeping e agenda setting. Com isso, observa­se que esses conceitos não funcionam  da mesma maneira na internet, por esta ser um ambiente em que não há escassez de espaço,  como em meios impressos ou de tempo, como em meios eletrônicos (rádio e televisão).  Palavras­chave: jornalismo colaborativo, internet, conteúdo gerado por usuários.
  • 5. SUMÁRIO Introdução............................................................................................................................ 5 1. A internet e a contracultura............................................................................................ 7 1.1. Aspectos técnicos..................................................................................................... 8 1.1.1. O computador........................................................................................................ 8 1.1.2. A internet............................................................................................................ 10 1.2. Implicações culturais............................................................................................. 12 1.3. Trabalho colaborativo............................................................................................ 15 2.  Do jornalismo pessoal ao jornalismo colaborativo..................................................... 17 2.1. Origens................................................................................................................... 17 2.2. Jornalismo alternativo na internet......................................................................... 18 2.3. Tipos e funções da participação............................................................................ 23 2.4. Implicações para o jornalismo tradicional…........................................................ 26 3. O Blog do Nassif.......................................................................................................... 29 3.1. Biografia................................................................................................................ 29 3.2. O Blog e a participação dos leitores...................................................................... 29 3.3. O Blog, a mídia e a internet................................................................................... 31 3.4. Cobertura do acidente da TAM............................................................................. 32 3.5. Conclusão.............................................................................................................. 35 Bibliografia........................................................................................................................ 37
  • 6.
  • 7. 5 INTRODUÇÃO A discussão sobre quem é e o que faz um jornalista não é nova. Isso porque a matéria­ prima do jornalismo, a notícia, é, em última análise, de difícil definição, objeto de estudo de  incontáveis pensadores. A notícia separa­se da informação em geral apenas por um limite  muito tênue, e mesmo este por vezes desaparece. A multiplicidade de papéis do jornalista no  mercado de trabalho e a defesa aguerrida que a categoria faz da restrição dessas atividades a  profissionais credenciados tornam essa uma questão complexa – ainda mais levando­se em  conta que o jornalismo sempre conviveu com produções feitas por amadores, militantes de  determinada causa ou aficionados por determinado assunto.  A   complexidade   aumenta   com   o   advento   da   internet   e   a   entrada   em   cena   novos  modelos de produção e difusão de informações. O trabalho colaborativo no desenvolvimento  de programas de computador e na criação de fóruns sobre variados assuntos, que acompanha  a internet desde sua criação, no começo deste século chegou ao jornalismo. O jornalismo  colaborativo ou participativo ganhou densidade e atenção pública com o material produzido  por usuários após os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos.  O   crescimento   do   jornalismo   colaborativo   coincidiu,   também,   com   crescentes  questionamentos   sobre   a   indepedência   dos   meios   tradicionais.   Redações   cada   vez   mais  enxutas   e   a   concentração   das   empresas   jornalísticas   em   poucos   grandes   conglomerados  acenderam discussões sobre a qualidade do serviço prestado e sobre a democratização da  imprensa. Este novo contexto representa um desafio e uma oportunidade para o jornalista. Ele  passa   a   ter   a   disposição   ferramentas   inéditas   até   então,   porém   precisa   desenvolver   novas  habilidades para se sobressair. A participação dos leitores, que passam a ser colaboradores,  co­autores, é mais uma chance de enriquecer o trabalho do jornalista que uma ameaça a sua  profissão. Neste trabalho, decidimos  analisar o blog do renomado jornalista Luis Nassif para  descobrir quais habilidades novas estavam sendo colocadas em prática. Nassif, que construiu  sua   carreira  na  grande  imprensa,   também  sempre  manteve um  olhar  crítico  em  relação   à  cobertura   da   mídia   em   casos   polêmicos.   Sua   adesão   ao   formato   blog,   em   2006,   já   veio  acompanhada do convite à participação dos leitores. Restava saber se isso se deu, e de que 
  • 8. 6 forma. Para descobrir, após uma leitura dos arquivos do Blog do Nassif, coletamos textos que  têm  como assunto a participação  dos  leitores, comentários  sobre a mídia tradicional e  os  novos meios que surgem. Esta compilação, que pode ser consultada no Anexo I, permitiu  traçar   um   retrato   da   relação   que   o   jornalista   estabeleceu   com   seu   público.   Além   disso,  decidimos analisar a cobertura de um caso específico: o acidente com o vôo 3054, da TAM,  em julho de 2007. Tratava­se de um caso difícil, pela necessidade de conhecimentos técnicos  de aviação e pela politização por que a investigação passou em alguns momentos. Reunimos  os posts sobre o acidente publicados em julho e agosto de 2007 no Anexo II.  Para dar embasamento teórico à nossa análise, que forma o terceiro capítulo deste  trabalho, resolvemos estudar o surgimento da internet e sua relação com os ideais libertários  da   contracultura,   no   primeiro   capítulo.   O   segundo   capítulo   traz   um   breve   panorama   do  jornalismo não como empresa, mas como exercício da liberdade de expressão, antes e depois  da   internet.   Também   no   segundo   capítulo,   trazemos   a   contribuição   de   alguns   autores   no  tocante a conceitos teóricos da área de comunicação dentro do novo contexto. 
  • 9. 7 1. A INTERNET E A CONTRACULTURA “Estamos criando agora um espaço no qual o povo do planeta pode ter um  novo tipo de relacionamento: quero poder interagir totalmente com a consciência que  está tentando se comunicar comigo”. John Perry Barlow, músico e fundador da Electronic Frontier Foundation   (apud CASTELLS, 1999, p. 443) A   internet   como   é   hoje   existe   pelo   encontro   de   dois   grupos   aparentemente  antagônicos:  hippies  e militares. Mas a verdade é que nos anos 1960 e 1970, as principais  universidades americanas eram o ponto de convergência de ambos, especialmente na busca  pela inovação. A contracultura teve um papel­chave para o modelo de  comunicação mediada  por computadores, que por sua vez possibilitou a existência de novos modelos de jornalismo,  como o jornalismo colaborativo. Desde   o   advento   da   internet,   muitos   estudiosos   vêm   se   entusiasmando   com   as  mudanças   e   o   potencial   de   mudanças   trazidos   pelas   novas   tecnologias.   Para   muitos,   é   a  realização de fato do conceito de aldeia global de McLuhan, inicialmente desenvolvido para  explicar a transformação no universo da comunicação causada pela televisão. McLuhan foi o  principal teórico a enfatizar que as mudanças tecnológicas – como a invenção da escrita ou da  imprensa – trazem mudanças cognitivas para a sociedade. A teoria da mídia, que tinha pouco  crédito   nos  meios  acadêmicos  nos  anos  1980, principalmente por sua falta  de ênfase  nos  aspectos sociopolíticos, ganhou novo fôlego ao ser adaptada para o estudo da era digital. É dentro dessa perspectiva que diversos autores vêm apontando a importância da era  digital, como algo que tem impacto mesmo sobre quem não está diretamente envolvido. "Esse  [a revolução da tecnologia da informação] é (...), no mínimo, um evento histórico da mesma  importância   da   Revolução   Industrial   no   século   XVIII,   induzindo   um   padrão   de  descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura” (CASTELLS, 1999, p.  68). Diferentemente da televisão, que se constitui basicamente como uma via de mão única,  a internet trouxe como seu principal ganho a comunicação multidirecional, estabelecendo, de  fato, uma teia.
  • 10. 8 O que torna a internet tão interessante? Dizer que ela é 'anarquista' é um modo  grosseiro e falso de apresentar as coisas. Trata­se de um objeto comum, dinâmico,  construído, ou  pelo menos  alimentado  por  todos  que o  utilizam.  Ele  certamente  adquiriu esse caráter de não­separação por ter sido fabricado, ampliado, melhorado  pelos informatas que a princípio eram seus principais usuários. Ele faz uma ligação  por ser ao mesmo tempo o objeto comum de seus produtores e de seus exploradores.  (LÉVY, 1996, p.  128­9) Embora aspectos técnicos e culturais ocorram simultaneamente, optamos por tratá­los  em tópicos separados, para preservar a cronologia e aprofundar o estudo de ambos. 1.1. ASPECTOS TÉCNICOS 1.1.1. O computador A  inovação  se  tornou um  fator  chave para  o  Departamento  de  Defesa do  governo  americano a partir da Segunda Guerra. Um dos pontos estratégicos era a decodificação de  mensagens inimigas e a elaboração de modelos de criptografia, além do desenvolvimento de  armas ­ que chegou à bomba atômica. Castells se refere a Segunda Guerra como "a mãe de  todas as tecnologias" (1999, p. 78). A divisão do mundo após o fim do conflito continuou  impulsionando as pesquisas militares e, mais que isso, ampliando os campos de interesse das  forças armadas. Com a Guerra Fria, a competição com os soviéticos deixou de ser apenas de  poder bélico, mas também uma disputa pelos corações e mentes de todo o mundo. Em fevereiro de 1946, seis meses após o fim da Segunda Guerra, com patrocínio das  forças   armadas,   uma   equipe   da   Universidade   da   Pensilvânia   desenvolveu   o   primeiro  computador para uso geral, o ENIAC (Computador e Integrador Numérico Eletrônico,  na  sigla   em   inglês).   O   desenvolvimento   da   máquina   havia   começado   em   1943.   O   Exército  investiu 500 mil dólares nas pesquisas, com o objetivo de ter uma ferramenta para cálculos  balísticos.   O   ENIAC   pesava   30   toneladas   e   ocupava   uma   área   de   180   metros   quadrados.  Quando foi acionado, seu consumo de energia foi tão alto que as luzes da Filadélfia piscaram.
  • 11. 9 Em   1947,   físicos   da   empresa   Bell   Laboratories,   em   Nova   Jersey,   inventaram   o  transistor ­ o ENIAC utilizava válvulas a vácuo. A fabricação do transistor passou a ser feita  com silício em 1954, com o feito creditado à Texas Instruments. A empresa patenteou, três  anos   mais   tarde,   o   Circuito   Integrado,   que   permitia   a   integração   de   diversos   transistores  miniaturizados   em   um   chip.   Um  dos   inventores   era   Robert   Noyce,   fundador   da   Fairchild  Semiconductors e, mais tarde, da Intel, ambas no Vale do Silício, na Califórnia. A Fairchild passou, em 1959, a utilizar o processo plano para a fabricação de circuitos  integrados. "Em apenas três anos, entre 1959 e 1962, o preço dos semicondutores caiu 85% e a  produção   aumentou   vinte   vezes,   sendo   que   50%   dela   foi   destinada   a   usos   militares"  (CASTELLS,   1999,   p.77).   Essa   tendência   de   barateamento   do   processamento   em  computadores foi descrita por outro co­fundador da Intel, Gordon E. Moore, em um artigo de  1965. Ele afirma que o número de transistores que podem ser colocados em um circuito pelo  mesmo custo cresce exponencialmente e dobra a cada dois anos. A afirmação ficou conhecida  como Lei de Moore. O preço médio de um circuito integrado caiu de 50 dólares em 1962 para  1 dólar em 1971. A mudança do coração das inovações em microeletrônica para o Vale do  Silício acabaria se consolidando ao longo dos anos seguintes. Foi   na   década   de   1970   que   "as   novas   tecnologias   da   informação   difundiram­se  amplamente,   acelerando   seu   desenvolvimento   sinérgico   e   convergindo   em   um   novo  paradigma" (CASTELLS, 1999, p. 76). Em 1971, o engenheiro da Intel Ted Hoff inventou o  microprocessador. Em 1975, o engenheiro Ed Roberts, da fabricante MITS, no Novo México,  criou uma "caixa de computação", batizada de Altair. A máquina era vendida em kits pelo  correio,   por   meio   de   anúncios   em   revistas   voltadas   para   aficionados   por   eletrônica.   A  expectativa da MITS era de vender apenas algumas centenas de exemplares, mas apenas no  primeiro mês, milhares de unidades foram vendidas. O Altair foi a fagulha que acendeu o  estopim   da   revolução   do   computador   pessoal   nos   anos   seguintes.   Seu   design   serviu   de  inspiração para o Apple I e, posteriormente, para o Apple II. A história da Apple acabou se tornando uma das lendas do Vale do Silício. Fundada  em 1976, com capital de 91 mil dólares, a empresa atingiu, em 1982, a marca de mais de 500  milhões de dólares em vendas. Em 1981, a IBM (que nos anos 1950 também havia recebido  patrocínio militar) lançou uma máquina com o nome de Computador Pessoal (PC, na sigla em  inglês), que se tornaria o nome genérico do microcomputador. Como o PC foi desenvolvido  com base em tecnologias desenvolvidas para a IBM por terceiros, ficou sujeito à clonagem, 
  • 12. 10 que logo foi praticada em escala maciça, especialmente na Ásia. Embora tenha sido um golpe  para a IBM, isso permitiu a popularização do PC em lugar dos computadores da Apple. Em  1984, a Apple lança o Macintosh, o primeiro computador a usar mouse e interface gráfica,  baseado, pelo menos parcialmente, em pesquisas que a Xerox fazia na época. O Altair também acendeu o entusiasmo de dois estudantes da Harvard, Bill Gates e  Paul Allen. Eles apresentaram para a MITS uma implementação da linguagem BASIC para o  Altair. Quando a companhia aceitou a proposta, Gates abandonou a faculdade e mudou­se  para o Novo México e lá fundou a Microsoft. Nas   últimas   décadas,   os   computadores   aumentaram   incrivelmente   a   capacidade   de  processamento, armazenamento e memória, em uma escala que pode ser descrita de acordo  com   a   Lei   de   Moore.   Por   trás   disso,   está   uma   das   características   mais   importantes   da  revolução da informação: sua capacidade de se realimentar. Segundo Castells, o custo médio  do   processamento   da   informação   caiu   de   aproximadamente   US$   75   por   cada   milhão   de  operações, em 1960, para menos de um centésimo de centavo de dólar em 1990. A tecnologia  e   o   design   para   fabricação   de   computadores   passaram   a   ser   aperfeiçoados   pelo   uso   de  computadores. O   que   caracteriza   a   atual   revolução   tecnológica   não   é   a   centralidade   de  conhecimentos   e   informação,   mas   a   aplicação   desse   conhecimento   e   dessa  informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/  comunicação   da   informação,   em   um   ciclo   de   realimentação   cumulativo   entre   a  inovação e seu uso. (CASTELLS, 1999, p. 69) É também o que Lévy caracteriza como "máquina darwiniana". Os sistemas darwinianos apresentam uma capacidade de aprendizagem não­dirigida  ou   (o   que   dá   no  mesmo  do  ponto  de   vista   de   uma   teoria   do   espírito)   de   uma  capacidade de autocriação contínua. (...) As máquinas darwinianas arrastam consigo  seus ambientes no caminho de uma história irreversível. (LÉVY, 1996, p. 102) 1.1.2. A internet Além do desenvolvimento de hardware e software, a internet também é resultado de  avanços   em   telecomunicações   e   em   optoeletrônica   (o   uso   de   cabos   de   fibra   ótica   para 
  • 13. 11 transmissão de dados). Em 1969, a Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas (ARPA, na sigla em inglês),  do   Departamento   de   Defesa   dos   Estados   Unidos,   lançou   o   projeto   de   uma   rede   de  comunicação que fosse invulnerável a ataques nucleares. Vale lembrar que a experiência da  Segunda Guerra havia mostrado a importância de um meio de comunicação segura como  estratégia bélica. O modelo escolhido utilizava a troca de pacotes de dados e um sistema em  que não houvesse um comando central. Cada ponto da rede poderia se comunicar diretamente  com outro e com mais de um ponto ao mesmo tempo. Em uma rede com um servidor ou  comando   central,   um   ataque  inimigo   que   atingisse   esse   centro   derrubaria   toda   a   rede.   O  sistema de comutação de pacotes de dados era um novo conceito na época ­ o comum então  era a comutação de circuitos, como na comunicação telefônica. Batizada de ARPANET, estabeleceu seus  primeiros  quatro nós  na Universidade  da  Califórnia em Los Angeles, no Stanford Research Institute, na Universidade da Califórnia em  Santa   Bárbara   e   na   Universidade   de   Utah.   "Estava   aberta   aos   centros   de   pesquisa   que  colaboravam com o Departamento de Defesa dos EUA, mas os cientistas começaram a usá­la  para suas próprias comunicações, chegando a criar uma rede de mensagens entre entusiastas  de ficção científica”. (CASTELLS, 1999, p. 83) Em   1971,   Ray   Tomlinsom,   um   programador   da   BBN,   empresa   contratada   pelo  Departamento de Defesa, desenvolveu e mandou a primeira mensagem eletrônica. Esse tipo de  comunicação rapidamente se difundiu: em 1973, 75% do tráfego da ARPANET eram e­mails.  Em 1973, um novo serviço foi incorporado, a transferência de arquivos, via FTP (Protocolo de  Transferência de Arquivos, na sigla em inglês). O crescimento da rede foi rápido. Em setembro de 1971, a rede contava com 15 nós e  23 hosts conectados à ARPANET, em universidades e centros de pesquisa do governo. Nesse  ano,   com   a   rede   bem   estabelecida,   a   ARPA   transferiu   a   operação   da   ARPANET   para   a  Agência de Comunicações do Departamento de Defesa. Em 1983, com 213 nós, a parte militar  da rede foi desmembrada, formando a MILNET.  Um  dos   usos   mais   populares   da   internet   começou   a  ser   feito  no   ano   seguinte:   os  grupos de discussão. Também passam a ser registrados os primeiros domínios (endereços na  internet). Os primeiros chats, do IRC, datam de 1988. Porém vem de 1991 um dos marcos mais importantes. Uma equipe do Centro Europeu  de Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em francês), liderada por Tim Berners Lee, criou a 
  • 14. 12 WWW – world wide web, rede de alcance mundial – um aplicativo que organizava os sites de  acordo com sua informação.  Não montaram a  pesquisa  na  tradição  da ARPANET, mas com a contribuição da  cultura dos  hackers  da década de 1970. Basearam­se parcialmente no trabalho de  Ted Nelson que, em seu panfleto de 1974, 'Computer Lib', convocava o povo a usar o  poder dos computadores em benefício próprio. Nelson imaginou um novo sistema de  organizar   informações   que   batizou   de   'hipertexto',   fundamentado   em   remissões  horizontais. (CASTELLS, 1999, p.88) O CERN distribuiu gratuitamente o software WWW. Ele foi fundamental para fazer  com que a internet saísse dos ambientes acadêmicos e técnicos e atingisse o grande público.  Ao longo dos anos 1990, estima­se que a internet tenha dobrado de tamanho a cada  ano,   com  exceção  de  1996 e  1997, que tiveram  um  crescimento  ainda  mais  explosivo.   A  segunda metade da década também marca a descoberta da rede por empresas de todos os  tamanhos, que passaram a investir no potencial da internet. Ações de empresas de internet  tiveram enorme valorização em bolsas de valores. Essa “corrida pelo ouro” acabou não se  mostrando   sustentável   com   o   estouro   da   chamada   “bolha   ponto­com”,   em   2001,   quando  diversas empresas foram à falência. Em meados dos anos 2000, passam a ocupar lugar de destaque  sites  que oferecem  ferramentas para que os usuários possam personalizar e publicar conteúdos. Essa categoria de  sites foi agrupada sob o rótulo de Web 2.0.  1.2. IMPLICAÇÕES CULTURAIS O desenvolvimento da internet correu simultaneamente à revolução nos costumes e  com a convergência geográfica para a Califórnia. Enquanto empresas grandes e bem estabelecidas do leste eram rígidas (e arrogantes)  demais para reequipar­se constantemente com base em novas fronteiras tecnológicas,  o Vale do Silício continuou produzindo muitas novas empresas e e praticando troca  de   experiências   e   difusão   de   conhecimentos   por   intermédio   da   rotatividade   de  profissionais e de cisões parciais. Conversas noturnas em bares e restaurantes, como 
  • 15. 13 o Walker's Wagon Wheel Bar e o Grill in the Mountain View, fizeram mais pela  difusão   da   inovação   tecnológica   que   a   maioria   dos   seminários   de   Stanford.   (...)  Outro fator importante da formação do Vale do Silício foi a existência de uma rede  de empresas de capital de risco desde o início. (CASTELLS, 1999, p. 101­ 102). Com isso, técnicos e engenheiros ganhariam a vizinhança de escritores, artistas em  geral e de hippies de todo o país, que convergiram para a Califórnia. Já no século XIX, por  sua   localização   e   com   a   corrida   pelo   ouro   e   o   estabelecimento   de   diversas   indústrias,   o  condado de São Francisco abrigava um grande número de imigrantes, especialmente latinos e  asiáticos   (o   bairro   de   Chinatown   se   formou   por   volta   de   1850),   criando   ali   uma   cultura  poliglota. Desde os anos 1940, a Universidade da California em Berkeley abrigava poetas de  vanguarda, como Kenneth Rexroth, Madeline Gleason e Robert Duncan. Foi também entre  meados da década de 1940 e a década de 1960 que começou a aparecer a Geração Beat, como  ficou conhecido o grupo de escritores, incluindo Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S.  Burroughs,   que   desafiava   os   valores   americanos   tradicionais,   se   interessava   por  experimentações com drogas e pela espiritualidade oriental. A realização de leituras e festivais  fez com que o período ficasse conhecido como Renascença de São Francisco e começasse a  consolidar a imagem da região como centro da contracultura. Em 1967, dois anos antes da criação da ARPANET, São Francisco havia sido palco do  chamado "Verão do Amor", que reuniu cerca de cem mil jovens de todos os Estados Unidos.  Essa concentração foi crucial para a visibilidade do movimento  hippie. A cidade já era o  epicentro da contracultura, onde fervilhavam música, drogas psicodélicas, liberdade sexual e  revolta política. O ano de 1968 ficou marcado pelos protestos jovens ao redor do mundo. Nos EUA, as contradições da Guerra do Vietnã davam lugar a um forte movimento  de resistência pacifista. A deserção e a desobediência civil assumiam dimensões de  radical   atitude   política.   Surgia   uma   Nova   Esquerda   valorizando   o   domínio   da  problemática pessoal ou de lutas tidas como secundárias ­ a liberação sexual, a luta  dos   negros,   das   mulheres,   as   reivindicações   minoritárias.   Bob   Dylan,   Allen  Ginsberg,   Black   Panthers...   novos   símbolos   e   formas   culturais   tomavam   corpo,  expressando   aquilo   que   Herbert   Marcuse,   filósofo   de   cabeceira   da   nova  intelligentsia, chamou de a Grande Recusa. (HOLLANDA, GONÇALVES, 1982, p.  69) Pierre Lévy cita um exemplo de como contracultura e tecnologia se conectaram na 
  • 16. 14 época: O movimento social californiano Computers for the People quis colocar a potência  do cálculo  dos  computadores  nas  mãos  dos  indivíduos  , liberando­os  ao  mesmo  tempo da tutela dos informatas. Como resultado prático desse movimento "utópico",  a partir do fim dos anos 70 o preço dos computadores estava ao alcance das pessoas  físicas,   e   neófitos   podiam   aprender   a   usá­los   sem   especialização   técnica.   O  significado social da informática foi completamente transformado. (LÉVY, 1999, p.  125) Stewart   Brand   é   um   escritor   que   ficou   conhecido   pelos   catálogos   Whole   Earth,  publicados duas vezes por ano entre 1968 e 1972, com outras edições eventuais até 1998. O  objetivo   era   catalisar   a   emergência   de   um   domínio   de   poder   pessoal,   por   meio   da  disponibilização de tecnologias simples para indivíduos interessados em criar comunidades  sustentáveis ­ as comunidades hippies que pipocaram nos Estados Unidos nesse período. “Os revolucionários do computador pessoal eram a contracultura”, [Stewart] Brand  me lembrou (...). O co­fundador da Apple Steve Jobs viajou para a Índia em busca  de iluminação; o fundador e desenvolvedor do Lotus 1­2­3, Mitch Kapor, havia sido  um professor de meditação transcendental. Eles eram cinco ou dez anos mais novos  que os hippies, mas eles  vieram  do mesmo zeitgeist  dos anos  1960, e adotaram  muitas das idéias de libertação pessoal e iconoclastia. (RHEINGOLD, 1994,cap.2) Steve Jobs, fundador de uma das mais importantes empresas de tecnologia até hoje, a  Apple,   compara   os   catálogos  Whole   Earth  a   uma   espécie   de   Google   em   papel,   em   um  discurso em uma cerimônia de formatura na Universidade de Stanford:  Quando eu era jovem, havia uma publicação incrível chamada  The Whole Earth   Catalog,   que   foi   uma   das   bíblias   da   minha   geração.   Foi   criada   por   um   sujeito  chamado Stewart Brand perto daqui em Menlo Park, e ele a trouxe à vida com seu  toque poético. Isso foi  no fim dos anos  1960, antes  de computadores  pessoais  e  publicação   informatizada,   então   era   feita   com   máquinas   de   escrever,   tesouras   e  câmeras  polaróide.  Era  uma espécie  de  Google  em  papel,  35 anos   de  o Google  existir: era idealista, e repleta de dicas elegantes e grandes idéias. (JOBS, 2005)
  • 17. 15 1.3. TRABALHO COLABORATIVO Um  dos   usos   da   internet   é  facilitar   o   trabalho   colaborativo  entre   equipes   que   não  necessariamente mantêm contato pessoal, ou que estão distantes geograficamente. Os dois  maiores exemplos deste tipo de trabalho são o movimento software livre e o desenvolvimento  da enciclopédia virtual Wikipedia. Softwares  livres   são   aqueles   que   podem   ser   usados,   estudados,   modificados   e  redistribuídos   sem   restrições   (ou   com   poucas   restrições)   de   direitos   autorais.   Além   do  programa em si, o usuário pode acessar seu código­fonte, algo como a receita do programa.  Os direitos autorais passaram a se aplicar também a programas de computador em  1980. A caixa­preta fechada dos softwares começou a incomodar programadores, entre eles  Richard   Stallman,   que   então   trabalhava   no   Laboratório   de   Inteligência   Artificial   do   MIT  (Massachusetts Institute of Technology). Em 1983, Stallman anunciou o Projeto GNU, para o  desenvolvimento de um sistema operacional livre através da contribuição em massa. Ele criou  o termo “software livre” e, em 1986, a ONG Fundação Software Livre. Além da programação,  as atividades da fundação estão voltadas para o ativismo. Em 1988, foi publicada a Licença Pública Geral GNU, uma alternativa aos direitos de  propriedade intelectual. Foi sob essa licença que Linus Torvalds publicou, em 1991, um dos  programas essenciais para o sistema operacional sonhado por Stallman. Surgia assim o Linux  (ou GNU/Linux).  O   fator   significativo   no   êxito   do   Linux   foi  seu  interminável   aprimoramento   em  conseqüência da contribuição de milhares de usuários, que descobriam novos usos e  aperfeiçoavam   o  software,   depois   divulgando   esses   aperfeiçoamentos   na   Rede,  gratuitamente,   retribuindo   assim   o   presente   técnico   que   haviam   recebido.   Esse  esforço   constante   e   multifacetado   para   melhorar   a   comunicabilidade   da   rede  constitui um notável exemplo de como a produtividade de cooperação tecnológica  através da rede acabou por aperfeiçoá­la. (CASTELLS, 1999, p.441)    O Linux possui uma fatia de mercado atualmente em cerca de 1%, o bastante para  incomodar a Microsoft, que tem hegemonia nesta área com o Windows. Além disso, o sucesso  do Linux inspirou o desenvolvimento de outros programas livres, como o navegador Mozilla  Firefox, que detém mais de 20% de seu mercado. 
  • 18. 16 Seguindo a mesma filosofia, foi criada, em 2001, a Wikipedia. Fundada por Jimmy  Wales   e   Larry   Sanger,   também   sob   uma   licença   que   previa   livre   uso,   modificação   e  redistribuição.  A  enciclopédia  criada  por eles  utiliza  o software wiki,  que  possibilita   que  qualquer   pessoa   edite   o   material   ou   publique   novas   páginas.   Porém,   as   mudanças,   as  diferentes versões de cada verbete ficam armazenadas para consulta, com indicação de quem  fez a alteração.  No final de 2001, a Wikipedia já tinha 20 mil artigos, em 18 idiomas. Atualmente, há  edições em 161 idiomas. A edição em inglês da enciclopédia superou a marca de 2,6 milhões  de verbetes. A versão em português possui cerca de 445 mil artigos. O medidor de audiência  na internet Alexa colocou a Wikipedia entre os quinze sites mais populares. Outra medida de  seu sucesso é o volume de doações arrecadadas, que sustentam um orçamento estimado em  quase 6 milhões de dólares no biênio 2008/2009.  Para   lidar   com   as   preocupações   sobre   a   confiabilidade   dos   artigos,   a   Wikipedia  desenvolveu um modelo de comunidade, que pode indicar se um artigo sofre de parcialidade  ou   carência  de   citações,  ou  até   mesmo   fechar   a  edição   de  verbetes   relacionados  a  temas  polêmicos do noticiário. Em comparação com a tradicional Enciclopédia Britânica, a revista  cientfíca Nature encontrou um nível similar de acuracidade.  Também tornou­se um modelo para outros empreendimentos colaborativos. A “família  Wikimedia” conta com um dicionário (Wiktionary), um canal de notícias (Wikinews), uma  biblioteca de livros virtuais (Wikibooks), entre outros projetos. 
  • 19. 17 2. DO JORNALISMO PESSOAL AO JORNALISMO COLABORATIVO “Não retrate a comunidade. Seja a comunidade”. Tim Porter, escritor1 2.1. ORIGENS Ao   lançarmos   um   olhar   sobre   a   história   da   imprensa,   percebe­se   que   a  profissionalização e a institucionalização nunca foram absolutas. A onipresença dos grandes  jornais, do rádio e da televisão podem ofuscar um pouco esta realidade, mas publicações  alternativas   têm   estado   presentes   em   todos   os   momentos,   especialmente   durante   crises,  situações de instabilidade política, tragédias, etc. Em   seu  Nós,   os   Media,   Dan   Gilmor   narra   como   panfletos   contribuíram   para   a  independência e formação dos Estados Unidos. “Nos finais do século XVIII, um dos nossos  primeiro   panfletários,   Thomas   Paine,   inspirou   muita   gente   com   seus   escritos   acerca   da  revolta,   da   liberdade   e   da   governação”   (2004,   p.   22).   Um   dos   adeptos   dos   panfletos   era  Thomas Jefferson. Os autores anônimos dos Federalist Papers, que se dedicaram a analisar a  Constituição   proposta   e   discutir   o   funcionamento   da   nova   república,tiveram   papel  importantíssimo para a aprovação da Constituição nos estados americanos. A Carta, aliás, tem  como primeira emenda a garantia da liberdade de expressão. No Brasil, um dos momentos que fez disparar o gatilho da imprensa alternativa foi a  ditadura militar. Kucinski, em sua pesquisa sobre o assunto, afirma que no Brasil, entre 1964 e  1980,   “nasceram   e   morreram   cerca   de   150   periódicos   que   tinham   como   traço   comum   a  oposição intransigente ao regime militar” (2003, p. 13). O número inclui jornais de âmbito  regional   ou   com   temáticas   específicas,   como   os   feministas.   Entre   os   de   maior   destaque,  estavam Pasquim, Movimento, Opinião e Versus.  O autor aponta ainda que no apogeu desse  tipo   de   publicação,   nos   anos   entre   1975   e   1977,   os   oito   maiores   somavam   até   160   mil  exemplares por semana.  Ele também destaca a ocorrência desse fenômeno em outros momentos de agitação  política. 1 http://www.timporter.com/firstdraft/archives/000347.html. Último acesso em 12/12/2008
  • 20. 18 Apesar de complexo, o fenômeno alternativo teve contornos nítidos no tempo, como  outros   surtos   na   história   do   nosso   jornalismo,   entre   os   quais   o   dos   pasquins  irreverentes e panfletários do período da Regência, que atingiu seu apogeu em 1830  com cerca de cinqüenta títulos, e o dos jornais anarquistas de operários, meio século  depois, com quase quatrocentos títulos. Nos três momentos, pequenos jornais sem  fins mercantis, produzidos precariamente, às vezes por um só homem, como eram  muitos pasquins, dirigiam­se à sociedade civil e às classes subalternas criticando o  Estado e propondo mudanças. (KUCINSKI, 2003, p. 21) Nos anos 1980 e 1990, proliferam em diversos países fanzines. Dessas publicações  amadoras, feitas por fãs de alguns fenômenos da cultura pop, há registro desde os anos 1930.  Porém a explosão do movimento punk e de seu do it yourself (faça você mesmo) trouxe nova  vitalidade   para   o   gênero,   em   uma   época   marcada   pela   estagnação   econômica   e   pelo  desemprego   em   diversas   partes   do   mundo.   Normalmente   em   edições   fotocopiadas   ou  mimeografadas   e   enviadas   pelo   correio,   sem   qualquer   regularidade,   os   zines   nasceram   e  morreram aos milhares. Nos Estados Unidos e na Grã­Bretanha, alguns dos mais respeitados  críticos culturais começaram suas carreiras nesse tipo de revista. Entre eles, Greil Marcus e  Lester Bangs. (STONEMAN, 2001) 2.2. JORNALISMO ALTERNATIVO NA INTERNET O advento da internet, além de facilitar a criação de publicações, aumentou de forma  avassaladora seu alcance. Uma das primeiras ferramentas desenhadas para o novo meio, o  wiki, em 1994, tinha como objetivo justamente possibilitar a criação colaborativa de conteúdo.  O uso mais conhecido do wiki é a enciclopédia online Wikipedia, mas há sites jornalísticos  que usam a ferramenta, como o WikiNews.  (GILLMOR, 2005) Em 1997, surge o Slashdot, site dedicado a notícias de tecnologia, em que os usuários  podem   enviar   links   para   matérias   publicadas   em   outros   sites.   A   novidade   trazida   pelo  Slashdot,   entretanto,   é   o   diálogo   que   se   desenvolve   nos   comentários   de   cada   notícia.   No  começo,   enquanto  havia   um  grupo   pequeno  de  usuários,  apenas   o  fundador  do  site,   Rob  Malda, organizava as mensagens e separava o “joio do trigo”. Porém, um ano depois, cerca de  50 mil pessoas participavam do espaço. Acompanhando o crescimento de seu site, Malda foi 
  • 21. 19 aprimorando uma ferramenta de programação que permite que qualquer usuário com alguma  assiduidade venha a se tornar um moderador temporariamente e dar notas aos comentários. O  número de notas é limitado. Quem navega pode optar por ver apenas as entradas com notas  mais altas, na escala que vai de ­1 a 5. O histórico de notas recebidas pelo usuário compõe seu  “carma” e usuários com carmas mais elevados ganham privilégios, como terem mais chances  de serem escolhidos moderadores. Steve Johnson incluiu o Slashdot como um dos casos em seu livro Emergência, sobre  sistemas do tipo bottom­up (de baixo para cima). Trata­se de sistemas que se organizam sem  uma liderança central, mas que, a partir de regras próprias e com a ação de indivíduos, cria  um todo “inteligente” (não necessariamente no sentido da inteligência humana) e evolutivo.  Em linguagem mais técnica, são complexos sistemas adaptativos que mostram um  comportamento   emergente.   Neles,   os   agente   que   residem   em   uma   escala   acima  deles: formigas criam colônias; cidadãos criam comunidades; um software simples  de reconhecimento de padrões aprende a recomendar novos livros. O movimento das  regras de nível baixo para a sofisticação de nível mais alto é o que chamamos de  emergência. (JOHNSON, 2003, p. 14) O  feedback  –   tanto   positivo   como   negativo   –   é   um   dos   mecanismos   para   o  funcionamento de comunidades. No caso do Slashdot o  feedback positivo é dado pelo valor  atribuído   à   participação;   o   negativo,   pela   escassez,   já   que   os   poderes   de   moderação   se  esgotam.  O problema para Malda era como construir um sistema homeostático que levasse o  site naturalmente àquele estado, sem que nenhum indivíduo estivesse no controle. A  solução a que ele chegou seria imediatamente reconhecido hoje: uma mistura de  feedbacks   positivo   e   negativo,   uma   dose   de   acaso   estruturado,   interações   entre  vizinhos e controle descentralizado. De um certo ângulo, o Slashdot hoje se parece  com uma colônia de formigas. De outro, parece uma democracia virtual. O próprio  Malda compara­o às tarefas de um júri. (JOHNSON, 2003, p. 115) O Slashdot foi pioneiro em um modelo que atualmente é utilizado em diversos sites,  como a gigante de vendas online Amazon e o respeitado Epinions, de resenhas de produtos.  Ambos computam tanto notas dadas pelos usuários aos artigos como os próprios usuários são  avaliados, pela freqüência e qualidade de participação. Também é o exemplo para sites de 
  • 22. 20 jornalismo colaborativo que atuam sem a presença de uma equipe de edição centralizada,  como veremos adiante. Em 1999, dois acontecimentos tiveram grande impacto na maneira como as pessoas  passaram a usar a internet: os protestos anti­globalização e o surgimento dos blogs. Desde   meados   dos   anos   1990,   movimentos   populares   e   anti­capitalistas   como   os  zapatistas no México, o Movimento dos Sem Terra brasileiro, o inglês Reclaim the Streets, a  Rede de Mulheres Indígenas da América do Norte, e outros começaram a se articular em uma  rede, que em 1998 ganhou o nome de Ação Global dos Povos. Um dos princípios dos grupos  envolvidos era a ausência de hierarquia; a organização deveria ser horizontal. A primeira ação  internacional foi o “Carnaval contra o Capitalismo”, que ocorreu em 18 de junho de 1999,  enquanto o G8 se reunia na Alemanha. Com o lema “Nossa resistência é tão transnacional  quanto o capital”, foram realizados protestos simultâneos em distritos financeiros de mais de  40 países, incluindo Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, França, Israel e Nigéria.  A internet – emails e a lista de discussão – foi um fator­chave para a abrangência do  movimento e contato entre os grupos. Mas ainda havia o entrave do pouco espaço na mídia  tradicional   para   os   protestos.   Na   reunião   de   criação   da   Ação   Global   dos   Povos,   um   dos  participantes havia dito: “O inimigo global é relativamente bem conhecido, mas a resistência  global que ele enfrente raramente passa através do filtro da mídia” (LUDD, 2002, pp. 15­16). Assim, para as próximas manifestações, os movimentos criaram seu próprio veículo  na internet, o Indymedia – Independent Media Center (Centro de Mídia Independente). O site  foi   ao   ar   em   24   de   novembro   de   1999,   dias   antes   dos   protestos   contra   a   reunião   da  Organização   Mundial   do   Comércio   (OMC)   em   Seattle,   nos   Estados   Unidos.   A   primeira  entrada   dá   o   tom   do   que   viria:   “A   web   alterou   dramaticamente   o   equilíbrio   entre   mídia  multinacional e ativista. Com apenas um pouco de programação e algum equipamento barato,  podemos   estruturar   um   website   automatizado   que   rivaliza   com   as   corporações”  (INDYMEDIA, 1999).  A OMC começou a sua reunião no dia 30, mas as negociações do que seria a Rodada  do Milênio, sobre a diminuição das barreiras comerciais, sequer iniciaram2, devido a diversos  fatores, entre os quais os massivos protestos que ocorreram na data. O Indymedia foi o espaço  em   que  ativistas,  curiosos   e   jornalistas   buscaram   notícias,   fotos,   áudio   e   vídeos   sobre   as  2 Um novo encontro aconteceu em novembro de 2001, em Doha, no Qatar, e a agenda estabelecida então ficou conhecida como Rodada de Doha. As negociações, ainda em andamento, até a última reunião em 2008 em Genebra, não levaram a um acordo, principalmente pela discordância entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
  • 23. 21 manifestações e a repressão policial – o próprio Centro de Mídia Independente, aliás, recebeu  “uma   violenta   visita   do   FBI”,   como   lembra   Gillmor   (2004,   p.   148).   Atualmente,   há   150  versões locais e autônomas do Indymedia. A brasileira permite que qualquer pessoa publique  conteúdo, mas remove da página inicial spams, textos repetidos e em desacordo com a política  editorial do site. Esse material é reunido em uma seção chamada “Artigos escondidos”, para,  de acordo com o coletivo editorial, dar transparência ao processo.  Se   o   Indymedia   era   a   possibilidade   de   publicar   com   apenas   um   pouco   de  programação,   na   mesma   época   surgia   uma   ferramenta   que   permitia   criar   seu   espaço   na  internet mesmo a quem não tinha nenhum conhecimento de linguagem HTML. Os  blogs  –  abreviação para web log (registro de web) – são páginas de internet que publicam entradas em  ordem  cronológica  inversa,  ou seja, as  mais  recentes  acima das  mais  antigas. A primeira  comunidade de blogs foi a Open Diary, que foi ao ar em outubro de 1998. Além de oferecer a  criação de diários, a Open Diary logo implementou uma funcionalidade para que usuários  pudessem colocar comentários em entradas de outros diários, que depois se tornaria uma das  características mais comuns desse tipo de publicação. Em meados de 1999, mais de 10 mil  diários faziam parte da comunidade. Também em 1999, surgiram outros dois serviços online  para   criação   e   hospedagem   de  blogs:   o   LiveJournal   e   o   blogger.com,   que   rapidamente  alcançaram extrema popularidade. O blogger.com foi comprado pelo Google em 2003, por  valores não revelados. Com o acesso cada vez maior e mais barato à conexão à internet por banda larga, os  blogs experimentaram uma explosão. O mecanismo de ranqueamento de blogs Technorati cita  a pesquisa da Universal McCann para referendar sua visão de que os blogs vieram para ficar:  em todo o mundo, 184 milhões de pessoas já criaram um blog e 346 milhões de pessoas –  77% dos usuários ativos de internet – lêem blogs. O próprio Technorati tem indexados 133  milhões de blogs desde 2002, dos quais 1,5 milhão haviam publicado algum conteúdo nos sete  dias anteriores à elaboração do relatório, em junho de 2008. (TECHNORATI, 2008)  O espectro formado por todos essas páginas vai de projetos individuais a publicações  coletivas, dos mais amadores aos corporativos; seu conteúdo vai de textos literários e fotos,  passa por cartuns e culinária, até abordagens sofisticadas. Segundo Dan Gillmor,  Nos últimos 150 anos, dispusemos essencialmente de dois meios de comunicação: 
  • 24. 22 de   um   para   muitos   (livros,   jornais,   rádio   e   televisão)   e   de   um   para   um   (cartas,  telégrafo   e   telefone).   Pela   primeira   vez,   a   Internet   permite­nos   dispor   de  comunicação  de  muitos  para  muitos   e  de  alguns  para  alguns   ... De  muitos   para  muitos, de alguns para alguns. Nestes dois casos e em todos os outros, o blogue é o  meio de comunicação. (GILLMOR, 2004, pp. 42 e 45) As novas ferramentas para publicação já haviam conquistado algum espaço, mas um  período de tragédia as colocou à prova como instrumento de informação alternativa à mídia  tradicional. A cobertura do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos  mobilizou milhares de pessoas que levaram à internet seus relatos, imagens, informações e  comentários.  De acordo com o Pew Internet Project, em pesquisa citada por Bowman e Willis  (2003,   p.   7),   os   ataques   geraram   o   maior   volume   de   tráfego   para   os   sites   de   notícias  tradicionais na história da Web até então. Muitos sites não deram conta da enorme demanda e  o público se voltou para e­mails, blogs e fóruns.    Gillmor (2004), falando sobre um dos blogs que ascenderam na época, o InstanPundit,  de Glenn Reynolds, descreve da seguinte forma: Actualmente, InstanPundit.com goza de enorme aceitação. Reynolds está sempre a  publicar comentários cortantes, de tendência libertária e conservadora3, sobre uma  grande diversidade de questões. Tornou­se uma estrela num firmamento que, ainda  há muito pouco tempo, não poderia ter existido, um firmamento que conseguiu o  maior impulso no dia mais cruel da história americana recente. O dia que ficou  congelado no tempo, mas as explosões dos aviões contra aquelas torres trouxeram  uma redobrada onde de calor ao glaciar dos meios de comunicação e o gelo continua  a derreter­se. (GILLMOR, 2004, p. 39) Foi   a   partir   deste   momento   que   ganhou   em   popularidade   os   termos   jornalismo  cidadão, jornalismo participativo ou jornalismo colaborativo – além dos termos mais comuns  na área de tecnologia mídia gerada pelo usuário e conteúdo gerado pelo usuário. (Em inglês,  citizen journalism  tem um caráter muito mais voltado à produção feita pelos cidadãos; em  português, a expressão pode indicar a cobertura de assuntos relacionados à cidadania. Por  3 Libertário, no contexto político americano, é aquele que defende mínima intervenção do Estado na economia (redução de impostos, privatização da Previdência Social, pouca regulação do mercado) e em outros aspectos da vida social, como direito ao aborto, ao porte de armas, liberação da prostituição, jogos de azar e de drogas. (Nota da autora)
  • 25. 23 isso, neste trabalho optamos por “jornalismo colaborativo”). Os desdobramentos do 11 de Setembro também levaram a uma cobertura intensa na  internet   e   ao   reconhecimento,   por   alguns   veículos   importantes,   das   possibilidades   que  surgiam.   Para   cobrir   as   manifestações   em   diversos   lugares   que   precederam   a   invasão  americana no Iraque, a BBC News fez um apelo para que seus leitores enviassem fotos tiradas  com câmeras digitais ou celulares com câmeras embutidas e publicou as melhores em seu site  (BOWMAN e WILLIS, 2003, p.8). Os autores também citam pesquisa mostrando que, nos  primeiros dias da guerra do Iraque, 17% dos americanos com acesso à internet usaram o meio  como principal fonte de informação sobre a guerra; logo após o 11 de Setembro, eram apenas  3%. (BOWMAN e WILLIS, 2003:8). 2.3. TIPOS E FUNÇÕES DA PARTICIPAÇÃO O estudo do Media Center define jornalismo participativo como "o ato de um cidadão,  ou   grupo   de   cidadãos,   participa   ativamente   no   processo   de   coletar,   reportar,   analisar   e  disseminar   notícias   e   informação.   O   intuito   dessa   participação   é   produzir   a   informação  independente,   confiável,   precisa,   abrangente   e   relevante   de   que   necessita   a   democracia"  (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 9).  Essa participação pode se dar de diversas maneiras, muitas das quais estão em um  terreno pantanoso quanto a serem de fato jornalismo ou não. Lasica (2003) propõe que em  geral o jornalismo participativo se enquadra em uma das seguintes categorias: 1. Participação   do   público   em   veículos   mainstream  –   que   inclui   blogs   de  membros da equipe do veículo com espaços para comentários, fóruns, artigos escritos por  leitores e fotos e vídeos enviados pelo público. No Brasil, a maioria dos jornais e portais de  notícias (Folha de S. Paulo/UOL, Estado de S.Paulo, O Globo, Terra, entre outros) conta com  espaços do gênero; 2. Sites de notícia independentes ­ que podem ser desde blogs individuais até sites  voltados a nichos ou comunidades locais. Os blogs dos jornalistas Luis Nassif e Pedro Dória  (que não são subordinados às empresas onde eles trabalham) estão nessa categoria, assim  como o blog coletivo de tecnologia Gizmodo. Outra iniciativa de interesse no Brasil é o Rio  Body Count, em que, a exemplo do Iraq Body Count, seus criadores computam as mortes por 
  • 26. 24 violência no Rio de Janeiro. 3. Sites participativos – em que o material produzidos pelo público é o principal  recurso.   O   coreano   OhmyNews   é   o   exemplo   mais   famoso,   com   milhões   de   visitantes  diariamente e dezenas de milhares de colaboradores. O OhmyNews conta com uma equipe de  profissionais   que   faz   a   edição   do   material   e   os   colaboradores   recebem   um   pagamento  simbólico em dinheiro. 4. Sites colaborativos – em que, além de enviar material, o público em geral pode  participar do processo de edição. É o que acontece no Slashdot, no Kuro5hin e no brasileiro  Overmundo. 5. Mídia magra  – listas de discussão por e­mail e newsletters. No Brasil, o Ex­ Blog do César Maia pode ser considerado um exemplo.  6. Sites de transmissão pessoais – entre os quais estão os podcasts e videocasts. Bowman   e   Willis   (2003)   fazem   uma   classificação   partindo   da   função   que   a  colaboração do público pode exercer:  1. Comentário – o mais comum e talvez o mais importante nível de participação.  Isso se aplica tanto ao espaço para comentários em sites de notícias como textos de opinião e  análise.  “... alguns defendem que o blog é a próxima geração das páginas  de editoriais e  opinião dos jornais” (BOWMAN e WILLIS, 2003, p.33).  2. Filtragem   e   edição  –   que   incluem   filtragem,   classificação,   ranqueamento   e  apontamento de links. São os casos em que ocorre seleção e julgamento editorial. O escândalo  da demissão de procuradores da República no governo Bush levou o então ministro da Justiça  americano,   Alberto   Gonzáles,   a   renunciar.   O   caso   foi   trazido   à   tona   por   Joshua   Micah  Marshall, do blog Talking Points Memo, que recebeu o prêmio George Polke pela cobertura.  “Informado   por   leitores   em   vários   cantos   do   país,   percebeu   que   havia   uma   série   de  procuradores   públicos   sendo   demitidos.   Invariavelmente,   eram   procuradores   que   haviam  aberto   processos   contra   políticos   republicanos   locais.   Não   havia   ninguém   no   jornalismo  tradicional atento a estas histórias que eram, essencialmente, pequenas e regionais”. (DÓRIA,  2008)  3. Checagem – um dos exemplos trazidos por Gillmor (2004, pp.185­186) é o de  Kayceen Nicole, que criou um blog para falar sobre sua luta contra a leucemia. Entre 2001 e  2002, o espaço teve milhares de visitas de internautas que enviavam mensagens de apoio e  ofertas de auxílio, até que sucumbiu à doença. Porém, em 18 de maio de 2001, um usuário 
  • 27. 25 questionou no MetaFilter se ela existia de verdade. Um grupo de usuários tomou para si a  tarefa de descobrir: investigaram registros, trocaram informações, e revelaram a farsa. Se este  é um caso mais profundo, não devemos perder de vista o trabalho cotidiano de checagem  feitos pelo público de blogs e jornais.  4. Reportagem   de   base  ­   “Assumindo   a   forma   de   testemunhas   ou   relatos   de  primeira­mão, usuários de internet participam do processo de reportagem e reunião de fatos,  muitas vezes produzindo notícias de impacto (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 33). Também  se enquadram nessa categoria a participação de especialista ou diletantes, que publicam em  seu blog ou em outros espaços, especialmente quando se trata de assuntos que não têm uma  boa cobertura da mídia tradicional.  5. Reportagem extensiva – envolve a publicação de material complementar a uma  matéria.  Muitos  jornalistas   usam  seus   blogs  para  públicar  íntegras  de  entrevistas, versões  menos editadas de textos, etc.  6. Reportagem “código aberto” e revisão pelos pares – alguns sites começam a  permitir que leitores avaliem determinado material antes mesmo de sua publicação oficial, de  maneira similar à revisão por pares feitas em publicações científicas. Recentemente, a revista  Wired   criou   um   blog4  para   acompanhar   a   elaboração   de   um   perfil   do   roteirista   Charlie  Kaufman para a edição de novembro. Foram publicados e­mails internos (mas não de fontes),  áudio, vídeos, rascunhos de texto e de diagramação, numa espécie de  making off em tempo  real da reportagem.  7. Transmissão de áudio e vídeo 8. Compra,   venda   e   anúncios  ­   “O   ethos   igualitário   que   move   o   jornalismo  participativo não se resume meramente à disseminação de notícias e informação, mas também  abrange comércio e anúncios” (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 36). Há casos bem sucedidos  de jornalistas independentes que conseguiram levantar fundos com a doação de leitores, como  Chris Allbritton, que em 2003 pediu contribuição financeira a seus leitores para ir ao Iraque  fazer reportagens sobre o conflito. No total, 342 pessoas enviram cerca de 14,5 mil dólares  (GILLMOR,   2004,   p.158).   Outro   exemplo   é   o   site   Kuro5hin,   que   permite   que   leitores  comentem os anúncios.  9. Gerenciamento   de  conteúdo  –  em   que   as   pessoas   usam   blogs   para   coletar,  armazenar e compartilhar conhecimentos sobre determinado assunto.  4 http://blog.wired.com/storyboard/. Último acesso em 12/12/2008.
  • 28. 26 2.4. IMPLICAÇÕES PARA O JORNALISMO TRADICIONAL A   participação   do   público   traz   à   tona   novamente   questionamentos   sobre   o   que   é  jornalismo, o que é notícia, quem são os jornalistas. As discussões, por exemplo, se blogs são  jornalismo, tema da matéria de capa da revista Imprensa de setembro de 2008 (para a revista,  a discussão acabou: não são, como afirma na capa), acontecerem em 2003 em um programa  da rede de televisão pública americana, PBS (LASICA, 2003).  Como descreve o relatório do Media Center: Claramente, o jornalismo está em processo de redefinição, se ajustando às forças  desordenantes   que   o   cercam.   Assim,   não   é   surpreendente   que   discussões   sobre  formas   de   jornalismo   participativo,  como  os   blogs,   sejam   freqüentemente  consumidas   por   debates   defensivos   sobre   o   que   é   jornalismo   e   quem   pode,  legitimamente, se autodenominar jornalista. (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 11) Na transposição para outro ambiente, a internet, alguns dos paradigmas do jornalismo  sofrem alterações5, borrando ainda mais os limites entre informação e notícia. Neste trabalho  vamos nos deter nas implicações da internet em duas teorias do jornalismo: agenda setting e  gatekeeping.  A   hipótese   do  agenda   setting  propõe   que   “a   mídia,   pela   seleção,   disposição   e  incidência   de   suas   notícias,   vem   determinar   os   temas   sobre   os   quais   o   público   falará   e  discutirá” (BARROS FILHO, 1995, p. 169).   Simultaneamente, os assuntos excluídos pela  mídia não entram na agenda de debates das pessoas.  Porém,   uma   das   características   da   internet   é   a   personalização   do   noticiário   que   o  público recebe. Amplificada, essa personalização pode ser definida como o The Daily Me, a  previsão feita por Nicholas Negroponte em 1995 que os leitores poderiam escolher apenas os  tópicos e fontes que lhes interessassem (apud BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 7).   Atualmente, a maioria dos portais e sites de notícias estrangeiros incluem opções para  personalização da página inicial. No iGoogle, do Google, o usuário pode escolher destaques  de diversos sites e sua disposição na página; no MyTimes, do The New York Times, é possível  escolher entre editorias do jornal, sugestões de jornalistas da equipe e material externo; o  Yahoo oferece, com o MyYahoo, um serviço similar.  5 Algumas dessas mudanças já começavam a acontecer com a transmissão televisiva via cabos de fibra ótica, que possibilitou o surgimento de canais como a CNN.
  • 29. 27 Mas não é necessário sequer ir até os sites. O RSS (Really Simple Sindication  ou  Distribuição Realmente Fácil)  é um elemento que é cada vez mais presente nos sites que têm  atualizações freqüentes. Com um programa conhecido como agregador, o usuário pode se  inscrever   ou   assinar   os   sites   que   deseja   acompanhar.   Nesse   agregador,   o   usuário   passa   a  receber as atualizações de seus sites preferidos. “De um momento para o outro, o sistema RSS  põe a Internet a funcionar como deve ser. Em vez de procurar tudo, a Internet traz até nós o  que pretendemos, nas condições por nós estabelecidas” (GILLMOR, 2004, p. 54). Boa parte  dos agregadores também apresentam ferramentas de redes sociais, ao permitir que o usuário  também receba atualizações indicadas por seu grupo de amigos. Outro uso interessante é feito  pelo Google, ao oferecer assinaturas para resultados de buscas por determinadas palavras­ chave. Assim, o usuário pode ficar sabendo sempre que houver um novo resultado para aquela  busca.  Com o largo espectro temático e ideológico dos blogs e sites e a cultura do link e dos  comentários, o poder do agenda setting se divide em número cada vez maior de mãos. Por  outro lado, o Daily Me não é tão individual como previsto. Como afirmam Bowman e Willis  (2003), a idéia do Daily Me está sendo substituída pelo Daily We.  O conceito de gatekeeping estabelece que o fluxo de notícias dentro dos meios de  comunicação passa por zonas filtro que definem qual material será aceito e qual será rejeitado.  O jornalista atua, portanto, como um porteiro. Bruns (2003) lembra que o conceito já vinha  sendo questionado, antes mesmo da internet, devido à contaminação pela influência crescente  das assessorias  de imprensa e especialistas em manipulação (spin doctors), que debilita o  processo de gatekeeping. O gatekeeping se baseia na noção de que há uma realidade identificável de eventos,  que  ultrapassa  os   canais   de   publicação,   limitados   seja   pelo   espaço,   no   caso  dos   veículos  impressos,  seja   pelo  tempo,  no  caso  da  televisão   e  do  rádio.   Na internet,  porém,   não   há  escassez de espaço; pelo contrário, há uma tendência a capacidades cada vez maiores  de  armazenamento, como um dos corolários da Lei de Moore. Com a internet, afirma Bruns (2003, p.4), "não apenas há uma multidão de portões  pelos quais informação e eventos potencialmente noticiáveis emergem à arena pública, como  também  existe um  igual  número  de  critérios  para  avaliar  a 'noticiabilidade'  para  públicos  específicos". O uso de hiperlinks permite ao autor apontar diretamente para fontes e para  outros pontos de vista.
  • 30. 28 Ao gatekeeping, o autor contrapropõe o conceito de gatewatching. Os gatewatchers  atuam como bibliotecários especializados, selecionando quais informações são confiáveis na  área que cobrem. Os publicadores, que podem ser pessoas comuns ou partidários de uma  causa,   não   levam   a   informação   para   o   usuário,   mas   sim   permite   que   ele   venha   até   a  informação.   Ao   manter   os   benefícios   do   gatekeeping,   o   gatewatching   permite   confrontar  diversos problemas na abordagem do gatekeeper: • as matérias têm potencial para ser mais profundamente informativas, já que  os leitores podem explorar material das fontes diretamente, e de maneira completa; • a velocidade do noticiário  aumenta,  já que notícias  podem  ser  publicadas  assim que uma fonte de informação é encontrada na internet, sem a necessidade de  esperar   jornalistas   escreverem   suas   matérias   ou   gatekeepers   completarem   sua  avaliação; • o processo de edição se torna mais transparente e não se evita que leitores  chequem as fontes de uma notícia; ao contrário, isso é encorajado; • o viés pessoal do editor pode ainda afetar sua matéria, mas como leitores  estão mais inclinados a consultar fontes originais, esse viés tem efeito reduzido; • gatewatchers   não   precisam   de   grandes   habilidades   jornalísticas,   e   sim   de  habilidades para pesquisa geral online. (BRUNS, 2003, pp. 8­9) Em relação ao terceiro e ao quarto tópico, um ponto interessante a ser considerado é o  uso   que   as   próprias   fontes   fazem   da   internet.   O   Departamento   de   Defesa   do   governo  americano,   por   exemplo,   publica   em   seu   site6  a   íntegra   das   entrevistas   importantes   do  secretário e de seu adjunto. Assim, o público tem como conhecer o contexto em que foram  dadas as declarações e julgar se foram editadas de maneira inadequada.  Qual   a  indústria  que,  por  tradição,  se  encontra  entre  as   menos   transparentes?  O  jornalismo. Temos sido uma caixa negra e, nos anos recentes, apenas conseguimos  tornarmo­nos   ligeiramente  menos   opacos.  O  público,  porém,  está  a  exigir  maior  transparência no nosso domínio e a fazer seu próprio jornalismo quando nós não  conseguimos responder de maneira satisfatória … Não estamos habituados, por mais  saudáveis que nos sintamos, a ser analisados da mesma maneira que analisamos as  outras pessoas. (GILLMOR, 2004, p. 74) 6 http://www.defenselink.mil/transcripts/
  • 31. 29 3. O BLOG DO NASSIF 3.1. BIOGRAFIA Luis   Nassif   nasceu   em   1950,   em   Poços   de   Caldas,   Minas   Gerais.   Formou­se   em  jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Trabalhou na  revista Veja, de 1970 a 1979. A seguir, foi para o Jornal da Tarde, onde criou a seção “Seu  Dinheiro”, de finanças pessoais, e o “Jornal do Carro”. Em 1983, foi para a Folha de S.Paulo,  onde foi colunista e membro do conselho editorial. Escrevia principalmente sobre economia,  embora um de seus espaços no jornal fosse uma coluna de crônicas.  Ele ficou na Folha de  1983 a 2006, com um intervalo entre 1987 e 1991. Em 1987, criou a Agência Dinheiro Vivo,  de notícias de economia em tempo real.  É vencedor do Prêmio Esso de Reportagem, em 1986, por sua cobertura do Plano  Cruzado; do Prêmio Ayrton Senna, na categoria Jornalista Econômico, em 2003; recebeu  menção honrosa do prêmio Jabuti de 2003, categoria crônica; vencedor do prêmio de Melhor  Jornalista de Economia da Imprensa Escrita do site Comunique­se em 2003, 2005 e 2008. Ele  atuou como comentarista econômico na TV Cultura e na TV Bandeirantes. É membro do  Conselho do Instituto de Estudos Avançados da USP e do Conselho de Economia da Fiesp.  Já   lançou   os   livros  O   Menino   de   São   Benedito   e   Outras   Crônicas  (2001),  O  Jornalismo dos Anos 90  (2003) e  Os Cabeça­de­Planilha  (2007). Além do trabalho como  jornalista, Nassif também é cantor e compositor, pesquisador de samba e choro.  Criou o Blog do Nassif em 30 de maio de 2006, pouco antes de deixar a Folha. O blog  continuou hospedado pelo UOL, portal pertencente ao grupo Folha da Manhã, que edita a  Folha   de   S.   Paulo,   até   setembro   de   2006.   Desde   então,  está   hospedado   no   portal   iG  (www.projetobr.com.br/web/blog/5).  Em 2007, Nassif lançou o Dossiê Veja, série de textos denunciando manipulações e  distorções intencionais no noticiário da revista semanal.  3.2. O BLOG E A PARTICIPAÇÃO DOS LEITORES Desde o início, Nassif abriu espaço no blog para as  manifestações  de leitores.  No 
  • 32. 30 primeiro post, de apresentação (“O Blog”, 30/5/2006), ele já destaca essa participação:  Sempre que levanto um tema polêmico, costumo receber e­mails consistentes, de  pessoas com diferentes opiniões. Pretendo abrir espaço para esse tipo de comentário,  mais do que para os comentários curtos e impressionistas dos blogs convencionais.  Por   isso   mesmo,   quem   tiver   comentários   maiores   a   fazer,   poderá   escrever   para  luisnassifonline@uol.com.br Os melhores serão publicados, dentro dos limites  de  espaço do blog”. (Anexo I) Cerca de uma semana depois, é publicado o primeiro comentário de leitor como post  na área principal  do  blog (“Do leitor”, 6/6/2006, Anexo I). Em 17/7/2006, é publicado   o  primeiro post com o objetivo exclusivo de fazer elogio público à participação dos leitores (“O  Blog e os leitores”, Anexo I). Esse procedimento é uma constante no blog (por exemplo, nos  posts “O acidente da Gol”, 17/11/2006; “Livro em rede”, 27/11/2006; e “A discussão sobre o  Youtube”, 9/1/2007, Anexo I) e uma dos mecanismos utilizadas para atrair a participação  qualificada.   Com   o   tempo,   o   grupo   de   leitores,   especialmente   o   de   contribuidores   mais  freqüentes, passa a ser referido como comunidade.  Também são criadas seções específicas para a participação dos leitores. A primeira é a  “Trivial variado”, com estréia em 20/3/2007 (“Trivial variado”, Anexo I), com o objetivo de  ser   um  post  no qual  os  freqüentadores  poderiam  publicar  quaisquer  comentários  que  não  estivessem relacionados com os assuntos dos outros posts do dia. Com o tempo, o “Trivial”  acabou por se tornar um espaço para publicação de textos literários, poemas, discussões sobre  arte e cultura e outros temas mais leves. Em agosto de 2008, criou outra seção com objetivo  similar, a “Fora de pauta” (“Fora de pauta”, 26/8/2008, Anexo I), publicada diariamente por  volta do meio­dia.  Com o crescimento da popularidade do blog e aumento no número dos comentários,  alguns  posts  são dedicados também a esclarecer as “regras de convívio” no espaço (cabe  destacar que os comentários passam por moderação e só vão ao ar – integral ou parcialmente  – depois de aprovados). É o caso dos posts “O Estatuto da Gafieira” (3/11/2006), “Estatuto da  gafieira”   (5/2/2007),   “Convivência   democrática”   (17/6/2007),   “Filtros   nos   comentários”  (6/7/2007), entre outros (Anexo I). A moderação veta a publicação de comentários de teor  ofensivo   ou   grosseiros,   como   define   um   dos  posts:   “Críticas   pesadas   contra   terceiros  continuarão a não ser aceitas. Contra o blogueiro (desde que não contenham elementos de 
  • 33. 31 injúria, calúnia ou difamação) serão aceitas, mas desde que o comentarista se identifique. Só  faltava   abrir   um   espaço   democrático   para   receber   porradas   de   anônimos”   (“Estatuto   da  gafieira”,  5/2/2007, Anexo I). Outro comportamento comum é fechar os comentários ou pedir  aos   freqüentadores   que  não   o  façam   quando  se  trata  de  posts  com  a   resposta   de  alguém  criticado no blog, como em “A Abril se manifesta” (2/2/2008).  O   Projeto   Brasil   surge   de   forma   paralela,   como   “um   empreendimento   jornalístico  independente que oferece os conteúdos e ferramentas necessárias para a discussão estruturada  de   temas   estratégicos   para   o   desenvolvimento   nacional   (...)   tem   como   objetivo   principal  mudar   o   foco   das   discussões   na   imprensa   brasileira”7.   Além   do   conteúdo   produzido   por  equipe própria, o Projeto Brasil se alimenta de fóruns de discussão. Os fóruns estão divididos  em   “comunidades”,   termo   usado   aqui   com   sentido   levemente   diferente   do   anteriormente  mencionado, já que neste caso os participantes são cadastrados em uma rede social, criam  perfis, podem criar grupos e interagir de formas diferenciadas em relação ao blog. São elas:  “Comunidade do Blog Luis Nassif Online”, “Comunidade Verso & Prosa” e “Comunidade  Projeto Brasil Gestão”.  A relação entre o Projeto Brasil, os fóruns e o  blog  é evidenciada nos  posts  sobre o  desenvolvimento do Projeto, com o objetivo de “1. Dar dar mais visibilidade aos artigos dos  comentaristas do Blog, publicando no PB aqueles comentários mais elaborados. 2. Permitir  mais tempo de vida às discussões permanentes, que serão transferidas para o Fórum Online”  (“Blog e Projeto Brasil”, 12/11/2007, Anexo I).  3.3. O BLOG, A MÍDIA E A INTERNET Neste   período,   destacam­se   as   discussões   sobre   o   comportamento   da   imprensa  tradicional (“O papel da mídia”, 22/6/2006; “O papel da mídia – 2”, 22/6/2006, Anexo I), por  sinal, assunto analisado por Nassif no livro  O Jornalismo dos Anos 90,  e também sobre as  novas tecnologias e o novo modelo de comunicação surgido delas (“Conhecimento em rede”,  29/9/2006; “A nova era da comunicação”, 24/10/2006, Anexo I). Um texto em especial mostra  sua visão em relação à internet e aos blogs: A homogeneização do pensamento acabou deixando ao relento fatias importantes do  7 Fonte: http://www.projetobr.com.br/c/portal/layout?p_l_id=PUB.1013.29. Último acesso em 12/12/1008.
  • 34. 32 público, do leitor intelectualmente mais exigente àquele cujas preferências políticas  deixaram de ser contempladas pelo conjunto da mídia. Todo   esse   quadro   se   formou   no   momento   em   que   a   proliferação   de   blogs,   na  Internet,   criou   novos   espaços   de   opinião.   Antes,   tinha­se   o   jornal   dando   a  visibilidade a seus colunistas, emprestando parte de seu prestígio e recebendo, de  volta, a agregação de mais leitores e prestígio. Com os blogs, o aval não é mais do  jornal, mas é individual, do blogueiro. Os blogs são apenas a parte mais visível de um processo de criação de novos centros  de   opinião,   como   grupos   de   discussão,   fóruns,   ONGs.   E   novos   atores   de   peso  entrando no jogo, como as empresas de telefonia e os portais. Nos próximos anos, a mídia brasileira passará pelas maiores transformações da sua  história. Os jornais que entenderem o processo continuarão no jogo” (“O jogo da  convergência digital”, 29/8/2006, Anexo I). A observação crítica da cobertura da imprensa sobre os assuntos em pauta – e falta de  cobertura   sobre   determinados   assuntos   –   é   um   dos   aspectos   mais   relevantes   do   Blog   do  Nassif,   que   trespassa   os   comentários   sobre.   E,   como   espécie   de   epílogo   virtual   a  O  Jornalismo dos Anos 90, em de janeiro de 2008, lançou a série “O caso Veja” (“O fenômeno  Veja”, 30/1/2008), denunciando o uso da revista semanal de maior circulação do País para  promover   empresas   ou   atacar   adversários,   a   partir   de   interesses   comerciais   ou   intrigas  pessoais.  Até novembro de 2008 foram escritos 24 capítulos,  vários deles mostrando a atuação  de jornalistas e colunistas a serviço do banqueiro Daniel Dantas, acusado de diversos crimes  financeiros.   “O   caso   Veja”   também   contou   com   a   colaboração   de   leitores,   tanto   no  levantamento de material a pedido de Nassif (tendo como exemplo o post “Preparativos”,  16/2/2008, Anexo I), como na investigação e análise. Sobre isso, diz Nassif: “Foi um trabalho  minucioso de pesquisa feito por vocês … Quando pedi a ajuda de vocês, houve quem risse do  pedido. Esse povo não sabe o que é o trabalho cooperativo em rede” (“A rede e os g00db0ys”,  21/2/2008, Anexo I).  3.4. COBERTURA DO ACIDENTE DA TAM  A cobertura do acidente com o vôo 3054 da TAM é um caso exemplar da participação  do público no Blog do Nassif. Este material foi escolhido para análise por se tratar de um 
  • 35. 33 tema em que aspectos técnicos têm grande relevância, mas que ainda assim apresentou um  forte   caráter   político.   Assim,   com   informações   difíceis   de   serem   contestadas   por   não­ especialistas   e   acontecendo   em   meio   a   um   momento   de   grande   polarização   política,   a  cobertura jornalística fica sujeita a manipulações e sensacionalismo. O material produzido  pelo blog (jornalista e leitores) é uma narrativa tanto das investigações das causas do acidente  como de como a imprensa se comportou em relação ao caso. Porém, como destacado no  capítulo anterior, momentos de tragédia acabam disparando uma grande participação amadora  no noticiário. O acidente aconteceu em 17 de julho de 2007, quando uma aeronave Airbus A320 da  TAM Linhas Aéreas, vinda de Porto Alegre, teve problemas na aterrissagem no aeroporto de  Congonhas,   em   São   Paulo,   e   chocou­se   contra   um   prédio   da   TAM   Express.   No   total,  morreram   199   pessoas,   sendo   187   que   estavam   a   bordo   (181   passageiros,   dos   quais   19  funcionários da TAM, e 6 tripulantes). É o pior acidente da aviação no Brasil. Foram levantados 37 posts no Blog do Nassif a partir da madrugada de 18 de julho de  2007 até o fim do mês de agosto do mesmo ano (Anexo II). Outros posts no período faziam  referência indireta ou referência a assuntos relacionados (como a gestão da Agência Nacional  de Aviação Civil ou o desempenho comercial da TAM). Neste trabalho, porém, reduzimos  nossa seleção aos textos relacionados diretamente ao acidente.  O primeiro post sobre o acidente publicado por Nassif é uma contribuição feita por  leitor (“Sobre a pista de Congonhas”, 18/7/2007, Anexo II). O conteúdo é uma sugestão à  convocação   dos   leitores­especialistas   do   blog.   Outros   12   dos   posts   selecionados   contêm  comentários   ou   e­mails   enviados   por   leitores,   seja   com   texto   próprio,   seja   reproduzindo  material de outra fonte. Deste último caso, temos os posts “A hidroplanagem na aviação”  (18/7/2007), em que a leitora Silvana reproduz texto do site Air Safety Group, e “FAA aprova  sistema aéreo brasileiro” (19/7/2007), com texto da BBC enviado pela leitora Luzete (Anexo  II).  Dos textos de autoria dos comentadores, destaca­se o post “O peso do Airbus da TAM”  (2/8/2007), em que o leitor Gustavo faz um trabalho de cruzamento de informações oficiais da  Airbus, publicadas em seu site, do número de passageiros e quantidade de combustível no  avião, de acordo com o publicado na imprensa, e outras, para fazer um cálculo independente  do peso do avião. Na ocasião, havia a hipótese de que o excesso de peso pudesse ser um dos  fatores responsáveis pelo acidente. O cálculo, feito com base em informações públicas, era 
  • 36. 34 inédito na cobertura até aquele momento.  Também é digno de menção o post “Dos leitores” (29/7/2007), com um apanhado de  comentários curtos (em geral com quatro ou cinco frases), que tratam, em maioria, de como a  imprensa   vinha   tratando   o   acidente.   A   crítica   à   abordagem   da   grande   imprensa   também  aparece nos comentários publicados como texto principal dos leitores André Borges Lopes  (“A dura mudança de rota”, 29/7/2007) e weden (“A segunda morte dos pilotos”, 2/8/2007). Luis Nassif chama os leitores à colaboração com a cobertura em cinco posts:  • “Sobre a pista de Congonhas” (18/7/2007), que embora reproduza comentário  de leitor, é endossado ao ser publicado como texto principal; • “A   propósito   do   furo   do   JN”   (19/7/2007),   em   que   se   dirige   aos   leitores  especialistas   em   dois   momentos:   “os   leitores   especialistas   me   corrijam,   se  estiver errado” e “Solicito que os leitores especialistas expliquem melhor essa  questão, para que se possa avaliar as  seguintes  questões...”. Menos de  duas  horas   depois   da   publicação   deste   post,   é   publicado   “O   uso   do   reverso”  (20/7/2007), com resposta do leitor Antonio Carlos de So aos questionamentos  do jornalista; • “A questão IPT x ANAC” (23/7/2007), em que o convite aparece na seguinte  forma: “Quem tiver elementos, fique à vontade para enriquecer a discussão”. O  post foi editado posteriormente de modo a incluir comentários dos leitores José  e Paulo Travaglini; • “O manual do Airbus” (25/7/2007), em que é publicado o link do manual “para  nossos especialistas”; • “A defesa pós­morte” (1/8/2007), em que embora não nomeie leitores como  interlocutores, é constituído apenas de duas perguntas que, pelo contexto, não  podem ser consideradas apenas como recurso retórico. Por fim, merece citação o post “O acidente aéreo e o Blog” (15/8/2007), com elogios à  participação dos leitores:  Encontrei minha colega Maria Lídia, da TV Gazeta. Me disse que a cobertura do  acidente, pelo seu jornal, se orientou fundamentalmente pelas análises e informações  que vocês ajudaram a colocar no Blog. Especialmente o cálculo do peso do avião, preparado pelo Gustavo, que, segundo  ela, deixou todos seus entrevistados da área surpresos, por perceber que ali estava  um dos pontos centrais, que a cobertura da grande mídia não aprofundou.