Gambiarras: criativas improvisações tecnológicas no Sul Global
1. GAMBIARRAS: IMPROVISAÇÕES
CRIATIVAS E APROPRIAÇÃO CRÍTICA DAS
TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO
DIGITAL NO SUL GLOBAL
Leonardo Foletto
(FGV ECMI / BaixaCultura)
Carolina DallaChiesa
(Erasmus University Rotterdam)
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3. CONTEXTO
_ Pesquisa “artesanal” de anos; BaixaCultura; histórico na cultura hacker;
_ Coletivos brasileiros: Gambiologia; Meta-Reciclagem, Mutirão da Gambiarra; Ricardo
Rosas;
_ Primeira sistematização: 2018, ao estudar Raul Hacker Clube e Favela Gambiarra Tech
(Data Labe);
_ Artigo (com Carolina Dalla Chiesa, Departamento Arts and Culture Erasmus
University, Rotterdam):
“On Gambiarras: Technical Improvisations à la Brazil”, capítulo do livro “Global
Debates in the Digital Humanities” (FIORMONTE, Domenico; CHAUDHURI, Sukanta;
RICAURTE, Paola. Minneapolis, University of Minnesota Press, 2022);
_ “Saídas” para a “ressaca da internet”;
4. PALAVRA:
Segundo Houaiss (2009), o registro mais antigo da palavra está no Diccionario
Contemporaneo da Lingua Portuguesa (1881) de Francisco Júlio Caldas Aulete.
Terminologia: de origem incerta, provavelmente deriva de “gâmbia”, perna, do
italiano “gamba”. E “arra”?
O relato histórico do termo diz que no final do século XIX as cidades brasileiras
começaram a instalar iluminação a gás, que exigia fios e canos conectados ao gás.
Estas instalações foram inicialmente chamadas de “gambiarras” por um jornal
localizado na cidade de São Paulo em 1886. Boufleur (2013) descreve o contexto
em que as gambiarras foram utilizadas: “A área frontal do teatro é iluminada por
uma gambiarra gigante”, aludindo às instalações de luz elétrica.
5. CONCEITO:
_ Improvisações relacionadas à iluminação elétrica; improvisação habitacional;
_ Rosas (2006; 2008), Clínio (2011; 2013), Faltay (2011), Belisário e Lopes (2011),
Fonseca (2014) e Bruno (2017) discutem a gambiarra como um processo racional
de criação de novos projetos, produtos e ações baseado em características
identificadas aos brasileiros, como o improviso e a mestiçagem - REMIX:
pressuposto de Oswald de Andrade, “Só me interessa o que não é meu. Lei do
homem. Lei do antropófago” (Andrade, 1995).
_ BRICOLEUR, Levi-Strauss (“The Savage Mind”, 1962): produzir um objeto novo a
partir de fragmentos de outros objetos, no qual se podem perceber as partes ou
pedaços dos objetos anteriores.
6. CONCEITO:
_ “DO IT YOURSELF À BRASILEIRA”, limitações técnicas são superadas pela solução criativa
diante de situações desafiadoras - Rosas (2006) e Clinio (2011);
_ Prática cotidiana de solucionar um problema ou de reparar de forma improvisada e ágil
um objeto que não “funciona bem”; “um modo de produzir e usar tecnologias, objetos,
serviços que não poderiam ser adquiridos ou comprados” (BRUNO, 2017);
_ Um exemplo de manifestação crítica do sul global que busca ressignificar o mundo a
partir da tecnologia digital, em diálogo tanto com o comum quanto com a cultura livre de
origem hacker (FOLETTO; DALLACHIESA, 2022);
_ Usos gambiarrísticos, rebeldes e frutos de uma apropriação crítica nas tecnologias de
comunicação digital só são possíveis em contextos desafiantes (técnico, social e
economicamente) e, por conta disso, um fenômeno característico de zonas situadas fora de
contextos dominantes ocidentais.
7. REDE DE ESTUDOS SOBRE A TECNOLOGIA A PARTIR DO SUL GLOBAL;
_ Rebusque na Colômbia;
Mecanismos, práticas econômicas e sociais produzidas na informalidade. Espécie
de emprego informal, subemprego, próximo ao “jeitinho”, ao “sevirismo”
brasileiro, para dar um jeito de pagar as contas.
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9. REDE DE ESTUDOS SOBRE A TECNOLOGIA A PARTIR DO SUL GLOBAL;
_ Jugaad na Índia: inovação “frugal”, “hack”. Uma solução que contorna as
regras, também um sinônimo de criatividade: fazer as coisas existentes
funcionarem ou criar coisas novas com recursos escassos”
Para Rai (2019), jugaad oferece uma alternativa às noções neoliberais de inovação
na índia, incorporando uma noção mais “estratificada” (castas) de acordo com as
características locais. Uma prática de resistência cotidiana, empregadas também
para se opor ao poder corporativo, de casta e de gênero. “Pré-moderno e
pós-digital”, inovador e opressivo, pode ser usado para minar as ecologias da
mídia capitalista neoliberal.
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11. REDE DE ESTUDOS SOBRE A TECNOLOGIA A PARTIR DO SUL GLOBAL;
_ Compreender as táticas e estratégias de resistência que, em diálogo com De
Certeau (1984), transformam a natureza do consumo, desviando-o para uma
produção que exige uma nova aplicação de palavras.
_ Conectar conceitualmente as gambiarras, jugaad e bricolagens como práticas
de improvisação que geram resultados criativos em condições de escassez,
principalmente de dinheiro e materiais;
_ Diálogo com Cosmotécnica (Yuk Hui, 2019), “tecnologias desenvolvidas em
contextos locais e particulares que poderiam conter saídas para a atual crise
ecológica, política e social do planeta e estabelecer rotas de fuga do capitalismo
neoliberal atual”.
12. PROVOCAÇÕES E QUESTÕES;
Como estudar as gambiarras? Como analisar os improvisos e usos
desviantes de tecnologias já existentes, e retirar daí aportes para
pensar em:
_ Subverter as tecnologias (digitais) já existentes e, por meio de
hacks gambiarrísticos, expor seus problemas e também torná-las
mais justas?
_ Como poderíamos não apenas subverter mas CRIAR tecnologias
mais afeitas a valores que não somente o consumo, e que venham
a solucionar problemas reais da vida cotidiana no Sul Global?
13. PISTAS:
1) As “gambiologias”, usos táticos e inovadores de hardwares com
finalidade comunicacional, funcional e/ou artísticas, que se apropriam de
diversos fragmentos para construir novos objetos, a partir de desmontes
que não respeitam a fronteira entre propriedade e apropriação,
construção de aparatos e dispositivos eletrônicos com sotaque
antropofágico. Ex: Gambiólogos; Sucatas; Reparos; artefatos “DIY”;
2) Usos desviantes de redes sociais e aplicativos (que podem ou não ser
incorporadas pelas aplicações): práticas que usam uma funcionalidade
existente dentro destas plataformas para fins que não inicialmente
propostos. Ex: ZAPCAST; Nuvem do Telegram;
UM ALERTA: exaltação do precário?
14. REFERÊNCIAS
Boufleur, Rodrigo N. (2013). Fundamentos da Gambiarra: A Improvisação Utilitária Contemporânea e seu Contexto Socioeconômico.
PhD diss., Department of Architecture and Urbanism, University of São Paulo.
Clinio, Anne. (2013). A ação política no cotidiano: A mídia tática como conceito operacional para pesquisas em mídia, cotidiano e
política [Political Action in Everyday Life: The Idea of Tactical Media as an Operative Concept to Researchers about Media, Everyday
Life and Politics]. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano, 1, 169–88.
de Certeau, Michel. (1984). The Practice of Everyday Life. Translated by Steven F. Rendall. Berkeley: University of California Press.
Dalla Chiesa, Carolina. (2022). On Gambiarras: Technical Improvisations à la Brazil. In Domenico Fiormonte, Sukanta Chaudhuri, &
Paola Ricaurte (Eds.), Global Debates in the Digital Humanities (pp. TBD). Minneapolis: Minnesota Press.
Lévi-Strauss, Claude. (1966). The Savage Mind. (English trans.). Chicago: University of Chicago Press.
Martins, B. (2017). Hackerspaces, ciência cidadã e ciência comum: Apontamentos para uma articulação [Hackerspaces, Citizen Science
and Common Science: Some Notes for an Articulation]. Liinc em Revista, 13, 59–71. http://revista.ibict.br/liinc/article/view/3752/3205
Rai, A. S. (2019). Jugaad time: Ecologies of everyday hacking in India. Duke University Press.
Rosas, Ricardo. (2006). Gambiarra: Alguns pontos para se pensar uma tecnologia recombinante [The Gambiarra: Considerations on a
Recombinatory Technology]. In Helio Hara (Ed.), Caderno SESC Videobrasil 02: Art Mobility Sustainability (pp. 36–53). São Paulo: Sesc
São Paulo.
Gonzalez, Olga L. (2008). Rebusque, a Strategy of Social Integration by Colombian Immigrants in France. Rev. colomb. antropol.
[online], 44(2), 251-279.