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Este   livro nasceu da vontade de ver a ciência sendo
 ensinada na escola deforma diferente. De uma maneira que
faça com que o aluno perceba que a produção do conheci-
 mento técnico-científico é parte da cultura humana, assim
 como a literatura, a pintura, a música, o cinema.
      Às sextas-feiras os autores deste livro, todos professo-
 res do ensino médio, se reúnem num grupo de estudo deno-
 minado Teknê. Assim como nos velhos ateliês da Idade Mé-
dia, onde os artesãos estudavam e trabalhavam o ferro, o
bronze, a pedra, no Teknê se estuda a ciência, a técnica, a
arte e se trabalha a palavra. Lá não só são lidos e discutidos
textos de filosofia e história da ciência e da técnica como
também são escritos textos didáticos e ensaios, além de se-
rem produzidas experiências educacionais. Nesse trabalho
compartilha-se uma grande amizade. O Teknê é a forma
que encontramos de manter vivo um sonho que alimenta-
mos desde os bancos universitários: continuar estudando,
discutindo, escrevendo e, acima de tudo, ensinando de for-
ma criativa. Este livro é dedicado a todos aqueles que nos
ajudaram na construção desse projeto de vida.

                          Os autores
••••••••••••••••••••••••••••••••
Para que estudar
      a ciência no


iluminismo?
      •••••••••••••••••••••••••




              volta e ver quantas coisas encon-
      Vocêtram-separou seu estado naturalsuae
              já em para observar à
      quantas já foram transformadas      pela
      mão do homem? Dessas coisas, quantas
      foram transformadas pela indústria quí-
      mica? Tintas, plásticos, remédios, quase
      tudo. Vivemos num mundo em que tal-
      vez seja impossível imaginar como seria
      o cotidiano sem os produtos fornecidos
      por indústrias que se utilizam de conhe-
      cimentos químicos acumulados durante
      séculos.
        Pare e pense mais um pouco!
        Quando isso tudo se iniciou? Quan-
   do o homem começou a procurar conhe-
   cer melhor as substâncias da natureza e a
.8 transformá-Ias
m                   em outras substâncias,
~ úteis aos seus propósitos?
-ij

~      O estudo da natureza e a produção
g
c
  de novas substâncias são atividades
i
E
  que talvez remontem à Pré-História.
~ Entretanto, apenas a partir do século
g
CJXVt com o reconhecimento dos benefí-

                                      9     8>
cios farmacêuticos conquistados por es-      desse processo ocorreu ao longo do
      ses estudos/ a manipulação de substân-       século XVIII e fez parte de um movi-
      cias/ ou seja/ a prática química/ passou a   mento mais amplo/ que mudou por
    . ter sua importância reconhecida pelas        completo diversos ramos do conheci-
      universidades. Mas é somente no sécu-        mento. Nesse período ocorreram trans-
      lo XVIII que a química se tornou uma         formações fundamentais nos processos
      ciência moderna/ seguindo os passos          de construção do conhecimento cientí-
      dados por outra ciência/ a física/ um sé-    fico. Mesmo tendo se tornado uma ciên-
      culo antes.                                  cia moderna no século XVIt a física
           Que tipo de transformações ocorre-      também esteve no centro das transfor-
      ram então? Quais as diferenças entre a       mações do século XVIII.A física produ-
      manipulação de substâncias feita ante-       zida a partir daí é/ de certa forma/ dife-
      riormente ao século XVIII e a química        rente daquela de Galileu Galilei/ René
      moderna?                                     Descartes e Isaac Newton.
           Na realidade/ foram necessários vá-           Vamos exemplificar.
      rios séculos de transformações antes de            Se você tivesse a oportunidade de
      a química ser reconhecida como uma           ler um livro escrito pelos fundadores
      ciência moderna. O ponto culminante          da ciência moderna/ talvez ficasse sur-




•          10
preso com a forma de apresentação das        historiadores da ciência. Por ter aconteci-
idéias. Você encontraria diversas refe-      do no interior de um movimento cultural
rências religiosas e até conceitos tipica-   mais amplo, que hoje conhecemos pelo
mente característicos de uma visão má-       nome de iluminismo, também poderia
gica da natureza. Os físicos· e astrôno-     ser chamada de revolução científica do
mos de hoje se apresentam como her-          iluminismo.
deiros desses fundadores, mas também              A química moderna nasceu como
como detentores de um conhecimento           um produto dessa "revolução", coman-
que se pretende puramente racional,          dada por um cientista francês chamado
baseado em fatos experimentais e ex-         Antoine-Laurent Lavoisier. Ele liderou
presso numa linguagem matemática.            um movimento científico, e ao mesmo
Portanto, um cientista moderno, ao ler       tempo político, de criação das bases pa-
os escritos originais dos fundadores de      ra a ciência moderna. Para compreen-
sua ciência, tenderia a achar a maioria      dermos o que representou a revolução
das conclusões corretas, mas considera-      científica do iluminismo, vamos seguir os
ria falso o ponto de partida dessas con-     passos das transformações que foram
cepções sobre a natureza.                    ocorrendo na química desde a Antigui-
     Algo então mudou ao longo de to-        dade até a revolução comandada por
do esse tempo. Não foram só novas teo-       Lavoisier.
rias que surgiram nem apenas se desco-            Será importante, entretanto, que,
briram novos fenômenos. Algo mudou           antes de começar a leitura, você não se
na forma de se olhar para a natureza, na     esqueça de uma questão. A revolução
forma de se construir o conhecimento         científica do iluminismo não nasceu da
científico.                                  mente de uma única pessoa. Ela é parte
     Essa transformação, ocorrida no sé-     de transformações por que passava a to-
culo XVIII,é considerada hoje uma ver-       talidade da sociedade européia do sécu-
dadeira revolução científica por muitos      lo XVIII.




                                                                              11     ~
CAPíTULO 1


    A tradição


    alquímica
              intensa atividade de manipula-
    Desde de Antiguidade
      . cão a substâncias,         já havia uma
                                   em diversas
    partes do mundo, sempre associada à
    medicina e à fabricação de metais. No
    primeiro caso, procurava-se preparar
    misturas com ervas e plantas em busca
    da cura para doenças. No segundo, o ob-
    jetivo era utilizar o fogo para derreter
    metais, misturando-os e transformando-
    os em novos metais. Esse tipo de manipu-"
    lação era denominado transmutação. Os
    europeus tomaram conhecimento            do
    grande desenvolvimento alcançado pe-
    los egípcios nesse campo e passaram a
    denominar essa arte khemia, que era o
    nome utilizado pelos egípcios para deno-
    minar as transmutações. Mais tarde, já na
    Idade Média, a partir da influência da
    cultura árabe na península Ibérica, os eu-
    ropeus passaram a utilizar a palavra al-
    quimia para denominar a khemia egípcia.
          Você já deve ter ouvido falar nessa
    palavra. Muita gente hoje a tem usado
    para indicar coisas misteriosas, ligadas a
    algum tipo de ocultismo. Se você parar         B

    um pouco para pensar em tudo o que nos        t.
                                                  -'"


    vem à mente quando as palavras alquimia       a
                                                  "-
    e alquimista são utilizadas, perceberá que,    ~
                                                  i
                                                   <:

    com quase toda certeza, surgirá a idéia de     E

    algo misterioso, oculto, esotérico (algo só   ~
                                                  2
    acessível a iniciados).                       CJ




•         12
Esse raciocÍIÚonão é de todo um en-      po de conhecimentos secretos, restrito a
gano. A alquimia representou uma forma        alguns poucos iniciados, que perten-
de compreender a natureza e de mani-          ciam a grupos fechados, corporações
pulá-Ia baseada numa concepção mágica         secretas. Os alquimistas transmitiam
da natureza, que, vinda da Antiguidade,       seu saber e sua arte contando suas expe-
permaneceu viva durante séculos. Mui-         riências uns para os outros, desenvol-
tos acreditam que essa concepção ainda        vendo uma tradição oral. Entretanto,
esteja viva, não só nos discursos eso-        como alguns alquimistas também or-
téricos, mas no fundamento de alguns          ganizavam em manuscritos suas obser-
discursos ditos científicos e racionais.      vações sobre a manipulação das subs-
     O saber dos alquimistas, principal-      tâncias, um pouco dessa arte pôde che-
mente na Idade Média, formava um cor-         gar até nós.



Os primórdios

1111 1IIIIIIill1ill                                                                            .
                                                                                                   o
     Não se sabe ao certo quando a alqui-
mia surgiu. Há registros de manuscritos
                                                                                                   J
da Antiguidade, escritos em diversas
partes do Oriente. Algumas das princi-
pais características da concepção de na-
tureza própria da alquimia podem ser
encontradas em diversas dessas culturas.
     Os chineses, por exemplo, sempre
imaginaram. o universo como um grande
organismo. Nesse organismo existiriam
simpatias, ou afinidades, e antipatias. To-
das as ligações entre as coisas, incluindo
aí os homens, se davam por meio dessas
afinidades ou antipatias. Como explicar o
fato de que, entre tantas pessoas existen-
tes no mundo, você só se tome amigo de
algumas delas? Talvez você responda:
"Porque tenho afinidade com elas". Mas
você pensou em que consiste essa afini-
dade? Mesmo quando sabemos intuitiva-         Da alquimia chinesa fazia parte um conjunto de
                                              técnicas desenvolvidas  desde a Antiguidade e que
mente o que é afinidade, é difícil explicá-   só se tornaram conhecidas na Europa durante a
Ia apenas pela razão.                         Idade Média. Entre elas se incluíam novos tipos de
                                              metalurgia, a fabricação do papel e da pólvora. A
     Os chineses acreditavam que a idéia      ilustração  representa  chineses   trabalhando  na
de afinidades e antipatias poderia ajudar     metalurgia.


                                                                                     13     <a>
a compreender por que algwnas substân-               Os alquinústas clúneses foram forte-
cias tinham maior facilidade de se combi-       mente influenciados por essa visão filosófi-
nar do que outras, fato difícil de ser expli-   ca, em que a harmonia do universo é pen-
cado pela razão.                                sada a partir dessa complementaridade.
     Outra idéia presente na filosofia chi-          Muitas das concepções alquímicas
nesa e também usada na sua alquimia era         dos chineses foram, com O tempo, se espa-
a do par ljin/ljnng. Essas palavras repre-      lhando pela Ásia e pela África. A partir do
sentam o lado escuro (ljin) e o lado enso-      conhecimento da tradição chinesa, lugares
larado (ljnng) da montanha e servem para        como a Arábia e o Egito desenvolveram
explicar dualidades existentes no cosmo         suas próprias concepções de alquimia. Os
e que formam, na realidade, uma unida-          egípcios, por exemplo, tornaram-se hábeis
de. Diversos são os exemplos desses dua-        na matúpulação de substâncias. Eles fabri-
lismos: claro/escuro, homem/mulher,             cavam cosméticos, produziam peças em
quente/frio, etc. Cada uma dessas partes        ouro ou tin tas para a pintura de tumbas.
completa a outra, não existindo uma sem         Por sua vez, muitas das concepções
a outra. O ljnng representa o forte, o pode-    alquímicas egípcias influenciaram forte-
roso, o homem, o céu. Já o ljin representa      mente a alquimia desenvolvida na Europa
o receptivo, o dócil, a mulher, a terra.        durante a Idade Média.

Yin/yang -     esse é o
símbolo utilizado pelos
chineses para represen-
tar a dualidade comple-
mentar yin/yang. Obser-
ve que a porção mais
expandida de cada uma
das partes representa ao
mesmo tempo seu fim e
o início da outra. A boli-
nha existente em cada                               .-       .
                                                I        '11.":-
um dos lados significa                                   ;wJ.?
que o yintrazem   si a se-
mente do yang e vice-
versa.
                                                ~[-.;~~
                                                ,        <

                                                        ,-:
                                                Mural encontrado   em um túmulo em Tebas, datae
                                                de 1400 a.C.




A alquimia
medieval •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.

     Na Europa, a difusão dos manuscri-         naram grande parte da península Ibér:,
tos alquimicos só ocorreu durante a Ida-        onde fundaram importantes universi.:.
de Média. Os grandes responsáveis por           des, que se tornaram pólos de difusão.
essa difusão foram os árabes. Durante           novas idéias. Para lá dirigiam-se filóso:
um período de quase setecentos anos, en-        de toda a Europa em busca de conh"
tre os séculos VIII e XV, os árabes domi-       mento. Dos estudos ali empreendi.:
A alquimia européia medieval, as-
                                                                                    sim como muitas de suas correntes ante-
                                                                                    cessoras, partia de uma visão mágica da
                                                                                    natureza, isto é, partia do princípio de
                                                                                    que existia um espírito nas substâncias
                                                                                    e que muitos fenômenos poderiam ser
constava a leitura de diversos manuscri-                                            explicados pela ação desses espíritos.
tos da alquimia árabe, além de outros,
provenientes da China e do Egito. Esses                                                  Muitos alquimistas medievais eram
textos haviam sido conservados durante                                              monges que realizavam suas investi-
séculos em bibliotecas, no Oriente.                                                 gações em laboratórios situados no in-
     Ao mesmo tempo, os árabes também                                               terior dos mosteiros. A ordem dos frades
foram responsáveis pela difusão de diver-                                           franciscanos foi uma das mais envolvidas
sos textos da filosofia grega. A junção dos                                         com as experiências alquímicas. São
textos alquírnicos com a filosofia grega e                                          Francisco de Assis, fundador dessa or-




  Adaptado de Alias ilÍslárico - Eucyclopll,'dill lirilmlllim do Brasil. Barcelona: Editorial Marín, 1988.



                                                                                                                    15   ~
dem, havia afirmado, no século XIII, que              esse motivo, o elixir da longa vida deve-
Deus também falava aos homens através                 ria ter por base o ouro. O trabalho nos la-
da natureza. Essa afirmação, que na ver-              boratórios dos alquimistas visava produ-
dade era uma crítica ao excessivo poder               zir ouro, por meio do contato com a pe-
dos teólogos da época, foi interpretada               dra filosofal, e transformá-io mun líquidc
pelos franciscanos como um incentivo ao               que pudesse ser bebido. Dessa forma, se-
estudo dos fenômenos naturais.                        ria obtida a cura para todas as doenças e
     Um dos principais objetivos dos                  portanto, a vida eterna.
alquimistas medievais era encontrar a pe-
dra filosofa I e o elixir da longa vida. A
pedra filosofal era uma espécie de agente
espiritual que, em contato com os metais,
seria capaz de transformá-Ios em ouro. A
buscado ouro não estava necessariamen-
te ligada à obtenção de riqueza, mas à
busca do elixir da longa vida. Esse elixir,
como o próprio nome já indica, seria uma
substância que, ao ser ingerida por uma
pessoa, a tornaria imortal. Os alquimistas            Ilustrações de um livro medieval mostrando duas f
                                                      ses distintas do trabalho dos alquimistas: à esquE
acreditavam que o ouro era o metal mais               da, o recolhimento de ervas; à direita, a manipulaç;
nobre e durável existente na natureza. Por            das ervas em um laboratório.




Oselementos da
natureza segundo os ••••••••••••••••••••••••
alquimistas           medievais
     Para os homens medievais, o uni-                 Terra). O mundo sublunar constituía-se
verso era dividido em mundo supralu-                  quatro elementos fundamentais:
nar (além da Lua) e mundo sublunar (a
                                                                     terra - ar - água - fogo
                                                                       Essa forma de encarar a cc
                                                                 tituição da na tureza era wna
                                                                 rança da filosofia grega. Em
                                                                 docles, filósofo e médico gr,
                                                                 que viveu por volta do sécul
                                                                 a.c., acreditava que os quatro
                                                                 mentos da natureza eram coe
                                                                 tuídos a partir de dois pares,
                                                                 mando quatro qualidades bás:
Esse desenho, datado de 1100, mostra os quatro elementos   in-
terligados: ar, água, terra e fogo.                                 seco/úmido - quente/fric
Essas qualidades, ao serem associa-         Idade Média - tinha, muitas vezes, a in-
Ias, formariam cada um dos elementos:            tenção de conseguir uma substância que
                                                 possibilitasse a obtenção da quinta-essên-
           seco + quente = fogo
           seco + frio = terra                   cia. Os alquimistas sabiam que a mistura
                                                 de "águas ardentes" extremamente puras
           úmido + quente = ar
                                                 (álcool 95°) com plantas, flores, frutos e
           úmido + frio = água
                                                 raízes permitia a obtenção de substâncias
     Tais concepções da filosofia grega          aromáticas bastante voláteis (perfumes).
·oram muito difundidas através dos es-           Alguns chegaram a acreditar que, ao ex-
:ritos de Aristóteles. Este filósofo e PIa tão   trair tais aromas de folhas e flores, haviam
·oram os pensadores mais lidos ao longo          conseguido descobrir um método de se-
Ia Idade Média. Os alquimistas árabes            paração da quinta-essência dos corpos.
ltilizaram    as idéias difundidas por es-
;es escritos para compreender a consti-
 uição das substâncias com as quais tra-
Jalhavam. Os alquimistas        europeus
nedievais absorveram essa concepção.
      Outra busca empreendida pelos al-
juimistas medievais era por encontrar a
,hamada quinta-essência.   A quinta-essên-
cia estaria além dos quatro elementos;
;eria uma espécie de espirito que, além
ie ocupar todo o espaço, preenchendo-o,
'staria em todos os corpos. Muitos ai qui-
nistas tentaram desenvolver métodos
Jara extrair a quinta-essência dos corpos.
Vluitos processos químicos foram desen-
IOlvidos e aperfeiçoados com esse objeti-        Pintura mostrando um laboratório alquímico. Obser~
10, como foi o caso da destilação. A pro-        ve os instrumentos utilizados: o fole para manter a
                                                 chama, o alambique, a ampulheta para medir o tem-
iução de "água ardente" - nome pelo              po das reações (pendurada na chaminé) e a balança,
                                                 deixada no chão (canto direito inferior do quadro).
lual era conhecido o álcool na Europa da



lIermes Trismegisto e o

hermetismo                                                                                        .
     Os escritos de alguns alquimistas-          tiu um indivíduo com esse nome, que
'icaram famosos ao longo do Renasci-             seria o autor dessa obra. Os manuscri-
nento. Talvez o mais importante deles            tos atribuídos a Hermes Trismegisto são
:enha sido o Corpus herl11eticul11, de Her-      possivelmente uma coletânea de textos
nes Trismegisto. Na realidade, não exis-         de diversos autores traduzidos pelos

                                                                                         17Q
antigos gregos. Esse nome, Hermes,              por Deus. Dessa forma, o Corpus her-
    provém da mitologia grega, na qual é o          meticum adquiriu um caráter sagrado
    deus da sabedoria. Ao lerem textos al-          entre os alquimistas.
    químicos inspirados por Thot, deus                   Vocêjá deve ter ouvido as palavras
    egípcio que representava a sabedoria, os        hermético ou Ilenlletismo para descrever
    gregos o associaram ao deus grego Her-          algo que esteja fechado ou uma lingua-
    mes. Portanto, na tradução grega, os            gem difícil de ser compreendida. Pois
    textos foram atribuídos a Hermes, o             bem, o atual sentido dessas palavras se
    Trismegisto, isto é, o três vezes grande.       deve ao fato de os escritos de Hermes
    Na Idade Média, os alquimistas judeus           Trismegisto serem conhecidos só pelos
    e cristãos o compararam a Moisés, a             iniciados na arte da alquimia, que forma-
    quem as Tábuas da Lei foram entregues           vam um grupo fechado.




     o MA""'t,,~
                ,
    MEDlA'I.J
        o brasileiro   [saias Pessott escreveu um romallce histórico milito illteressallte, chli",
    mado O manuscrito de Mediavilla, lançado pela Edito"a 34. Ele nan-a a busca de u,.l
    pesqllisadOJ; na Itália, por 11m ma-
    IIl1scrito, sllpostamellte p",-dido, escri-
    to pelo mOllge frallcisca,lO Rica/'do de
    Mediavilla, que, além de ser um filó-
    sofo importallte, era adepto da alqui-
    mia na Idade Média. Nessa busca, à
    medida que o leitor vai sendo envolvi-
    do pela trama, também passa a co-
    nhecer alguns dos mistérios da alqui-
    mia praticada nos mosteiros medie-
    vais. Al110res, vinhos e ótimas COlHi-
    das italianas são descritos Hesse li-
    vro, dando 11msabor todo especial à
    bllsca do manllscrito.

~         18
Paracelso e a medicina

alquímica                                                                                           .
     A busca da eternidade e, portanto, o           ria necessidade de uma revolução na for-
combate às doenças fizeram com que a                mação dos médicos.
alquimia se ligasse de forma estreita à                  Para celso acreditava na existência de
medicina. Um dos alquimistas mais im-               uma Íntima relação entre o macrocosmo,
portantes foi um médico chamado Para-               que era Deus, e o microcosmo, a natureza.
celso. Seu nome verdadeiro era Aureo-               O homem era visto como parte da har-
lus Theofrastus Bombastius von Hohen-               monia desses cosmos, sendo ele uma pe-
heim. Nasceu na Suíça em 1493 e faleceu             quena parte imperfeita do cosmo maior,
na Áustria em 1541. Paracelso estudou               que é perfeito. Segundo Paracelso, a
os fundamentos da medicina em diver-                doença era consíderada uma desarmonia
sos lugares, como nas escolas de Basi-              entre o corpo e o espírito do homem. Cu-
léia, na Suíça, e de Ferrara, na Itália.            rar seria, portanto, fazer retornar essa har-
                                                    monia. Entretanto, contrariamente ao que
                                                    pregava a medicina de Galeno, Para celso
                                                    acreditava que esse equilíbrio poderia ser
                                                    afetado por fatores externos como, por
                                                    exemplo, a ingestão de alguma substân-
                                                    cia química. Foi aí que surgiu o uso das
                                                    poções na restituição do equilíbrio do
                                                    corpo. Como a natureza operava qui-
                                                    micamente, a restituição da saúde deve-
                                                    ria seguir o mesmo principio.
                                                          Paracelso viajou muito por toda a
                                                    Europa, realizando conferências, procu-
                                                    rando difundir suas idéias. De forma ge-
                                                    ral, entre as duas correntes da alquimia
                                                    de sua época - a panacéia (proteção con-
     Para celso procurou criar uma nova             tra as doenças e o envelhecimento) e a
concepção de medicina, assocíada à al-              crisopéia (transformação de metais em
quimia. Para ele, os médicos deveriam se            ouro) -, ele optou pela primeira. Aabun-
desvencilhar do passado: tudo o que ha-             dância do ouro proveniente do Novo
via sido escrito por médicos, como Ga-              Mundo fez com que diminuísse o interes-
leno, a suprema autoridade em medicina              se pela obtenção desse metal por meios
na época, e por filásofos, como Aris-               artificiais.
táteles, deveria ser colocado de lado. A                  Paracelso também desenvolvia uma
nova medicina deveria partir da expe-                     alquimia do espírito. Para ele, Jesus Cris-
riência, de um conhecimento aprendido                     to era a pedra filosofal do espírito. O ho-
dü:<;:t""m<;:lt<;: l""t1t<;:"U.r""m Ü;~Q, b.",,'I<;:- m<;:m "m CQlt"tCl CClill CüStCl s" t'."ns-
                 d""
mutaria da imperfeição para a perfeição,               A partir do século XVUI, a alquimia
 da mesma forma que os metais se trans-            na sua forma tradicional, começa a per-
 mutariam em ouro. Embora vivesse em               der importância. Essa decadência é po,
 um tempo extremamente conturbado,                 vezes atribuída à ascensão dos novo-
 numa região - a Suíça - onde as diver-            métodos da ciência moderna, surgido,
 gências religiosas entre católicos e protes-      a partir do século XVII, com a física. Er-
 tantes estavam muito intensas, ele não se         tretanto, parte desses novos método,
 envolveu nessas polêmicas. Permaneceu             como a experimentação nas práticas de I,·
 católico, mas contrário ao poder dos pa-          boratório, já existiam na alquimia haYi:
 pas dentro da Igreja.                             séculos. Aquilo que chamamos hoje é,
                                                   química moderna nasce muito mais é
       A alquimia e a medicina de Para-            tentativa de se apagar por completo o Cê
  celso influenciaram  enormemente    o            ráter místico presente na tradição alqu
 pensamento europeu dos séculos XVI e              mica do que pelo surgimento de no'l
 XVII. Muitos estudiosos da história               métodos de investigação da nah,reza. E"
 das ciências consideram mesmo que o               caráter estava em desacordo com a no'
 nascimento da química moderna foi                 sociedade e com as novas formas de pe-
 um processo lento e gradual, que come-            sar o mundo que começavam a se estr.
 çou com Paracelso e só terminou com               rurar dentro de um movimento chamac
 Lavoisier.                                        iluminismo.




  A HOtA~Q"K~
      Se observarmos (f l1ledici/la de hoje,       prinCtplOS básicos, que sintetizamO'
 percebemos que ela POIlCO011 nada tem             seguir. O primeiro deles é que não f
 em C0I111lnt com a medicina praticada no          tem doenças, mas doe/ltes. COl/l issc
 passado. Entreta/lto, existe uma cOITente         idéia de doença como algo extel'ior
 de peIlSame1lto, criada no século XVIII,          homem é abando/lada, i/ldividualizaJl
 que apresenta algumas concepções her-             se os problemas apresentados: o mér-
 dadas da medici/la de Paracelso. É a 110-         deve analisar seus pacielltes caso a c
 meopatia, criada pelo médico alemão               O seg/lndo p1'Í/lcipio é o da similitude
 Christian Fl'iedrich Samuel Hallllemall/l         gtlndo o qual os semelha/ltes são Clil"l
  (1755-1843).   A   l1Omeopatiaparte de algllns   pelos semellta/ltes; em outras pala •
.ail '0
toda substância capaz de provocar um                       atribuída a Parace/so e escrita numa edi-
problema num organismo sadio também                        ção de um de seus livros de 1658: similia
será capaz de fazê-lo desaparecer. O últi-                 similibus curantur (os semelhantes são
mo princípio é o de que a diluição de uma                 curados pelos semelhantes). A idéia de
substância, isto é, a sua utilização em                    que a doença é fruto de um desequilibrio
doses muito pequenas, é capaz de curar                     entre o corpo e o cosmo maior também
uma doença sem causar efeitos cola-                       foi absorvida do alquimista suíço.
terais.                                                         A homeopatia foi vista com muita
      De forma geral, Hahnemann sofreu                     desconfiança pelas academias de ciência
forte influência de Paracelso ná constru-                  ao longo do século XVIII, chegando a ser
ção de seus métodos terapêuticos. Ele es-                  condenada e proibida em 1835. Em 1925
 tudou as obras de Parace/so e de seus se-                foi criada a Liga Homeopática Interna-
guidores, baseando seus métodos em al-                     cional, e somente em 1980 ela foi reconhe-
gumas idéias defendidas por eles. O prin-                  cida no Brasil como uma especialidade
cípio da similitude baseia-se numa frase                   médica.




Gravura de Pieter Bruegel (1525?-1569)   satirizando   a medicina praticada durante o Renascimento.
CAPíTULO             2


o iluminismo
e a nova     forma de
pensar o mundo



A         na Europa um movimento inte-
        . o longo que século XVIII, surge
          lectual do pretende lançar as
bases de uma nova razão, isto é, de uma
nova forma de pensar o mundo. Desde a
Idade Média o pensamento na Europa vi-
nha sendo regido por algo que podería-
mos chamar de "razão teológica". De for-
ma simplificada, poderíamos dizer que
nessa razão as formas de pensar o mundo
tinham por base a ação ou a presença de
Deus entre os homens. Muitos foram os
filósofos medievais que construíram as
bases dessa forma de pensar. Santo Agos-
tinho, que elaborou uma interpretação da
obra do filósofo grego PIa tão à luz da fé
cristã, foi um deles. Santo Tomás de
Aquino, ao interpretar o pensamento de
outro filósofo grego, Aristóteles, seguin-
do esse mesmo caminho, foi também um
pensador medieval de destaqLre.
      À medida que a sociedade medieval
foi se transformando no plano religioso
(com a decadência do poder eclesiástico),
no plano econômico (com a prática do         ~
mercantilismo) e no plano social (com a      t'
ascensão de uma nova classe, a burgue-       ~
                                             "
sia), começaram a ocorrer também trans-      ~
                                             "
formações no plano das idéias, nas for-
mas de pensar o mundo. Durante críticas ~
CLllosXVI e XVII, iniciaram-se as os sé-     i
                                             f
à razão teológica. Muitos filósofos pro- dano Bruno, que morreu queimado na
curaram romper com essa velha forma de fogueira da Inquisição, ou talvez co-
pensar, propondo novos caminhos. Des- nheça o processo por que passou
sas propostas surgiu o que conhecemos Galileu Galilei. A história desses ho-
hoje como ciência moderna.               mens é um exemplo de como se pode
     Preste atenção: a ruptura com as até pagar com a própria vida pelo fato
velhas formas de pensar não se dá de de se elaborarem críticas às idéias
maneira imediata. Trata-se de um pro- estabelecidas como verdadeiras. Numa
cesso longo, que envolve a participação segunda etapa desse processo de trans-
de diversas gerações. Num primeiro formação, depois que as críticas já co-
momento, surgem apenas críticas ao meçam a se tornar comuns, chega o mo-
pensamento que está estabelecido. Esse mento da construção de uma nova for-
processo de crítica é extremamente difí- ma de pensar o mundo. É necessário ul-
cil para quem o faz. Vocêtalvez já tenha trapassar a crítica para chegar ao plano
ouvido falar de pensadores como Gior- da formu lação das novas idéias.




o iluminismo como

movimento filosófico                                                               .
     No século XVIII surgiu na Europa            Você é supersticioso? Muita gente
um movimento que pretendia construir       tem superstições! Vocêjá pensou sobre o
uma nova razão, diferente da medieval.     que é superstição? É a crença na existên-
Esse movimento foi chamado de ;Ium;-       cia de relações entre fatos que não podem
n;smo ou esclarecimento. Sua importância   ser comprovados por meios racionais.
foi tão grande que o sécu 10 XVIIIé, por   Pense no seguinte: o torcedor de um clu-
vezes, chamado de Século das Luzes.        be de futebol assiste a diversos jogos de
                                           seu time e, por acaso, em todas as vezes
     É muito difícil resumir o que foi o   ele está vestindo a mesma camisa. Se o
iluminismo, pois fizeram parte desse       time dele vencer todas as partidas, ele
movimento vários filósofos, que defen-     pode começar a imaginar que existe algu-
diam diversas correntes de pensamento.     ma relação entre sua camisa e a vitória
Entretanto, em linhas gerais, pode-se      do time e passar a usá-Ia sempre que as-
afirmar que os iluministas queriam fun-    sistir aos jogos. Acreditar nesse tipo de
dar uma nova razão. Acreditavam numa       relação, que não tem nenhuma base ra-
nova forma de pensar e ver o mundo,1í-     cional, é típico de uma postura supersti-
vre das influências religiosas que for-    ciosa ou visão mágica do universo.
mavam a base da razão teológica medie-          A nova razão procurava se opor às
val, razão essa que eles denunciavam       superstições. Grande parte dos ilumi-
como supersticiosa.                        rustas criticava as concepções religiosas
por basearem-se, segundo sua perspecti-       nistas declaravam que esse conhecimen·
va, em superstições. As tradições religio-    to revelado, como não podia ser provado'
sas baseiam-se em verdades que foram          em sua totalidade por caminhos pura-
reveladas por Deus a alguns homens. As        mente racionais, não poderia ser conside-
formas dessas revelações são muito va-        rado verdadeiro. Aceitar um conheci-
riadas. Entretanto, para os que têm fé, es-   mento revelado era, para eles, inadlnissÍ-
sas revelações são verdades inquestio-        vel e poderia levar ao irracionalismo, à_
náveis. Mesmo que sejam submetidas à          crendices.
razão, sempre chegará um momento em                Dessa forma, filosofia e religião de-
que não haverá mais explicações possí-        veriam estar em campos opostos. O noval
veis, e considerá-Ias falsas ou verdadei-     movimento surgia para iluminar as men-
ras será uma questão de fé. Os ilumi-         tes. A difusão dessa nova racionalidade




            Família burguesa em 1785.
levaria à construção de urna nova cultu-      de produção cultural. E para isso tinha
ra, que seria completamen te livre de         que desqualificar as antigas idéias, divul-
dogmas e de autoritarismos intelectuais.      gando outras.
     O iluminismo surge como base filo-            Lavoisier viveu durante essa época
sófica da sociedade que se estava cons-       de elaboração das novas idéias. A Fran-
truindo. Uma sociedade em que grande          ça foi um 'dos países em que o ilumi-
parte do poder político e cultural ainda      nismo se desenvolveu de forma mais
se encontrava nas mãos da Igreja. A           intensa. Vamos procurar conhecer al-
nova classe ascendente, a burguesia, de-      gumas dessas idéias em dois campos
sejava conquistar não só o poder econô-       nos quais Lavoisier atuou com mais in-
mico e político, mas também as formas         tensidade.


o iluminismo na

economia                  ••••••••••••••••••••••••••••••••••••

     A Europa dos séculos XVI e XVII já            Os economistas ligados ao movi-
havia se organizado políticamente sob a       mento ilLUninista propuseram outra for-
forma dos Estados nacionais. Até então, a     ma de encarar esse problema. Eles defen-
organização política girava em tomo das       diam que, para a economia prosperar,
cidades. Com o advento do absolutismo,        não deveria haver intervenção do Estado.
surgiu uma nova organização política em       Consideravam a economia semelhante à
que um território maior era governado         natureza e, portanto, sujeita às leis natu-
por um poder central, o rei. Uma das          rais. Assim, os economistas, a exemplo
principais preocupações desses reinos         dos físicos, deveriam apenas procurar
era tornarem-se cada vez mais ricos. Os       compreender as leis que regem os merca-
estudiosos da economia dessa época pro-       dos, sem propor nenhuma intervenção
curaram analisar esse problema e sugeri-      do Estado.
ram algumas saídas. Bastaria que se pro-           Veja que situação interessante! As
duzissem mais riquezas do que a nação         idéias apresentadas pelos físicos, funda-
necessitava para seu consumo. O exce-         dores da ciência moderna, influenciaram
dente deveria ser exportado; e o lucro ob-    a economia das nações. Os economistas,
tido, armazenado. Os Estados, para que        embora estivessem estudando o funcio-
isso pudesse ocorrer, deveriam controlar      namento do mercado, conheciam aquilo
toda a economia criando normas que re-        que Galileu, Descartes e Newton haviam
gulassem o seu funcionamento. Com esse        proposto para a ciência.
controle poderiam ser alcançados os ob-            Esses economistas ficaram conlleci-
jetivos pretendidos. Esse tipo de política    dos como fisiocratas. Esse vocábulo tem a
econômica ficou conhecido mais tarde          mesma origem de físíca, isto é, a palavra
pelo nome de mercantilistllo e foi pratica-   grega physis, que significa, de forma
do por grande parte dos países europeus       simplificada, o que nós hoje chamamos
no princípio do século XVIII.                 de natl/reza. O lema desses economistas

                                                                                25    Q>
era laissez-jaire, que em francês significa                                     pelo campo. Por isso defendiam a idéia
 deixai jazer.                                                                   de um incentivo à agricultura em detri-
      A França foi a nação em que o con-                                         mento das outras áreas da produção.
 trole mercantilista sobre a economia foi                                             Para os fisiocratas, o controle total da
 mais radical. Existia um verdadeiro exér-                                       economia era absurdo porque os produ-
cito de fiscais que controlavam a econo-                                         tores deveriam seguir o curso natural do
lnia. Por exemplo: imagine que um pro-                                           mercado, isto é, fazer o que fosse possível
dutor de tecidos, observando as prefe-                                           para ampliar sua riqueza. As normas im-
rências das pessoas de sua região, deci-                                         pediam o fluxo natural do mercado.
disse fabricar um novo tipo de tecido.                                                Como a maioria dos países euro-
Não podia' As leis impediam que sua fá-                                          peus no século XVIII era governada por
brica produzisse tecidos fora dos pa-                                            monarquias, e como toda a economia era
drões estabelecidos.                                                             controlada por elas, nada mais previsível
     Os fisiocratas defendiam que a raiz                                         do que a nova classe, a dos burgueses, em
de toda a riqueza de uma nação estava                                            busca de uma ascensão em termos econô-
na agricultura. O comércio e a indústria                                         micos e políticos, passar também a defen-
apenas transformavam os bens gerados                                             der as idéias dos fisiocratas.


o iluminismo

nas
            ."
           ClenClaS
                             .                                                                                             ".
                                                                                                                           .
     A ciência moderna surge no século                                           Igreja e em todo conhecimento baseado
XVII como parte de um movimento mais                                             em elementos místicos.
amplo. A burguesia, à medida que vai                                                   As novas ciências, pouco a pouco,
ampliando seu poder na área econômica,                                           vão procurando abandonar as referências
também começa a questionar o poder em                                            religiosas que ainda persistiam nos escri-
outros campos. Nada mais natural que se                                          tos de seus fundadores.
questionem as velhas formas de produ-                                                  Talvez você ache isso estranho' Re-
ção de conhecimentos ligadas à Igreja.                                           ferências religiosas nos escritos dos fun-
Galileu irá viver o ponto alto desse emba-                                       dadores da ciência?! Pode parecer esqui-
te ao defender suas idéias perante os tri-                                       sito, porém é a mais pura verdade. Os es-
bunais da Santa Inquisição. Embora saia                                          critos dos fundadores das ciências, como
derrotado, obrigado a permanecer em                                              Copérnico, Descartes, Galileu e Newton,
prisão domiciliar até o fim de sua vida,                                         continham, de maneira explícita, refe-
não há mais como impedir que a nova                                              rências às concepções religiosas de sua
ciência se estabeleça*. Será só uma ques-                                        época.
tão de tempo para que ela se estruture                                                Copérnico, no século XVI, colocou o
como saber. À medida que o tempo passa,                                          Sol no centro do sistema planetário por-
aumenta a desconfiança no poder da                                               que acreditava, entre outras coisas, que

'*   Leia mais sobre esse assunto em   GlllifclI   e o IIllscill/r'IIto   da cit'lIcil1l1lodcl"IIlJ,   desta coleção.
)eus não poderia ter feito um astro tão
,rilhante e não colocá-Io no centro, de
mde poderia iluminar tudo. Newton, no
.éculo XVII, ao imaginar a atração entre
'orpos como a Terra e o Sol, em seu estu-
10 sobre a gravitação, afirmou que essa
Itração acontecia em um meio que preen-
:heria todo o espaço e que ele denominou
le fléter". Para ele, o éter seria o          senSOrillJ1l

)ei, ou os "sentidos de Deus", pois esta-
'ia em todos os lugares do universo, re-
)[esentando uma espécie de quinta-essên-
:ia (um conceito proveniente da alquimia).
viuitos OUtros conceitos existentes na fí-
,ica newtoniana continham referências a
Telhas idéias aIquímicas. A atração entre
)S corpos, criada por Newton para expli-
:ar o movimento dos planetas em torno
io Sol, possui algo daquele conceito de
'afinidade" presente nos primórdios da
llquimia*.
      Todo esse caráter da obra de New-
 on, e dos demais fundadores da ciên-
:ia moderna, será considerado          me-
 afísico pelos cientistas iluministas.
      Diversos cientistas ligados ao mo-
limento iluminista procuraram      eliminar
IS referências metafísicas ainda existen-
                                                                       Isaac Newton       (1642-1727).
'es na ciência. A melhor forma para isso
~ra apagar O passado, reescrevendo no-                                 de, o que se fez foi uma releitura de suas
ras livros. Foram então escritas diversas                              obras a partir de novas bases.
)bras, denominadas Ti'nlndos, que apre-                                     Já no campo da química essa revo-
;entavam as teorias de NewtoTI, assim                                  lução foi mais radical. Antoine Laurent
:omo as dos demais fundadores da ciên-                                 Lavoisier foi o principal nome dessa re-
:ia moderna, sem o caráter meta físico                                 volução. Ele tomou parte do movimento
:on tido nos originais. Essa atitude dos                               iluminista procurando fundar uma nova
:ientistas iluministas foi considerada                                 químjca, ou seja, sem as referências rne-
nais tarde uma nova revolução científi-                                tafísicas da alquimia. Assim, seu princi-
:a. Na física, essa revolução preservou as                             pal objetivo foi apagar todo o passado
:lrincipais idéias de fundadores como                                  herdado da alquimia e se proclamar O
=opérruco, Galileu e Newton. Na verda-                                 fundador da química moderna.

- Leia mais sobre esse assunto em Ncw/oll   (' o frilflljo   do IJIccnllicislIIO, desta coleção.



                                                                                                         27   ~
VOCÊ SABE O QUE É METAFíSICA?

                          ,~     o prefixo   mel(n)   religiosas existentes nas obras dos fun-
                          t significa   "além de"     dadores da ciência moderna nós mencio-
                          ~ ou "após" alguma          namos o éter, aquele meio material que
                            coisa. A palavra me-      preencheria todo o universo e que foi
                            Infísiea foi inventada    utilizado por Newton e outros cientis-
                            pelo filósofo And ro~     tas para explicar como um planeta conse-
                            nico de Rodes, no ano     guia atrair outro estando a uma grande
                            50 a.c., para classifi-   d istãncia dele. O éter nunca teve sua exis-
                            car e denominar os        tência confirmada por meios experimen-
                            escritos de Aristóte-     tais. Logo, a justificação do fenômeno da
                            les posteriores aos       atração a distãncia estava baseada num
                            seus estudos sobre        elemento da natureza que não tinha sua
                            física. Nos escritos      existência confirmada. Os cientistas do
                            meta físicos, Aristó-     século xvrn consideravam-na uma expli-
                            teles procurou pen-       cação metafísica, que por isso não deveria
                            sar aquilo que ficou      fazer parte da ciência. Outro exemplo in-
                            conhecido como a          teressante é também uma conseqüência
Estátua   de Aristóte-
                            "filosofia primeira",     da obra de Newton. A força de atração en-
les (384-322 a.C.), fi-     isto é, a busca da es-    tre os planetas também foi considerada
lósofo grego.               sência de todas as        por alguns cientistas do século XVlII
                    coisas. Ao redigir es-            como metafísica, pois a capacidade de um
ses escritos, ele inaugurou um campo                  corpo atrair outro era percebida como
da filosofia que, de causa em causa,                  tendo relação com o princípio alquímico
busca o conhecimento        da natureza               das afinidades entre corpos e substãncias.
última de todas as coisas. Você já deve                    Os cientistas mecanicistas do século
ter visto como as crianças gostam de fa-              XVI]] tentaram afastar toda e qualquer ex-
zer perguntas sobre o porquê das coi-                 plicação que não tivesse por base a exis-
sas. A cada resposta dada pelo adulto                 tência de corpos que pudessem ser ob-
ela emenda um outro: por quê? Na                      servados ou ter sua existência comprova-
meta física também é assim, vai-se de                 da experimentalmente. Mais tarde, já no
porquê em porquê, à procura da expli-                 século XIX,alguns cientistas tentaram ba-
cação última para tudo. Nas ciências,                 nir completamente a metafisica da ciên-
um conhecimento é considerado meta-                   cia. Eles acreditavam que a ciência não
físico quando tem suas bases de susten-               poderia buscar compreender a essência
tação apoiadas em alguma explicação                   da natureza. Os cientistas simplesmente
ou elemento da natureza que não possa                 deveriam criar expressões matemáticas
ter sua existência confirmada por meios               que descrevessem seu comportamento. A
experimentais.                                        tentativa de banir a metafísica da ciência
     Vamos exemplificar: você se lem-                 gerou, no século XIX, lllna corrente filo-
bra que ao comentarmos as referências                 sófica denominada positivismo.
o
     Quando você desejafa-                                                                                                                A enciclopédia nãofoi
                                       ENCYCLOPEDJE,                                                                           .~
zer uma pesquisa sobre                                                       ()lj                                              1..   inventada na França.Entre-
                                     DICTIONNAlltE                                       RAISONNE                              &
um assunto que conhece                                                                                                               tanto, os iluministas fran-
                                                 DES                 SCIENCES,
pouco, ou do qual nunca              DES         ARTS                foT           DES           METIERS.
                                                                                                                                     ceses se propuseram a es-
ouviu falar, onde procura as                     t";.• r. SOCIET~            /)c CE."s J)C LCITIlES.                                 crever lima que ficou mili-

                                                                                                                -
                                         I'AIl

                                     Wio _"';-o.,..!o!.N/)Fl'Of
                                       ••                                    ••• ,~_""               ••.,,,,_
                                                                                                       ,        •. .., r.o.~
infonnações sobre o tema?              '- •••.•.•. ••,.•,,,"'_~",<, :>L.D·"'l_.<.oT.
                                                ,,_               ..••.  to famosa. O objetivo de-
                                      :~_               •..   '--.•.•...•. ~"'•...•..•.•.•.                        ...'"
O P"óprio título desta se-              T~ ••••••• o"f"o.~""''-_·&<.o.,.
                                               -J                        les era reunir mim grande
                                                               T •••••••••    ~·    •••• ,...   ••




ção já deve ter indicado a                TOME        PIt(.lEJ:..
                                                                         livro, dividido em volumes,
resposta. O que é uma en-                                                todo o conhecimento pro-
ciclopédia? Você já pensou                                               duzido até aquela época.
sobre isso? É uma tentati-                                               Essa enciclopédia francesa
va de reunir todo O conhe-                                               teve como subtítulo os se-
                                                A P. ~,~.
cimento existente e anna-                                                guintes dizeres: "Dicioná-
zená-Io num lÍnico lugar.                      "'- '''0(:. II            rio racional das ciências,
                                .•••<~~~~"s ••,,"~« .•••~.• c."" ••
                                   ,                                                                                  t.
Você deve sabe,' a utilidade                                             das artes e dos ofícios".
que esse tipo de livro tem. Numa bibliote-                Dois filósofos iluministas, Denis Diderot
ca encontramos diversos livros sobre os' (1713-1784) e Jean d'Alembert(1717-1776),
mais variados assuntos.                                   coordenaram a edição dessa enciclopédia
     Por onde começar uma pesquisa?                       e convidaram diversos sábios da época a
     A boa enciclopédia fornece essa por- escreverem sobre os assuntos dos quais eles
ta de entrada. Ela dá uma informação re- mais entendiam. Os livros foram dividi-
sumida sobre um tema e aponta como dos em verbetes, isto é,palavras que suge-
contÍllllar se aprofillldando nele através                riam temas. Os 35 volumes da enciclopé-
de outros livros.                                         dia levaram 21 anos para serem editados.
                                                                                         .~       A edição da enciclopédia teve IIIn
                                                                                         ~ grande valor simbólico para a con-
                                                                                         ; solidação da sociedade modema. Ela
                                                                                            representa uma tentativa de se criar
                                                                                            uma forma de organização de todo o
                                                                                            saber existente em detenniuada épo-
                                                                                            ca, a partir da óptica dos iluministas.
                                                                                            É como se eles estivessem dizendo ao
                                                                                                       mundo: a partir de agora este passa-
                                                                                                       rá a ser o verdadeiro                     conhecÍlnento,
                                                                                                       quem quiser adquiri-Ia é só consul-
Denis Diderot (1713-1784).   Jean d'Alembert (1717-1776).                                              tar os verbetes.

                                                                                                                                                       29    <a>
CAPíTULO            3


Lavoisier:
político e cientista


A         em 26 de agosto de 1743, em Pa-
         ntoine Laurenttinham urnanasceu
          ris. Seus pais Lavoisier situa-
ção econômica muito boa. Sua mãe fale-
ceu quando ele tinha cinco anos. Seu pai,
que era advogado e procurador do Parla-
mento, procurou criá-Io com ajuda de
uma tia, irmã da mãe do menino. O fato
de a fanúlia materna possuir muitas pos-
ses permitiu que Lavoisier estudasse em
colégios de prestígio. Um deles, o College
Mazarin, era famoso pelos seus cursos de     2
ciências. Seu pai desejava que ele tam-      ~
bém se tornasse advogado. Lavoisier sa-      ~
                                             ~
                                             i!
tisfez o deseJ·o de seu pai. Entretanto,     -
após concluir O curso de direito, passou a
se dedicar às ciências. Naquela época, di-
versos cientistas ministravam cursos,        l
                                             ~
fora das universidades, a estudantes que        quimica. Por causa disso, começou a es-
se interessassem pelo tema. Lavoisier par-      tudar os temas relativos à quimica que
ticipou de muitos deles. Seus interesses        estavam em voga na época.
iam da botânica à geologia, da química à             À medida que o tempo passava, dois
astronomia. Um de seus mestres, o pro-          caminhos foram se apresentando à frente
fessor Rouelle, era famoso pelos cursos         de Lavoisier: seguir uma carreira política,
que ministrava no Jardin du Roi, uma es-        ligada à administração do reino como ha-
pécie de jardim botânico de Paris. Além         via fei to seu pai, ou seguir uma carreira
de Lavoisier, freqüentaram esses cursos         científica, realizando investigações no
vários cientistas e políticos, que participa-   campo da geologia e da química. Lavoi-
ram ativamente do movimento iluminista.         sier não optou nem por uma nem por ou-
     Lavoisier começou a estudar qlúmi-         tra. Seguiu as duas. E as interligou de tal
ca devido ao seu interesse pela geologia.       forma que, ao estudar sua biografia, fica
Alguns de seus professores o convence-          difícil distinguir quando ele está atuando
ram de que um bom mineralogista deve-           como administrador e político e quando
ria conhecer muito bem os princípios da         atua como cientista.




o desenvolvimento •
de uma carreira                                                                           .
      Lavoisier escreveu seu primeiro tra-      classes: geometria, mecânica, astrono-
balho sobre geologia em 1764. Era um            mia, anatomia, química e botânica. Cada
estudo sobre a composição de diversos           classe possuía oito acadêmicos. Existiam
tipos de gesso. Apresentou esse trabalho        também os acadêmicos suplentes, que
na renomada Academia Real de Ciên-              não eram nomeados pelo rei, mas po-
cias de Paris, em fevereiro de 1765. Essa       diam fazer parte das reuniões. Eram
academia, fundada em 1666, reunia os            normalmente escolhidos pelos próprios
principais cientistas franceses da época.       acadêmicos, caso mostrassem compe-
Lá, para realizar investigações nos cam-        tência em suas áreas de estudo.
pos da ciência e para controlar todos os             Em 1768, surgiu urna vaga na acade-
trabalhos ligados à produção científica         mia devido à morte de um dos acadêmi-
francesa, eles recebiam um salário. Nes-        cos. Lavoisier candidatou-se a ela, tendo
sa época, existiam muitos cientistas            a indicação dos membros para ocupar
amadores e inventores de máquinas;              essa cadeira. O rei, entretanto, acabou in-
para terem seus trabalhos reconhecidos,         dicando outro cientista, um geólogo de
eles precisavam apresentá-Ios aos mem-          maior prestígio que Lavoisier devido aos
bros da academia. Algumas vezes eram            trabalhos realizados para o governo fran-
instituídos prêmios para a realização de        cês. Porém, atendendo ao pedido dos
trabalhos em determinadas áreas. O tra-         demais acadêmicos, indicou o jovem
balho da academia era dividido em seis          Lavoisier para um posto de suplente na

                                                                                 31
A principal sala de reuniões da Academia de Ciências de Paris
vura do século XVII que mostra uma   hoje. Nessa instituição são debatidas, desde o século XVII, as prin-
nião da academia.                    cipais controvérsias relativas às teorias científicas.


sse de qtúmica. Um ano depois da in-               da Ferme Générale. A Ferme tinha sido
:ação, surgiu outra vaga de acadêmico,             incumbida pelo rei da França de cobrar
avoisier assumiu uma cadeira na Aca-               os impostos da população, recebendo
nia Real de Ciências.                              uma parcela como pagamento pelo servi-
   À medida que o tempo passava, La-               ço. Os jermiers, sócios da Ferme Générale,
.sier foi galgando cargos na hierarquia            administravam o trabalho de diversos
academia, até que, em 1785, assumiu a              cobradores de impostos em toda a Fran-
,sidência da instituição por um ano.               ça. Devido a isso, eles tinham de viajar
>curou então elaborar uma reforma da               muito, vistoriando a cobrança desses im-
rutura acadêmica, criando duas novas               postos. A Ferme Générale não tinha boa
,ses, a de Física Geral e a de Mineralo-           reputação junto à população francesa.
, mas reduzindo o número de acadê-                 Muitos a acusavam de retirar somas con-
:os por classe. Esse tipo de atitude cau-          sideráveis dos impostos como pagamen-
I muito descontentamento e fez aumen-              to, o que certamente tornava os impostos
 o número de cientistas politicamente              muito altos .
.trários a Lavoisier. A reforma represen-
a uma busca de elitização da academia,
 n momento em que diversos cientis-
 amadores desejavam se profissiona-
 r, fazendo parte do grupo e recebendo
irios por sua atividade. Note que a re-
na aconteceu quatro anos antes do ini-
 da Revolução Francesa.
   No mesmo ano em que entrou para a
 ldemia Real de Ciências, Lavoisier                                                   Lavoisier   observa
 'prou ações de uma empresa chama-                                                    um experimento.


   32
Ser membro da Academia Real de
Ciências e trabalhar na Ferme Gênérale
proporcionou uma situação muito pro-                    ,'
veitosa para a carreira científica de
Lavoisier. Sendo obrigado a realizar di-
versas viagens para vistoriar a cobran-
ça de impostos no interior da França,               J
ele aproveitava sua estada em cada ci-
dade para realizar palestras nas acade-
mias científicas locais, pois, a exemplo            Ilustração de Marie-Anne   no livro de Lavoisier.
de Paris, as cidades do interior também
possuíam suas pequenas academias                    pintores franceses da época. A partir des-
científicas. Isso contribuiu muito para             se conhecimento de desenho e pintura
que sua fama como cientista se propa-               ela passou a ilustrar os livros de La-
gasse por todo o país.                              VOlSler.

                                                         Em 1775,Lavoisier foi chamado pa-
                                                    ra resolver um problema científico e eco-
                                                    nômico vivido pela França. A escassez
                                                    de salitre e a corrupção em algumas
                                                    empresas produtoras de pólvora impe-
                                                    diam o Estado de obter a pólvora ne-
                                                    cessária para a defesa de seu território.
                                                    O cientista sugeriu ao controlador geral
                                                    das finanças que se criasse uma empresa
                                                    controlada pelo Estado para a produção
                                                    de pólvora. Lavoisier foi então nomeado
                                                    para dirigir essa empresa, chamada de
                                                    Administração de Pólvoras e Salitres,
                                                    que ficou encarregada de produzir toda
                                                    a pólvora necessária para a defesa da
                                                    França. Lavoisier mudou-se para um ar-
                                                    senal e mandou construir ali um labora-
Detalhe de pintura que retrata o casal Lavoisier,   tório para o aperfeiçoamento da produ-
feita por Jacques Louis David em 1788.              ção de pólvora. Esse laboratório tornou-
                                                    se um dos mais bem equipados do mun-
      Lavoisier casou-se em 1771 com                do. Lavoisier encomendou instrumentos
Marie-Anne-Pierrette Paulze, filha de ou-           de medição, como balanças, a diversos
tro fermier. Marie-Anne mostrou-se uma              artesã os franceses. Nesse local, que hoje
colaboradora dedicada de Lavoisier.                 poderíamos chamar de um laboratório
Aprendeu latim e inglês, tornando-se tra-           industrial, Lavoisier realizou diversas
dutora de diversos livros científicos. Ao           pesquisas no campo da química, além
mesmo tempo, estudou pintura com                    de produzir a melhor pólvora da Europa
Jacques Louis David, um dos maiores                 na época.
Lavoisier recebeu muita influência                Essa mistura de ciência e política
    :l pensamento      iluminista no campo       não foi uma atitude isolada por parte de
   :onômico. A idéia dos fisiocratas de que      Lavoisier. Assim como ele, em outros
    verdadeira riqueza viria dos campos le-      campos e na mesma época, vários cien-
   :lUo cientista a comprar, na região fran-     tistas realizaram tarefas semelhantes:
   ~sa de Orleans, uma fazenda, que ele          Gaspard Monge (1746-1818) foi mate-
   'eqüentava somente nas épocas de se-          mático e ministro da Marinha; Pierre-
   eadura e colheita. Nesse local procurou      Simon Laplace (1749-1827) foi matemá-
   esenvolver métodos e processos para O         tico, físico e auxiliou o Congresso du-
   umento da produção agrícola. Verificou        rante os mais difíceis anos da Revolu-
   ue o aumento da produtividade se rela-        ção; Lazare Carnot (1753-1823) foi mate-
  ionava com a quantidade de esterco             mático, físico e trabalhou durante a Re-
  xistente no solo. Calculou então a pro-        volução, comandando o exército fran-
  ·orção adequada de cabeças de gado             cês. Enfim, muitos cientistas se engaja-
  'ara a área de pastagem e de terra culti-      ram num processo político-científico.
   ada. Com isso, conseguiu duplicar a           Não poderia ser diferente, uma vez que
  'rodutividade da lavoura e quintuplicar        quase todos provinham das classes po-
 , número de cabeças de gado.                    pulares, eram filhos de burgueses e esta-
        Como você pode notar, as carreiras       vam inconformados conl a situação de
 )olítica e científica de o
                           ~                                      miséria em que se encon-
 ...
   avoisier se nüstu- ]                                           trava seu país. A maio-
 'avanl de fornla m- ~                                            ria deles participou ati-
 ensa. Ele procurava                                              vamente da Revolução
plicar idéias cientí-                                            Francesa.
lCas no campo po-              .~
 ítico e "ice-versa.
::riar wn laboratório,
lue modernamente
:loderia ser denomi-
~ado industrial, para
:lroduzir a pólvora
io reino foi uma ati-
vidade política e ao
mesmo tempo cientí-
fica, já que o labora-
tório permitiu a La-
voisier realizar diver-
sos experimentos científicos. De modo aná-
logo, transformar sua fazenda num gran-
de laboratório agrícola foi a forma que ele
encontrou para oferecer comprovações prá-
ticas das idéias dos fisiocratas do ilurninis-
mo francês.
cAPírUL04



Uma
na química
           revolução
Em       mica ainda não tinha o statlls de
         ciência, como século XVIII, a quí-
            meados do a física possuía.
Havia muito preconceito em relação ao
trabalho dos químicos. A química era vis-
ta como uma atividade artesanal, em que
apenas se manipulavam substâncias. Os




o   preconceito existente em relação aos trabalhos ]
manuais levou muitos i1uministas a não considerar a     ~
química como uma ciência. Foi preciso vencer esse       ~
preconceito, que associava as experiências de labo-      p.
ratório com as práticas artesanais, para que a quími-   ~
ca ascendesse a uma nova condição. Na figura, um        ::::
artesão prepara um recipiente de vidro.                 ,~
                                                        .....
:ilósofos iluministas     a viam como uma               trução das bases de uma química científi-
ltividade ainda muito ligada à alqui-                   ca. Gabriel François Venel (1723-1775) foi
nia, conhecimento considerado mágico                    o médico francês que escreveu o verbete
~sem as bases racionais que uma verda-                  chymica (química) na Enciclopédia. Nesse
feira ciência deveria ter. Na c1assifica-               verbete, Venel discordava de D' Alembert
;ão dos conhecimentos feita por D' Alem-                e procurava dar à química um caráter
)ert para a Enciclopédia, a química ocu-                mais científico. Para tanto, procurou ex-
:lava um lugar muito baixo na hierar-                   por as recentes teorias de um médico nas-
luia científica.                                        cido na Prússia (hoje Alemanha) que es-
     Alguns químicos, entretanto, já co-                tava criando as bases de uma nova quí-
:neçavam a se esforçar na busca da cons-                mica. Seu nome era Georg Ernst Stahl.




fllJllil;tlJ                                                                                       .

      Stahl, assim como todos os químicos               ria sempre combinada com a terra presente
do século XVIII, trabalhava com os qua-                 nos corpos ou com o ar. A luz e o calor per-
tro elementos: terra, água, ar e fogo. Ele              cebidos durante a queima das substâncias
havia construído uma importante teoria                           eram as únicas manifestações sen-
para explicar as reações químicas,                                 síveis desse princípio do fogo.
principalmente as que ocorriam                                             Vamos dar um exemplo
na presença do fogo. Esse pes-                                        de como os quimicos do sé-
quisador acreditava na existên-                                        culo XVIII explicavam o fe-
cia de um "princípio do fogo",                                          nômeno da combustão.
uma espécie de espírito do fo-                                                Você já deve ter ob-
go, que era encontrado nas                                               servado que um pedaço
substâncias     e que se des-                                             de carvão, após queimar,
prendia delas quando estas                                                  se transforma     numa
eram aquecidas. O princí-                                                   pequena quantidade
pio do fogo era denomi-                                                        de cinzas. Stahl
nado flogislo ou flogís-                                                            defendia que
lico, palavra deriva-                                                               o carvão era
da do grego phlo-                                                                   formado     de
gislos, que significa                                                               terra e de uma
"queimando". O flo-                                                                 enorme quan-
gisto seria urna subs-                                                              tidade de flo-
tância imperceptível                                                                gisto; então,
aos olhos dos ho-                                                                   quando aque-
mens e impossível de                                                                cido, ele libe-
ser isolada, pois esta-    Georg Emsl   SI.hl   (1660-1734).                        raria todo o
flogisto existente em seu interior e sobra-    então a desconfiar da existência do flo-
ria apenas a pequena quantidade de ter-        gisto, que parecia ter um caráter místico,
ra, as cinzas. Outro fenômeno que era ex-      próprio da velha alquimia.
plicado por meio da teoria do flogisto era           As críticas do ponto de vista experi-
a calcinação dos metais: quando um me-         mental provinham de algumas experiên-
tal era aquecido, ele produziria uma cin-      cias que eram então realizadas. Alguns
za então denominada "cal" do metal;            químicos perceberam que a massa decor-
esse processo era conhecido como" cal-         pos queimados aumentava após o pro-
cinação" dos metais; o surgimento dessa        cesso de combustão e calcinação. Lem-
cal seria ocasionado pela perda de flo-        bre-se: dizia-se que a presença do fogo fa-
gisto por parte do metal. A operação in-       zia com que o flogisto abandonasse o cor-
versa, isto é, a transformação dessa cal       po. Como explicar tal fato? Alguns quí-
num metal também seria possível: para          micos defensores do flogisto ainda tenta-
isso, bastaria aquecê-Ia com carvão; este      ram elaborar explicações, propondo, por
perderia o flogisto para a cal, que, ao        exemplo, que o flogisto seria animado
absorvê-lo, se reconstituiria como metal.      por forças contrárias à da gravidade. Isso
      A teoria do flogisto funcionava co-      fazia com que a sua presença tornasse o
mo um grande princípio unificador, isto        corpo mais leve, e a sua ausência, mais
é, era uma teoria que explicava diversos       pesado. Esse tipo de explicação tornava o
fenômenos da química. Entretanto, ao           flogisto cada vez mais irreal aos olhos
mesmo tempo que o flogisto explicava           dos químicos. A teoria do flogisto come-
uma série de fenômenos, era um proble-         çou a ser considerada metafisica, e essa
ma duplo para os químicos, pois havia          era uma forma de pensar a natureza que
críticas à sua existência no campo filosó-     os cientistas iluministas queriam ver ba-
fico e no campo experimental.                  nida da ciência.
      A crítica do ponto de vista filosófico         Não pense que abandonar uma teo-
vinha do fato de o flogisto apresentar         ria seja tarefa fácil. Como a teoria do
um caráter meta físico. Lembre-se de que       flogisto explicava de forma aparente-
estamos nos referindo ao século XVIII, o       mente coerente diversos fenômenos, era
Século das Luzes, um tempo em que os           defendida por inúmeros químicos do sé-
homens acreditavam estar se libertando         culo XVIII. Para que ela fosse abandona-
das visões mágicas do passado e criando        da, deveria ser criada outra teoria que
uma forma diferente de ver o mundo e a         fosse, como ela, abrangente nas explica-
natureza, baseada única e exclusiva-           ções dos fenômenos. A nova teoria, além
mente na nova razão científica. Tudo o         de explicar os fatos que a velha teoria já
que não pudesse ser percebido por              explicava, deveria também explicar os fa-
meio da observação e cuidadosamente            tos que estavam causando problemas
testado por experimentos não poderia           para os cientistas. Portanto, a princípio,
ser aceito como verdadeiro. O flogisto         era mais fácil tentar aperfeiçoar a velha
não podia ser percebido pelos sentidos         teoria, acreditando que a ausência de ex-
nem podia ser isolado por meios expe-          plicação dos fenômenos se devesse muito
rimentais. Muitos químicos, influencia-        mais a uma incompetência dos cientistas
dos pelos ideais iluministas, começaram        do que à falsidade da teoria existente.
Existe uma atividade que 110S    permi-   linhas. Você terá transformado o papel
    compreender melhor como se dá a subs-         num conjunto de pedaços fonnados de
    :tlição de uma teoria por outra. Cons-        triângulos, quadriláteros e um pentágono.
   Úl'emos um quebra-cabeça para fazer                 Entregue os pedaços desordenados
   na al1alogia com a c011st11lção conhe-
                                      do          ao seu colega. Diga-lhe que é um quebra-
   >11ento  ciel1tifico. Entretal1to, você não    cabeça para ser mOl1tado. Observe que, se
   ,de esquecer que analogias são compa-          você não disser mais nada, ele irá per-
   .ções e não retratos fiéis do processo.        gUl/tar o que deverá ser mOl1tado, pois as
        Você irá desafiar um colega, que          peças, sem a idéia do que deve se,' feito
   :nda não tenha lido este liv1'O,a mOI1-        com elas, não significam nada. Somente
   lr um quebra-cabeça. Ele terá de mOI/-         então lhe diga que ele deverá fonnar um
   lr um quadrado a partir de peças feitas        quadrado com as peças,
  ? papel. Sua atuação ficará restrita à
  ?servação de como ele elabora solu-
  Jes para esse problema. Não se esqueça
  isto: embora seja uma brincadeira,
  ocê deverá estar todo o tempo concen-
  'ado, observando-o, sem dar dicas de
 91110 resolve o quebra-cabeça.
         se
        Recorte um quadrado numa folha de
 apel em bmnco. Se você tiver cartolina
 u papelão de embalagens será melhor.
 'sse quadrado deverá ter 20 cm de lado.
 /'ace com "'" lápis a configul"ação da fi-
 ltra 1 lto papel, obsenJando que existem
 :l1gulos retos l1a ligação de algumas li-
·has. Esses ângulos devem se,' respeita-
'os de fonna precisa. Após desenhar as li-
,h as na folha, recorte-a seguindo essas          Figura 1.
Normalmente as pessoas começam                Em ciência também é assim. No fim-
tentando posicionar os vértices das figuras   do, a construção de teorias é como a mon-
de forma a fazer com que eles coincidam       tagem de um grande quebra-cabeça: sempre
com os do quadrado que se deseja montaJ',     se procura uma ordem para os fatos. Entre-
Como existem muitos vértices, o trabalho      tanto, antes da montagem, os cientistas já
toma-se bem difícil, Outra tendência é co-    têm uma idéia do que desejam montar. Os
locar os lados do retângulo coincidindo       dados das experiências são as peças que se
com os do quadrado. Como a posição do         deseja ordenar. Quando conseguem encai-
"etângulo na montagem é torta em relação      xar algumas peças, procuram manter esse
à disposição do quadrado, esse tipo de ten-   encaixe, tentando adaptar as outras peças
tativa toma a montagem mais difícil.          a ele. Só abandonam essa disposição se ela
      Após encaixar duas ou três peças, ele   se mostrar muito complicada e se existir
dificilmente abandonará essa configura-       uma crença muito forte de que outro cami-
ção. Procurará adaptar as outras peças a      nho seja mais proveitoso. É lógico que as
essa disposição. Somente se o encaixe se      escolhas desses caminhos não nascem do
tornar muito difícil ele abandonará a         nada. As concepções filosóficas existentes
primeira configuração, desmanchando as        em cada época são fimdamentais para a es-
peças, para começar tudo de novo.             colha desses caminhos,




    Lavoisier foi o químico que se opôs       suía muitos vestígios metafísicos,    O cará-
de forma mais intensa à teoria do f1o-        ter abstrato, quase espiritual, do   flogisto
gisto. Mesmo percebendo que a química         não poderia ser aceito como um       modelo
de Stahl já havia rompido, em parte, com      explicativo para o comportamento       da na-
a alquimia, restavam ainda alguns pon-        tureza, Por não ser material, o      f1ogisto
tos de discordância,                          não poderia ser explicado pelas       leis de
                                              Newton.
     Lavoisier, junto com alguns físicos            A princípio, Lavoisier ainda trabalhou
de sua época, como Laplace, defendia          com a teoria do f1ogisto e dos quatro ele-
uma visão mecanicista da natureza: para       mentos aristotélicos. Mas ele não poderia
eles, a natureza era como uma grande          simplesmente dizer que o flogisto não exis-
máquina formada por uma infinidade            tia. Era preciso construir outra teoria, ou
de corpos. O comportamento desses cor-        seja, desfazer-se das peças do quebra-ca-
pos deveria ser explicado pelas leis da       beça e recomeçar a partir de uma nova dis-
mecânica de Newton. No projeto de             posição dessas peças. A maioria dessas pe-
construção de uma nova química desen-         ças já existia. Foram construídas por ou-
volvido por Lavoisier, as reações quími-      tros químicos a partir dos estudos sobre
cas também deveriam ser compreendi-           os elementos fiar" e lIágua". Lavoisier foi
das a partir dessas leis.                     aquele que as juntou e que recompôs o for-
                                              mato do quebra-cabeça a partir de uma
     A teoria do f1ogisto não poderia ser     nova ordem. Vamos acompanhar o pro-
aceita por Lavoisier, pois ela ainda pos-     cesso de sua construção.
A decomposição

do       ar                                                                            .
    Vários cientistas britânicos desenvol-         a médico britânico·Joseph      Black
viam estudos sobre o ar desde o século       (1728-1799), utilizando as bombas de ar,
XVII.Diversos trabalhos experimentais fo-    verificou que alguns compostos orgâni-
ram feitos a partir da bomba de ar, um       cos com que trabalhava, quando subme-
equipamento inventado no século XVII         tidos a intenso calor ou a ácidos, des-
pelo engenheiro alemão atto von Gue-         prendiam urna espécie de "ar". Black
ricke (1602-1628) para provar a existência   chamou-o de "ar fixo", pois parecia en-
do vácuo. Robert Boyle (1627-1691) e         contrar-se fixo nas substâncias, só se des-
Robert Hooke (1635-1703), químicos com       prendendo durante seu aquecimento ou
grande experiência na construção e no        em contato com ácidos. Hoje, esse "ar
aperfeiçoamento de equipamentos de la-       fixo" é conhecido pelo nome de gás
boratório, construíram na Inglaterra algu-   carbõnico (Ca,).
mas dessas bombas - capazes de reco-               Joseph Priestley (1733-1804), um
lher os gases desprendidos de reações        quimico britânico que também era pas-
químicas - e desenvolveram métodos           tor presbiteriano,     realizou diversas
para sua operação. Esse trabalho foi fun-    experiências com os "ares". Nunla delas,
damental para que os laboratórios ingle-     em 1774, ao aquecer o óxido vermelho
ses do século XVIII contassem com exce-      de mercúrio, obteve um "ar" sem cor.
lentes instrumentos de pesquisa.             Priestley observou que esse "ar" também




Robert   Boyle (1627-1691).                      Projeto da bomba de ar de Boyle.
tinha a propriedade de "nu-
trir a chama de uma vela",
como fora observado por
Boyle e Hooke no século an-
terior. O aumento do fogo
na presença desse ar fez
com que Priestley o chamas-
se de "ar deflogisticado".
Ele acreditava que a ausên-
cia do flogisto no ar fazia
com que certa quantidade
de flogisto saísse com mais
intensidade do fogo para
ocupar o espaço vazio exis-
tente nesse ar. Essa des-
coberta já havia sido feita
pelo farmacêutico      sueco
CarJ ScheeJe, em 1772. En-
tretanto, suas pesquísas só
foram publica das fora da
Suécia a partir de 1777.
     Pare e pense por um
mstante! Você deve ter perce-
Jido que o fato de Priestley
chamar o "ar" que nutria a
chama de uma vela de "ar
:leflogisticado" tinha como
                                Laboratório de   química no século XVIII.
Jase o fatode que ele acredi-
tava que esse era o mesmo
'ar" da teoria dos quatro elementos só           cações do      If   ar" I um dos elementos   aris-
lue modificado, isto é, sem o flogístico.        totélicos básicos constituintes da nature-
      A grande questão com a qual La-            za. Ele (o ar) deveria ser considerado,
misier vai se defrontar é a de dar uma           portanto, um composto formado de ga-
~ova interpretação para esses fatos. La-         ses. O ar deflogisticado de Priestley e
Joisier tomou conhecimento de todas es-          Scheele deveria ser um gás componente
;as pesquisas sobre a natureza do ar pela        do ar atmosférico, assim como o ar fixo
eitura das traduções feitas por sua es-          de Black, um outro.
Josa a partir dos escritos desses cientis-             Lavoisier, acreditando que as inter-
:as. Ele conversou ainda com Priestley           pretações das experiências, feitas pelos
~um encontro que tiveram em Paris, em            químicos britânicos, estavam erradas,
L774. Para Lavoisier, que não acreditava         começou a planejar uma série de expe-
~a existência do flogístico, esses" ares"        riências para verificar como se dava a
lão poderiam ser considerados modifi-            participação do ar nos processos de com-
) e calcinação dos metais. Enco-            óxjdo de chumbo e verificou que nesse
   JU aos artesãos parisienses as ba-          processo ocorria um grande desprendi-
   ; mais precisas que se conheciam            mento de um gás. Esses experimentos
   oca. Cercou -se dos melhores ins-           levaram-no à conclusão de que o flogis-
   ntos de laboratório existentes. Fez         to realmente não poderia existir. Para
   iências nas quais aquecia materiais         Lavoisier, a velha questão do aumento
   o fósforo e o enxofre, e constatou          do peso das substãncias após sua com-
  'pós a combustão, os resíduos se             bustão confirmava que deveria haver
  ~ntavam mais "pesados" do que os             outra explicação para esse fenômeno.
  's originais. Aqueceu também o               Talvez o ar atmosférico tivesse um papel
                                                           fundamental nesses proces-
                                                           sos de combustão e calcina-
                                                           ção dos metais, que não ha-
                                                           via sido considerado pelos
                                                           outros quúnicos.
                                                                Após a realização da sé-
                                                           rie de experimentos planeja-
                                                           dos por Lavoisier, pôde ser
                                                           construída uma teoria capaz
                                                           de explicar os fenômenos da
                                                           combustão e da calcinação
                                                           dos metais. A primeira con-
                                                           clusão de Lavoisier foi que o
                                                           ar atmosférico não era um
                                                           elemento puro. Ele era consti-
                                                           tuído de um conjunto de ga-
                                                           ses, e estes participavam ati-
                                                           vamente da combustão e da
                                                           calcinação. O cientista procu-
                                                           rou, então, identificá-los. O
                                                           primeiro gás constituinte do
                                                           ar atmosférico a ser identifi-
                                                           cado foi aquele" ar" incolor
                                                           que Priestley havia chamado
                                                           de "ar deflogisticado". Como
                                                           ele tornava a chama da vela
                                                           mais intensa, Lavoisier perce-
                                                           beu que era a parte combus-
                                                           tível do ar atmosférico, res-
                                                           ponsável pela queima das
                                                           substãncias. Vamos ler o que
                                                          Lavoisier escreveu nas suas
:Iho de Lavoisier para o estudo do oxigênio.              conclusões:
 42
o   ar da atmosfera não é          11m    tal", por ter percebido, em suas expe-
          elemento, isto é, lima substân-               riências, ser ele de extrema importân-
          cia sbnples, mas 'nna mistura                 cia para a respiração. Como também o
de diversos gases. O ar da atmosfera é                  encontrou em alguns ácidos, chamou-
composto de aproximadamente 11m qllar-                  o de "principio oxigênio", pois, no gre-
to de ar deflogistieado, 011 ar eminente-               go, oxus significa ácido. Mais tarde, per-
mente respirável, e três quartos de 11m ar              maneceu apenas o nome "oxigênio". O
malcheiroso       e nocivo."
                                                        outro componente do ar identificado
    Nesse trecho, Lavoisier ainda usa                   por Lavoisier é o azoto, que hoje é co-
a nomenclatura de Priestley, chaman-                    nhecido por nitrogênio.
do o novo gás de "ar deflogisticado".                        Com esse conjunto de experimen-
Entretanto, como a base de sua nova                     tos e a partir da nova interpretação dada
teoria era a negação da existência do                   por Lavoisier, O ar deixava de ser consi-
f1ogisto, Lavoisier iria criar outro nome               derado um dos elementos básicos cons-
para esse componente do ar atmosfé-                     tituintes da natureza. Na realidade, ele
rico. A principio chamou-o de "ar vi-                   era composto de gases.



     ,
A decomposição

dallllllll .................••.......................

      Em 1783, Lavoisier tomou conhe-                   ca "água"). Em seguida ele conseguiu
cimento de novas experiências que                       juntar esses dois gases e obter novamente
Joseph Priestley e Henry Cavendish                      água.
(1731-1810) estavam realizando na In-                        Lavoisier cOlllunicou suas experiên-
glaterra. Eles haviam conseguido pro-                   cias à academia e explicou que a água
duzir orvalho através de descargas elé-                 também não é uma substância simples
tricas. Perceberam que o orvalho era,                   constituinte da natureza, mas um com-
na realidade, água pura. O conheci-                     posto.
mento desse fato levou Lavoisier a re-                       A nova teoria de Lavoisier, explican-
fazer as experiências dos químicos bri-                 do os fenômenos independentemente da
tânicos e dar aos fatos uma interpreta-                 idéia de flogisto, começou a ser aceita ra-
ção à luz de sua nova teoria.                           pidamente pelos químicos. Joseph Black
      Ele realizou uma experiência de aná-              já a ensinava a seus alunos em 1784. Os
lise (decomposição) da água e posterior                 químicos franceses perceberam que algo
síntese (recomposição). Na análise, ele                 diferente havia surgido na química. No-
mostrou que a água é composta de duas                   vos elementos constituintes da matéria
IIsubstâncias" sendo Ullla delas o seu
             I                                          estavam nascendo. A química vivia um
"princípio oxigênio". A outra foi denomi-               momento revolucionário. Seria necessá-
nada "princípio da água'" 0,u "princípio                rio reescrever os livros dessa ciência a
hidrogênio" (do grego          IH/dor,   que signifi-   partir das novas idéias.
A alquimia já estava praticamente            esportista. Outros colocam nos filhos o
 lUltada em fins do século XVIII. O mo-          nome de um parente muito querido, um
 nento iluminista, defensor de uma ra-           avô ou avó, um tio ou tia, ete. De certa for-
 ) que não deixava mais espaço para vi-          ma, querem associar a criança a alguém de
 ~smísticas da natureza, havia alcança-          que gostam e desejam que o filho incorpo-
  praticamente todos os campos do sa-            re um pouco das qualidades daquele que
 -. Porém, as práticas químicas, embora          inspirou seu nome.
 :om novas concepções, ainda estavam                   Lavoisier percebeu que os nomes
 ,letas de referências às velhas concep-         das substâncias químicas estavam muito
 ~s alquímicas. Lavoisier e alguns cole-         ligados às concepções daqueles que os
 s seus, como Claude Bertholet (1748-            criaram. Portanto, estavam cheios de re-
 22), Antoine Fourcroy (1755-1809) e             ferências místicas. Para que a alquimia
 uis Guyton de Morveau (1737-1816),              fosse completamente esquecida e desse
 eptos das idéias iluministas, decidiram         lugar a uma nova ciência, esses nomes
 llizar uma revolução radical. Não se-           deveriam ser trocados. Vamos relacionar,
 m só as práticas que deveriam ser mu-           numa tabela, alguns nomes de substân-
 das. Era necessário mudar também os             cias para você perceber como eles ainda
 mes das substâncias. Esses cientistas           carregavam o caráter místico da velha al-
reditavam que a química só seria real-           quimía. Algumas substâncias tinham vá-
mte uma ciência moderna se fizesse               rios nomes, vamos apenas relacionar al-
  mo a física, isto é, apagasse completa-        guns deles:         .
 ~nte as referências reli-
                                                             prata muriático
                                                              ácido
                                                              álcool nítrico
                                                              ácido de amoníaco
 :Jsas e místicas de seu
   óleo de vitríolo
                                                              óxido
                                                              potássio ferro
                                                                 Nomes novos
                                                              ácido sulfúrico
                                lua       Nomes antigos
                               (ácido clorídrico)
 ,ssado. E como os no-
   dianavitríolo
itoespírito do vinho
     de                        álcali vegetal cáustico
 ~s das fortis marte
   espírito substâncias esta-
   açafrão de sal
   ncq/ln    do

 m muito carregados des-
s referências, o primeiro
ISSO da revolução deve-
1 ser trocá-los.

    Pense no seu nome.
,r que você se chama
 sim? Já perguntou aos
us pais? Muita gente es-
,lhe um nome porque
:ha bonito. Às vezes os
tis inspiram-se no nome
, um artista, uma perso-
Igem de cinema ou um
A química do Iluminismo
A química do Iluminismo
A química do Iluminismo
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A química do Iluminismo
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A química do Iluminismo

  • 1.
  • 2. Este livro nasceu da vontade de ver a ciência sendo ensinada na escola deforma diferente. De uma maneira que faça com que o aluno perceba que a produção do conheci- mento técnico-científico é parte da cultura humana, assim como a literatura, a pintura, a música, o cinema. Às sextas-feiras os autores deste livro, todos professo- res do ensino médio, se reúnem num grupo de estudo deno- minado Teknê. Assim como nos velhos ateliês da Idade Mé- dia, onde os artesãos estudavam e trabalhavam o ferro, o bronze, a pedra, no Teknê se estuda a ciência, a técnica, a arte e se trabalha a palavra. Lá não só são lidos e discutidos textos de filosofia e história da ciência e da técnica como também são escritos textos didáticos e ensaios, além de se- rem produzidas experiências educacionais. Nesse trabalho compartilha-se uma grande amizade. O Teknê é a forma que encontramos de manter vivo um sonho que alimenta- mos desde os bancos universitários: continuar estudando, discutindo, escrevendo e, acima de tudo, ensinando de for- ma criativa. Este livro é dedicado a todos aqueles que nos ajudaram na construção desse projeto de vida. Os autores ••••••••••••••••••••••••••••••••
  • 3. Para que estudar a ciência no iluminismo? ••••••••••••••••••••••••• volta e ver quantas coisas encon- Vocêtram-separou seu estado naturalsuae já em para observar à quantas já foram transformadas pela mão do homem? Dessas coisas, quantas foram transformadas pela indústria quí- mica? Tintas, plásticos, remédios, quase tudo. Vivemos num mundo em que tal- vez seja impossível imaginar como seria o cotidiano sem os produtos fornecidos por indústrias que se utilizam de conhe- cimentos químicos acumulados durante séculos. Pare e pense mais um pouco! Quando isso tudo se iniciou? Quan- do o homem começou a procurar conhe- cer melhor as substâncias da natureza e a .8 transformá-Ias m em outras substâncias, ~ úteis aos seus propósitos? -ij ~ O estudo da natureza e a produção g c de novas substâncias são atividades i E que talvez remontem à Pré-História. ~ Entretanto, apenas a partir do século g CJXVt com o reconhecimento dos benefí- 9 8>
  • 4. cios farmacêuticos conquistados por es- desse processo ocorreu ao longo do ses estudos/ a manipulação de substân- século XVIII e fez parte de um movi- cias/ ou seja/ a prática química/ passou a mento mais amplo/ que mudou por . ter sua importância reconhecida pelas completo diversos ramos do conheci- universidades. Mas é somente no sécu- mento. Nesse período ocorreram trans- lo XVIII que a química se tornou uma formações fundamentais nos processos ciência moderna/ seguindo os passos de construção do conhecimento cientí- dados por outra ciência/ a física/ um sé- fico. Mesmo tendo se tornado uma ciên- culo antes. cia moderna no século XVIt a física Que tipo de transformações ocorre- também esteve no centro das transfor- ram então? Quais as diferenças entre a mações do século XVIII.A física produ- manipulação de substâncias feita ante- zida a partir daí é/ de certa forma/ dife- riormente ao século XVIII e a química rente daquela de Galileu Galilei/ René moderna? Descartes e Isaac Newton. Na realidade/ foram necessários vá- Vamos exemplificar. rios séculos de transformações antes de Se você tivesse a oportunidade de a química ser reconhecida como uma ler um livro escrito pelos fundadores ciência moderna. O ponto culminante da ciência moderna/ talvez ficasse sur- • 10
  • 5. preso com a forma de apresentação das historiadores da ciência. Por ter aconteci- idéias. Você encontraria diversas refe- do no interior de um movimento cultural rências religiosas e até conceitos tipica- mais amplo, que hoje conhecemos pelo mente característicos de uma visão má- nome de iluminismo, também poderia gica da natureza. Os físicos· e astrôno- ser chamada de revolução científica do mos de hoje se apresentam como her- iluminismo. deiros desses fundadores, mas também A química moderna nasceu como como detentores de um conhecimento um produto dessa "revolução", coman- que se pretende puramente racional, dada por um cientista francês chamado baseado em fatos experimentais e ex- Antoine-Laurent Lavoisier. Ele liderou presso numa linguagem matemática. um movimento científico, e ao mesmo Portanto, um cientista moderno, ao ler tempo político, de criação das bases pa- os escritos originais dos fundadores de ra a ciência moderna. Para compreen- sua ciência, tenderia a achar a maioria dermos o que representou a revolução das conclusões corretas, mas considera- científica do iluminismo, vamos seguir os ria falso o ponto de partida dessas con- passos das transformações que foram cepções sobre a natureza. ocorrendo na química desde a Antigui- Algo então mudou ao longo de to- dade até a revolução comandada por do esse tempo. Não foram só novas teo- Lavoisier. rias que surgiram nem apenas se desco- Será importante, entretanto, que, briram novos fenômenos. Algo mudou antes de começar a leitura, você não se na forma de se olhar para a natureza, na esqueça de uma questão. A revolução forma de se construir o conhecimento científica do iluminismo não nasceu da científico. mente de uma única pessoa. Ela é parte Essa transformação, ocorrida no sé- de transformações por que passava a to- culo XVIII,é considerada hoje uma ver- talidade da sociedade européia do sécu- dadeira revolução científica por muitos lo XVIII. 11 ~
  • 6. CAPíTULO 1 A tradição alquímica intensa atividade de manipula- Desde de Antiguidade . cão a substâncias, já havia uma em diversas partes do mundo, sempre associada à medicina e à fabricação de metais. No primeiro caso, procurava-se preparar misturas com ervas e plantas em busca da cura para doenças. No segundo, o ob- jetivo era utilizar o fogo para derreter metais, misturando-os e transformando- os em novos metais. Esse tipo de manipu-" lação era denominado transmutação. Os europeus tomaram conhecimento do grande desenvolvimento alcançado pe- los egípcios nesse campo e passaram a denominar essa arte khemia, que era o nome utilizado pelos egípcios para deno- minar as transmutações. Mais tarde, já na Idade Média, a partir da influência da cultura árabe na península Ibérica, os eu- ropeus passaram a utilizar a palavra al- quimia para denominar a khemia egípcia. Você já deve ter ouvido falar nessa palavra. Muita gente hoje a tem usado para indicar coisas misteriosas, ligadas a algum tipo de ocultismo. Se você parar B um pouco para pensar em tudo o que nos t. -'" vem à mente quando as palavras alquimia a "- e alquimista são utilizadas, perceberá que, ~ i <: com quase toda certeza, surgirá a idéia de E algo misterioso, oculto, esotérico (algo só ~ 2 acessível a iniciados). CJ • 12
  • 7. Esse raciocÍIÚonão é de todo um en- po de conhecimentos secretos, restrito a gano. A alquimia representou uma forma alguns poucos iniciados, que perten- de compreender a natureza e de mani- ciam a grupos fechados, corporações pulá-Ia baseada numa concepção mágica secretas. Os alquimistas transmitiam da natureza, que, vinda da Antiguidade, seu saber e sua arte contando suas expe- permaneceu viva durante séculos. Mui- riências uns para os outros, desenvol- tos acreditam que essa concepção ainda vendo uma tradição oral. Entretanto, esteja viva, não só nos discursos eso- como alguns alquimistas também or- téricos, mas no fundamento de alguns ganizavam em manuscritos suas obser- discursos ditos científicos e racionais. vações sobre a manipulação das subs- O saber dos alquimistas, principal- tâncias, um pouco dessa arte pôde che- mente na Idade Média, formava um cor- gar até nós. Os primórdios 1111 1IIIIIIill1ill . o Não se sabe ao certo quando a alqui- mia surgiu. Há registros de manuscritos J da Antiguidade, escritos em diversas partes do Oriente. Algumas das princi- pais características da concepção de na- tureza própria da alquimia podem ser encontradas em diversas dessas culturas. Os chineses, por exemplo, sempre imaginaram. o universo como um grande organismo. Nesse organismo existiriam simpatias, ou afinidades, e antipatias. To- das as ligações entre as coisas, incluindo aí os homens, se davam por meio dessas afinidades ou antipatias. Como explicar o fato de que, entre tantas pessoas existen- tes no mundo, você só se tome amigo de algumas delas? Talvez você responda: "Porque tenho afinidade com elas". Mas você pensou em que consiste essa afini- dade? Mesmo quando sabemos intuitiva- Da alquimia chinesa fazia parte um conjunto de técnicas desenvolvidas desde a Antiguidade e que mente o que é afinidade, é difícil explicá- só se tornaram conhecidas na Europa durante a Ia apenas pela razão. Idade Média. Entre elas se incluíam novos tipos de metalurgia, a fabricação do papel e da pólvora. A Os chineses acreditavam que a idéia ilustração representa chineses trabalhando na de afinidades e antipatias poderia ajudar metalurgia. 13 <a>
  • 8. a compreender por que algwnas substân- Os alquinústas clúneses foram forte- cias tinham maior facilidade de se combi- mente influenciados por essa visão filosófi- nar do que outras, fato difícil de ser expli- ca, em que a harmonia do universo é pen- cado pela razão. sada a partir dessa complementaridade. Outra idéia presente na filosofia chi- Muitas das concepções alquímicas nesa e também usada na sua alquimia era dos chineses foram, com O tempo, se espa- a do par ljin/ljnng. Essas palavras repre- lhando pela Ásia e pela África. A partir do sentam o lado escuro (ljin) e o lado enso- conhecimento da tradição chinesa, lugares larado (ljnng) da montanha e servem para como a Arábia e o Egito desenvolveram explicar dualidades existentes no cosmo suas próprias concepções de alquimia. Os e que formam, na realidade, uma unida- egípcios, por exemplo, tornaram-se hábeis de. Diversos são os exemplos desses dua- na matúpulação de substâncias. Eles fabri- lismos: claro/escuro, homem/mulher, cavam cosméticos, produziam peças em quente/frio, etc. Cada uma dessas partes ouro ou tin tas para a pintura de tumbas. completa a outra, não existindo uma sem Por sua vez, muitas das concepções a outra. O ljnng representa o forte, o pode- alquímicas egípcias influenciaram forte- roso, o homem, o céu. Já o ljin representa mente a alquimia desenvolvida na Europa o receptivo, o dócil, a mulher, a terra. durante a Idade Média. Yin/yang - esse é o símbolo utilizado pelos chineses para represen- tar a dualidade comple- mentar yin/yang. Obser- ve que a porção mais expandida de cada uma das partes representa ao mesmo tempo seu fim e o início da outra. A boli- nha existente em cada .- . I '11.":- um dos lados significa ;wJ.? que o yintrazem si a se- mente do yang e vice- versa. ~[-.;~~ , < ,-: Mural encontrado em um túmulo em Tebas, datae de 1400 a.C. A alquimia medieval •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••. Na Europa, a difusão dos manuscri- naram grande parte da península Ibér:, tos alquimicos só ocorreu durante a Ida- onde fundaram importantes universi.:. de Média. Os grandes responsáveis por des, que se tornaram pólos de difusão. essa difusão foram os árabes. Durante novas idéias. Para lá dirigiam-se filóso: um período de quase setecentos anos, en- de toda a Europa em busca de conh" tre os séculos VIII e XV, os árabes domi- mento. Dos estudos ali empreendi.:
  • 9. A alquimia européia medieval, as- sim como muitas de suas correntes ante- cessoras, partia de uma visão mágica da natureza, isto é, partia do princípio de que existia um espírito nas substâncias e que muitos fenômenos poderiam ser constava a leitura de diversos manuscri- explicados pela ação desses espíritos. tos da alquimia árabe, além de outros, provenientes da China e do Egito. Esses Muitos alquimistas medievais eram textos haviam sido conservados durante monges que realizavam suas investi- séculos em bibliotecas, no Oriente. gações em laboratórios situados no in- Ao mesmo tempo, os árabes também terior dos mosteiros. A ordem dos frades foram responsáveis pela difusão de diver- franciscanos foi uma das mais envolvidas sos textos da filosofia grega. A junção dos com as experiências alquímicas. São textos alquírnicos com a filosofia grega e Francisco de Assis, fundador dessa or- Adaptado de Alias ilÍslárico - Eucyclopll,'dill lirilmlllim do Brasil. Barcelona: Editorial Marín, 1988. 15 ~
  • 10. dem, havia afirmado, no século XIII, que esse motivo, o elixir da longa vida deve- Deus também falava aos homens através ria ter por base o ouro. O trabalho nos la- da natureza. Essa afirmação, que na ver- boratórios dos alquimistas visava produ- dade era uma crítica ao excessivo poder zir ouro, por meio do contato com a pe- dos teólogos da época, foi interpretada dra filosofal, e transformá-io mun líquidc pelos franciscanos como um incentivo ao que pudesse ser bebido. Dessa forma, se- estudo dos fenômenos naturais. ria obtida a cura para todas as doenças e Um dos principais objetivos dos portanto, a vida eterna. alquimistas medievais era encontrar a pe- dra filosofa I e o elixir da longa vida. A pedra filosofal era uma espécie de agente espiritual que, em contato com os metais, seria capaz de transformá-Ios em ouro. A buscado ouro não estava necessariamen- te ligada à obtenção de riqueza, mas à busca do elixir da longa vida. Esse elixir, como o próprio nome já indica, seria uma substância que, ao ser ingerida por uma pessoa, a tornaria imortal. Os alquimistas Ilustrações de um livro medieval mostrando duas f ses distintas do trabalho dos alquimistas: à esquE acreditavam que o ouro era o metal mais da, o recolhimento de ervas; à direita, a manipulaç; nobre e durável existente na natureza. Por das ervas em um laboratório. Oselementos da natureza segundo os •••••••••••••••••••••••• alquimistas medievais Para os homens medievais, o uni- Terra). O mundo sublunar constituía-se verso era dividido em mundo supralu- quatro elementos fundamentais: nar (além da Lua) e mundo sublunar (a terra - ar - água - fogo Essa forma de encarar a cc tituição da na tureza era wna rança da filosofia grega. Em docles, filósofo e médico gr, que viveu por volta do sécul a.c., acreditava que os quatro mentos da natureza eram coe tuídos a partir de dois pares, mando quatro qualidades bás: Esse desenho, datado de 1100, mostra os quatro elementos in- terligados: ar, água, terra e fogo. seco/úmido - quente/fric
  • 11. Essas qualidades, ao serem associa- Idade Média - tinha, muitas vezes, a in- Ias, formariam cada um dos elementos: tenção de conseguir uma substância que possibilitasse a obtenção da quinta-essên- seco + quente = fogo seco + frio = terra cia. Os alquimistas sabiam que a mistura de "águas ardentes" extremamente puras úmido + quente = ar (álcool 95°) com plantas, flores, frutos e úmido + frio = água raízes permitia a obtenção de substâncias Tais concepções da filosofia grega aromáticas bastante voláteis (perfumes). ·oram muito difundidas através dos es- Alguns chegaram a acreditar que, ao ex- :ritos de Aristóteles. Este filósofo e PIa tão trair tais aromas de folhas e flores, haviam ·oram os pensadores mais lidos ao longo conseguido descobrir um método de se- Ia Idade Média. Os alquimistas árabes paração da quinta-essência dos corpos. ltilizaram as idéias difundidas por es- ;es escritos para compreender a consti- uição das substâncias com as quais tra- Jalhavam. Os alquimistas europeus nedievais absorveram essa concepção. Outra busca empreendida pelos al- juimistas medievais era por encontrar a ,hamada quinta-essência. A quinta-essên- cia estaria além dos quatro elementos; ;eria uma espécie de espirito que, além ie ocupar todo o espaço, preenchendo-o, 'staria em todos os corpos. Muitos ai qui- nistas tentaram desenvolver métodos Jara extrair a quinta-essência dos corpos. Vluitos processos químicos foram desen- IOlvidos e aperfeiçoados com esse objeti- Pintura mostrando um laboratório alquímico. Obser~ 10, como foi o caso da destilação. A pro- ve os instrumentos utilizados: o fole para manter a chama, o alambique, a ampulheta para medir o tem- iução de "água ardente" - nome pelo po das reações (pendurada na chaminé) e a balança, deixada no chão (canto direito inferior do quadro). lual era conhecido o álcool na Europa da lIermes Trismegisto e o hermetismo . Os escritos de alguns alquimistas- tiu um indivíduo com esse nome, que 'icaram famosos ao longo do Renasci- seria o autor dessa obra. Os manuscri- nento. Talvez o mais importante deles tos atribuídos a Hermes Trismegisto são :enha sido o Corpus herl11eticul11, de Her- possivelmente uma coletânea de textos nes Trismegisto. Na realidade, não exis- de diversos autores traduzidos pelos 17Q
  • 12. antigos gregos. Esse nome, Hermes, por Deus. Dessa forma, o Corpus her- provém da mitologia grega, na qual é o meticum adquiriu um caráter sagrado deus da sabedoria. Ao lerem textos al- entre os alquimistas. químicos inspirados por Thot, deus Vocêjá deve ter ouvido as palavras egípcio que representava a sabedoria, os hermético ou Ilenlletismo para descrever gregos o associaram ao deus grego Her- algo que esteja fechado ou uma lingua- mes. Portanto, na tradução grega, os gem difícil de ser compreendida. Pois textos foram atribuídos a Hermes, o bem, o atual sentido dessas palavras se Trismegisto, isto é, o três vezes grande. deve ao fato de os escritos de Hermes Na Idade Média, os alquimistas judeus Trismegisto serem conhecidos só pelos e cristãos o compararam a Moisés, a iniciados na arte da alquimia, que forma- quem as Tábuas da Lei foram entregues vam um grupo fechado. o MA""'t,,~ , MEDlA'I.J o brasileiro [saias Pessott escreveu um romallce histórico milito illteressallte, chli", mado O manuscrito de Mediavilla, lançado pela Edito"a 34. Ele nan-a a busca de u,.l pesqllisadOJ; na Itália, por 11m ma- IIl1scrito, sllpostamellte p",-dido, escri- to pelo mOllge frallcisca,lO Rica/'do de Mediavilla, que, além de ser um filó- sofo importallte, era adepto da alqui- mia na Idade Média. Nessa busca, à medida que o leitor vai sendo envolvi- do pela trama, também passa a co- nhecer alguns dos mistérios da alqui- mia praticada nos mosteiros medie- vais. Al110res, vinhos e ótimas COlHi- das italianas são descritos Hesse li- vro, dando 11msabor todo especial à bllsca do manllscrito. ~ 18
  • 13. Paracelso e a medicina alquímica . A busca da eternidade e, portanto, o ria necessidade de uma revolução na for- combate às doenças fizeram com que a mação dos médicos. alquimia se ligasse de forma estreita à Para celso acreditava na existência de medicina. Um dos alquimistas mais im- uma Íntima relação entre o macrocosmo, portantes foi um médico chamado Para- que era Deus, e o microcosmo, a natureza. celso. Seu nome verdadeiro era Aureo- O homem era visto como parte da har- lus Theofrastus Bombastius von Hohen- monia desses cosmos, sendo ele uma pe- heim. Nasceu na Suíça em 1493 e faleceu quena parte imperfeita do cosmo maior, na Áustria em 1541. Paracelso estudou que é perfeito. Segundo Paracelso, a os fundamentos da medicina em diver- doença era consíderada uma desarmonia sos lugares, como nas escolas de Basi- entre o corpo e o espírito do homem. Cu- léia, na Suíça, e de Ferrara, na Itália. rar seria, portanto, fazer retornar essa har- monia. Entretanto, contrariamente ao que pregava a medicina de Galeno, Para celso acreditava que esse equilíbrio poderia ser afetado por fatores externos como, por exemplo, a ingestão de alguma substân- cia química. Foi aí que surgiu o uso das poções na restituição do equilíbrio do corpo. Como a natureza operava qui- micamente, a restituição da saúde deve- ria seguir o mesmo principio. Paracelso viajou muito por toda a Europa, realizando conferências, procu- rando difundir suas idéias. De forma ge- ral, entre as duas correntes da alquimia de sua época - a panacéia (proteção con- Para celso procurou criar uma nova tra as doenças e o envelhecimento) e a concepção de medicina, assocíada à al- crisopéia (transformação de metais em quimia. Para ele, os médicos deveriam se ouro) -, ele optou pela primeira. Aabun- desvencilhar do passado: tudo o que ha- dância do ouro proveniente do Novo via sido escrito por médicos, como Ga- Mundo fez com que diminuísse o interes- leno, a suprema autoridade em medicina se pela obtenção desse metal por meios na época, e por filásofos, como Aris- artificiais. táteles, deveria ser colocado de lado. A Paracelso também desenvolvia uma nova medicina deveria partir da expe- alquimia do espírito. Para ele, Jesus Cris- riência, de um conhecimento aprendido to era a pedra filosofal do espírito. O ho- dü:<;:t""m<;:lt<;: l""t1t<;:"U.r""m Ü;~Q, b.",,'I<;:- m<;:m "m CQlt"tCl CClill CüStCl s" t'."ns- d""
  • 14. mutaria da imperfeição para a perfeição, A partir do século XVUI, a alquimia da mesma forma que os metais se trans- na sua forma tradicional, começa a per- mutariam em ouro. Embora vivesse em der importância. Essa decadência é po, um tempo extremamente conturbado, vezes atribuída à ascensão dos novo- numa região - a Suíça - onde as diver- métodos da ciência moderna, surgido, gências religiosas entre católicos e protes- a partir do século XVII, com a física. Er- tantes estavam muito intensas, ele não se tretanto, parte desses novos método, envolveu nessas polêmicas. Permaneceu como a experimentação nas práticas de I,· católico, mas contrário ao poder dos pa- boratório, já existiam na alquimia haYi: pas dentro da Igreja. séculos. Aquilo que chamamos hoje é, química moderna nasce muito mais é A alquimia e a medicina de Para- tentativa de se apagar por completo o Cê celso influenciaram enormemente o ráter místico presente na tradição alqu pensamento europeu dos séculos XVI e mica do que pelo surgimento de no'l XVII. Muitos estudiosos da história métodos de investigação da nah,reza. E" das ciências consideram mesmo que o caráter estava em desacordo com a no' nascimento da química moderna foi sociedade e com as novas formas de pe- um processo lento e gradual, que come- sar o mundo que começavam a se estr. çou com Paracelso e só terminou com rurar dentro de um movimento chamac Lavoisier. iluminismo. A HOtA~Q"K~ Se observarmos (f l1ledici/la de hoje, prinCtplOS básicos, que sintetizamO' percebemos que ela POIlCO011 nada tem seguir. O primeiro deles é que não f em C0I111lnt com a medicina praticada no tem doenças, mas doe/ltes. COl/l issc passado. Entreta/lto, existe uma cOITente idéia de doença como algo extel'ior de peIlSame1lto, criada no século XVIII, homem é abando/lada, i/ldividualizaJl que apresenta algumas concepções her- se os problemas apresentados: o mér- dadas da medici/la de Paracelso. É a 110- deve analisar seus pacielltes caso a c meopatia, criada pelo médico alemão O seg/lndo p1'Í/lcipio é o da similitude Christian Fl'iedrich Samuel Hallllemall/l gtlndo o qual os semelha/ltes são Clil"l (1755-1843). A l1Omeopatiaparte de algllns pelos semellta/ltes; em outras pala • .ail '0
  • 15. toda substância capaz de provocar um atribuída a Parace/so e escrita numa edi- problema num organismo sadio também ção de um de seus livros de 1658: similia será capaz de fazê-lo desaparecer. O últi- similibus curantur (os semelhantes são mo princípio é o de que a diluição de uma curados pelos semelhantes). A idéia de substância, isto é, a sua utilização em que a doença é fruto de um desequilibrio doses muito pequenas, é capaz de curar entre o corpo e o cosmo maior também uma doença sem causar efeitos cola- foi absorvida do alquimista suíço. terais. A homeopatia foi vista com muita De forma geral, Hahnemann sofreu desconfiança pelas academias de ciência forte influência de Paracelso ná constru- ao longo do século XVIII, chegando a ser ção de seus métodos terapêuticos. Ele es- condenada e proibida em 1835. Em 1925 tudou as obras de Parace/so e de seus se- foi criada a Liga Homeopática Interna- guidores, baseando seus métodos em al- cional, e somente em 1980 ela foi reconhe- gumas idéias defendidas por eles. O prin- cida no Brasil como uma especialidade cípio da similitude baseia-se numa frase médica. Gravura de Pieter Bruegel (1525?-1569) satirizando a medicina praticada durante o Renascimento.
  • 16. CAPíTULO 2 o iluminismo e a nova forma de pensar o mundo A na Europa um movimento inte- . o longo que século XVIII, surge lectual do pretende lançar as bases de uma nova razão, isto é, de uma nova forma de pensar o mundo. Desde a Idade Média o pensamento na Europa vi- nha sendo regido por algo que podería- mos chamar de "razão teológica". De for- ma simplificada, poderíamos dizer que nessa razão as formas de pensar o mundo tinham por base a ação ou a presença de Deus entre os homens. Muitos foram os filósofos medievais que construíram as bases dessa forma de pensar. Santo Agos- tinho, que elaborou uma interpretação da obra do filósofo grego PIa tão à luz da fé cristã, foi um deles. Santo Tomás de Aquino, ao interpretar o pensamento de outro filósofo grego, Aristóteles, seguin- do esse mesmo caminho, foi também um pensador medieval de destaqLre. À medida que a sociedade medieval foi se transformando no plano religioso (com a decadência do poder eclesiástico), no plano econômico (com a prática do ~ mercantilismo) e no plano social (com a t' ascensão de uma nova classe, a burgue- ~ " sia), começaram a ocorrer também trans- ~ " formações no plano das idéias, nas for- mas de pensar o mundo. Durante críticas ~ CLllosXVI e XVII, iniciaram-se as os sé- i f
  • 17. à razão teológica. Muitos filósofos pro- dano Bruno, que morreu queimado na curaram romper com essa velha forma de fogueira da Inquisição, ou talvez co- pensar, propondo novos caminhos. Des- nheça o processo por que passou sas propostas surgiu o que conhecemos Galileu Galilei. A história desses ho- hoje como ciência moderna. mens é um exemplo de como se pode Preste atenção: a ruptura com as até pagar com a própria vida pelo fato velhas formas de pensar não se dá de de se elaborarem críticas às idéias maneira imediata. Trata-se de um pro- estabelecidas como verdadeiras. Numa cesso longo, que envolve a participação segunda etapa desse processo de trans- de diversas gerações. Num primeiro formação, depois que as críticas já co- momento, surgem apenas críticas ao meçam a se tornar comuns, chega o mo- pensamento que está estabelecido. Esse mento da construção de uma nova for- processo de crítica é extremamente difí- ma de pensar o mundo. É necessário ul- cil para quem o faz. Vocêtalvez já tenha trapassar a crítica para chegar ao plano ouvido falar de pensadores como Gior- da formu lação das novas idéias. o iluminismo como movimento filosófico . No século XVIII surgiu na Europa Você é supersticioso? Muita gente um movimento que pretendia construir tem superstições! Vocêjá pensou sobre o uma nova razão, diferente da medieval. que é superstição? É a crença na existên- Esse movimento foi chamado de ;Ium;- cia de relações entre fatos que não podem n;smo ou esclarecimento. Sua importância ser comprovados por meios racionais. foi tão grande que o sécu 10 XVIIIé, por Pense no seguinte: o torcedor de um clu- vezes, chamado de Século das Luzes. be de futebol assiste a diversos jogos de seu time e, por acaso, em todas as vezes É muito difícil resumir o que foi o ele está vestindo a mesma camisa. Se o iluminismo, pois fizeram parte desse time dele vencer todas as partidas, ele movimento vários filósofos, que defen- pode começar a imaginar que existe algu- diam diversas correntes de pensamento. ma relação entre sua camisa e a vitória Entretanto, em linhas gerais, pode-se do time e passar a usá-Ia sempre que as- afirmar que os iluministas queriam fun- sistir aos jogos. Acreditar nesse tipo de dar uma nova razão. Acreditavam numa relação, que não tem nenhuma base ra- nova forma de pensar e ver o mundo,1í- cional, é típico de uma postura supersti- vre das influências religiosas que for- ciosa ou visão mágica do universo. mavam a base da razão teológica medie- A nova razão procurava se opor às val, razão essa que eles denunciavam superstições. Grande parte dos ilumi- como supersticiosa. rustas criticava as concepções religiosas
  • 18. por basearem-se, segundo sua perspecti- nistas declaravam que esse conhecimen· va, em superstições. As tradições religio- to revelado, como não podia ser provado' sas baseiam-se em verdades que foram em sua totalidade por caminhos pura- reveladas por Deus a alguns homens. As mente racionais, não poderia ser conside- formas dessas revelações são muito va- rado verdadeiro. Aceitar um conheci- riadas. Entretanto, para os que têm fé, es- mento revelado era, para eles, inadlnissÍ- sas revelações são verdades inquestio- vel e poderia levar ao irracionalismo, à_ náveis. Mesmo que sejam submetidas à crendices. razão, sempre chegará um momento em Dessa forma, filosofia e religião de- que não haverá mais explicações possí- veriam estar em campos opostos. O noval veis, e considerá-Ias falsas ou verdadei- movimento surgia para iluminar as men- ras será uma questão de fé. Os ilumi- tes. A difusão dessa nova racionalidade Família burguesa em 1785.
  • 19. levaria à construção de urna nova cultu- de produção cultural. E para isso tinha ra, que seria completamen te livre de que desqualificar as antigas idéias, divul- dogmas e de autoritarismos intelectuais. gando outras. O iluminismo surge como base filo- Lavoisier viveu durante essa época sófica da sociedade que se estava cons- de elaboração das novas idéias. A Fran- truindo. Uma sociedade em que grande ça foi um 'dos países em que o ilumi- parte do poder político e cultural ainda nismo se desenvolveu de forma mais se encontrava nas mãos da Igreja. A intensa. Vamos procurar conhecer al- nova classe ascendente, a burguesia, de- gumas dessas idéias em dois campos sejava conquistar não só o poder econô- nos quais Lavoisier atuou com mais in- mico e político, mas também as formas tensidade. o iluminismo na economia •••••••••••••••••••••••••••••••••••• A Europa dos séculos XVI e XVII já Os economistas ligados ao movi- havia se organizado políticamente sob a mento ilLUninista propuseram outra for- forma dos Estados nacionais. Até então, a ma de encarar esse problema. Eles defen- organização política girava em tomo das diam que, para a economia prosperar, cidades. Com o advento do absolutismo, não deveria haver intervenção do Estado. surgiu uma nova organização política em Consideravam a economia semelhante à que um território maior era governado natureza e, portanto, sujeita às leis natu- por um poder central, o rei. Uma das rais. Assim, os economistas, a exemplo principais preocupações desses reinos dos físicos, deveriam apenas procurar era tornarem-se cada vez mais ricos. Os compreender as leis que regem os merca- estudiosos da economia dessa época pro- dos, sem propor nenhuma intervenção curaram analisar esse problema e sugeri- do Estado. ram algumas saídas. Bastaria que se pro- Veja que situação interessante! As duzissem mais riquezas do que a nação idéias apresentadas pelos físicos, funda- necessitava para seu consumo. O exce- dores da ciência moderna, influenciaram dente deveria ser exportado; e o lucro ob- a economia das nações. Os economistas, tido, armazenado. Os Estados, para que embora estivessem estudando o funcio- isso pudesse ocorrer, deveriam controlar namento do mercado, conheciam aquilo toda a economia criando normas que re- que Galileu, Descartes e Newton haviam gulassem o seu funcionamento. Com esse proposto para a ciência. controle poderiam ser alcançados os ob- Esses economistas ficaram conlleci- jetivos pretendidos. Esse tipo de política dos como fisiocratas. Esse vocábulo tem a econômica ficou conhecido mais tarde mesma origem de físíca, isto é, a palavra pelo nome de mercantilistllo e foi pratica- grega physis, que significa, de forma do por grande parte dos países europeus simplificada, o que nós hoje chamamos no princípio do século XVIII. de natl/reza. O lema desses economistas 25 Q>
  • 20. era laissez-jaire, que em francês significa pelo campo. Por isso defendiam a idéia deixai jazer. de um incentivo à agricultura em detri- A França foi a nação em que o con- mento das outras áreas da produção. trole mercantilista sobre a economia foi Para os fisiocratas, o controle total da mais radical. Existia um verdadeiro exér- economia era absurdo porque os produ- cito de fiscais que controlavam a econo- tores deveriam seguir o curso natural do lnia. Por exemplo: imagine que um pro- mercado, isto é, fazer o que fosse possível dutor de tecidos, observando as prefe- para ampliar sua riqueza. As normas im- rências das pessoas de sua região, deci- pediam o fluxo natural do mercado. disse fabricar um novo tipo de tecido. Como a maioria dos países euro- Não podia' As leis impediam que sua fá- peus no século XVIII era governada por brica produzisse tecidos fora dos pa- monarquias, e como toda a economia era drões estabelecidos. controlada por elas, nada mais previsível Os fisiocratas defendiam que a raiz do que a nova classe, a dos burgueses, em de toda a riqueza de uma nação estava busca de uma ascensão em termos econô- na agricultura. O comércio e a indústria micos e políticos, passar também a defen- apenas transformavam os bens gerados der as idéias dos fisiocratas. o iluminismo nas ." ClenClaS . ". . A ciência moderna surge no século Igreja e em todo conhecimento baseado XVII como parte de um movimento mais em elementos místicos. amplo. A burguesia, à medida que vai As novas ciências, pouco a pouco, ampliando seu poder na área econômica, vão procurando abandonar as referências também começa a questionar o poder em religiosas que ainda persistiam nos escri- outros campos. Nada mais natural que se tos de seus fundadores. questionem as velhas formas de produ- Talvez você ache isso estranho' Re- ção de conhecimentos ligadas à Igreja. ferências religiosas nos escritos dos fun- Galileu irá viver o ponto alto desse emba- dadores da ciência?! Pode parecer esqui- te ao defender suas idéias perante os tri- sito, porém é a mais pura verdade. Os es- bunais da Santa Inquisição. Embora saia critos dos fundadores das ciências, como derrotado, obrigado a permanecer em Copérnico, Descartes, Galileu e Newton, prisão domiciliar até o fim de sua vida, continham, de maneira explícita, refe- não há mais como impedir que a nova rências às concepções religiosas de sua ciência se estabeleça*. Será só uma ques- época. tão de tempo para que ela se estruture Copérnico, no século XVI, colocou o como saber. À medida que o tempo passa, Sol no centro do sistema planetário por- aumenta a desconfiança no poder da que acreditava, entre outras coisas, que '* Leia mais sobre esse assunto em GlllifclI e o IIllscill/r'IIto da cit'lIcil1l1lodcl"IIlJ, desta coleção.
  • 21. )eus não poderia ter feito um astro tão ,rilhante e não colocá-Io no centro, de mde poderia iluminar tudo. Newton, no .éculo XVII, ao imaginar a atração entre 'orpos como a Terra e o Sol, em seu estu- 10 sobre a gravitação, afirmou que essa Itração acontecia em um meio que preen- :heria todo o espaço e que ele denominou le fléter". Para ele, o éter seria o senSOrillJ1l )ei, ou os "sentidos de Deus", pois esta- 'ia em todos os lugares do universo, re- )[esentando uma espécie de quinta-essên- :ia (um conceito proveniente da alquimia). viuitos OUtros conceitos existentes na fí- ,ica newtoniana continham referências a Telhas idéias aIquímicas. A atração entre )S corpos, criada por Newton para expli- :ar o movimento dos planetas em torno io Sol, possui algo daquele conceito de 'afinidade" presente nos primórdios da llquimia*. Todo esse caráter da obra de New- on, e dos demais fundadores da ciên- :ia moderna, será considerado me- afísico pelos cientistas iluministas. Diversos cientistas ligados ao mo- limento iluminista procuraram eliminar IS referências metafísicas ainda existen- Isaac Newton (1642-1727). 'es na ciência. A melhor forma para isso ~ra apagar O passado, reescrevendo no- de, o que se fez foi uma releitura de suas ras livros. Foram então escritas diversas obras a partir de novas bases. )bras, denominadas Ti'nlndos, que apre- Já no campo da química essa revo- ;entavam as teorias de NewtoTI, assim lução foi mais radical. Antoine Laurent :omo as dos demais fundadores da ciên- Lavoisier foi o principal nome dessa re- :ia moderna, sem o caráter meta físico volução. Ele tomou parte do movimento :on tido nos originais. Essa atitude dos iluminista procurando fundar uma nova :ientistas iluministas foi considerada químjca, ou seja, sem as referências rne- nais tarde uma nova revolução científi- tafísicas da alquimia. Assim, seu princi- :a. Na física, essa revolução preservou as pal objetivo foi apagar todo o passado :lrincipais idéias de fundadores como herdado da alquimia e se proclamar O =opérruco, Galileu e Newton. Na verda- fundador da química moderna. - Leia mais sobre esse assunto em Ncw/oll (' o frilflljo do IJIccnllicislIIO, desta coleção. 27 ~
  • 22. VOCÊ SABE O QUE É METAFíSICA? ,~ o prefixo mel(n) religiosas existentes nas obras dos fun- t significa "além de" dadores da ciência moderna nós mencio- ~ ou "após" alguma namos o éter, aquele meio material que coisa. A palavra me- preencheria todo o universo e que foi Infísiea foi inventada utilizado por Newton e outros cientis- pelo filósofo And ro~ tas para explicar como um planeta conse- nico de Rodes, no ano guia atrair outro estando a uma grande 50 a.c., para classifi- d istãncia dele. O éter nunca teve sua exis- car e denominar os tência confirmada por meios experimen- escritos de Aristóte- tais. Logo, a justificação do fenômeno da les posteriores aos atração a distãncia estava baseada num seus estudos sobre elemento da natureza que não tinha sua física. Nos escritos existência confirmada. Os cientistas do meta físicos, Aristó- século xvrn consideravam-na uma expli- teles procurou pen- cação metafísica, que por isso não deveria sar aquilo que ficou fazer parte da ciência. Outro exemplo in- conhecido como a teressante é também uma conseqüência Estátua de Aristóte- "filosofia primeira", da obra de Newton. A força de atração en- les (384-322 a.C.), fi- isto é, a busca da es- tre os planetas também foi considerada lósofo grego. sência de todas as por alguns cientistas do século XVlII coisas. Ao redigir es- como metafísica, pois a capacidade de um ses escritos, ele inaugurou um campo corpo atrair outro era percebida como da filosofia que, de causa em causa, tendo relação com o princípio alquímico busca o conhecimento da natureza das afinidades entre corpos e substãncias. última de todas as coisas. Você já deve Os cientistas mecanicistas do século ter visto como as crianças gostam de fa- XVI]] tentaram afastar toda e qualquer ex- zer perguntas sobre o porquê das coi- plicação que não tivesse por base a exis- sas. A cada resposta dada pelo adulto tência de corpos que pudessem ser ob- ela emenda um outro: por quê? Na servados ou ter sua existência comprova- meta física também é assim, vai-se de da experimentalmente. Mais tarde, já no porquê em porquê, à procura da expli- século XIX,alguns cientistas tentaram ba- cação última para tudo. Nas ciências, nir completamente a metafisica da ciên- um conhecimento é considerado meta- cia. Eles acreditavam que a ciência não físico quando tem suas bases de susten- poderia buscar compreender a essência tação apoiadas em alguma explicação da natureza. Os cientistas simplesmente ou elemento da natureza que não possa deveriam criar expressões matemáticas ter sua existência confirmada por meios que descrevessem seu comportamento. A experimentais. tentativa de banir a metafísica da ciência Vamos exemplificar: você se lem- gerou, no século XIX, lllna corrente filo- bra que ao comentarmos as referências sófica denominada positivismo.
  • 23. o Quando você desejafa- A enciclopédia nãofoi ENCYCLOPEDJE, .~ zer uma pesquisa sobre ()lj 1.. inventada na França.Entre- DICTIONNAlltE RAISONNE & um assunto que conhece tanto, os iluministas fran- DES SCIENCES, pouco, ou do qual nunca DES ARTS foT DES METIERS. ceses se propuseram a es- ouviu falar, onde procura as t";.• r. SOCIET~ /)c CE."s J)C LCITIlES. crever lima que ficou mili- - I'AIl Wio _"';-o.,..!o!.N/)Fl'Of •• ••• ,~_"" ••.,,,,_ , •. .., r.o.~ infonnações sobre o tema? '- •••.•.•. ••,.•,,,"'_~",<, :>L.D·"'l_.<.oT. ,,_ ..••. to famosa. O objetivo de- :~_ •.. '--.•.•...•. ~"'•...•..•.•.•. ...'" O P"óprio título desta se- T~ ••••••• o"f"o.~""''-_·&<.o.,. -J les era reunir mim grande T ••••••••• ~· •••• ,... •• ção já deve ter indicado a TOME PIt(.lEJ:.. livro, dividido em volumes, resposta. O que é uma en- todo o conhecimento pro- ciclopédia? Você já pensou duzido até aquela época. sobre isso? É uma tentati- Essa enciclopédia francesa va de reunir todo O conhe- teve como subtítulo os se- A P. ~,~. cimento existente e anna- guintes dizeres: "Dicioná- zená-Io num lÍnico lugar. "'- '''0(:. II rio racional das ciências, .•••<~~~~"s ••,,"~« .•••~.• c."" •• , t. Você deve sabe,' a utilidade das artes e dos ofícios". que esse tipo de livro tem. Numa bibliote- Dois filósofos iluministas, Denis Diderot ca encontramos diversos livros sobre os' (1713-1784) e Jean d'Alembert(1717-1776), mais variados assuntos. coordenaram a edição dessa enciclopédia Por onde começar uma pesquisa? e convidaram diversos sábios da época a A boa enciclopédia fornece essa por- escreverem sobre os assuntos dos quais eles ta de entrada. Ela dá uma informação re- mais entendiam. Os livros foram dividi- sumida sobre um tema e aponta como dos em verbetes, isto é,palavras que suge- contÍllllar se aprofillldando nele através riam temas. Os 35 volumes da enciclopé- de outros livros. dia levaram 21 anos para serem editados. .~ A edição da enciclopédia teve IIIn ~ grande valor simbólico para a con- ; solidação da sociedade modema. Ela representa uma tentativa de se criar uma forma de organização de todo o saber existente em detenniuada épo- ca, a partir da óptica dos iluministas. É como se eles estivessem dizendo ao mundo: a partir de agora este passa- rá a ser o verdadeiro conhecÍlnento, quem quiser adquiri-Ia é só consul- Denis Diderot (1713-1784). Jean d'Alembert (1717-1776). tar os verbetes. 29 <a>
  • 24. CAPíTULO 3 Lavoisier: político e cientista A em 26 de agosto de 1743, em Pa- ntoine Laurenttinham urnanasceu ris. Seus pais Lavoisier situa- ção econômica muito boa. Sua mãe fale- ceu quando ele tinha cinco anos. Seu pai, que era advogado e procurador do Parla- mento, procurou criá-Io com ajuda de uma tia, irmã da mãe do menino. O fato de a fanúlia materna possuir muitas pos- ses permitiu que Lavoisier estudasse em colégios de prestígio. Um deles, o College Mazarin, era famoso pelos seus cursos de 2 ciências. Seu pai desejava que ele tam- ~ bém se tornasse advogado. Lavoisier sa- ~ ~ i! tisfez o deseJ·o de seu pai. Entretanto, - após concluir O curso de direito, passou a se dedicar às ciências. Naquela época, di- versos cientistas ministravam cursos, l ~
  • 25. fora das universidades, a estudantes que quimica. Por causa disso, começou a es- se interessassem pelo tema. Lavoisier par- tudar os temas relativos à quimica que ticipou de muitos deles. Seus interesses estavam em voga na época. iam da botânica à geologia, da química à À medida que o tempo passava, dois astronomia. Um de seus mestres, o pro- caminhos foram se apresentando à frente fessor Rouelle, era famoso pelos cursos de Lavoisier: seguir uma carreira política, que ministrava no Jardin du Roi, uma es- ligada à administração do reino como ha- pécie de jardim botânico de Paris. Além via fei to seu pai, ou seguir uma carreira de Lavoisier, freqüentaram esses cursos científica, realizando investigações no vários cientistas e políticos, que participa- campo da geologia e da química. Lavoi- ram ativamente do movimento iluminista. sier não optou nem por uma nem por ou- Lavoisier começou a estudar qlúmi- tra. Seguiu as duas. E as interligou de tal ca devido ao seu interesse pela geologia. forma que, ao estudar sua biografia, fica Alguns de seus professores o convence- difícil distinguir quando ele está atuando ram de que um bom mineralogista deve- como administrador e político e quando ria conhecer muito bem os princípios da atua como cientista. o desenvolvimento • de uma carreira . Lavoisier escreveu seu primeiro tra- classes: geometria, mecânica, astrono- balho sobre geologia em 1764. Era um mia, anatomia, química e botânica. Cada estudo sobre a composição de diversos classe possuía oito acadêmicos. Existiam tipos de gesso. Apresentou esse trabalho também os acadêmicos suplentes, que na renomada Academia Real de Ciên- não eram nomeados pelo rei, mas po- cias de Paris, em fevereiro de 1765. Essa diam fazer parte das reuniões. Eram academia, fundada em 1666, reunia os normalmente escolhidos pelos próprios principais cientistas franceses da época. acadêmicos, caso mostrassem compe- Lá, para realizar investigações nos cam- tência em suas áreas de estudo. pos da ciência e para controlar todos os Em 1768, surgiu urna vaga na acade- trabalhos ligados à produção científica mia devido à morte de um dos acadêmi- francesa, eles recebiam um salário. Nes- cos. Lavoisier candidatou-se a ela, tendo sa época, existiam muitos cientistas a indicação dos membros para ocupar amadores e inventores de máquinas; essa cadeira. O rei, entretanto, acabou in- para terem seus trabalhos reconhecidos, dicando outro cientista, um geólogo de eles precisavam apresentá-Ios aos mem- maior prestígio que Lavoisier devido aos bros da academia. Algumas vezes eram trabalhos realizados para o governo fran- instituídos prêmios para a realização de cês. Porém, atendendo ao pedido dos trabalhos em determinadas áreas. O tra- demais acadêmicos, indicou o jovem balho da academia era dividido em seis Lavoisier para um posto de suplente na 31
  • 26. A principal sala de reuniões da Academia de Ciências de Paris vura do século XVII que mostra uma hoje. Nessa instituição são debatidas, desde o século XVII, as prin- nião da academia. cipais controvérsias relativas às teorias científicas. sse de qtúmica. Um ano depois da in- da Ferme Générale. A Ferme tinha sido :ação, surgiu outra vaga de acadêmico, incumbida pelo rei da França de cobrar avoisier assumiu uma cadeira na Aca- os impostos da população, recebendo nia Real de Ciências. uma parcela como pagamento pelo servi- À medida que o tempo passava, La- ço. Os jermiers, sócios da Ferme Générale, .sier foi galgando cargos na hierarquia administravam o trabalho de diversos academia, até que, em 1785, assumiu a cobradores de impostos em toda a Fran- ,sidência da instituição por um ano. ça. Devido a isso, eles tinham de viajar >curou então elaborar uma reforma da muito, vistoriando a cobrança desses im- rutura acadêmica, criando duas novas postos. A Ferme Générale não tinha boa ,ses, a de Física Geral e a de Mineralo- reputação junto à população francesa. , mas reduzindo o número de acadê- Muitos a acusavam de retirar somas con- :os por classe. Esse tipo de atitude cau- sideráveis dos impostos como pagamen- I muito descontentamento e fez aumen- to, o que certamente tornava os impostos o número de cientistas politicamente muito altos . .trários a Lavoisier. A reforma represen- a uma busca de elitização da academia, n momento em que diversos cientis- amadores desejavam se profissiona- r, fazendo parte do grupo e recebendo irios por sua atividade. Note que a re- na aconteceu quatro anos antes do ini- da Revolução Francesa. No mesmo ano em que entrou para a ldemia Real de Ciências, Lavoisier Lavoisier observa 'prou ações de uma empresa chama- um experimento. 32
  • 27. Ser membro da Academia Real de Ciências e trabalhar na Ferme Gênérale proporcionou uma situação muito pro- ,' veitosa para a carreira científica de Lavoisier. Sendo obrigado a realizar di- versas viagens para vistoriar a cobran- ça de impostos no interior da França, J ele aproveitava sua estada em cada ci- dade para realizar palestras nas acade- mias científicas locais, pois, a exemplo Ilustração de Marie-Anne no livro de Lavoisier. de Paris, as cidades do interior também possuíam suas pequenas academias pintores franceses da época. A partir des- científicas. Isso contribuiu muito para se conhecimento de desenho e pintura que sua fama como cientista se propa- ela passou a ilustrar os livros de La- gasse por todo o país. VOlSler. Em 1775,Lavoisier foi chamado pa- ra resolver um problema científico e eco- nômico vivido pela França. A escassez de salitre e a corrupção em algumas empresas produtoras de pólvora impe- diam o Estado de obter a pólvora ne- cessária para a defesa de seu território. O cientista sugeriu ao controlador geral das finanças que se criasse uma empresa controlada pelo Estado para a produção de pólvora. Lavoisier foi então nomeado para dirigir essa empresa, chamada de Administração de Pólvoras e Salitres, que ficou encarregada de produzir toda a pólvora necessária para a defesa da França. Lavoisier mudou-se para um ar- senal e mandou construir ali um labora- Detalhe de pintura que retrata o casal Lavoisier, tório para o aperfeiçoamento da produ- feita por Jacques Louis David em 1788. ção de pólvora. Esse laboratório tornou- se um dos mais bem equipados do mun- Lavoisier casou-se em 1771 com do. Lavoisier encomendou instrumentos Marie-Anne-Pierrette Paulze, filha de ou- de medição, como balanças, a diversos tro fermier. Marie-Anne mostrou-se uma artesã os franceses. Nesse local, que hoje colaboradora dedicada de Lavoisier. poderíamos chamar de um laboratório Aprendeu latim e inglês, tornando-se tra- industrial, Lavoisier realizou diversas dutora de diversos livros científicos. Ao pesquisas no campo da química, além mesmo tempo, estudou pintura com de produzir a melhor pólvora da Europa Jacques Louis David, um dos maiores na época.
  • 28. Lavoisier recebeu muita influência Essa mistura de ciência e política :l pensamento iluminista no campo não foi uma atitude isolada por parte de :onômico. A idéia dos fisiocratas de que Lavoisier. Assim como ele, em outros verdadeira riqueza viria dos campos le- campos e na mesma época, vários cien- :lUo cientista a comprar, na região fran- tistas realizaram tarefas semelhantes: ~sa de Orleans, uma fazenda, que ele Gaspard Monge (1746-1818) foi mate- 'eqüentava somente nas épocas de se- mático e ministro da Marinha; Pierre- eadura e colheita. Nesse local procurou Simon Laplace (1749-1827) foi matemá- esenvolver métodos e processos para O tico, físico e auxiliou o Congresso du- umento da produção agrícola. Verificou rante os mais difíceis anos da Revolu- ue o aumento da produtividade se rela- ção; Lazare Carnot (1753-1823) foi mate- ionava com a quantidade de esterco mático, físico e trabalhou durante a Re- xistente no solo. Calculou então a pro- volução, comandando o exército fran- ·orção adequada de cabeças de gado cês. Enfim, muitos cientistas se engaja- 'ara a área de pastagem e de terra culti- ram num processo político-científico. ada. Com isso, conseguiu duplicar a Não poderia ser diferente, uma vez que 'rodutividade da lavoura e quintuplicar quase todos provinham das classes po- , número de cabeças de gado. pulares, eram filhos de burgueses e esta- Como você pode notar, as carreiras vam inconformados conl a situação de )olítica e científica de o ~ miséria em que se encon- ... avoisier se nüstu- ] trava seu país. A maio- 'avanl de fornla m- ~ ria deles participou ati- ensa. Ele procurava vamente da Revolução plicar idéias cientí- Francesa. lCas no campo po- .~ ítico e "ice-versa. ::riar wn laboratório, lue modernamente :loderia ser denomi- ~ado industrial, para :lroduzir a pólvora io reino foi uma ati- vidade política e ao mesmo tempo cientí- fica, já que o labora- tório permitiu a La- voisier realizar diver- sos experimentos científicos. De modo aná- logo, transformar sua fazenda num gran- de laboratório agrícola foi a forma que ele encontrou para oferecer comprovações prá- ticas das idéias dos fisiocratas do ilurninis- mo francês.
  • 29. cAPírUL04 Uma na química revolução Em mica ainda não tinha o statlls de ciência, como século XVIII, a quí- meados do a física possuía. Havia muito preconceito em relação ao trabalho dos químicos. A química era vis- ta como uma atividade artesanal, em que apenas se manipulavam substâncias. Os o preconceito existente em relação aos trabalhos ] manuais levou muitos i1uministas a não considerar a ~ química como uma ciência. Foi preciso vencer esse ~ preconceito, que associava as experiências de labo- p. ratório com as práticas artesanais, para que a quími- ~ ca ascendesse a uma nova condição. Na figura, um :::: artesão prepara um recipiente de vidro. ,~ .....
  • 30. :ilósofos iluministas a viam como uma trução das bases de uma química científi- ltividade ainda muito ligada à alqui- ca. Gabriel François Venel (1723-1775) foi nia, conhecimento considerado mágico o médico francês que escreveu o verbete ~sem as bases racionais que uma verda- chymica (química) na Enciclopédia. Nesse feira ciência deveria ter. Na c1assifica- verbete, Venel discordava de D' Alembert ;ão dos conhecimentos feita por D' Alem- e procurava dar à química um caráter )ert para a Enciclopédia, a química ocu- mais científico. Para tanto, procurou ex- :lava um lugar muito baixo na hierar- por as recentes teorias de um médico nas- luia científica. cido na Prússia (hoje Alemanha) que es- Alguns químicos, entretanto, já co- tava criando as bases de uma nova quí- :neçavam a se esforçar na busca da cons- mica. Seu nome era Georg Ernst Stahl. fllJllil;tlJ . Stahl, assim como todos os químicos ria sempre combinada com a terra presente do século XVIII, trabalhava com os qua- nos corpos ou com o ar. A luz e o calor per- tro elementos: terra, água, ar e fogo. Ele cebidos durante a queima das substâncias havia construído uma importante teoria eram as únicas manifestações sen- para explicar as reações químicas, síveis desse princípio do fogo. principalmente as que ocorriam Vamos dar um exemplo na presença do fogo. Esse pes- de como os quimicos do sé- quisador acreditava na existên- culo XVIII explicavam o fe- cia de um "princípio do fogo", nômeno da combustão. uma espécie de espírito do fo- Você já deve ter ob- go, que era encontrado nas servado que um pedaço substâncias e que se des- de carvão, após queimar, prendia delas quando estas se transforma numa eram aquecidas. O princí- pequena quantidade pio do fogo era denomi- de cinzas. Stahl nado flogislo ou flogís- defendia que lico, palavra deriva- o carvão era da do grego phlo- formado de gislos, que significa terra e de uma "queimando". O flo- enorme quan- gisto seria urna subs- tidade de flo- tância imperceptível gisto; então, aos olhos dos ho- quando aque- mens e impossível de cido, ele libe- ser isolada, pois esta- Georg Emsl SI.hl (1660-1734). raria todo o
  • 31. flogisto existente em seu interior e sobra- então a desconfiar da existência do flo- ria apenas a pequena quantidade de ter- gisto, que parecia ter um caráter místico, ra, as cinzas. Outro fenômeno que era ex- próprio da velha alquimia. plicado por meio da teoria do flogisto era As críticas do ponto de vista experi- a calcinação dos metais: quando um me- mental provinham de algumas experiên- tal era aquecido, ele produziria uma cin- cias que eram então realizadas. Alguns za então denominada "cal" do metal; químicos perceberam que a massa decor- esse processo era conhecido como" cal- pos queimados aumentava após o pro- cinação" dos metais; o surgimento dessa cesso de combustão e calcinação. Lem- cal seria ocasionado pela perda de flo- bre-se: dizia-se que a presença do fogo fa- gisto por parte do metal. A operação in- zia com que o flogisto abandonasse o cor- versa, isto é, a transformação dessa cal po. Como explicar tal fato? Alguns quí- num metal também seria possível: para micos defensores do flogisto ainda tenta- isso, bastaria aquecê-Ia com carvão; este ram elaborar explicações, propondo, por perderia o flogisto para a cal, que, ao exemplo, que o flogisto seria animado absorvê-lo, se reconstituiria como metal. por forças contrárias à da gravidade. Isso A teoria do flogisto funcionava co- fazia com que a sua presença tornasse o mo um grande princípio unificador, isto corpo mais leve, e a sua ausência, mais é, era uma teoria que explicava diversos pesado. Esse tipo de explicação tornava o fenômenos da química. Entretanto, ao flogisto cada vez mais irreal aos olhos mesmo tempo que o flogisto explicava dos químicos. A teoria do flogisto come- uma série de fenômenos, era um proble- çou a ser considerada metafisica, e essa ma duplo para os químicos, pois havia era uma forma de pensar a natureza que críticas à sua existência no campo filosó- os cientistas iluministas queriam ver ba- fico e no campo experimental. nida da ciência. A crítica do ponto de vista filosófico Não pense que abandonar uma teo- vinha do fato de o flogisto apresentar ria seja tarefa fácil. Como a teoria do um caráter meta físico. Lembre-se de que flogisto explicava de forma aparente- estamos nos referindo ao século XVIII, o mente coerente diversos fenômenos, era Século das Luzes, um tempo em que os defendida por inúmeros químicos do sé- homens acreditavam estar se libertando culo XVIII. Para que ela fosse abandona- das visões mágicas do passado e criando da, deveria ser criada outra teoria que uma forma diferente de ver o mundo e a fosse, como ela, abrangente nas explica- natureza, baseada única e exclusiva- ções dos fenômenos. A nova teoria, além mente na nova razão científica. Tudo o de explicar os fatos que a velha teoria já que não pudesse ser percebido por explicava, deveria também explicar os fa- meio da observação e cuidadosamente tos que estavam causando problemas testado por experimentos não poderia para os cientistas. Portanto, a princípio, ser aceito como verdadeiro. O flogisto era mais fácil tentar aperfeiçoar a velha não podia ser percebido pelos sentidos teoria, acreditando que a ausência de ex- nem podia ser isolado por meios expe- plicação dos fenômenos se devesse muito rimentais. Muitos químicos, influencia- mais a uma incompetência dos cientistas dos pelos ideais iluministas, começaram do que à falsidade da teoria existente.
  • 32. Existe uma atividade que 110S permi- linhas. Você terá transformado o papel compreender melhor como se dá a subs- num conjunto de pedaços fonnados de :tlição de uma teoria por outra. Cons- triângulos, quadriláteros e um pentágono. Úl'emos um quebra-cabeça para fazer Entregue os pedaços desordenados na al1alogia com a c011st11lção conhe- do ao seu colega. Diga-lhe que é um quebra- >11ento ciel1tifico. Entretal1to, você não cabeça para ser mOl1tado. Observe que, se ,de esquecer que analogias são compa- você não disser mais nada, ele irá per- .ções e não retratos fiéis do processo. gUl/tar o que deverá ser mOl1tado, pois as Você irá desafiar um colega, que peças, sem a idéia do que deve se,' feito :nda não tenha lido este liv1'O,a mOI1- com elas, não significam nada. Somente lr um quebra-cabeça. Ele terá de mOI/- então lhe diga que ele deverá fonnar um lr um quadrado a partir de peças feitas quadrado com as peças, ? papel. Sua atuação ficará restrita à ?servação de como ele elabora solu- Jes para esse problema. Não se esqueça isto: embora seja uma brincadeira, ocê deverá estar todo o tempo concen- 'ado, observando-o, sem dar dicas de 91110 resolve o quebra-cabeça. se Recorte um quadrado numa folha de apel em bmnco. Se você tiver cartolina u papelão de embalagens será melhor. 'sse quadrado deverá ter 20 cm de lado. /'ace com "'" lápis a configul"ação da fi- ltra 1 lto papel, obsenJando que existem :l1gulos retos l1a ligação de algumas li- ·has. Esses ângulos devem se,' respeita- 'os de fonna precisa. Após desenhar as li- ,h as na folha, recorte-a seguindo essas Figura 1.
  • 33. Normalmente as pessoas começam Em ciência também é assim. No fim- tentando posicionar os vértices das figuras do, a construção de teorias é como a mon- de forma a fazer com que eles coincidam tagem de um grande quebra-cabeça: sempre com os do quadrado que se deseja montaJ', se procura uma ordem para os fatos. Entre- Como existem muitos vértices, o trabalho tanto, antes da montagem, os cientistas já toma-se bem difícil, Outra tendência é co- têm uma idéia do que desejam montar. Os locar os lados do retângulo coincidindo dados das experiências são as peças que se com os do quadrado. Como a posição do deseja ordenar. Quando conseguem encai- "etângulo na montagem é torta em relação xar algumas peças, procuram manter esse à disposição do quadrado, esse tipo de ten- encaixe, tentando adaptar as outras peças tativa toma a montagem mais difícil. a ele. Só abandonam essa disposição se ela Após encaixar duas ou três peças, ele se mostrar muito complicada e se existir dificilmente abandonará essa configura- uma crença muito forte de que outro cami- ção. Procurará adaptar as outras peças a nho seja mais proveitoso. É lógico que as essa disposição. Somente se o encaixe se escolhas desses caminhos não nascem do tornar muito difícil ele abandonará a nada. As concepções filosóficas existentes primeira configuração, desmanchando as em cada época são fimdamentais para a es- peças, para começar tudo de novo. colha desses caminhos, Lavoisier foi o químico que se opôs suía muitos vestígios metafísicos, O cará- de forma mais intensa à teoria do f1o- ter abstrato, quase espiritual, do flogisto gisto. Mesmo percebendo que a química não poderia ser aceito como um modelo de Stahl já havia rompido, em parte, com explicativo para o comportamento da na- a alquimia, restavam ainda alguns pon- tureza, Por não ser material, o f1ogisto tos de discordância, não poderia ser explicado pelas leis de Newton. Lavoisier, junto com alguns físicos A princípio, Lavoisier ainda trabalhou de sua época, como Laplace, defendia com a teoria do f1ogisto e dos quatro ele- uma visão mecanicista da natureza: para mentos aristotélicos. Mas ele não poderia eles, a natureza era como uma grande simplesmente dizer que o flogisto não exis- máquina formada por uma infinidade tia. Era preciso construir outra teoria, ou de corpos. O comportamento desses cor- seja, desfazer-se das peças do quebra-ca- pos deveria ser explicado pelas leis da beça e recomeçar a partir de uma nova dis- mecânica de Newton. No projeto de posição dessas peças. A maioria dessas pe- construção de uma nova química desen- ças já existia. Foram construídas por ou- volvido por Lavoisier, as reações quími- tros químicos a partir dos estudos sobre cas também deveriam ser compreendi- os elementos fiar" e lIágua". Lavoisier foi das a partir dessas leis. aquele que as juntou e que recompôs o for- mato do quebra-cabeça a partir de uma A teoria do f1ogisto não poderia ser nova ordem. Vamos acompanhar o pro- aceita por Lavoisier, pois ela ainda pos- cesso de sua construção.
  • 34. A decomposição do ar . Vários cientistas britânicos desenvol- a médico britânico·Joseph Black viam estudos sobre o ar desde o século (1728-1799), utilizando as bombas de ar, XVII.Diversos trabalhos experimentais fo- verificou que alguns compostos orgâni- ram feitos a partir da bomba de ar, um cos com que trabalhava, quando subme- equipamento inventado no século XVII tidos a intenso calor ou a ácidos, des- pelo engenheiro alemão atto von Gue- prendiam urna espécie de "ar". Black ricke (1602-1628) para provar a existência chamou-o de "ar fixo", pois parecia en- do vácuo. Robert Boyle (1627-1691) e contrar-se fixo nas substâncias, só se des- Robert Hooke (1635-1703), químicos com prendendo durante seu aquecimento ou grande experiência na construção e no em contato com ácidos. Hoje, esse "ar aperfeiçoamento de equipamentos de la- fixo" é conhecido pelo nome de gás boratório, construíram na Inglaterra algu- carbõnico (Ca,). mas dessas bombas - capazes de reco- Joseph Priestley (1733-1804), um lher os gases desprendidos de reações quimico britânico que também era pas- químicas - e desenvolveram métodos tor presbiteriano, realizou diversas para sua operação. Esse trabalho foi fun- experiências com os "ares". Nunla delas, damental para que os laboratórios ingle- em 1774, ao aquecer o óxido vermelho ses do século XVIII contassem com exce- de mercúrio, obteve um "ar" sem cor. lentes instrumentos de pesquisa. Priestley observou que esse "ar" também Robert Boyle (1627-1691). Projeto da bomba de ar de Boyle.
  • 35. tinha a propriedade de "nu- trir a chama de uma vela", como fora observado por Boyle e Hooke no século an- terior. O aumento do fogo na presença desse ar fez com que Priestley o chamas- se de "ar deflogisticado". Ele acreditava que a ausên- cia do flogisto no ar fazia com que certa quantidade de flogisto saísse com mais intensidade do fogo para ocupar o espaço vazio exis- tente nesse ar. Essa des- coberta já havia sido feita pelo farmacêutico sueco CarJ ScheeJe, em 1772. En- tretanto, suas pesquísas só foram publica das fora da Suécia a partir de 1777. Pare e pense por um mstante! Você deve ter perce- Jido que o fato de Priestley chamar o "ar" que nutria a chama de uma vela de "ar :leflogisticado" tinha como Laboratório de química no século XVIII. Jase o fatode que ele acredi- tava que esse era o mesmo 'ar" da teoria dos quatro elementos só cações do If ar" I um dos elementos aris- lue modificado, isto é, sem o flogístico. totélicos básicos constituintes da nature- A grande questão com a qual La- za. Ele (o ar) deveria ser considerado, misier vai se defrontar é a de dar uma portanto, um composto formado de ga- ~ova interpretação para esses fatos. La- ses. O ar deflogisticado de Priestley e Joisier tomou conhecimento de todas es- Scheele deveria ser um gás componente ;as pesquisas sobre a natureza do ar pela do ar atmosférico, assim como o ar fixo eitura das traduções feitas por sua es- de Black, um outro. Josa a partir dos escritos desses cientis- Lavoisier, acreditando que as inter- :as. Ele conversou ainda com Priestley pretações das experiências, feitas pelos ~um encontro que tiveram em Paris, em químicos britânicos, estavam erradas, L774. Para Lavoisier, que não acreditava começou a planejar uma série de expe- ~a existência do flogístico, esses" ares" riências para verificar como se dava a lão poderiam ser considerados modifi- participação do ar nos processos de com-
  • 36. ) e calcinação dos metais. Enco- óxjdo de chumbo e verificou que nesse JU aos artesãos parisienses as ba- processo ocorria um grande desprendi- ; mais precisas que se conheciam mento de um gás. Esses experimentos oca. Cercou -se dos melhores ins- levaram-no à conclusão de que o flogis- ntos de laboratório existentes. Fez to realmente não poderia existir. Para iências nas quais aquecia materiais Lavoisier, a velha questão do aumento o fósforo e o enxofre, e constatou do peso das substãncias após sua com- 'pós a combustão, os resíduos se bustão confirmava que deveria haver ~ntavam mais "pesados" do que os outra explicação para esse fenômeno. 's originais. Aqueceu também o Talvez o ar atmosférico tivesse um papel fundamental nesses proces- sos de combustão e calcina- ção dos metais, que não ha- via sido considerado pelos outros quúnicos. Após a realização da sé- rie de experimentos planeja- dos por Lavoisier, pôde ser construída uma teoria capaz de explicar os fenômenos da combustão e da calcinação dos metais. A primeira con- clusão de Lavoisier foi que o ar atmosférico não era um elemento puro. Ele era consti- tuído de um conjunto de ga- ses, e estes participavam ati- vamente da combustão e da calcinação. O cientista procu- rou, então, identificá-los. O primeiro gás constituinte do ar atmosférico a ser identifi- cado foi aquele" ar" incolor que Priestley havia chamado de "ar deflogisticado". Como ele tornava a chama da vela mais intensa, Lavoisier perce- beu que era a parte combus- tível do ar atmosférico, res- ponsável pela queima das substãncias. Vamos ler o que Lavoisier escreveu nas suas :Iho de Lavoisier para o estudo do oxigênio. conclusões: 42
  • 37. o ar da atmosfera não é 11m tal", por ter percebido, em suas expe- elemento, isto é, lima substân- riências, ser ele de extrema importân- cia sbnples, mas 'nna mistura cia para a respiração. Como também o de diversos gases. O ar da atmosfera é encontrou em alguns ácidos, chamou- composto de aproximadamente 11m qllar- o de "principio oxigênio", pois, no gre- to de ar deflogistieado, 011 ar eminente- go, oxus significa ácido. Mais tarde, per- mente respirável, e três quartos de 11m ar maneceu apenas o nome "oxigênio". O malcheiroso e nocivo." outro componente do ar identificado Nesse trecho, Lavoisier ainda usa por Lavoisier é o azoto, que hoje é co- a nomenclatura de Priestley, chaman- nhecido por nitrogênio. do o novo gás de "ar deflogisticado". Com esse conjunto de experimen- Entretanto, como a base de sua nova tos e a partir da nova interpretação dada teoria era a negação da existência do por Lavoisier, O ar deixava de ser consi- f1ogisto, Lavoisier iria criar outro nome derado um dos elementos básicos cons- para esse componente do ar atmosfé- tituintes da natureza. Na realidade, ele rico. A principio chamou-o de "ar vi- era composto de gases. , A decomposição dallllllll .................••....................... Em 1783, Lavoisier tomou conhe- ca "água"). Em seguida ele conseguiu cimento de novas experiências que juntar esses dois gases e obter novamente Joseph Priestley e Henry Cavendish água. (1731-1810) estavam realizando na In- Lavoisier cOlllunicou suas experiên- glaterra. Eles haviam conseguido pro- cias à academia e explicou que a água duzir orvalho através de descargas elé- também não é uma substância simples tricas. Perceberam que o orvalho era, constituinte da natureza, mas um com- na realidade, água pura. O conheci- posto. mento desse fato levou Lavoisier a re- A nova teoria de Lavoisier, explican- fazer as experiências dos químicos bri- do os fenômenos independentemente da tânicos e dar aos fatos uma interpreta- idéia de flogisto, começou a ser aceita ra- ção à luz de sua nova teoria. pidamente pelos químicos. Joseph Black Ele realizou uma experiência de aná- já a ensinava a seus alunos em 1784. Os lise (decomposição) da água e posterior químicos franceses perceberam que algo síntese (recomposição). Na análise, ele diferente havia surgido na química. No- mostrou que a água é composta de duas vos elementos constituintes da matéria IIsubstâncias" sendo Ullla delas o seu I estavam nascendo. A química vivia um "princípio oxigênio". A outra foi denomi- momento revolucionário. Seria necessá- nada "princípio da água'" 0,u "princípio rio reescrever os livros dessa ciência a hidrogênio" (do grego IH/dor, que signifi- partir das novas idéias.
  • 38. A alquimia já estava praticamente esportista. Outros colocam nos filhos o lUltada em fins do século XVIII. O mo- nome de um parente muito querido, um nento iluminista, defensor de uma ra- avô ou avó, um tio ou tia, ete. De certa for- ) que não deixava mais espaço para vi- ma, querem associar a criança a alguém de ~smísticas da natureza, havia alcança- que gostam e desejam que o filho incorpo- praticamente todos os campos do sa- re um pouco das qualidades daquele que -. Porém, as práticas químicas, embora inspirou seu nome. :om novas concepções, ainda estavam Lavoisier percebeu que os nomes ,letas de referências às velhas concep- das substâncias químicas estavam muito ~s alquímicas. Lavoisier e alguns cole- ligados às concepções daqueles que os s seus, como Claude Bertholet (1748- criaram. Portanto, estavam cheios de re- 22), Antoine Fourcroy (1755-1809) e ferências místicas. Para que a alquimia uis Guyton de Morveau (1737-1816), fosse completamente esquecida e desse eptos das idéias iluministas, decidiram lugar a uma nova ciência, esses nomes llizar uma revolução radical. Não se- deveriam ser trocados. Vamos relacionar, m só as práticas que deveriam ser mu- numa tabela, alguns nomes de substân- das. Era necessário mudar também os cias para você perceber como eles ainda mes das substâncias. Esses cientistas carregavam o caráter místico da velha al- reditavam que a química só seria real- quimía. Algumas substâncias tinham vá- mte uma ciência moderna se fizesse rios nomes, vamos apenas relacionar al- mo a física, isto é, apagasse completa- guns deles: . ~nte as referências reli- prata muriático ácido álcool nítrico ácido de amoníaco :Jsas e místicas de seu óleo de vitríolo óxido potássio ferro Nomes novos ácido sulfúrico lua Nomes antigos (ácido clorídrico) ,ssado. E como os no- dianavitríolo itoespírito do vinho de álcali vegetal cáustico ~s das fortis marte espírito substâncias esta- açafrão de sal ncq/ln do m muito carregados des- s referências, o primeiro ISSO da revolução deve- 1 ser trocá-los. Pense no seu nome. ,r que você se chama sim? Já perguntou aos us pais? Muita gente es- ,lhe um nome porque :ha bonito. Às vezes os tis inspiram-se no nome , um artista, uma perso- Igem de cinema ou um