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Educação em Diálogos
com a Diversidade
Organizadores:
Ângela Maria dos Santos
João Bosco da Silva
Educação em Diálogos
com a Diversidade
Cuiabá Mato Grosso
KCM Editora
2010
Silval da Cunha Barbosa
Governador do Estado
Rosa Neide Sandes de Almeida
Secretária de Estado de Educação
Fátima Aparecida da Silva
Secretária Adjunta de Políticas Educacionais
Aidê Fátima Campos
Superintende de Educação Básica
Débora Erileia Pedrotti
Superintende de Diversidades Educacionais
Angela Maria dos Santos
Gerente de Diversidade
 2010. KCM Editora & Distribuidora Ltda.
Distribuição em todo o território nacional.
Direitos reservados para os autores, protegidos pela Lei 9610/98.
A originalidade dos artigos e as opiniões emitidas são de inteira responsabilidade dos autores.
“Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida
por qualquer meio, sem a prévia autorização dos autores.”
Revisão Ortográfica e Gramatical
Gisele Marques Mateus
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Divisão Administrativa e Comercial
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Divisão Técnico-Pedagógica
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Sumário
APRESENTAÇÃO...................................................................................................................... 7
PREFÁCIO................................................................................................................................ 9
EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ENSINO DE LITERATURA................... 13
Candida Soares da Costa
IMIGRAÇÃO, QUESTÃO RACIAL E DIVERSIDADE:JAPONESES EM MATO GROSSO................. 19
Aldina Cássia Fernandes da Silva
PÉROLAS NEGRAS, NEGRAS MULHERES: NO BRILHO DAS FESTAS E NO CANTAR AOS SANTOS,
A RELIGIOSIDADE: UM DESAFIO NA SALA DE AULA......................................................... 33
Silviane Ramos Lopes da Silva
DIVERSIFICANDO OLHARES: A DESNATURALIZALIZAÇÃO E O DESVELAMENTO COMO PRÁXIS
PEDAGÓGICA.................................................................................................................... 45
Selton Evaristo de Almeida Chagas
DIVERSIDADE SEXUAL NA ESCOLA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS.................................... 59
Leize Lima de Oliveira
DIVERSIDADE ÉTNICA EM MATO GROSSO:A HISTÓRIA INDÍGENA....................................... 69
Ema Maria dos Santos Silveira
RAÍZES NEGRAS DE MATO-GROSSO:BENGUELAS, CONGOS E MINAS.................................. 79
Suelme Evangelista
EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: CONSTRUINDO UMA ESPECIFICIDADE EDUCATIVA....105
Ângela Maria dos Santos
S237e
Santos, Ângela Maria dos (org).
Educação com Diálogos com a Diversidade./ Ângela Maria
dos Santos; João Bosco da Silva. Cuiabá: KCM Editora, 2010.
116 p.; 26,0x18,0 cm.
ISBN: 978-85-7769-091-6
1.Educação. 2.Relações Étnico-Raciais. 3.Diversidade Étnica.
4.Diversidade Sexual. 5.Diversidades. I.Silva, João Bosco (org.).
II.Título.
CDU 37
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7
APRESENTAÇÃO
O compromisso da Secretaria de Estado de Educação com a orientação dos/
das educadores/as visando o fortalecimento de práticas educativas que respeitem as
diferenças, integra a política afirmativa da cultura institucional da Seduc para a educa-
ção básica.
Esta produção constitui a nossa terceira publicação voltada para as demandas
das temáticas da diversidade. As outras foram direcionadas uma, para a educação qui-
lombola e outra para a educação das relações etnicorraciais no contexto escolar.
Nesta nova publicação, além da abordagem negra, acrescentamos outras,
como: a questão indígena na educação básica, a diversidade sexual, a educação escolar
quilombola e a migração japonesa na história do Brasil, com o propósito de colaborar
com o/a professor/a no processo das aprendizagens. O livro foi para contribuir na
escolha das temáticas em sala de aula, bem como sugerir atividades pedagógicas que
poderão ser utilizados pelos/as profissionais da educação.
Temos a convicção de que a implementação de políticas públicas requer ações
que subsidiem os/as profissionais da educação no desenvolvimento de um currículo
comprometido com a qualidade de ensino, do qual não se podem desconsiderar dados
importantes da nossa história e comportamentos inerentes a condição humana.
Sob esse aspecto, é que a Secretaria de Estado de Educação, através da Gerên-
cia de Diversidade, entrega aos/as educadores/as da Educação Básica de Mato Grosso
esta coletânea, na certeza que será bem utilizada como instrumento pedagógico para a
discussão da diversidade no currículo escolar.
Espera-se que esta produção além de fortalecer o cumprimento do Artigo 26 A
da Lei de Diretrizes e Base da Educação, que trata da inclusão da Historia e Cultura Afro-
brasileira, Africana e Indígena, possa difundir idéias e práticas que respeitem os valores
humanos e eduquem para a convivência com a diversidade sexual e sócio-cultural.
Rosa Neide Sandes de Almeida
Secretária de Educação de Mato Grosso
9
PREFÁCIO
As várias temáticas da Diversidade na Educação conferem à mesma, afirmação
de seu maior papel que é a formação humana, pois a diversidade trata-se da cons-
trução histórica, cultural e social das diferenças. Dessa forma a educação escolar tem
como motriz as vivências e necessidades dos indivíduos como elementos essenciais no
processo educativo, a fim de garantir aprendizagens necessárias para a produção de
conhecimento, exercício da democracia, da ética e cidadania.
Portanto, questões como a diversidade sexual, negra, indígena, de gênero e
outros, nos auxiliam na adoção de práticas educativas que conduzam para a educação
em diversidade. Essa, a nosso ver, é uma importante característica que marca o livro,
no conjunto dos artigos apresentados.
Sabemos que a em relação à questão negra e indígena na educação básica,
com o acréscimo do artigo 26 A na Lei de Diretrizes e Base da Educação, exigiu novas
posturas por parte de educadores/as no trato com a diversidade etnicorracial no coti-
diano escolar.
Dessa maneira, essas novas posturas exigidas de educadores/as requereram
das academias, dos órgãos governamentais ligados à educação, entre as quais as Secre-
tarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como instituições não governamentais
a urgência de orientações e informação/formação aos profissionais, para desenvolve-
rem práticas que efetivem a inclusão da diversidade.
Impossível nessa conjuntura de inicio de século XXI não perceber que os povos
indígenas que estão presentes na América desde antes das invasões européia tenham
deixado legado para a formação da nação brasileira. Ou continuar vendo o negro/a,
que com a diáspora africana vieram para a América e consecutivamente para o Brasil
como bocais, despidos de cultura, que nada tenha contribuído para a formação sócio-
histórico-cultural de nosso país.
Observando por esses aspectos a coletânea contribui com a implementação da
Lei 11.645/08 que alterou a LDB, incluído as questões indígenas e negras no currículo
da Educação Básica de Mato Grosso, pois busca através de escritos de pesquisadores/
as deste estado, evidenciar a diversidade presente nesta região.
Aborda também, aspectos da história da migração japonesa, considerando a
importância dessas informações para o espaço educacional. Oferece subsídios teóricos
metodológicos para que profissionais da Educação Básica lidem com a diversidade se-
xual no ambiente escolar de forma saudável.
Os estudiosos que contribuíram para a feitura desta antologia são profissionais
que lidam com a referida temática em seu dia-a-dia, seja na formação inicial, seja na
formação continuada de profissionais da educação.
Os artigos que compõem esta coletânea busca entrelaçar idéias e práticas para
vivência e convivência com a diversidade, especificamente apresentando referenciais
para a abordagem da questão negra, incluindo a especificidade quilombola e indígena;
a migração japonesa e a diversidade sexual, não só no ambiente escolar, mais na so-
ciedade como um todo. Em todos os textos, os autores valorizam o fazer pedagógico,
apontando pistas de como lidar com as temáticas no currículo da Educação Básica.
10 11
Óbvio que não é pretensão dos/as pesquisadores/as dar receitas a educado-
res/as de como lidar com a diversidade em seu cotidiano profissional, entretanto tais
escritos  sugestionam a compreensibilidade do como lidar com temática tão complexa
como é o caso da diversidade no dia-dia escolar. 
Abrindo a obra, Cândida Soares da Costa, brinda esta coletânea com artigo
intitulado, educação para as relações etnicorraciais e o ensino de literatura. No mesmo
a autora afirma que a literatura tradicional em muito contribuiu e continua sendo sus-
tentada por um processo educativo escolar para construção do imaginário de inferiori-
dade da população negra e afro-descendente no Brasil. Para ela só obrigatoriedade da
inclusão de conteúdos de história e cultura afro brasileira no currículo da educação não
basta. É necessário mudar procedimentos que dêem conta de preparar seres humanos
que respeite e valorize a si e ao outro. E, o ensino de literatura tem por esse aspecto
função de subsidiar o/a educando/a acerca das questões raciais que envolvem a socie-
dade brasileira.
Aldina Cássia Fernandes da Silva, lida com a temática da imigração japonesa
para o Brasil no qual a estudiosa demonstra alguns fatores que propiciaram a vinda
dessas pessoas para o nosso país. Explicita como a política de incentivo à vinda dos ja-
poneses para nosso país, esteve correlacionada às teorias racialistas pensadas pela elite
intelectual brasileira. Para ela educar na diversidade etinocorracial é garantir o direito
de todos/as os/as cidadãos/as a conhecerem e valorizar a pluralidade de práticas cultu-
rais, história e memória sejam européia, africana, indígena ou asiática.
Leize Lima de Oliveira argumenta em seu artigo intitulado, Diversidade Sexual
na Escola à Luz dos Direitos Humanos, que a sala de aula é o espaço onde se espera
que aconteçam trocas de experiências e aprendizado, capazes de produzir mudanças
na visão de mundo estreita e separatista acerca dos que são tidos como diferentes. A
intolerância e o preconceito acerca da orientação sexual provocam nas escolas situa-
ções de violência e perseguição o que pode resultar em abandono escolar, por parte
daqueles que sofrem esse tipo de agressão. A autora propõe reflexões acerca do fazer
pedagógicos para profissionais da educação, visando uma educação não excludente a
comunidade LGBTT.
Selton Evaristo de Almeida Chagas no artigo intitulado Diversificando Olhares: A
Desnaturalização e o Desvelamento como Práxis Pedagógica, argumenta que toda política
educacional está inserida em um projeto de sociedade. E, que o respeito à pluralidade
cultural como princípio constitucional foi resultante da luta de vários movimentos sociais
que, pela mobilização política, fizeram-se ser ouvidos. As reivindicações desses movimen-
tos, sobretudo, os de afirmação da identidade negra e/ou afro-descendente e amerín-
dia, de feministas, de livre orientação sexual, e de liberdade religiosa, são fundamentais
no processo de conquistas do respeito jurídico-legal do exercício da diversidade cultural.
Compartilhar experiências que propiciem novos olhares e a ressiginificação de práticas
em relação à pluralidade cultural eis o objetivo dos escritos desse pesquisador.
O artigo de Silviane Ramos Lopes da Silva, aborda o cotidiano das mulheres ne-
gras da comunidade vilabelense, sobretudo no que diz respeito às práticas e ritos no tem-
po das festas, afirmam utilizar essa contextualização no ensino de ciências humanas e lin-
guagens é de extrema pertinência, como forma de práxis do Artigo 26A da LDB. E diz que,
estudar Vila Bela e a história dessas mulheres pode ser um campo fértil para a pesquisa e
ensino, assim como outras histórias de grupos sociais que podem possibilitar elementos
para criar novos olhares sobre a produção da história mato-grossense.
Com o artigo intitulado Raízes negras de Mato-Grosso: Benguelas, Congos e
Minas, Suelme Evangelista, oferece subsídios de conteúdo para educadores/as e inte-
ressados/as na temática africana e afro-brasileira, e estimula a ampliação de pesquisas
regionais sobre a presença africana em Mato Grosso. O pesquisador lida em seu artigo
com diversas fontes tanto iconográficas, quanto manuscritos e bibliográficas existentes
em arquivos locais e nacionais, visando compor a trajetória de benguelas, congos e
minas em terra do Mato Grosso Colonial.
Por fim, não menos importante, no artigo Educação Escolar Quilombola: cons-
truindo uma especificidade educativa, Angela Maria dos Santos, aborda aspectos impor-
tantes para refletirmos sobre a construção identitária da Educação Escolar Quilombola.
O livro A educação em Diálogos com a Diversidade procurou evidenciar os ele-
mentos importantes de cada temática abordada, bem como sugerir práticas pedagó-
gicas que o/a educador/a pode melhor desenvolver em sala de aula para inclusão de
conteúdos tão necessários a formação dos/as estudantes.
Fátima Aparecida da Silva
Secretária Adjunta de Políticas Educacionais
13
EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O
ENSINO DE LITERATURA
Candida Soares da Costa1
A pluralidade faz surgir um país feito a muitas mãos, onde todos juntos,
vindos de tradições diversas, com distintas formas de arrumar o mun-
do, com inúmeras concepções do belo, conseguem criar uma comuni-
dade plena da consciência da importância da participação de cada um
na construção do bem comum. Todos podem ser diferentes mas são
absolutamente necessários.
(Helena Theodoro)
Introdução
Falar sobre literatura significa situar-se com relação a um dos fios da tecedura
no campo simbólico2
dos seres humanos. Nessa perspectiva, a literatura brasileira em
âmbito geral, faz parte do patrimônio simbólico da humanidade, e, em específico, do
patrimônio cultural dos brasileiros. Enquanto produção humana, expressa, também,
valores, concepções de mundo, de seres humanos, de sociedade, não por se constituir
reprodução da realidade, mas por se tratar de um tipo de produção que tem o potencial
de tocar a sensibilidade humana, expressando e comunicando estados afetivos. Isso
permite compreender o envolvimento do sujeito-leitor pelas imagens bem construídas
pelas produções literárias, pois sua composição integra uma verossimilhança que tem
a ver com uma realidade interna à obra. Essa realidade permite ao leitor associação à
sua própria realidade, podendo servir como elementos de construção, consolidação ou
de problematização de crenças e valores evocados nas relações sociais cotidianas, pois
sugestionam o sujeito-leitor e o sujeito-ouvinte das narrativas, “induzindo-os a experi-
mentar os estados de alma a que se associam” (NUNES, 2008, p.40). Enquanto perten-
cente ao universo simbólico, a arte em geral e, neste particular a literatura, desempe-
nha a função de proporcionar elementos que contribuem tanto para promover, quanto
para subalternizar, influenciando no modo como as relações sociais se estabelecem. Se
“na Alemanha do século XVII, a literatura desempenhou um papel de renascimento da
nação [...]” (BENJAMIN, 1984, p. 78), no Brasil, ajudou a construir uma nação pautada
na negação do direito à existência à população negra.
O fato de que a população negra brasileira vive em condições sociais inferiores
à média nacional vem sendo denunciado tanto por dados oficiais quanto por pesquisas
filiadas às ciências humanas e sociais que descortinam os porquês dessa realidade, expli-
citando que o racismo, orientando práticas e políticas sociais, se materializa em déficits
para os negros nos mais diversos setores, como, saúde, educação, lazer, seguridade social,
trabalho e renda, dentre outros. Essa realidade foi construída e continua sendo sustenta-
da por um processo educativo escolar no qual a literatura tradicional muito contribuiu.
1
Professora da UFMT, licenciada em Letras e doutoranda em Educação pela UFF/RJ.
2
Sobre o “poder simbólico” cf. Bourdieu, 1989.
14 15
Literatura e relações raciais: raízes históricas
Mediante estudo de obras de autores que tratam sobre relações raciais e lite-
ratura, torna-se possível a construção de um “quadro de referência” acerca da função
que, historicamente, a literatura brasileira vem desempenhando. Além disso, obtêm-
se elementos teóricos necessários para se compreender aspectos da realidade que se
apresenta no cotidiano das relações étnico-raciais e instiga pensar novos rumos no en-
sino de literatura na escola.
Silva e Rosemberg afirmam que “um conceito-chave usado nos estudos sobre
literatura e cinema é estereótipo”. O texto desses autores permite visualizar o potencial
de atualização dos estereótipos negativos sobre os negros tanto pela literatura tradicio-
nal consagrada pela crítica, quanto pelo cinema que “se alimenta constantemente de
personagens da literatura”.
Embora se saiba que “os estereótipos sobre o negro surgiram na literatura bra-
sileira do século XVII e se expandiram nos séculos posteriores” (SILVA e ROSEMBERG) é
a partir do século XIX, conforme afirmação de Skidmore (1976) que foi agregada à lite-
ratura a função de propagar os ideais racialistas, construindo signos de aprendizagens
sobre o que se consideraria povo brasileiro e os lugares sociais supostamente destina-
dos a brancos e a negros.
Como afirma Brookshaw (1983), a literatura ajudou a moldar, desde a infância,
os preconceitos sócio-raciais que se mantêm na vida adulta pela “fusão de mito e reali-
dade na imaginação popular3
” (p.15), especialmente a partir da utilização do simbolismo
religioso. Ela se ocupou, principalmente de fundir simbolismo da cor e do preconceito
racial. Mediante lendas, mitos, romances, histórias populares – especialmente as infan-
tis – a imagem do negro foi-se, então, sendo associada a monstros perversos, ao demô-
nio, a lobisomem devorador de crianças, ao saci, moldando no imaginário social uma
imagem desprezível do negro associada à maldade, à violência, à falta de inteligência,
à imoralidade, à indolência, à preguiça, etc. Nos argumentos de Brookshaw, é possível
compreender como a literatura construiu e reforçou estereótipos de subalternização dos
negros, contrapondo não somente negros e brancos, como as culturas a eles relativas:
[...] no caso do Brasil, onde o controle não é um mero substrato
social, mas é também étnico, o estereótipo tem implicações mais
amplas, porque reforça a incompatibilidade básica entre as cul-
turas euro-brasileira e afro-brasileira, rivais pretendentes a uma
cultura nacional (BROOKSHAW, 1983, p. 17).
Gouvêa (2005) considera que “a literatura infantil definiu-se historicamente
pela formulação e transmissão de visões de mundo, assim como modelos de gostos,
ações, comportamentos a serem reproduzidos pelo leitor”. Segundo ela, “o autor, no
momento da produção do texto, traduz na escrita a sua compreensão do real, como
3
Bernis (1987. p. 9) afirma que “a imaginação é geralamente definida como a faculdade que o espírito
possui de produzir imagens – sendo estas quer a simples reprodução de sensações na ausência dos
objetos que as provocam, quer criações da nossa fantasia”. Uma ilustração para essa afirmação pode
ser encontrada em Costa (2007, p. 83), onde se registra a seguinte fala: “Quando se ouve falar em
assalto, tráfico de drogas, nessas coisas, a gente já tem a impressão de que é negro, porque é muito
difícil você ir a uma favela e encontrar branco. A maioria das pessoas que você vê é negra. Se você
estiver andando na rua e vê dois rapazes brancos vindo, você não fica com medo, agora se for negro,
já tem aquela... Então é uma discriminação (Aluna de 8ª série)”.
também o projeto de realidade que se quer conformar por meio da narrativa” (p. 81).
Assim sendo, no decorrer das três primeiras décadas do século XX, em meio às dis-
cussões “acerca da identidade brasileira, racialmente recortada” (p. 82), as produções
literárias dirigidas às crianças, traduziram, por meio da narrativa, o projeto de nação
que se queriam conformar mediante extinção do negro, tornando a nação branca, tanto
nos aspectos fenotípicos quanto culturais. Nesse sentido, as narrativas apresentavam as
personagens negras em “posição de servidão”, vinculadas a um passado caracterizado
pelos discursos correntes como vergonhoso. Assim, excluía-se o negro do projeto de
modernização que se configurava para o país naquele período.
Enquanto a modernidade, associada à urbanidade, ao progresso, à téc-
nica, e à ruptura, era representada pelos personagens brancos adultos,
os negros eram relacionados a significantes opostos, como tradição e
ignorância, universo rural e passado (GOUVÊA, 2005, p. 84).
Gouvêa argumenta que, particularmente, a partir da década de 1930, torna-se
maciça na literatura infantil a presença de personagens negros intensamente estere-
otipados, folclorizados: pretos velhos e pretas velhas contadoras de histórias; vincu-
lação da tradição oral africana à ignorância e destituição do negro de qualquer saber;
o desejo de embranquecimento expresso pela voz da própria personagem negra; e a
caracterização de suas práticas religiosas como feitiçarias, primitivas, pagãs. “Situado
no passado, o negro era representante de uma relação marcada por subserviência e
docilidade” (p. 86). A autora aponta Monteiro Lobato como “quem de maneira ‘cruel’,
fez referência a essa representação em seu texto” (p. 86), citando como exemplo, vozes
das personagens D. Benta, Pedrinho, Emília, Tia Nastácia e Narizinho.
Gouvêa afirma que as produções literatura infantil produzida na primeira me-
tade do século XX se encontrava em diálogo com as teorias raciais pseudocientíficas,
produzidas no final do século XIX que, entre outros fatores, infantilizavam e animaliza-
vam o negros, dando suporte ao ideal de embranquecimento da nação. A herança ra-
cial africana era apresentada “como um fardo, a desqualificar os personagens” (p. 89).
Gouvêa conclui de forma enfática na afirmação sobre o tipo de leitor produzido
pela literatura infantil da primeira metade do século XX e que como se sabe, continua
presente nas salas de aula:
O leitor que os textos produziam era marcado pela identificação com
a cultura e a estética brancas, ao mesmo tempo que desqualificador
da cultura e estética negra. Negro ou branco, os textos acabavam por
embranquecer o leitor, ao reiteradamente representar a raça branca
como superior (p. 90).
Proença Filho (2004), apresenta uma visão geral de autores e obras que des-
tacam o negro sob dois enfoques: a) de forma distanciada como objeto e b) o negro
como sujeito, numa atitude compromissada. No primeiro enfoque, trata-se de uma li-
teratura sobre o negro enquanto objeto, seja como personagem, seja representando
aspectos da realidade histórico-cultural do Brasil, indicando “ideologias e estereótipos
da estética branca dominante”. No segundo, são focalizadas as produções literárias de
autores negros, cujas produções demonstram atitude compromissada com questões
relacionadas às problemáticas vivenciadas pela população negra na sociedade brasi-
leira. Entretanto, o discurso literário que, tradicionalmente, chega à escola apresenta
16 17
o negro apenas como objeto, o que dificulta a construção de uma nova semântica em
torno da população negra.
Perspectivas e possibilidades
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96, mediante artigo 26-A,
acrescidas das alterações trazidas pela Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008 e as Dire-
trizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de His-
tória e Cultura Afro-Brasileira e Africana, instituída pela Resolução nº 01/2003/CNE/CP
abrem portas para desconstrução de signos sociais vigentes nas relações étnico-raciais
e, concomitantemente, para a construção de outros que permitam ressignificação so-
bre a presença negra e indígena na sociedade brasileira. Impõem ao currículo escolar
e à prática docente um grande desafio: mediante inclusão de conteúdos de História
e Cultura Afro-brasileira recompor na práxis pedagógica o papel da literatura rumo à
promoção da educação das relações étnico-raciais, com o objetivo de superar as de-
sigualdades sociais, conseqüência direta do racismo. Embora defina todo o currículo
escolar como âmbito de desenvolvimento dos conteúdos de História e Cultura Afro-
brasileira, destaca em especial as “áreas de Educação Artística e de Literatura e História
Brasileiras”. Isso pode parecer contraditório considerando o papel desempenhado pela
literatura na construção da imagem negativa do negro. Todavia, o potencial da litera-
tura parece inquestionável. Isso significa que o ensino de literatura pode contribuir na
construção de significados sociais, baseados não na subalternidade, mas na construção
de promoção dos sujeitos a partir do reconhecimento e da valorização da história e da
cultura afro-brasileiras e indígenas.
Entretanto, a obrigatoriedade de inclusão de conteúdo de história e cultura
afro-brasileira somente não basta. Essa inclusão implica também mudança de con-
cepções e de procedimentos metodológicos, de estratégias e de recursos. Esses mé-
todos, estratégias e recursos, considerados sob as perspectivas cognitivas e afetivas,
devem estar voltados não somente à aquisição de conhecimentos, mas também ao
desenvolvimento de subjetividades que possibilitem a cada sujeito reconhecer, res-
peitar e valorizar a si e ao outro, ambos igualmente, como partes integrantes da diver-
sidade humana. Exigem, portanto, como suporte, concepções e compromisso social e
ético docente na tarefa de derrotar o racismo, mediante a igual valorização, na prática
educativa escolar, dos diferentes povos, suas histórias e culturas nos mais diversos as-
pectos, como por exemplo: lingüísticos, religiosos, estéticos, artísticos e pertinentes
à corporeidade, de modo a superar a visão etnocêntrica que coloca a Europa e tudo
que lhe diz respeito, como o centro absoluto de referência da humanidade. Nessa
perspectiva, devem possibilitar eqüitativamente a todos, condições didáticas de aces-
so aos conhecimentos, e às significações positivas implicadas na presença de cada
grupo que compõem a população nacional.
Na busca por compreender “como os contos de fadas influenciam nossas vi-
das”, Cashdan (2000) argumenta que esses contos podem significar:
[...] mais do que as aventuras repletas de suspense que excitam a ima-
ginação; são mais que mero entretenimento. Por trás das cenas de
perseguição e dos resgates no último minuto, há dramas sérios que re-
fletem eventos que acontecem no mundo interior da criança. Embora
o atrativo inicial de um conto de fada possa estar em sua capacidade
de encantar e entreter, seu valor duradouro reside no poder de ajudar
as crianças a lidar com os conflitos internos que elas enfrentam no pro-
cesso de crescimento (p. 25).
Pois, segundo ele, além de proporcionar às crianças “um palco onde elas po-
dem representar seus conflitos interiores” (p. 31), oferecem também imagens e temas
que, arquivados nos “balcões da mente”, “se insinuam regularmente em nossos pensa-
mentos e conversas, funcionando como metáforas para nossos desejos mais ardentes e
esperanças mais profundas” (p.35). É inquestionável o poder que as narrativas possuem
de encantar seus leitores e ouvintes:
[...] São poucos os alunos que não se interessam por uma narrativa, por
uma história bem contada. As narrativas trazem a magia de cativar e
encantar, de prender a atenção, de transportar a imaginação para um
mundo verossímil ao que se apresenta como real. Portanto, traz em si,
também, o poder de construir e / ou legitimar “verdades” (COSTA 2007,
p. 57).
A construção de uma política curricular, originada a partir da Lei nº
10.639/03, figura-se como divisor de águas entre essa tradicional função imposta à
literatura e uma perspectiva de educação das relações étnico-raciais, tendo como
horizonte a promoção humana de negros e indígenas, a partir de fornecimento de
subsídios de história e cultura afro-brasileiras e indígenas ao cotidiano escolar de
ensino e aprendizagem de literatura.
Uma prática docente, politicamente comprometida com a promoção e conso-
lidação da educação das relações étnico-raciais constrói novas maneiras de se ensinar
literatura e possibilita acesso a autores cujas produções literárias apresentam imagens
positivas de negros e de indígenas de modo a contribuir para a desconstrução de visões
de mundo, estereótipos e estigmas que pesam sobre esse conjunto populacional.
Nessa perspectiva, constante problematização sobre como abordar as temá-
ticas e quais recursos utilizar constituem táticas de ação permanente ante uma luta
que está longe de ser fácil, haja vista que os adversários a serem combatidos estão
presentes em livros didáticos e paradidáticos, em conteúdos das mais diversas disci-
plinas, nas concepções de mundo e de relações com aqueles aos quais se compreende
como outro e, inclusive, no imaginário da maioria docente. Assim sendo, a inclusão
de conteúdos de história e cultura afro-brasileiras e indígenas no ensino de literatura
subsidiará a percepção de mensagens explicitas e de mensagens subliminares, cujos
conteúdos se colocam ao alcance do inconsciente, constituindo ou fortalecendo o
imaginário coletivo acerca das questões raciais que os conteúdos dessas mensagens
abordam. Mais que isso, deve propiciar aos alunos compreensão de que a produção
literária, embora se relacione com a realidade, não é retrato fiel do real, pois, enquan-
to produções humanas, expressam crenças, valores, preconceitos e visões de mundo
incorporados por seus autores.
O ensino de literatura que leve em conta a construção de uma educação para
as relações étnico-raciais exige atenção na seleção de conteúdos, recursos e estratégias
a serem utilizados. Essa atenção é, portanto, de fundamental importância no que se
refere ao tipo de sociedade que o professor ou a professora, mediante sua prática do-
cente, tem em vista construir.
18 19
Referências Bibliográficas
BENJAMIN. Walter. Origem do drama barroco alemão. Tradução, apresentação e notas:
Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BOURDIEU, O poder simbólico. Rio de Janeiro: DIFEL, 1989.
BRASIL. Lei nº 10.639/03. In: Brasil. Diretrizes curriculares nacionais para a educação
das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura afro-brasileira e africa-
na. Brasília-DF: MEC/SEPIR, 2005.
BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.
CASHDAN, Sheldon. Os 7 pecados capitais nos contos de fadas: como os contos de fadas
influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
COSTA, Candida Soares da. O negro no livro didático de língua portuguesa: imagens e per-
cepções de alunos e professores. In: MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues; COSTA, Candida Soares
da (Orgs). Coletânea Educação e relações raciais, vol. 3. Cuiabá/MT: EdUFMT/IE, 2007.
GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Imagens do negro na literatura infantil brasileira:
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&lng=en&nrm=iso. ISSN 0103-4014.
IMIGRAÇÃO, QUESTÃO RACIAL E DIVERSIDADE:
JAPONESES EM MATO GROSSO
Aldina Cássia Fernandes da Silva1
Introdução
Educar na diversidade étnico-racial é garantir o direito de todos os cidadãos
a conhecerem e valorizar a pluralidade de práticas culturais, história e memória sejam
européia, africana, indígena ou asiática.
A falta de reflexão sobre a diversidade sociocultural de homens e mu-
lheres no processo de ensino e aprendizagem intensifica a hegemonia de alguns
grupos. É fundamental a reflexão sobre as estratégias e discursos na produção
histórica das desigualdades.
As representações e classificações do outro como “diferente” precisam ser con-
textualizada. Para considerar alguém diferente é necessário partir de uma comparação
com os padrões sociais e culturais de sucesso, perfeição, forma física, poder econômico,
comportamento, feminilidade, masculinidade, idade, crença religiosa entre outros. Na
perspectiva cultural, a diferença é socialmente construídas pelas redes sociais e de po-
der ao longo do processo histórico.
A marca de “diferente” provocou sentimentos de xenofobia, etnocêntrico, ra-
cismo, discriminação e de intolerância em vários momentos históricos. Por outro lado,
a luta pelo direito à diferença sempre esteve presente na vida de muitos homens e
mulheres. É fundamental que a diferença seja reconhecida, vivida e respeitada entre
os grupos sociais, pois a falta de reconhecimento pode provocar sentimentos de não
pertencimento e sofrimento profundo.
Na garantia dos direitos de cidadania a educação tem papel fundamental na
promoção do diálogo entre as diversas praticas culturais existentes no seu espaço socio-
cultural. É importante que na escola sejam reconhecidos os diferentes sujeitos histórico
cultural e social que estão presente. É preciso que os educadores abram espaço para as
diferentes manifestações culturais, valorizem a diferença e contextualizem as represen-
tações negativas sobre a diferença.
A representação de pessoas ou grupos como “diferentes” se entrelaça à polí-
tica e as formas de pensar da elite intelectual sobre os grupos que deveriam participar
da formação social brasileira.
Esta é a história de uma formação social em que diferentes grupos étnicos
encontram-se, transformam-se, combinam-se, estranham-se, reconfiguram-se e ao
mesmo momento que se tencionam.
De forma breve, para entender a produção histórico-social e cultural da diferença é
importante reler a história da formação social do Brasil. O ponto de partida do presente tex-
to para um movimento mais amplo que compõe a história da formação da sociedade brasi-
leira é a imigração e migração de japoneses em especifico para o Estado de Mato Grosso.
1
Mestre em História pela UFMT. Professora da Rede Estadual de Ensino – Centro de Formação e Atu-
alização dos Profissionais da Educação – CEFAPRO/SEDUC – MT.
20 21
	 De enxofre à ideal: classificações sobre o imigrante japonês.
O imigrante europeu compreendendo italianos, alemães, poloneses, russos,
ucranianos, suíços e outros chegam ao Brasil como os novos trabalhadores livres no
momento do declínio do regime do trabalho escravo. Para este fim, o governo privile-
giava a seleção de bons agricultores, ocorrendo assim a entrada de alemães e italianos,
que foram classificados como laboriosos e perseverantes, ou seja, a mão de obra ideal
para trabalhar nas fazendas de café. Esse discurso relegava os trabalhadores livres ou
escravos, mestiços ou não, populações indígenas inclusive os asiáticos. O papel da po-
pulação nacional na colonização era secundário e, nas raras solicitações de sua partici-
pação, ela foi utilizada como desbravadora de florestas.
A política imigratória, que se baseava na seleção de colonos agricultores eu-
ropeus para implementar a colonização do país, produziu propagandas que passavam
aos imigrantes a idéia de que sua entrada se destinaria ao preenchimento de vazios
demográficos.
A entrada de imigrantes no Brasil está relacionada com várias políticas. Nos es-
tados da região sul muitos imigrantes receberam terras para colonizar, já no estado de
São Paulo foram trabalhar em sistema de parceria. Os imigrantes voltados à colonização
se deslocavam para o Brasil com o sonho de adquirir sua propriedade, mas com a pro-
mulgação da Lei de Terras, em 1850, a posse da terra só se concretizaria através da com-
pra. Desta forma, os grandes fazendeiros monopolizaram o acesso a terra, dificultando
a concretização do desejo dos imigrantes. Com a diminuição da entrada de escravos,
intensificou-se a imigração européia. Os critérios utilizados para a seleção não foram es-
tabelecidos. Porém os italianos do norte obtiveram algumas vantagens, caracterizando
assim alguma “especulação de natureza racial ou civilizatória”. (SEYFERTH 2002, p.110)
Em Mato Grosso, o governador José Murtinho, em 1892, demonstrou em suas
mensagens para a Assembleia Legislativa uma preocupação em incentivar a imigração
vinculada a uma política de colonização. Na percepção do governo Estadual, o estran-
geiro de origem européia fora representado como gente laboriosa, ideal para impulsio-
nar o “povoamento e o desenvolvimento do Estado” (MORENO 1993, p. 129).
A fim de dinamizar o processo de entrada de imigrantes no Estado, Joaquim
Murtinho “propôs a concessão gratuita de terras”, mas eles teriam que fixar morada e
cultivar o solo durante cinco anos. Após este tempo o lote deveria ser medido e demar-
cado com os recursos do próprio colono, para que ele pudesse adquirir o título defini-
tivo de sua propriedade. O projeto foi enviado à Assembléia Legislativa do Estado, que
o deferiu fazendo as seguintes ressalvas: somente as terras nas fronteiras poderiam ser
distribuídas, sendo concedidos lotes de 50 hectares.
No discurso do Governo de Mato Grosso afirmava-se que o povoamento esta-
va sendo realizado de forma “espontâneo”, portanto não onerava os cofres públicos. No
entanto, o que se pretendia era uma (re) ocupação de forma disciplinada pelo Governo
Federal e Estadual. Naquele momento, poucas concessões foram registradas no perío-
do entre 1899 e 1924. Na tentativa de implementar uma política de “colonização” com
imigrantes, vários acordos foram realizados com empresas particulares, e mesmo assim
o povoamento com colonos estrangeiros não ocorreu da forma planejada, em Mato
Grosso. Por outro lado, o Governo Estadual privilegiava as grandes propriedades, pois
a sua economia se resumia na arrecadação de impostos sobre atividades extensivas e
extrativas que exigiam grandes extensões de terras. (SEYFERTH 2002, p. 146 e 147)
A política de imigração no Brasil sofreu restrições a partir da Proclamação da
República. Através de um decreto, o Governo Federal proibiu a imigração de asiáticos e
africanos. Naquele momento, a escolha de imigrantes guiava-se pelas teorias de bran-
queamento da população, ou seja, o mito do arianismo, no qual o branco era repre-
sentado como superior em relação aos mestiços, negros e asiáticos. Assim, para a elite
política do país a entrada de brancos era fundamental para ocorrer uma miscigenação
com o povo brasileiro que resultaria em uma “população mestiça sadia capaz de tornar-
se sempre mais branca, tanto cultural quanto fisicamente” (Idem, p. 145 e 146). Desta
forma, a população brasileira se tornaria civilizada e moderna.
Por outro lado, os latifundiários pressionavam o governo pela falta de mão-
de-obra, e os jornais divulgavam esta carência. Naquele momento surgiam muitas dis-
cussões sobre a possibilidade da imigração de chineses e asiáticos (japoneses) para
solucionar a escassez de braços para a agricultura.
Em relação aos asiáticos, desde 1888, antes da abolição já havia discussões
sobre a imigração de chineses para o Brasil. A questão racial passou a ser difundida
entre os representantes da aristocracia de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Espírito
Santo com a possibilidade da entrada de chineses no país para substituir a mão-de-obra
escrava. Já a vinda de imigrantes japoneses envolveu outras questões, como a pressão
exercida pelo governo japonês para abertura da imigração no Brasil. Os norte-america-
nos haviam fechado as portas do país para entrada de japoneses. Desta forma, o Brasil
se tornou uma alternativa viável para o governo japonês.
Em 1907, o Secretário da Agricultura, Carlos Botelho, ante os obstáculos à ob-
tenção de imigrantes europeus, decidiu realizar uma pesquisa em vários países para ve-
rificar o nível de assimilação dos nipônicos. Em relação ao resultado, Hashimoto explica
que “não houve nenhuma informação desfavorável ao povo japonês, apenas o fato dos
salários desses imigrantes eram [sic] menores do que o dos europeus”. (HASHIMOTO
1995. p. 71) Apenas foi ressaltado que o japonês era um povo que não assimilava a
cultura do país receptor, constituindo-se em um “grupo à parte da sociedade”. Estas
considerações foram importantes para que o governo brasileiro aceitasse a entrada de
imigrantes japoneses. Desta forma, em 1907 foi realizado um contrato entre o Governo
do Estado de São Paulo e a Empire Company, que marcou a abertura das portas do Bra-
sil para os imigrantes japoneses.
Em 1908 chegaram oficialmente os primeiros imigrantes japoneses a bordo do
navio nipônico Kasato-Maru no porto de Santos, SP, no Brasil. Em seguida partiram para
a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo. Os primeiros imigrantes foram direciona-
dos para as fazendas de café localizadas ao longo das Estradas de Ferro Mogiana, Pau-
lista, Sorocabana e Ituense no interior do Estado de São Paulo. Dos 781 imigrantes que
desembarcaram no Brasil somente nove se estabeleceram na cidade de São Paulo.
Os nipônicos traziam consigo o sonho de uma breve estada no país para o
qual estavam emigrando. Eles almejavam uma rápida ascensão econômica, para, então,
retornarem à terra natal. Muitos deixaram seus bens sob os cuidados de parentes e
amigos, pois alimentavam a esperança de se ausentarem por pouco tempo. A imigração
japonesa foi subsidiada pelo Governo de São Paulo até 1921. O governo japonês assu-
miu o auxílio aos imigrantes japoneses, após 1925.
O Governo do Estado de São Paulo incentivou várias empresas japonesas a
adquirirem terras na região do Vale do Ribeira. Neste local seriam implantadas colônias
22 23
japonesas administradas por nipônicos. Os imigrantes japoneses que se deslocaram
para o Vale do Ribeira eram colonos que compraram lotes de terras que teria a infra-
estrutura propícia para desenvolverem suas atividades. Muitos outros núcleos de colo-
nização foram criados para acolher os colonos japoneses, em várias cidades do estado
de São Paulo, como por exemplo: Bastos, Pereira Barreto (colônia Tietê) e na cidade de
Assaí no estado do Paraná. 	
Para muitos pensadores da elite brasileira, os imigrantes japoneses provoca-
riam um descontrole na miscigenação. A língua foi considerada completamente incom-
preensível para os brasileiros, os costumes nipônicos foram considerados exóticos, o
físico pouco apresentável e a moral estranha. Foi a partir de discursos como esse que
os nipônicos foram classificados como inassimiláveis. Oliveira Viana teceu o seguinte
comentário sobre o nipônico: “O japonês é como o enxofre: insolúvel”.
Os pensadores daquele momento cortaram o cordão umbilical do determinis-
mo das ideias racistas. A imagem do nacional passava a ser valorizada pelos intelec-
tuais da época. Para justificar a figura negativa construída anteriormente, buscava-se
na medicina uma explicação plausível. O povo brasileiro estava doente, com vermino-
se, fazia-se necessário curá-lo para que se tornasse laborioso. Apesar da mudança de
pensamento de muitos intelectuais, a questão racial foi disfarçada pelo nacionalismo,
porém não deixava de existir.
Após a Primeira Guerra Mundial a maioria dos imigrantes que entravam no
país era de origem japonesa. Naquele momento, havia os que eram favoráveis à en-
trada de japoneses, classificando-os como os melhores imigrantes para promoverem
o desenvolvimento econômico do país. Já para o Governo Federal o imigrante japonês
era considerado viável principalmente para a Amazônia. Este pensamento resumia-se
à sua habilidade agrícola. Desta forma, a imagem do japonês era positivada para a
colonização em áreas de vazios demográficos. Por outro lado, entre os que se coloca-
vam contra a entrada de japoneses destacaram-se: Antônio Xavier de Oliveira, Miguel
Couto e Arthur Neiva.
As discussões, naquele momento, referiam-se ao perigo que representava a
etnia japonesa para a nação brasileira, uma vez que eles alimentavam um sentimento
de intensa admiração e devoção ao Imperador japonês. As explicações elaboradas pelos
constituintes eram carregadas de reflexões sobre a eugenia. Estas colocações podem ser
visualizadas na legislação do Estado Novo que restringia a entrada “de doentes, aleijados,
de conduta nociva, etc.” (SEYFERTH 2002, p.139) Sob o manto de discursos nacionalistas,
o mito do branqueamento fazia-se presente no pensamento da elite brasileira.
Por outro lado, a partir de 1934 a Assembleia Legislativa aprovou um decreto
que limitava a entrada de imigrantes no país a 2% em relação aos estrangeiros da mes-
ma etnia. Desta forma, os ventos favoráveis à entrada de nipônicos pararam de soprar
com o advento do Estado Novo. Foi proibida a circulação de livros, revistas e jornais im-
pressos em línguas estrangeiras e posteriormente teve início o registro dos imigrantes
residentes no país.
A imigração estrangeira deixava de ser interessante aos olhos do governo bra-
sileiro, que passava a vislumbrar na mão-de-obra nacional trabalhadores ideais para
implementar os projetos de colonização. Essa mudança de postura do governo e dos
intelectuais estava relacionada com “a implantação dos regimes nazi-fascistas e a con-
flagração posterior do conflito internacional” (ESTERCI 1972, p.36). Naquele momento
temia-se que ideias contrárias ao governo fossem disseminadas pelos imigrantes. Para
evitar problemas políticos, a imigração passou a ser controlada pelo Conselho de Imi-
gração e Colonização, criado em 1938.
A vida dos imigrantes japoneses e nikkeis no Brasil ficou muito difícil com a
proibição do uso da língua japonesa e da circulação de jornais e revistas editados em
outros idiomas. As escolas japonesas foram fechadas, o ensino devia ser realizado so-
mente em português. Para muitos imigrantes que não falavam o português, a comuni-
cação com outras pessoas fora da colônia ficou difícil. A imagem negativa do japonês
perante a sociedade intensificou-se com as notícias do avanço expansionista do Japão
durante a Segunda Guerra Mundial.
Os imigrantes japoneses, diante das proibições decretadas pelo governo fede-
ral, criaram estratégias para que seus filhos continuassem a aprender a língua japonesa.
Com o fechamento das escolas, as aulas eram dadas em residências alternadas para
não chamar a atenção da polícia. Porém, a polícia descobriu esta estratégia e passou a
realizar buscas nas casas de muitos nipônicos para descontinuar a prática de aulas em
suas residências.
Por outro lado, com a notícia da deflagração da II Guerra Mundial, muitos imi-
grantes radicados no Brasil reforçaram o sonho do retorno ao país de origem. Desta
forma, os japoneses procuravam estratégias para poder continuar ensinando a língua
japonesa para seus filhos. Com a invasão da China Continental, da ilha de Hainã e da
Indochina pelos japoneses, os nipônicos do Brasil passaram a visualizar o Japão como
um país poderoso, forte, reforçando o sentimento nacionalista e a devoção ao Impe-
rador japonês, o que serviu de estímulo para solidificar o sonho do retorno. Porém,
este desejo não era cultivado por todos os imigrantes e seus descendentes, de forma
homogênea.
Para muitos imigrantes japoneses o sonho do retorno não era mais alimenta-
do, pois seus filhos haviam nascido no Brasil e tinham criado vínculos com a terra natal.
Naquele momento, já havia descendentes dos nipônicos em cursos secundários e su-
periores. O governo japonês, a fim de estimular a fixação dos nipônicos no país, passou
a divulgar para os integrantes das colônias que os imigrantes ajudariam mais sua terra
natal permanecendo no Brasil.
No entanto, após o rompimento das relações do Brasil com o Japão em 1942, o
imigrante japonês recebia muitas críticas de parte da sociedade e ganhou status de ini-
migo incondicional dos brasileiros. Os defensores da imigração japonesa que anterior-
mente representavam o trabalhador japonês como “laborioso” e modelo de organiza-
ção, mudaram de postura rapidamente e iniciaram discursos com conotações “raciais”,
classificando-os como “amarelos”.
A cor amarela representa o enxofre que não se mistura. Assim, os japoneses
foram classificados de inassimiláveis, tornando-se essa cor um estigma de distinção
para esta etnia. O amarelo já foi utilizado em outros momentos para definir, excluir
ou segregar grupos. Os judeus foram, em vários momentos históricos, marcados por
estigmas. Em 1232, Raymond VII, conde de Toulosse, e o legado do papa determina-
ram que os judeus deveriam utilizar um disco amarelo açafrão no peito, como sinal
de distinção. Em 1289, em Portugal, os judeus foram obrigados a utilizar um capuz ou
chapéu amarelo. Quem não o fizesse seria multado. Na França eles eram obrigados a
usar uma estrela amarela
24 25
O governo de Vargas começou a realizar propagandas contra o Japão e os imi-
grantes japoneses instalados no Brasil. Estas atribuições ficaram a cargo do Departa-
mento de Imprensa e Propaganda (DIP), que divulgava notícias muitas vezes falsas.
O DIP, encarregado da divulgação das diretrizes ideológicas e culturais do regi-
me, comunicou que um informante nikkei havia descoberto um plano secreto japonês
para ocupar São Paulo com tropas de 25 mil homens. Os soldados seriam recebidos por
espiões disfarçados de pescadores, que já haviam preparado os colonos para explodir
instalações militares de importância estratégica nos arredores de Santos, e criar, na
Amazônia um país [...] (LESSER 2001, p. 237).
Informações sobre espiões japoneses agindo no Brasil no decorrer da Segunda
Guerra eram constantemente publicadas nos jornais. Contudo, sabe-se que esses pla-
nos secretos dos japoneses divulgados pela imprensa não se concretizaram. Entre os
efeitos produzidos por esta política de propaganda negativa empregada pelo DIP figura
o acirramento do culto ao Imperador por alguns imigrantes e nikkeis. O sentimento na-
cionalista japonês intensificou-se como forma de protesto à “ordem pública”.
O Governo Vargas intensificou a fiscalização sobre os descendentes dos países
do “Eixo”, decretando as seguintes proibições para eles: publicações em língua de suas
nações; utilização de suas músicas e hinos; proferir saudações; uso de seus idiomas em
público; exibição de retratos de membros dos governos; deslocarem-se de uma locali-
dade a outra sem salvo-conduto; realizarem reuniões privativas ou em público; discuti-
rem ou trocar idéias em lugares públicos; usarem ou comercializarem armas, munições
ou materiais explosivos ou que pudessem ser utilizados na fabricação de explosivos;
mudarem de residência sem prévia autorização; utilizarem aviões.
Além dessas proibições, logo em seguida os bens dos imigrantes foram con-
fiscados pelo governo, sendo liberados somente no início da década de 1950. Após o
torpedeamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães, a persegui-
ção a japoneses, alemães e italianos ganhou intensidade. Eles não poderiam mais ouvir
rádio, e muitos tiveram seus aparelhos apreendidos pela polícia, enquanto que alguns
conseguiram escondê-los. Naquele momento, muitos japoneses foram presos, acusa-
dos de espionagem, e Vargas determinou que os descendentes dos países do “Eixo”
que residiam no litoral fossem remanejados imediatamente para outras localidades no
interior do país.
Com o torpedeamento do navio mercante do Loyd Brasileiro em Belém, muitas
pessoas residentes na cidade desencadearam um movimento de vingança contra os ja-
poneses, alemães e italianos. As casas dos imigrantes foram invadidas e incendiadas. O
Governo Vargas, com o intuito de proteger e fiscalizar os imigrantes estabelecidos no li-
toral do Estado do Pará deslocou-os para a Colônia Japonesa em Acará, hoje Tomé-Açu.
Em muitas localidades brasileiras os imigrantes japoneses passaram a receber insultos.
As relações entre muitos nipônicos e brasileiros tornaram-se tensas. Os imi-
grantes japoneses e os nikkeis passaram a representar uma ameaça ao destino do país.
A intensa política repressora do governo e a ausência de notícias sobre o desenrolar
do segundo conflito mundial impuseram aos japoneses uma reclusão que provocou
o surgimento de várias sociedades secretas. Elas pregavam o apoio incondicional dos
japoneses ao Imperador, um sentimento que mesclava o nacionalismo aos anseios de
um reconhecimento da identidade nipo-brasileira (LESSER 2001, p. 239). O sentimento
“antijaponês” que se enraizava na sociedade brasileira não fazia distinção entre os imi-
grantes japoneses e os filhos destes nascidos no Brasil, portanto brasileiros. Assim, eles
foram classificados de “japoneses”, filhos de uma nação inimiga do Brasil na Segunda
Guerra Mundial.
Os horrores provocados pela Segunda Guerra Mundial levaram as nações a
reconhecerem as atrocidades cometidas e se reorganizarem para evitar novas domina-
ções políticas e culturais de grupos fundamentadas na idéia de raças humanas como foi
o caso do nazismo. Os nazistas consideravam os povos que se diferenciavam em cultu-
ra, aspectos físicos e religião como raças inferiores, ou seja, biologicamente inferiores
à raça branca e ariana alemã. A partir desta ideologia nazista muitos grupos sociais e
étnicos foram penalizados, no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Esses acontecimentos marcaram profundamente a humanidade. Com o fim da
guerra a idéia de “raça” no sentido biológico passou a ser vista como inaceitável por
muitas pessoas e nações. A prática de classificação racista passou a ser visualizada como
negativa para o país que a utilizasse. Frente às atrocidades ocorridas durante a guerra
emergiram discussões que enfatizavam que os grupos humanos não eram marcados
pelas suas características biológicas e, sim, por processos históricos, sociais e culturais.
Desta forma, os brasileiros formuladores da política de imigração passaram
a buscar na integração dos imigrantes japoneses a solução para a sua representa-
ção de “inassimiláveis” justificando essa orientação através dos valores cristãos. No
entanto, enquanto os formuladores da política de imigração emitiam ideias con-
trárias à entrada de nipônicos, o Presidente Getúlio Vargas autoriza a entrada de
imigrantes japoneses no Brasil. A permissão foi dada para os projetos de coloniza-
ção que trariam imigrantes japoneses para a Amazônia e Mato Grosso, em 1952 e
posteriormente para a Cooperativa Agrícola de Cotia (SP). (SAKURAI 2004, p. 12) É
importante salientar que a política de imigração com japoneses no pós-guerra se
entrelaçou à política do governo de ocupação dos espaços representados como
“vazios”, prontos para serem desbravados e colonizados.
Após a Segunda Guerra Mundial, Yassutaro Matsubara negociou a entrada de
famílias japonesas no Brasil. Estas famílias japonesas foram direcionadas para a parte
sul do Estado de Mato Grosso, especificamente a região de Dourados. Convém res-
saltar que outros espaços do estado também receberam imigrantes japoneses no pós
Segunda Guerra Mundial.
Convém ressaltar que Yassutaro Matsubara trabalhou em favor da candidatura
de Getúlio Vargas à presidência da República, em 1950. Após ser eleito, Getúlio Vargas
retribuiu o apoio político permitindo a entrada de imigrantes japoneses no Brasil, que
estava suspensa desde o governo anterior, do próprio Vargas.
Portanto, foi muito importante a contribuição dos japoneses residentes no Bra-
sil para a reabertura da imigração nipônica após o conflito mundial. Os nipônicos Kotaro
Tsuji, de Santarém-PA, e Yassutaro Matsubara, de Marília-SP, deram impulso à participa-
ção da iniciativa privada na concretização da imigração do pós-guerra para o Brasil.
O imigrante japonês, durante o segundo governo de Getúlio Vargas e a Segun-
da Guerra Mundial, ficou privado de seus direitos de pertencer a um corpo político, sem
uma existência civil, desprovido de uma história ligada à nação, em suma, privado de
um lugar no mundo. Os brasileiros descendentes de japoneses em diversos momentos
foram vistos como estranhos, tratados como outrem, independentemente do que fize-
ram ou não fizeram, muitas pessoas os classificavam de alienígenas. No entanto, estas
26 27
classificações devem ser analisadas a partir do seu enquadramento histórico, ou seja,
como um tecelão que tece a rede, o historiador ao trançar os fios que compõem a tra-
ma em análise procura recompor os episódios que a envolvem.
Como muitos nipônicos já não alimentavam mais o sonho de retorno à pátria e
procuravam um lugar “mais calmo” para viver, ocorreu um deslocamento desta etnia no
território brasileiro para os Estados do Pará, Mato Grosso, Goiás e outros.
O governo federal a fim de direcionar os capitais, bem como, a mão-de-obra
desse grupo étnico para um plano de ocupação dos “espaços vazios” mato-grossenses
foi construída uma imagem positiva do “japonês” pelo governo mato-grossense.
No que se refere à lógica da política de colonização, ocorreu uma inversão sim-
bólica dos estigmas de distinção. A percepção do “japonês” como “alienígena”, ganha-
va, naquele momento, uma conotação positiva, abrindo a possibilidade para este grupo
étnico realizar projetos de colonização. A “luta simbólica” do Governo Estadual era a de
desmistificar a imagem negativa de “perigosos”, “terroristas” ou formadores de “quis-
to”, na esperança de atraí-los para ocuparem os “espaços vazios” de Mato Grosso. Nes-
ta perspectiva, o japonês foi percebido como um aliado à política de colonização, para
desbravar, colonizar e levar o progresso para o Estado de Mato Grosso. O discurso sobre
a construção da imagem dos imigrantes japoneses e nikkeis como “colono ideal” pode
ser visualizada na Mensagem do Governador Fernando Corrêa da Costa à Assembleia
do Estado de Mato Grosso, na abertura da sessão de 1952, que se encontra no Arquivo
Público do Estado.
Japoneses em Mato Grosso
Ao entrelaçar os fios da trama histórica sobre o deslocamento das famílias ja-
ponesas para as terras mato-grossenses foi significativa a entrada de nipônicos no esta-
do de Mato Grosso entre 1910 e 1914 como trabalhadores na estrada de ferro Noroeste
do Brasil. Muitos desses imigrantes se estabeleceram em Campo Grande. Outra locali-
dade que recebeu várias famílias japonesas foi à região de Dourados (hoje pertencente
ao estado do Mato Grosso do Sul). Convém ressaltar que em 1977 o antigo Estado de
Mato Grosso foi dividido em dois territórios: o Estado do Mato Grosso do Sul e o Estado
Mato Grosso.
Em 1940 no Estado de Mato Grosso havia 3.710 pessoas de origem japonesa.
O fluxo do movimento migratório interno se concentrou no sul do Estado, inicialmente
ao longo da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. A construção do “caminho de ferro”
tinha como traçado dois extremos; a cidade de Bauru (SP) e Porto Esperança - MT (atu-
almente MS). No traçado definido em 1904 a ferrovia chegaria à cidade de Cuiabá-MT,
o que posteriormente também foi modificado. O fato é que os trilhos da Noroeste pro-
vocaram o aumento de interesse pelas terras sul mato-grossenses.
Por outro lado, a partir de 1950 ocorre o deslocamento de muitas famílias de
japoneses para a região norte mato-grossense, bem como, a entrada de muitos imi-
grantes japoneses para o Estado de Mato Grosso. No Anuário Estatístico de 1955 consta
que entre 1944 e 1953 a entrada de imigrantes no país correspondeu a 0,7% do total.
Em 1954 este índice subiu para 4,3%, sendo que 1,73% entraram de forma espontânea
e 2,59% foi imigração dirigida.
Ao se pesquisar sobre a presença dos imigrantes japoneses em terras mato-
grossenses, emerge inúmeros itinerários seguidos pelas famílias que se deslocaram para
o norte do estado no pós Segunda Guerra. Ao seguir a trajetória de famílias japonesas
em Mato Grosso foi levantado que na década de 50 e início de 60 foram estabelecidas
duas colônias ao norte do estado: Gleba Rio Ferro e CAPEM.
Na década de 50, a família Matsubara que morava na cidade de Marília no
Estado de São Paulo montou a Empresa Colonizadora Rio Ferro para atender à pro-
posta dos Governos Federal e Estadual de se ocupar os ditos “espaços vazios” 2
tra-
zendo colonos japoneses que tivessem recursos disponíveis para investir no novo
espaço a ser ocupado. O Governo Estadual também concedeu à Colonizadora Rio
Ferro uma área de terras titulada com 200.000 hectares no Município de Chapada
dos Guimarães, ao norte do Estado.
A Gleba Rio Ferro representava para o governo Federal a oportunidade de re-
solver o impasse da modernização da extração da borracha, através do cultivo da Serin-
gueira (Hevea brasiliensis) em seu habitat natural. Esta solução atenderia à demanda
de látex para as indústrias nacionais, que se encontravam prejudicadas pela queda de
produção nos seringais nativos da região Amazônica, bem como solucionaria a situação
de muitas famílias japonesas do interior de São Paulo e do Paraná, que sofriam com os
conflitos eclodidos no interior da colônia japonesa após a Segunda Guerra Mundial.
A Empresa Colonizadora Rio Ferro comprometeu-se a viabilizar o desbrava-
mento e a colonização na área de terras que lhe foi concedida. Ela assumiu, ainda, o
compromisso de executar obras de infra-estrutura social e econômica, conforme previa
o contrato estabelecido com o Estado de Mato Grosso, através do Departamento de
Terras e Colonização.
Convém lembrar que na década de 1950 os imigrantes japoneses ganharam visi-
bilidade nas mensagens do Governo Estadual enviadas para a Assembléia Legislativa, nas
quais foram representados como colonos ideais para dinamizar a economia do Estado.
Neste período ocorreu a afluência de muitas famílias japonesas para o norte de
Mato Grosso. Cinqüenta e quatro por cento das glebas de terras de Tangará da Serra,
em 1960, “foram concedidas a descendentes de japoneses dos Estados de São Paulo e
do Paraná” (OLIVEIRA 2002, p.50). Neste mesmo período chega a Cáceres as primeiras
famílias japonesas como a família de Minori Haijashida. Em 1951, a família Ishizuka
chega a Rondonópolis.
2
A idéia de “espaços vazios” surge em diversos discursos oficiais que assim nomeiam territórios ocupa-
dos por outras pessoas, a fim de promover numerosos projetos de (re) ocupação, preocupados com a
integração desses espaços considerados “vazios”, ao processo de valorização do capital. Convém lembrar
que, em muitos locais ocorreu uma invasão violenta das terras indígenas e das terras públicas.
28 29
Mapa 01 - Mato Grosso 1953
Fonte: Acervo particular da Família Matsubara
Ao acompanhar historicamente o itinerário dos imigrantes japoneses emerge
uma diversidade de memórias e trajetórias. A Cooperativa Agropecuária Extrativa “Marió-
polis” Ltda. (CAPEM) vendeu terras para japoneses de Okinawa. As famílias de imigrantes
japoneses de Okinawa saíram do Japão e desembarcaram no porto de Santos e se deslo-
caram em direção às terras adquiridas no norte mato-grossense, ou seja, Colônia CAPEM.
A possibilidade de adquirirem uma grande propriedade permeou o imaginário
dos imigrantes de Okinawa, que sem mesmo conhecer o espaço compraram terras,
arrumaram a mudança e rumo a nova vida reuniram a família e se deslocaram para as
terras da Colônia CAPEM no norte mato-grossense.
Para a Gleba Rio Ferro migrou famílias japonesas que moravam no Estado de
São Paulo e Paraná. No dia 3 de julho e 10 de setembro de 1953 partiram da cidade de
Marilia no Estado de São Paulo, chefiados pelo Sr. Yoshiiti Narita, a primeira e a segunda
caravana de colonos. Cada uma composta por 10 famílias, e trazendo mantimentos,
ferramentas e máquinas para abertura de estradas. O transporte foi realizado por 16
(dezesseis) caminhões.
Convém lembrar que os colonos tentaram cultivar vários tipos de alimento,
para garantirem sua subsistência no espaço de colonização. Contudo, muitas culturas
não produziram satisfatoriamente. A prática da queimada na gleba favoreceu o empo-
brecimento do solo. A “língua de fogo” varreu com suas labaredas o mato que impedia
a prática agrícola. Os esqueletos das árvores que ficaram de pé foram derrubados pelas
máquinas dos homens, movidos por sonhos de uma nova vida para suas famílias.
Os colonos abriram covas, plantaram verduras e legumes que germinaram e
transformaram os sombrios recantos queimados em plantações, de qualidade e tama-
nho antes nunca vistos. Em relação a estes cultivos consta a seguinte afirmação, no
relatório da empresa relativo ao período de 1952 a 1955: “Tivemos com a cultura de
verduras e legumes em geral, os melhores resultados possíveis, notadamente tomate,
couve-flor, pepino, repolho, pimentão, etc.”. 3
O solo após a queimada conserva os nutrientes depositados pela cobertura
vegetal que fora retirada. Assim, os frutos das primeiras culturas crescem viçosos. Con-
vém ressaltar, que muitas culturas não prosperavam. Após as primeiras colheitas o ren-
dimento declinava intensificando a demanda por produtos adquiridos em Cuiabá. Os
alimentos estocados no armazém da gleba nem sempre supriam as necessidades dos
colonos. Entre as dificuldades vividas, a falta de abastecimento da mesa com os alimen-
tos preferidos suscitou nos colonos o sentimento de desilusão. O “El Dorado” que os
havia encantado desapareceu dando lugar à decepção.
Enquanto permaneceram na gleba, os japoneses fundaram a associação na
qual foram praticados os esportes como o beisebol, sumô e atletismo. Havia atividades
culturais para todas as idades como gincanas para os idosos, crianças e jovens, disputas
de canto e filmes.
Na década de 60, famílias da Gleba Rio Ferro migraram em busca de uma vida
melhor em um processo de urbanização. Cuiabá, por ser o centro comercial mais pró-
ximo, recebeu inúmeras famílias japonesas que compraram pequenas propriedades ao
redor da cidade. Outras famílias se dedicaram ao comércio. De colonos a feirantes, em-
presários, políticos e comerciantes aos poucos foram imprimindo as marcas da presen-
ça japonesa nas cidades do Estado de Mato Grosso.
Muitos dos imigrantes japoneses e nipo-brasileiros que se encontram em Cuiabá
e em outras regiões de Mato Grosso iniciaram sua trajetória de vida nestas duas colônias
que se estabeleceram na década de 50 em Mato Grosso: Gleba Rio Ferro e CAPEM.
No final da década de 1980 surge a migração dos dekassegui para o Japão.
Dekassegui é um termo em japonês que significa “migrar temporariamente para o tra-
3
Documento: Relatório Histórico das atividades da Firma, 1952 a 1955, fls.7.
30 31
balho”. Este movimento proporcionou aos descendentes dos imigrantes japoneses a
oportunidade de melhorar financeiramente a vida. Desta forma, ocorreu uma inversão
na direção da imigração. Quem sai em busca de melhores oportunidades para depois
retornar ao Brasil são os filhos dos imigrantes japoneses.
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33
PÉROLAS NEGRAS, NEGRAS MULHERES: NO
BRILHO DAS FESTAS E NO CANTAR AOS SANTOS, A
RELIGIOSIDADE: UM DESAFIO NA SALA DE AULA
Silviane Ramos Lopes da Silva1
Introdução
No presente artigo, apresentaremos o aspecto da religiosidade, a relação das
mulheres com a natureza e seus santos. Assim, entendermos a partir do exercício em
sala de aula, a desvelar preconceitos sobre nossas leituras religiosas, sobre o silêncio
em relação às práticas que estão tão próximas de nós, e, que é fundamental quando
pensamos no foco da aprendizagem.
Uma aula de História que se inicia a partir da realidade do aluno, o envolve,
e desperta com mais “concretude” suas angústias e pensares, promovendo assim um
revisitar de histórias, um reaprender de nossa própria história.
Por se tratar de um artigo que tem o objetivo de descrever e relatar as lutas pela
identidade, as festas de santos, bem como seus ritos, são de fundamental importância no
estudo do processo de re-elaboração e re-significação das práticas cotidianas na comuni-
dade negra de Vila Bela. Dessa forma a partir desses festejos, ritos e culturas populares,
procura-se evidenciar a importância dessa pluralidade presente nas cidades brasileiras,
onde a escola pode transpor essas fronteiras culturais constituídas ao longo de séculos.
Faz-se importante oportunizar a discussão fazendo esses chamados, sem medo
de falar dessas práticas, sobretudo as religiões de matriz africana, que na grande maio-
ria das vezes são vistas por professores e alunos como algo “fora dos padrões”, omitidas
e silenciadas. A proposta desse artigo é justamente essa, questionar esses padrões
estabelecidos, tendo como exemplo a luta dessas mulheres negras vilabelenses, que
lutam até hoje pela manutenção de suas simbologias e práxis culturais.
Entre os Mexilhões: Mulheres Negras e seus Santos
Ainda que o período dos setecentos não seja o foco deste artigo, é necessário que
retomemos esta parte do processo histórico, para demonstrar a luta secular feminina negra
em relação a seus códigos e/ou símbolos culturais. De maneira que contextualizemos essa im-
portante luta para alunos/as da Educação Básica, apresentando a eles/as esse rever histórico,
sobretudo dessas comunidades quilombolas. É importante lembrarmos que Vila Bela foi uma
cidade planejadae a religião predominante nos setecentos e oitocentos era impositivamente
religião cristã. Mas as mulheres estrategicamente, criaram mecanismos e táticas para a preser-
vação de suas práticas culturais, atualmente entendidas como práticas afro-brasileiras2
. Enfati-
zaraosalunos/asquealutaacontecesecularmente,possibilitavislumbrarumanovaóticaden-
tro da história, deixando de visualizar a história do Negro e passando a ver o Negro na história.
1
Professora, Mestre em História e formadora do CEFAPRO Cuiabá na especificidade Educação Quilombola.
2
Pois os elementos da cultura africana foram sendo ressignificadas, incorporando elementos culturais
ameríndios e portugueses.
34 35
Contextualizar essas particularidades evidencia significativamente a luta
dos negros cotidianamente para sua sobrevivência e das práticas coletivas. Histo-
ricamente os documentos apontam que para essa região foram trazidos homens,
mulheres, brancos, negros, degredados, quem quisesse vir para a região das minas,
que através dos incentivos fiscais dados a população, garantia também a fronteira.
Um espaço dos índios3
, onde por muito tempo foi liderado pelo branco, que viria a
se tornar, no século XIX território de uma comunidade de pretos, produto e condi-
ção de um processo de resistência que marca, de maneira singular, o passado e o
presente deste município mato-grossense.
Para esta região foram levados milhares de negros de origem africana, que,
submetidos à escravidão, sustentavam a economia local, trabalhando nas minas de
ouro, nas atividades agrícolas, e nos mais variados serviços necessários à edificação e
manutenção da cidade Real. Segundo Bandeira, não houve uma só atividade, que não
fosse sustentada pelos pretos. Este espaço planejado pela coroa, assim como as demais
Vilas da América portuguesa, teve suas particularidades, desde sua constituição. Havia
os índios que já habitavam a região guaporeana, e para a mesma foi levado um grande
contingente de homens que fizeram dos índios e, posteriormente, dos negros africa-
nos, mão-de-obra, para o enriquecimento dos cofres portugueses. Ainda no período
de consolidação da Vila, a população que fora incentivado, conflitava-se com a mata, a
natureza e suas dificuldades tão comuns à vida dos indígenas ali existentes.
E nessas histórias de lutas estavam os santos, as festas do calendário católico,
nos quais as mulheres lançavam mão de estratégias para a prática de seus cultos, esta-
vam articuladas por meio das irmandades e confrarias. Eram nas irmandades e nas festas
de santos que elas, sabiamente traçavam as ações, transculturais no que diz respeito à
religiosidade. As festas de santos eram muito comuns nas vilas das Américas portugue-
sas. Isso já é de conhecimento para a maioria dos professores. O que difere ao apre-
sentarmos esse novo olhar histórico são as evidências dessas estratégias, mostrando
aos alunos as astúcias e sabedorias das mulheres, frente a esse cenário de exploração e
violência, tanto com os índios da região quanto com os negros que eram trazidos.
As mulheres negras transitavam por esses cenários vilabelenses com pro-
priedades das estratégias de guerras africanas, aqui é pertinente apontarmos nas
aulas essas heranças trazidas e mantidas, mesmo num cenário de tanta opressão.
As pérolas sabiam se esconder quando necessário e aparecer estrategicamente.
Assim, o espaço do Quilombo estava intimamente ligado à religiosidade e à sobre-
vivência dessa engenhosidade dos traçados estratégicos, para a sobrevivência dos
outros que ainda não estavam ali.
Desde os tempos de Quilombo Quariterê, localizado próximo ao Vale do Gua-
poré, o ambiente de produção agrícola em Vila Bela (realizada em sua maioria pelas
mulheres) é comentado pelas crônicas de viajantes. Era uma área de dificuldades, mas,
devido à organização, os quilombolas conseguiam uma produção suficiente para a co-
munidade. E mais uma vez estavam lá, as mulheres, representadas pela força africana
através da guerreira e rainha negra Tereza de Benguela. O quilombo marca de manei-
ra singular o imaginário do povo vilabelense, que no auge do acirramento interétnico
(1970), teve como inspiração essa grande figura feminina, muita vezes silenciada em
nossas práticas pedagógicas.
3
Sobretudo os índios Pareci e/ou paresi, que habitavam a região, na qual também foram escravizados
pelo branco, que precisava garantir as fronteiras lusitanas.
Existe uma dificuldade de se tratar sobre a História de Tereza de Benguela, pois
temos ainda poucos estudos sobre esta rainha, mas alguns estudiosos já nos trazem
como norte a importância dessa líder para a sobrevivência dos negros na região do Vale
do Guaporé. Não podemos nos esquecer que ali, os rituais ligados à matriz africana
estavam mais evidentes, pois era o espaço dos negros no território dos negros.
Os santos mais cultuados na região eram: Santo Antônio, São Benedito, Nossa
Senhora do Pillar, São Elesbão, Nossa Senhora do Rosário, entre outros que caracte-
rizavam o catolicismo de pretos, ou seja, cultos católicos tradicionais com elementos
e/ou aspectos de origem africana. Ainda nos dias atuais, esse catolicismo de negros
ainda é muito vivo, sobretudo nas cidades denominadas setecentistas. Aqui no Mato
Grosso com freqüência essas festas ocorrem, em cidades comoVila Bela, Cuiabá, Nos-
sa Senhora de Livramento, Poconé. Em Vila Bela o período de festas de Santos, como
São Benedito, ocorre na segunda quinzena do mês de Julho, com o levantamento dos
mastros, a congada e dança do Chorado, uma dança somente de mulheres. As irmanda-
des católicas e o aquilombamento nos permitem perceber as formas de organização e
estratégias de resistência dessa comunidade negra. Essas informações históricas sobre
os grupos étnicos que constituem a identidade do território são de extrema pertinência
evidenciar as práticas ali existentes, a documentação, as imagens permitem ao pro-
fessor possibilidades outras como pedir aos seus alunos o recriar dessa história, con-
templando a área das ciências humanas e linguagem. Esse revistar histórico e cultural
permite ao professor traçar um panorama didático de ensino de nossa história regional
e somando-se também as orientações da Lei 10639/2003, sem perder a coerência dos
componentes curriculares propostos no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola.
O Projeto Político Pedagógico é de suma importância para a boa funcionalida-
de do ambiente escolar, especialmente no que tange à práxis pedagógica, pois, só assim
a abordagem etnicorracial será contínua como se propõe. A temática da pluralidade
cultural, referendada pelos PCNs, deve ser efetivada a partir de práticas que permeiam
todo o processo de ensino-aprendizagem deixando de ser atividades esporádicas, que
poderiam reforçar o modelo já posto nos ambientes escolares. É desta maneira que
praticaremos ações de transformação, dando voz às histórias silenciadas, em espe-
cial quando tocamos no assunto das religiosidades, que a meu ver como professora e
pesquisadora são um dos nossos grandes desafios da Lei 10639/03. Desta maneira, as
ações planejadas curricularmente permitirão ao professor abordar a questão da reli-
giosidade, de forma bastante tranqüila, sem sermos proselitistas e fazendo cumprir as
necessidades de conhecimento dos alunos, sob uma nova ótica.
Nesse aspecto da história, o professor ou professora deve explorar essas es-
pecificidadese apontar numa relação macro-histórica, o que era comum nas cidades
setecentistas no Brasil e resguardar as especificidades de cada lugar, região, eviden-
ciando aí os conhecimentos trazidos de seus reinos africanos e sua ressignificação para
conseguirem viver em terras além-mar.
Desafio da Lei 10.639/03: A Praxis da Sala de Aula
Compreender os códigos e mecanismos de estratégias das quais as mulheres
lançam mão nesse processo de externar sua cultura afro, faz-se necessário explicar a
dimensão que as festas de santos e suas práticas religiosas têm na composição de tais
identidades. A representação da festa significa também promover os princípios de re-
36 37
sistência de uma comunidade que fez de escombros e ruínas território de uma comu-
nidade negra. Enquanto ensino da história, isso é de fundamental importância no que
tange abordar as formas de lutas, saberes de uma comunidade tradicional, que pensou
em diversas formas para manter sua identidade frente a inúmeros processos de expro-
priação, exploração e sacrifícios.
Nesse aspecto, quando abordamos a história da expansão e ocupação da fron-
teira oeste, é inegável ter que trabalhar a historicidade dessa gente vilabelense, den-
tro do processo de expropriação, de sua identidade, e suas re-significações diante da
reconstrução de toda uma cidade, abandonada durante o século XIX e reconstituída
pela força dessa gente, em especial das mulheres. Por meio dessas descobertas possi-
bilidades outras de se ensinar, ou seja, um reflexo para nossa prática pedagógica, visua-
lizando nesses ritos formas de desmistificar estereótipos atribuídos a religiosidade dos
Negros, desnaturalizando esses estigmas.
Essa luta deve ser evidenciada nas aulas de história, sobre essa reconstrução
feita pelos negros, e pelo resguardar da memória feminina que por sua riqueza de de-
talhes, reconfigura a partir da oralidade, esses novos espaços. Utilizar isso como ferra-
menta da práxis pedagógica, permite ao aluno fazer uma reflexão sobre como ele vem
apreendendo a história do Brasil, e como ele tem o olhar sobre as religiosidades que
congregam as raízes de matriz africana.
Recuperar a memória dessas tradições orais significa regenerar a história e a
vida deste país, às vozes e as práticas dos saberes. Nessas narrativas encontra-se a fe-
cundidade entre dizeres e saberes de uma imensa integração. O trilhar aqui proposto é
recuperar os registros a partir do extenso universo feminino e suas memórias, sobretu-
do de seus ritos, danças e festas.
Veremos a seguir algumas memórias de seus santos e suas festas, e um re-la-
borar da realidade, e as próprias seleções e cuidados que os depoentes conscientes ou
não, nos contam sobre seus santos (os de casa) e os comunitários (santos da rua) e suas
práticas na produção das festas. Vale ressaltar que essa prática de santo de casa com os
santos de fora, é bastante semelhante à prática do candomblé, esse seria um gancho
temático para abordar sobre as religiões de matriz africana, além de questionar todo
esse estigma que é construído ao negro, apresentando ao aluno universos de reinos,
heranças africanas presentes em nossa vivência cotidiana. Nesse sentido a discussão de
Gênero também se faz pertinente, desconstruindo a visão estereotipada, sobretudo na
atribuição das tarefas, tidas como papéis masculinos e femininos.
A história enquanto prática pedagógica nos instrumentaliza a fazer essas re-
flexões e propiciar essas transformações em nós professores e nos alunos, olhando e
reaprendendo a história por um prisma diferenciado. Utilizando os relatos orais, as fon-
tes iconográficas para fazermos leituras diferentes do que costumeiramente os livros
didáticos nos trazem, para desconstruir esse olhar de piedade e dó sobre a história dos
negros na África e aqui no Brasil.
Será sempre um desafio tratar desta temática, mas é preciso iniciar o processo,
pois a Lei 10639/2003 nos assegura, ao ensinar história da África e dos afro-brasileiros,
é inegável termos que mostrar aos alunos que existem outras culturas, outras formas
de cultos, e desnaturalizar o que se popularizou como sendo religião de matriz Africana,
seus estereótipos e estigmas.
Como já mencionado, a oralidade é uma fonte a ser explorada, sobretudo das
matriarcas dessa comunidade, que nos permite enquanto professores e professoras um
vislumbrar e reconfigurações de espaços de lutas desconhecidos tanto para nós quanto
para nossos alunos.
Segundo Guimarães Neto4
, a mulher tem um olhar microscópico, esquadrinha-
dor do ambiente da casa, das tarefas domésticas inseridas na organização da produção
de subsistência5
. As mulheres são como as pérolas guardam em si o mais imperceptível
dos grãos de areia. A memória e os detalhes parecem vir à tona: a religiosidade, os fes-
tejos e os ritos são o externar de toda identidade Vilabelense6
.
Uma estratégia didática para abordarmos a história dessa comunidade, e par-
tilho aqui uma experiência que tive na escola Estadual Ramon Sanches7
nas aulas de
história, utilizando a imagem como princípio norteador da aula, a imagem da Igreja
Matriz, ou melhor, das ruínas da antiga matriz da comunidade Vilabelense.
Iniciei a aula a partir de um dos maiores símbolos da comunidade, a Igreja ma-
triz, e a partir daí mencionei também as influências religiosas de matriz africana, indíge-
na, e a católica (num dado catolicismos de preto) 8
, presentes na região. Contextualizei
historicamente no tempo e espaço, pedi pra eles dizerem o que acharam da imagem,
e como pensavam que esta Igreja foi construída. E eles começaram, a dizer que era a
ruína de Vila Bela, que lá era uma cidade que só tinha gente preta, que eles ouviram
dizer que era muita macumbaria, e que isso é uma religião só de negro. A partir dessas
falas, fui conduzindo a aula para eles pensarem como somos preconceituosos, como
desconhecemos nossa própria história.
Pedi para que os alunos falassem sobre as experiências de suas religiões, e
recortei aqui duas falas interessantes onde os alunos diziam:
... Mas eu professora sou espírita, não faço macumba, sou de mesa
branca, ninguém faz macumbaria lá onde freqüento... não é igual ao
do João, lá são só velas brancas... Eu não falo com ele porque ele é ma-
cumbeiro, e também fiquei sabendo que nessa Vila Bela a cidade ainda
é feia como no tempo dos escravos, ah sei lá deve ser estranho9
.
... Não é uma religião pela cor né professora, é pelo o que a pessoa sen-
te, e lá onde freqüento do terreiro caboclo Flexeiro, nós não fazemos
4
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. A lenda do ouro verde. Campinas: Dissertação de Mestrado. UNI-
CAMP, 1986.
5
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Grupiaras e Monchões: Garimpos e Cidades na História do Povo-
amento do Leste de Mato Grosso- primeira metade do século vinte. Tese de doutoramento (mimeo).
São Paulo: Unicamp, 1996, p. 63-65.
6
In: SILVA, 2006.
7
Trata-se de uma aula sobre a história, ministrada no segundo ano do ensino médio, cujos alunos dis-
criminavam um colega, por este fazer parte de um terreiro de umbanda, e como estávamos estudando
o período pós-abolição, achei pertinente casar com a história de nossa região, para desnaturalizar
junto com a turma o preconceito com o colega de sala. É importante registrar que a Escola Estadual
Vereador Ramon Sanches Marques, está situada no município de Tangará da Serra, região de recente
colonização no estado de Mato Grosso.
8
O catolicismo preto é uma forma relativamente semelhante no Brasil colonial e resiste até os dias
atuais como prática religiosa, o culto aos santos pretos: Nossa senhora do Rosário, São Benedito.
9
Adoto codinomes para não expor os alunos, sendo João o discriminado e Maria, a menina que agia
declaradamente descriminando as religiões de pretos.
38 39
macumba, fazemos umbanda, e tocamos macumba10
...
As falas começaram a ser despertadas, depoimentos, alunos que desconhe-
ciam, e como eixo norteador dessa prática, orientei a partir dessa aula, que os alunos
pesquisassem sobre religiões de matriz africana, e dividissem em grupos para que apre-
sentássemos um seminário para toda a escola. Fazendo cumprir o que pedia o currículo,
a partir de uma pesquisa orientada, onde os alunos passaram a perceber que os livros
traziam sempre alguns relatos sobre o negro, mas não trazia abordagens sobre as reli-
giões, mencionavam somente a religião cristã, produziram textos fazendo suas críticas.
Mas o que mais me chamou atenção em relação a essa minha experiência, foi o número
de aluno que se apresentou com adepto das religiões de matriz africana, na verdade
tinham vergonha de serem discriminados como João. Sem dúvida posso afirmar que
esta foi uma experiência transformadora tanto para mim, quanto para os meus alunos.
Pois a partir de uma imagem de ruínas de uma igreja matriz de uma comunidade negra,
Igreja construída pelos negros houve um ampliar de conhecimentos.
Visualizando o que ocorria, partilhei com os demais colegas da escola, e pro-
pus assim um primeiro seminário de história, chamado memórias de Tangará da Ser-
ra, onde os alunos descobriram por meio da história de Vila Bela, a história da cidade
e o negro na história do Brasil. E depois da culminância desse projeto, os alunos,
alguns ainda resistentes, começaram a conviver em maior harmonia, sobretudo com
João que estava rotulado como macumbeiro. A colega de João que o discriminara,
disse assim em sua apresentação:
João é espiritualista como eu! È ele segue uma religião com raízes
africanas, brasileira, e eu sigo a doutrina espírita kardecista, confesso
que eu tinha era medo de falar com ele, mas com a pesquisa que a
professora nos orientou a fazer, percebi que eu fazia com ele o que
fizeram comigo muitas vezes, eu discriminava. E na pesquisa da aula
de história descobri porque João disse que não fazia macumba... É
porque macumba gente, não é nada disso que a gente pensa, é uma
árvore africana, que daí, as pessoas que fazem instrumentos, utilizam
a sua casaca para fazer os atabaques, que dá o toque as celebrações
do terreiro de João. A macumba tem mais haver com música brasilei-
ra do que a gente imagina11
.
Fazer este exercício com os alunos os instiga, a saber, mais sobre a história da
cidade, da região e do país, e nos propicia enquanto professores, fazer essa relação
de releitura do próprio material didático que o aluno tem, de que forma aprendemos
história, sobretudo como nos ensinam a história do negro. Existe todo um imaginário
que precisa ser desconstruído em relação ao negro, sobretudo das mulheres negras e
das comunidades quilombolas como é o caso de Vila Bela. A partir de uma história de
nossa região, fiz uma relação com história da cidade, e correlacionei com o restante
do Brasil, e os alunos conseguiram vislumbrar uma nova forma de apreender história,
conhecendo a partir da pesquisa Personagens negros silenciados na história do Brasil.
Segue abaixo a imagem da Igreja Matriz, que motivou toda essa experiência
acima relatada.
10
Fala do aluno pertencente a um terreiro de Umbanda.
11
Depoimento da aluna Maria, realizada no Primeiro Seminário de Ensino de história memórias e
Tangará da Serra.
Figura 01 – Ruínas da antiga matriz de Vila Bela da Santíssima Trindade12
A imagem apresenta-nos o cenário dos Santos, a Igreja Matriz que mesmo em
ruínas tem um significado todo especial para a população, pois foi uma construção rea-
lizada pelos seus descendentes, escravizados, que fizeram e constituíram nesse espaço
seu legado. Além disso, há toda uma força cósmica que confere proteção a cidade e
aos seus moradores, como é recorrente na oralidade das mulheres. É importante dizer
que depois dessa imagem apresentada aos alunos, também utilizei as narrativas dessas
mulheres da comunidade para dar uma nova dinâmica ao aprendizado e tornar a aula
mais atrativa, a partir dos depoimentos.
Essa fonte iconográfica pode ser ainda explorada nas aulas de linguagem, em
especial de artes, a fim de promover a discussão em torno da história e enfrentamento
desse povo negro, do estilo artístico, sem perder o foco do contexto histórico, atrelando
ao conteúdo a que se trabalha, dando continuidade aos trabalhos para não ficarmos
fazendo atividades isoladas e desconexas.
No tópico abaixo trago as narrativas que podem e devem ser utilizadas como
elementos inovadores para aulas de História, sobretudo quando falamos em religiões,
explorando-as como instrumento pedagógico enriquecedor das aulas de história e das
ciências humanas, contemplando assim a grande área do conhecimento.
Os Santos e suas Festas
O nascimento é algo marcante para a comunidade negra de Vila Bela, e é na
infância que se aprende as obrigações religiosas, é a inserção da criança no mundo do
sagrado. Conforme Leite, a questão do nome está diretamente ligada ao ato de dar
à criança o nome do santo de seu dia significa também propiciar, a essa criança, um
conhecimento e uma aprendizagem religiosa, mesmo porque, ela tem que saber tudo
sobre esse santo, sua história, seus milagres, sua reza e até os seus castigos. Isso tudo é
ensinado e explicado a esse novo devoto13
.
12
Disponível em: http://www.wallpapergate.com/data/media/2493/Vila_Bela_Da_Santissima_Trin-
dade_MT_Brasil_44045.jpg. Acesso em 30/10/2009
13
LEITE, Ácido da Silva. Op. Cit., p.85.
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Diversidade livro - educação em diálogos com a diversidade

  • 2. Organizadores: Ângela Maria dos Santos João Bosco da Silva Educação em Diálogos com a Diversidade Cuiabá Mato Grosso KCM Editora 2010 Silval da Cunha Barbosa Governador do Estado Rosa Neide Sandes de Almeida Secretária de Estado de Educação Fátima Aparecida da Silva Secretária Adjunta de Políticas Educacionais Aidê Fátima Campos Superintende de Educação Básica Débora Erileia Pedrotti Superintende de Diversidades Educacionais Angela Maria dos Santos Gerente de Diversidade
  • 3.  2010. KCM Editora & Distribuidora Ltda. Distribuição em todo o território nacional. Direitos reservados para os autores, protegidos pela Lei 9610/98. A originalidade dos artigos e as opiniões emitidas são de inteira responsabilidade dos autores. “Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização dos autores.” Revisão Ortográfica e Gramatical Gisele Marques Mateus Ângela Maria dos Santos Divisão Administrativa e Comercial Margareth Paesano da Cunha Junqueira Divisão Técnico-Pedagógica Rommel Kunze Realização Editorial e Impressão KCM Editora & Distribuidora Ltda. Av. Ipiranga 1322 - Bairro: Porto CEP: 78031-030 - Cuiabá/MT Tel.: (065) 3624-3223 Site: www.kcmeditora.com.br E-mail: kcmeditora@terra.com.br Sumário APRESENTAÇÃO...................................................................................................................... 7 PREFÁCIO................................................................................................................................ 9 EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ENSINO DE LITERATURA................... 13 Candida Soares da Costa IMIGRAÇÃO, QUESTÃO RACIAL E DIVERSIDADE:JAPONESES EM MATO GROSSO................. 19 Aldina Cássia Fernandes da Silva PÉROLAS NEGRAS, NEGRAS MULHERES: NO BRILHO DAS FESTAS E NO CANTAR AOS SANTOS, A RELIGIOSIDADE: UM DESAFIO NA SALA DE AULA......................................................... 33 Silviane Ramos Lopes da Silva DIVERSIFICANDO OLHARES: A DESNATURALIZALIZAÇÃO E O DESVELAMENTO COMO PRÁXIS PEDAGÓGICA.................................................................................................................... 45 Selton Evaristo de Almeida Chagas DIVERSIDADE SEXUAL NA ESCOLA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS.................................... 59 Leize Lima de Oliveira DIVERSIDADE ÉTNICA EM MATO GROSSO:A HISTÓRIA INDÍGENA....................................... 69 Ema Maria dos Santos Silveira RAÍZES NEGRAS DE MATO-GROSSO:BENGUELAS, CONGOS E MINAS.................................. 79 Suelme Evangelista EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: CONSTRUINDO UMA ESPECIFICIDADE EDUCATIVA....105 Ângela Maria dos Santos S237e Santos, Ângela Maria dos (org). Educação com Diálogos com a Diversidade./ Ângela Maria dos Santos; João Bosco da Silva. Cuiabá: KCM Editora, 2010. 116 p.; 26,0x18,0 cm. ISBN: 978-85-7769-091-6 1.Educação. 2.Relações Étnico-Raciais. 3.Diversidade Étnica. 4.Diversidade Sexual. 5.Diversidades. I.Silva, João Bosco (org.). II.Título. CDU 37 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
  • 4. 7 APRESENTAÇÃO O compromisso da Secretaria de Estado de Educação com a orientação dos/ das educadores/as visando o fortalecimento de práticas educativas que respeitem as diferenças, integra a política afirmativa da cultura institucional da Seduc para a educa- ção básica. Esta produção constitui a nossa terceira publicação voltada para as demandas das temáticas da diversidade. As outras foram direcionadas uma, para a educação qui- lombola e outra para a educação das relações etnicorraciais no contexto escolar. Nesta nova publicação, além da abordagem negra, acrescentamos outras, como: a questão indígena na educação básica, a diversidade sexual, a educação escolar quilombola e a migração japonesa na história do Brasil, com o propósito de colaborar com o/a professor/a no processo das aprendizagens. O livro foi para contribuir na escolha das temáticas em sala de aula, bem como sugerir atividades pedagógicas que poderão ser utilizados pelos/as profissionais da educação. Temos a convicção de que a implementação de políticas públicas requer ações que subsidiem os/as profissionais da educação no desenvolvimento de um currículo comprometido com a qualidade de ensino, do qual não se podem desconsiderar dados importantes da nossa história e comportamentos inerentes a condição humana. Sob esse aspecto, é que a Secretaria de Estado de Educação, através da Gerên- cia de Diversidade, entrega aos/as educadores/as da Educação Básica de Mato Grosso esta coletânea, na certeza que será bem utilizada como instrumento pedagógico para a discussão da diversidade no currículo escolar. Espera-se que esta produção além de fortalecer o cumprimento do Artigo 26 A da Lei de Diretrizes e Base da Educação, que trata da inclusão da Historia e Cultura Afro- brasileira, Africana e Indígena, possa difundir idéias e práticas que respeitem os valores humanos e eduquem para a convivência com a diversidade sexual e sócio-cultural. Rosa Neide Sandes de Almeida Secretária de Educação de Mato Grosso
  • 5. 9 PREFÁCIO As várias temáticas da Diversidade na Educação conferem à mesma, afirmação de seu maior papel que é a formação humana, pois a diversidade trata-se da cons- trução histórica, cultural e social das diferenças. Dessa forma a educação escolar tem como motriz as vivências e necessidades dos indivíduos como elementos essenciais no processo educativo, a fim de garantir aprendizagens necessárias para a produção de conhecimento, exercício da democracia, da ética e cidadania. Portanto, questões como a diversidade sexual, negra, indígena, de gênero e outros, nos auxiliam na adoção de práticas educativas que conduzam para a educação em diversidade. Essa, a nosso ver, é uma importante característica que marca o livro, no conjunto dos artigos apresentados. Sabemos que a em relação à questão negra e indígena na educação básica, com o acréscimo do artigo 26 A na Lei de Diretrizes e Base da Educação, exigiu novas posturas por parte de educadores/as no trato com a diversidade etnicorracial no coti- diano escolar. Dessa maneira, essas novas posturas exigidas de educadores/as requereram das academias, dos órgãos governamentais ligados à educação, entre as quais as Secre- tarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como instituições não governamentais a urgência de orientações e informação/formação aos profissionais, para desenvolve- rem práticas que efetivem a inclusão da diversidade. Impossível nessa conjuntura de inicio de século XXI não perceber que os povos indígenas que estão presentes na América desde antes das invasões européia tenham deixado legado para a formação da nação brasileira. Ou continuar vendo o negro/a, que com a diáspora africana vieram para a América e consecutivamente para o Brasil como bocais, despidos de cultura, que nada tenha contribuído para a formação sócio- histórico-cultural de nosso país. Observando por esses aspectos a coletânea contribui com a implementação da Lei 11.645/08 que alterou a LDB, incluído as questões indígenas e negras no currículo da Educação Básica de Mato Grosso, pois busca através de escritos de pesquisadores/ as deste estado, evidenciar a diversidade presente nesta região. Aborda também, aspectos da história da migração japonesa, considerando a importância dessas informações para o espaço educacional. Oferece subsídios teóricos metodológicos para que profissionais da Educação Básica lidem com a diversidade se- xual no ambiente escolar de forma saudável. Os estudiosos que contribuíram para a feitura desta antologia são profissionais que lidam com a referida temática em seu dia-a-dia, seja na formação inicial, seja na formação continuada de profissionais da educação. Os artigos que compõem esta coletânea busca entrelaçar idéias e práticas para vivência e convivência com a diversidade, especificamente apresentando referenciais para a abordagem da questão negra, incluindo a especificidade quilombola e indígena; a migração japonesa e a diversidade sexual, não só no ambiente escolar, mais na so- ciedade como um todo. Em todos os textos, os autores valorizam o fazer pedagógico, apontando pistas de como lidar com as temáticas no currículo da Educação Básica.
  • 6. 10 11 Óbvio que não é pretensão dos/as pesquisadores/as dar receitas a educado- res/as de como lidar com a diversidade em seu cotidiano profissional, entretanto tais escritos  sugestionam a compreensibilidade do como lidar com temática tão complexa como é o caso da diversidade no dia-dia escolar.  Abrindo a obra, Cândida Soares da Costa, brinda esta coletânea com artigo intitulado, educação para as relações etnicorraciais e o ensino de literatura. No mesmo a autora afirma que a literatura tradicional em muito contribuiu e continua sendo sus- tentada por um processo educativo escolar para construção do imaginário de inferiori- dade da população negra e afro-descendente no Brasil. Para ela só obrigatoriedade da inclusão de conteúdos de história e cultura afro brasileira no currículo da educação não basta. É necessário mudar procedimentos que dêem conta de preparar seres humanos que respeite e valorize a si e ao outro. E, o ensino de literatura tem por esse aspecto função de subsidiar o/a educando/a acerca das questões raciais que envolvem a socie- dade brasileira. Aldina Cássia Fernandes da Silva, lida com a temática da imigração japonesa para o Brasil no qual a estudiosa demonstra alguns fatores que propiciaram a vinda dessas pessoas para o nosso país. Explicita como a política de incentivo à vinda dos ja- poneses para nosso país, esteve correlacionada às teorias racialistas pensadas pela elite intelectual brasileira. Para ela educar na diversidade etinocorracial é garantir o direito de todos/as os/as cidadãos/as a conhecerem e valorizar a pluralidade de práticas cultu- rais, história e memória sejam européia, africana, indígena ou asiática. Leize Lima de Oliveira argumenta em seu artigo intitulado, Diversidade Sexual na Escola à Luz dos Direitos Humanos, que a sala de aula é o espaço onde se espera que aconteçam trocas de experiências e aprendizado, capazes de produzir mudanças na visão de mundo estreita e separatista acerca dos que são tidos como diferentes. A intolerância e o preconceito acerca da orientação sexual provocam nas escolas situa- ções de violência e perseguição o que pode resultar em abandono escolar, por parte daqueles que sofrem esse tipo de agressão. A autora propõe reflexões acerca do fazer pedagógicos para profissionais da educação, visando uma educação não excludente a comunidade LGBTT. Selton Evaristo de Almeida Chagas no artigo intitulado Diversificando Olhares: A Desnaturalização e o Desvelamento como Práxis Pedagógica, argumenta que toda política educacional está inserida em um projeto de sociedade. E, que o respeito à pluralidade cultural como princípio constitucional foi resultante da luta de vários movimentos sociais que, pela mobilização política, fizeram-se ser ouvidos. As reivindicações desses movimen- tos, sobretudo, os de afirmação da identidade negra e/ou afro-descendente e amerín- dia, de feministas, de livre orientação sexual, e de liberdade religiosa, são fundamentais no processo de conquistas do respeito jurídico-legal do exercício da diversidade cultural. Compartilhar experiências que propiciem novos olhares e a ressiginificação de práticas em relação à pluralidade cultural eis o objetivo dos escritos desse pesquisador. O artigo de Silviane Ramos Lopes da Silva, aborda o cotidiano das mulheres ne- gras da comunidade vilabelense, sobretudo no que diz respeito às práticas e ritos no tem- po das festas, afirmam utilizar essa contextualização no ensino de ciências humanas e lin- guagens é de extrema pertinência, como forma de práxis do Artigo 26A da LDB. E diz que, estudar Vila Bela e a história dessas mulheres pode ser um campo fértil para a pesquisa e ensino, assim como outras histórias de grupos sociais que podem possibilitar elementos para criar novos olhares sobre a produção da história mato-grossense. Com o artigo intitulado Raízes negras de Mato-Grosso: Benguelas, Congos e Minas, Suelme Evangelista, oferece subsídios de conteúdo para educadores/as e inte- ressados/as na temática africana e afro-brasileira, e estimula a ampliação de pesquisas regionais sobre a presença africana em Mato Grosso. O pesquisador lida em seu artigo com diversas fontes tanto iconográficas, quanto manuscritos e bibliográficas existentes em arquivos locais e nacionais, visando compor a trajetória de benguelas, congos e minas em terra do Mato Grosso Colonial. Por fim, não menos importante, no artigo Educação Escolar Quilombola: cons- truindo uma especificidade educativa, Angela Maria dos Santos, aborda aspectos impor- tantes para refletirmos sobre a construção identitária da Educação Escolar Quilombola. O livro A educação em Diálogos com a Diversidade procurou evidenciar os ele- mentos importantes de cada temática abordada, bem como sugerir práticas pedagó- gicas que o/a educador/a pode melhor desenvolver em sala de aula para inclusão de conteúdos tão necessários a formação dos/as estudantes. Fátima Aparecida da Silva Secretária Adjunta de Políticas Educacionais
  • 7. 13 EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ENSINO DE LITERATURA Candida Soares da Costa1 A pluralidade faz surgir um país feito a muitas mãos, onde todos juntos, vindos de tradições diversas, com distintas formas de arrumar o mun- do, com inúmeras concepções do belo, conseguem criar uma comuni- dade plena da consciência da importância da participação de cada um na construção do bem comum. Todos podem ser diferentes mas são absolutamente necessários. (Helena Theodoro) Introdução Falar sobre literatura significa situar-se com relação a um dos fios da tecedura no campo simbólico2 dos seres humanos. Nessa perspectiva, a literatura brasileira em âmbito geral, faz parte do patrimônio simbólico da humanidade, e, em específico, do patrimônio cultural dos brasileiros. Enquanto produção humana, expressa, também, valores, concepções de mundo, de seres humanos, de sociedade, não por se constituir reprodução da realidade, mas por se tratar de um tipo de produção que tem o potencial de tocar a sensibilidade humana, expressando e comunicando estados afetivos. Isso permite compreender o envolvimento do sujeito-leitor pelas imagens bem construídas pelas produções literárias, pois sua composição integra uma verossimilhança que tem a ver com uma realidade interna à obra. Essa realidade permite ao leitor associação à sua própria realidade, podendo servir como elementos de construção, consolidação ou de problematização de crenças e valores evocados nas relações sociais cotidianas, pois sugestionam o sujeito-leitor e o sujeito-ouvinte das narrativas, “induzindo-os a experi- mentar os estados de alma a que se associam” (NUNES, 2008, p.40). Enquanto perten- cente ao universo simbólico, a arte em geral e, neste particular a literatura, desempe- nha a função de proporcionar elementos que contribuem tanto para promover, quanto para subalternizar, influenciando no modo como as relações sociais se estabelecem. Se “na Alemanha do século XVII, a literatura desempenhou um papel de renascimento da nação [...]” (BENJAMIN, 1984, p. 78), no Brasil, ajudou a construir uma nação pautada na negação do direito à existência à população negra. O fato de que a população negra brasileira vive em condições sociais inferiores à média nacional vem sendo denunciado tanto por dados oficiais quanto por pesquisas filiadas às ciências humanas e sociais que descortinam os porquês dessa realidade, expli- citando que o racismo, orientando práticas e políticas sociais, se materializa em déficits para os negros nos mais diversos setores, como, saúde, educação, lazer, seguridade social, trabalho e renda, dentre outros. Essa realidade foi construída e continua sendo sustenta- da por um processo educativo escolar no qual a literatura tradicional muito contribuiu. 1 Professora da UFMT, licenciada em Letras e doutoranda em Educação pela UFF/RJ. 2 Sobre o “poder simbólico” cf. Bourdieu, 1989.
  • 8. 14 15 Literatura e relações raciais: raízes históricas Mediante estudo de obras de autores que tratam sobre relações raciais e lite- ratura, torna-se possível a construção de um “quadro de referência” acerca da função que, historicamente, a literatura brasileira vem desempenhando. Além disso, obtêm- se elementos teóricos necessários para se compreender aspectos da realidade que se apresenta no cotidiano das relações étnico-raciais e instiga pensar novos rumos no en- sino de literatura na escola. Silva e Rosemberg afirmam que “um conceito-chave usado nos estudos sobre literatura e cinema é estereótipo”. O texto desses autores permite visualizar o potencial de atualização dos estereótipos negativos sobre os negros tanto pela literatura tradicio- nal consagrada pela crítica, quanto pelo cinema que “se alimenta constantemente de personagens da literatura”. Embora se saiba que “os estereótipos sobre o negro surgiram na literatura bra- sileira do século XVII e se expandiram nos séculos posteriores” (SILVA e ROSEMBERG) é a partir do século XIX, conforme afirmação de Skidmore (1976) que foi agregada à lite- ratura a função de propagar os ideais racialistas, construindo signos de aprendizagens sobre o que se consideraria povo brasileiro e os lugares sociais supostamente destina- dos a brancos e a negros. Como afirma Brookshaw (1983), a literatura ajudou a moldar, desde a infância, os preconceitos sócio-raciais que se mantêm na vida adulta pela “fusão de mito e reali- dade na imaginação popular3 ” (p.15), especialmente a partir da utilização do simbolismo religioso. Ela se ocupou, principalmente de fundir simbolismo da cor e do preconceito racial. Mediante lendas, mitos, romances, histórias populares – especialmente as infan- tis – a imagem do negro foi-se, então, sendo associada a monstros perversos, ao demô- nio, a lobisomem devorador de crianças, ao saci, moldando no imaginário social uma imagem desprezível do negro associada à maldade, à violência, à falta de inteligência, à imoralidade, à indolência, à preguiça, etc. Nos argumentos de Brookshaw, é possível compreender como a literatura construiu e reforçou estereótipos de subalternização dos negros, contrapondo não somente negros e brancos, como as culturas a eles relativas: [...] no caso do Brasil, onde o controle não é um mero substrato social, mas é também étnico, o estereótipo tem implicações mais amplas, porque reforça a incompatibilidade básica entre as cul- turas euro-brasileira e afro-brasileira, rivais pretendentes a uma cultura nacional (BROOKSHAW, 1983, p. 17). Gouvêa (2005) considera que “a literatura infantil definiu-se historicamente pela formulação e transmissão de visões de mundo, assim como modelos de gostos, ações, comportamentos a serem reproduzidos pelo leitor”. Segundo ela, “o autor, no momento da produção do texto, traduz na escrita a sua compreensão do real, como 3 Bernis (1987. p. 9) afirma que “a imaginação é geralamente definida como a faculdade que o espírito possui de produzir imagens – sendo estas quer a simples reprodução de sensações na ausência dos objetos que as provocam, quer criações da nossa fantasia”. Uma ilustração para essa afirmação pode ser encontrada em Costa (2007, p. 83), onde se registra a seguinte fala: “Quando se ouve falar em assalto, tráfico de drogas, nessas coisas, a gente já tem a impressão de que é negro, porque é muito difícil você ir a uma favela e encontrar branco. A maioria das pessoas que você vê é negra. Se você estiver andando na rua e vê dois rapazes brancos vindo, você não fica com medo, agora se for negro, já tem aquela... Então é uma discriminação (Aluna de 8ª série)”. também o projeto de realidade que se quer conformar por meio da narrativa” (p. 81). Assim sendo, no decorrer das três primeiras décadas do século XX, em meio às dis- cussões “acerca da identidade brasileira, racialmente recortada” (p. 82), as produções literárias dirigidas às crianças, traduziram, por meio da narrativa, o projeto de nação que se queriam conformar mediante extinção do negro, tornando a nação branca, tanto nos aspectos fenotípicos quanto culturais. Nesse sentido, as narrativas apresentavam as personagens negras em “posição de servidão”, vinculadas a um passado caracterizado pelos discursos correntes como vergonhoso. Assim, excluía-se o negro do projeto de modernização que se configurava para o país naquele período. Enquanto a modernidade, associada à urbanidade, ao progresso, à téc- nica, e à ruptura, era representada pelos personagens brancos adultos, os negros eram relacionados a significantes opostos, como tradição e ignorância, universo rural e passado (GOUVÊA, 2005, p. 84). Gouvêa argumenta que, particularmente, a partir da década de 1930, torna-se maciça na literatura infantil a presença de personagens negros intensamente estere- otipados, folclorizados: pretos velhos e pretas velhas contadoras de histórias; vincu- lação da tradição oral africana à ignorância e destituição do negro de qualquer saber; o desejo de embranquecimento expresso pela voz da própria personagem negra; e a caracterização de suas práticas religiosas como feitiçarias, primitivas, pagãs. “Situado no passado, o negro era representante de uma relação marcada por subserviência e docilidade” (p. 86). A autora aponta Monteiro Lobato como “quem de maneira ‘cruel’, fez referência a essa representação em seu texto” (p. 86), citando como exemplo, vozes das personagens D. Benta, Pedrinho, Emília, Tia Nastácia e Narizinho. Gouvêa afirma que as produções literatura infantil produzida na primeira me- tade do século XX se encontrava em diálogo com as teorias raciais pseudocientíficas, produzidas no final do século XIX que, entre outros fatores, infantilizavam e animaliza- vam o negros, dando suporte ao ideal de embranquecimento da nação. A herança ra- cial africana era apresentada “como um fardo, a desqualificar os personagens” (p. 89). Gouvêa conclui de forma enfática na afirmação sobre o tipo de leitor produzido pela literatura infantil da primeira metade do século XX e que como se sabe, continua presente nas salas de aula: O leitor que os textos produziam era marcado pela identificação com a cultura e a estética brancas, ao mesmo tempo que desqualificador da cultura e estética negra. Negro ou branco, os textos acabavam por embranquecer o leitor, ao reiteradamente representar a raça branca como superior (p. 90). Proença Filho (2004), apresenta uma visão geral de autores e obras que des- tacam o negro sob dois enfoques: a) de forma distanciada como objeto e b) o negro como sujeito, numa atitude compromissada. No primeiro enfoque, trata-se de uma li- teratura sobre o negro enquanto objeto, seja como personagem, seja representando aspectos da realidade histórico-cultural do Brasil, indicando “ideologias e estereótipos da estética branca dominante”. No segundo, são focalizadas as produções literárias de autores negros, cujas produções demonstram atitude compromissada com questões relacionadas às problemáticas vivenciadas pela população negra na sociedade brasi- leira. Entretanto, o discurso literário que, tradicionalmente, chega à escola apresenta
  • 9. 16 17 o negro apenas como objeto, o que dificulta a construção de uma nova semântica em torno da população negra. Perspectivas e possibilidades A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96, mediante artigo 26-A, acrescidas das alterações trazidas pela Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008 e as Dire- trizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de His- tória e Cultura Afro-Brasileira e Africana, instituída pela Resolução nº 01/2003/CNE/CP abrem portas para desconstrução de signos sociais vigentes nas relações étnico-raciais e, concomitantemente, para a construção de outros que permitam ressignificação so- bre a presença negra e indígena na sociedade brasileira. Impõem ao currículo escolar e à prática docente um grande desafio: mediante inclusão de conteúdos de História e Cultura Afro-brasileira recompor na práxis pedagógica o papel da literatura rumo à promoção da educação das relações étnico-raciais, com o objetivo de superar as de- sigualdades sociais, conseqüência direta do racismo. Embora defina todo o currículo escolar como âmbito de desenvolvimento dos conteúdos de História e Cultura Afro- brasileira, destaca em especial as “áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”. Isso pode parecer contraditório considerando o papel desempenhado pela literatura na construção da imagem negativa do negro. Todavia, o potencial da litera- tura parece inquestionável. Isso significa que o ensino de literatura pode contribuir na construção de significados sociais, baseados não na subalternidade, mas na construção de promoção dos sujeitos a partir do reconhecimento e da valorização da história e da cultura afro-brasileiras e indígenas. Entretanto, a obrigatoriedade de inclusão de conteúdo de história e cultura afro-brasileira somente não basta. Essa inclusão implica também mudança de con- cepções e de procedimentos metodológicos, de estratégias e de recursos. Esses mé- todos, estratégias e recursos, considerados sob as perspectivas cognitivas e afetivas, devem estar voltados não somente à aquisição de conhecimentos, mas também ao desenvolvimento de subjetividades que possibilitem a cada sujeito reconhecer, res- peitar e valorizar a si e ao outro, ambos igualmente, como partes integrantes da diver- sidade humana. Exigem, portanto, como suporte, concepções e compromisso social e ético docente na tarefa de derrotar o racismo, mediante a igual valorização, na prática educativa escolar, dos diferentes povos, suas histórias e culturas nos mais diversos as- pectos, como por exemplo: lingüísticos, religiosos, estéticos, artísticos e pertinentes à corporeidade, de modo a superar a visão etnocêntrica que coloca a Europa e tudo que lhe diz respeito, como o centro absoluto de referência da humanidade. Nessa perspectiva, devem possibilitar eqüitativamente a todos, condições didáticas de aces- so aos conhecimentos, e às significações positivas implicadas na presença de cada grupo que compõem a população nacional. Na busca por compreender “como os contos de fadas influenciam nossas vi- das”, Cashdan (2000) argumenta que esses contos podem significar: [...] mais do que as aventuras repletas de suspense que excitam a ima- ginação; são mais que mero entretenimento. Por trás das cenas de perseguição e dos resgates no último minuto, há dramas sérios que re- fletem eventos que acontecem no mundo interior da criança. Embora o atrativo inicial de um conto de fada possa estar em sua capacidade de encantar e entreter, seu valor duradouro reside no poder de ajudar as crianças a lidar com os conflitos internos que elas enfrentam no pro- cesso de crescimento (p. 25). Pois, segundo ele, além de proporcionar às crianças “um palco onde elas po- dem representar seus conflitos interiores” (p. 31), oferecem também imagens e temas que, arquivados nos “balcões da mente”, “se insinuam regularmente em nossos pensa- mentos e conversas, funcionando como metáforas para nossos desejos mais ardentes e esperanças mais profundas” (p.35). É inquestionável o poder que as narrativas possuem de encantar seus leitores e ouvintes: [...] São poucos os alunos que não se interessam por uma narrativa, por uma história bem contada. As narrativas trazem a magia de cativar e encantar, de prender a atenção, de transportar a imaginação para um mundo verossímil ao que se apresenta como real. Portanto, traz em si, também, o poder de construir e / ou legitimar “verdades” (COSTA 2007, p. 57). A construção de uma política curricular, originada a partir da Lei nº 10.639/03, figura-se como divisor de águas entre essa tradicional função imposta à literatura e uma perspectiva de educação das relações étnico-raciais, tendo como horizonte a promoção humana de negros e indígenas, a partir de fornecimento de subsídios de história e cultura afro-brasileiras e indígenas ao cotidiano escolar de ensino e aprendizagem de literatura. Uma prática docente, politicamente comprometida com a promoção e conso- lidação da educação das relações étnico-raciais constrói novas maneiras de se ensinar literatura e possibilita acesso a autores cujas produções literárias apresentam imagens positivas de negros e de indígenas de modo a contribuir para a desconstrução de visões de mundo, estereótipos e estigmas que pesam sobre esse conjunto populacional. Nessa perspectiva, constante problematização sobre como abordar as temá- ticas e quais recursos utilizar constituem táticas de ação permanente ante uma luta que está longe de ser fácil, haja vista que os adversários a serem combatidos estão presentes em livros didáticos e paradidáticos, em conteúdos das mais diversas disci- plinas, nas concepções de mundo e de relações com aqueles aos quais se compreende como outro e, inclusive, no imaginário da maioria docente. Assim sendo, a inclusão de conteúdos de história e cultura afro-brasileiras e indígenas no ensino de literatura subsidiará a percepção de mensagens explicitas e de mensagens subliminares, cujos conteúdos se colocam ao alcance do inconsciente, constituindo ou fortalecendo o imaginário coletivo acerca das questões raciais que os conteúdos dessas mensagens abordam. Mais que isso, deve propiciar aos alunos compreensão de que a produção literária, embora se relacione com a realidade, não é retrato fiel do real, pois, enquan- to produções humanas, expressam crenças, valores, preconceitos e visões de mundo incorporados por seus autores. O ensino de literatura que leve em conta a construção de uma educação para as relações étnico-raciais exige atenção na seleção de conteúdos, recursos e estratégias a serem utilizados. Essa atenção é, portanto, de fundamental importância no que se refere ao tipo de sociedade que o professor ou a professora, mediante sua prática do- cente, tem em vista construir.
  • 10. 18 19 Referências Bibliográficas BENJAMIN. Walter. Origem do drama barroco alemão. Tradução, apresentação e notas: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984. BOURDIEU, O poder simbólico. Rio de Janeiro: DIFEL, 1989. BRASIL. Lei nº 10.639/03. In: Brasil. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura afro-brasileira e africa- na. Brasília-DF: MEC/SEPIR, 2005. BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. CASHDAN, Sheldon. Os 7 pecados capitais nos contos de fadas: como os contos de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus, 2000. COSTA, Candida Soares da. O negro no livro didático de língua portuguesa: imagens e per- cepções de alunos e professores. In: MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues; COSTA, Candida Soares da (Orgs). Coletânea Educação e relações raciais, vol. 3. Cuiabá/MT: EdUFMT/IE, 2007. GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Imagens do negro na literatura infantil brasileira: análise historiográfica. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n1/a06v31n1. pdf#search=%22NEGRO%2BLITERATURA%22. Acessado em 30/08/2006. PROENÇAFILHO,Domício.Atrajetóriadonegronaliteraturabrasileira.Estud.av.[online]. 2004, vol.18, no.50 [cited 21 May 2006], p.161-193. Available from World Wide Web: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100017- &lng=en&nrm=iso. ISSN 0103-4014. IMIGRAÇÃO, QUESTÃO RACIAL E DIVERSIDADE: JAPONESES EM MATO GROSSO Aldina Cássia Fernandes da Silva1 Introdução Educar na diversidade étnico-racial é garantir o direito de todos os cidadãos a conhecerem e valorizar a pluralidade de práticas culturais, história e memória sejam européia, africana, indígena ou asiática. A falta de reflexão sobre a diversidade sociocultural de homens e mu- lheres no processo de ensino e aprendizagem intensifica a hegemonia de alguns grupos. É fundamental a reflexão sobre as estratégias e discursos na produção histórica das desigualdades. As representações e classificações do outro como “diferente” precisam ser con- textualizada. Para considerar alguém diferente é necessário partir de uma comparação com os padrões sociais e culturais de sucesso, perfeição, forma física, poder econômico, comportamento, feminilidade, masculinidade, idade, crença religiosa entre outros. Na perspectiva cultural, a diferença é socialmente construídas pelas redes sociais e de po- der ao longo do processo histórico. A marca de “diferente” provocou sentimentos de xenofobia, etnocêntrico, ra- cismo, discriminação e de intolerância em vários momentos históricos. Por outro lado, a luta pelo direito à diferença sempre esteve presente na vida de muitos homens e mulheres. É fundamental que a diferença seja reconhecida, vivida e respeitada entre os grupos sociais, pois a falta de reconhecimento pode provocar sentimentos de não pertencimento e sofrimento profundo. Na garantia dos direitos de cidadania a educação tem papel fundamental na promoção do diálogo entre as diversas praticas culturais existentes no seu espaço socio- cultural. É importante que na escola sejam reconhecidos os diferentes sujeitos histórico cultural e social que estão presente. É preciso que os educadores abram espaço para as diferentes manifestações culturais, valorizem a diferença e contextualizem as represen- tações negativas sobre a diferença. A representação de pessoas ou grupos como “diferentes” se entrelaça à polí- tica e as formas de pensar da elite intelectual sobre os grupos que deveriam participar da formação social brasileira. Esta é a história de uma formação social em que diferentes grupos étnicos encontram-se, transformam-se, combinam-se, estranham-se, reconfiguram-se e ao mesmo momento que se tencionam. De forma breve, para entender a produção histórico-social e cultural da diferença é importante reler a história da formação social do Brasil. O ponto de partida do presente tex- to para um movimento mais amplo que compõe a história da formação da sociedade brasi- leira é a imigração e migração de japoneses em especifico para o Estado de Mato Grosso. 1 Mestre em História pela UFMT. Professora da Rede Estadual de Ensino – Centro de Formação e Atu- alização dos Profissionais da Educação – CEFAPRO/SEDUC – MT.
  • 11. 20 21 De enxofre à ideal: classificações sobre o imigrante japonês. O imigrante europeu compreendendo italianos, alemães, poloneses, russos, ucranianos, suíços e outros chegam ao Brasil como os novos trabalhadores livres no momento do declínio do regime do trabalho escravo. Para este fim, o governo privile- giava a seleção de bons agricultores, ocorrendo assim a entrada de alemães e italianos, que foram classificados como laboriosos e perseverantes, ou seja, a mão de obra ideal para trabalhar nas fazendas de café. Esse discurso relegava os trabalhadores livres ou escravos, mestiços ou não, populações indígenas inclusive os asiáticos. O papel da po- pulação nacional na colonização era secundário e, nas raras solicitações de sua partici- pação, ela foi utilizada como desbravadora de florestas. A política imigratória, que se baseava na seleção de colonos agricultores eu- ropeus para implementar a colonização do país, produziu propagandas que passavam aos imigrantes a idéia de que sua entrada se destinaria ao preenchimento de vazios demográficos. A entrada de imigrantes no Brasil está relacionada com várias políticas. Nos es- tados da região sul muitos imigrantes receberam terras para colonizar, já no estado de São Paulo foram trabalhar em sistema de parceria. Os imigrantes voltados à colonização se deslocavam para o Brasil com o sonho de adquirir sua propriedade, mas com a pro- mulgação da Lei de Terras, em 1850, a posse da terra só se concretizaria através da com- pra. Desta forma, os grandes fazendeiros monopolizaram o acesso a terra, dificultando a concretização do desejo dos imigrantes. Com a diminuição da entrada de escravos, intensificou-se a imigração européia. Os critérios utilizados para a seleção não foram es- tabelecidos. Porém os italianos do norte obtiveram algumas vantagens, caracterizando assim alguma “especulação de natureza racial ou civilizatória”. (SEYFERTH 2002, p.110) Em Mato Grosso, o governador José Murtinho, em 1892, demonstrou em suas mensagens para a Assembleia Legislativa uma preocupação em incentivar a imigração vinculada a uma política de colonização. Na percepção do governo Estadual, o estran- geiro de origem européia fora representado como gente laboriosa, ideal para impulsio- nar o “povoamento e o desenvolvimento do Estado” (MORENO 1993, p. 129). A fim de dinamizar o processo de entrada de imigrantes no Estado, Joaquim Murtinho “propôs a concessão gratuita de terras”, mas eles teriam que fixar morada e cultivar o solo durante cinco anos. Após este tempo o lote deveria ser medido e demar- cado com os recursos do próprio colono, para que ele pudesse adquirir o título defini- tivo de sua propriedade. O projeto foi enviado à Assembléia Legislativa do Estado, que o deferiu fazendo as seguintes ressalvas: somente as terras nas fronteiras poderiam ser distribuídas, sendo concedidos lotes de 50 hectares. No discurso do Governo de Mato Grosso afirmava-se que o povoamento esta- va sendo realizado de forma “espontâneo”, portanto não onerava os cofres públicos. No entanto, o que se pretendia era uma (re) ocupação de forma disciplinada pelo Governo Federal e Estadual. Naquele momento, poucas concessões foram registradas no perío- do entre 1899 e 1924. Na tentativa de implementar uma política de “colonização” com imigrantes, vários acordos foram realizados com empresas particulares, e mesmo assim o povoamento com colonos estrangeiros não ocorreu da forma planejada, em Mato Grosso. Por outro lado, o Governo Estadual privilegiava as grandes propriedades, pois a sua economia se resumia na arrecadação de impostos sobre atividades extensivas e extrativas que exigiam grandes extensões de terras. (SEYFERTH 2002, p. 146 e 147) A política de imigração no Brasil sofreu restrições a partir da Proclamação da República. Através de um decreto, o Governo Federal proibiu a imigração de asiáticos e africanos. Naquele momento, a escolha de imigrantes guiava-se pelas teorias de bran- queamento da população, ou seja, o mito do arianismo, no qual o branco era repre- sentado como superior em relação aos mestiços, negros e asiáticos. Assim, para a elite política do país a entrada de brancos era fundamental para ocorrer uma miscigenação com o povo brasileiro que resultaria em uma “população mestiça sadia capaz de tornar- se sempre mais branca, tanto cultural quanto fisicamente” (Idem, p. 145 e 146). Desta forma, a população brasileira se tornaria civilizada e moderna. Por outro lado, os latifundiários pressionavam o governo pela falta de mão- de-obra, e os jornais divulgavam esta carência. Naquele momento surgiam muitas dis- cussões sobre a possibilidade da imigração de chineses e asiáticos (japoneses) para solucionar a escassez de braços para a agricultura. Em relação aos asiáticos, desde 1888, antes da abolição já havia discussões sobre a imigração de chineses para o Brasil. A questão racial passou a ser difundida entre os representantes da aristocracia de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Espírito Santo com a possibilidade da entrada de chineses no país para substituir a mão-de-obra escrava. Já a vinda de imigrantes japoneses envolveu outras questões, como a pressão exercida pelo governo japonês para abertura da imigração no Brasil. Os norte-america- nos haviam fechado as portas do país para entrada de japoneses. Desta forma, o Brasil se tornou uma alternativa viável para o governo japonês. Em 1907, o Secretário da Agricultura, Carlos Botelho, ante os obstáculos à ob- tenção de imigrantes europeus, decidiu realizar uma pesquisa em vários países para ve- rificar o nível de assimilação dos nipônicos. Em relação ao resultado, Hashimoto explica que “não houve nenhuma informação desfavorável ao povo japonês, apenas o fato dos salários desses imigrantes eram [sic] menores do que o dos europeus”. (HASHIMOTO 1995. p. 71) Apenas foi ressaltado que o japonês era um povo que não assimilava a cultura do país receptor, constituindo-se em um “grupo à parte da sociedade”. Estas considerações foram importantes para que o governo brasileiro aceitasse a entrada de imigrantes japoneses. Desta forma, em 1907 foi realizado um contrato entre o Governo do Estado de São Paulo e a Empire Company, que marcou a abertura das portas do Bra- sil para os imigrantes japoneses. Em 1908 chegaram oficialmente os primeiros imigrantes japoneses a bordo do navio nipônico Kasato-Maru no porto de Santos, SP, no Brasil. Em seguida partiram para a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo. Os primeiros imigrantes foram direciona- dos para as fazendas de café localizadas ao longo das Estradas de Ferro Mogiana, Pau- lista, Sorocabana e Ituense no interior do Estado de São Paulo. Dos 781 imigrantes que desembarcaram no Brasil somente nove se estabeleceram na cidade de São Paulo. Os nipônicos traziam consigo o sonho de uma breve estada no país para o qual estavam emigrando. Eles almejavam uma rápida ascensão econômica, para, então, retornarem à terra natal. Muitos deixaram seus bens sob os cuidados de parentes e amigos, pois alimentavam a esperança de se ausentarem por pouco tempo. A imigração japonesa foi subsidiada pelo Governo de São Paulo até 1921. O governo japonês assu- miu o auxílio aos imigrantes japoneses, após 1925. O Governo do Estado de São Paulo incentivou várias empresas japonesas a adquirirem terras na região do Vale do Ribeira. Neste local seriam implantadas colônias
  • 12. 22 23 japonesas administradas por nipônicos. Os imigrantes japoneses que se deslocaram para o Vale do Ribeira eram colonos que compraram lotes de terras que teria a infra- estrutura propícia para desenvolverem suas atividades. Muitos outros núcleos de colo- nização foram criados para acolher os colonos japoneses, em várias cidades do estado de São Paulo, como por exemplo: Bastos, Pereira Barreto (colônia Tietê) e na cidade de Assaí no estado do Paraná. Para muitos pensadores da elite brasileira, os imigrantes japoneses provoca- riam um descontrole na miscigenação. A língua foi considerada completamente incom- preensível para os brasileiros, os costumes nipônicos foram considerados exóticos, o físico pouco apresentável e a moral estranha. Foi a partir de discursos como esse que os nipônicos foram classificados como inassimiláveis. Oliveira Viana teceu o seguinte comentário sobre o nipônico: “O japonês é como o enxofre: insolúvel”. Os pensadores daquele momento cortaram o cordão umbilical do determinis- mo das ideias racistas. A imagem do nacional passava a ser valorizada pelos intelec- tuais da época. Para justificar a figura negativa construída anteriormente, buscava-se na medicina uma explicação plausível. O povo brasileiro estava doente, com vermino- se, fazia-se necessário curá-lo para que se tornasse laborioso. Apesar da mudança de pensamento de muitos intelectuais, a questão racial foi disfarçada pelo nacionalismo, porém não deixava de existir. Após a Primeira Guerra Mundial a maioria dos imigrantes que entravam no país era de origem japonesa. Naquele momento, havia os que eram favoráveis à en- trada de japoneses, classificando-os como os melhores imigrantes para promoverem o desenvolvimento econômico do país. Já para o Governo Federal o imigrante japonês era considerado viável principalmente para a Amazônia. Este pensamento resumia-se à sua habilidade agrícola. Desta forma, a imagem do japonês era positivada para a colonização em áreas de vazios demográficos. Por outro lado, entre os que se coloca- vam contra a entrada de japoneses destacaram-se: Antônio Xavier de Oliveira, Miguel Couto e Arthur Neiva. As discussões, naquele momento, referiam-se ao perigo que representava a etnia japonesa para a nação brasileira, uma vez que eles alimentavam um sentimento de intensa admiração e devoção ao Imperador japonês. As explicações elaboradas pelos constituintes eram carregadas de reflexões sobre a eugenia. Estas colocações podem ser visualizadas na legislação do Estado Novo que restringia a entrada “de doentes, aleijados, de conduta nociva, etc.” (SEYFERTH 2002, p.139) Sob o manto de discursos nacionalistas, o mito do branqueamento fazia-se presente no pensamento da elite brasileira. Por outro lado, a partir de 1934 a Assembleia Legislativa aprovou um decreto que limitava a entrada de imigrantes no país a 2% em relação aos estrangeiros da mes- ma etnia. Desta forma, os ventos favoráveis à entrada de nipônicos pararam de soprar com o advento do Estado Novo. Foi proibida a circulação de livros, revistas e jornais im- pressos em línguas estrangeiras e posteriormente teve início o registro dos imigrantes residentes no país. A imigração estrangeira deixava de ser interessante aos olhos do governo bra- sileiro, que passava a vislumbrar na mão-de-obra nacional trabalhadores ideais para implementar os projetos de colonização. Essa mudança de postura do governo e dos intelectuais estava relacionada com “a implantação dos regimes nazi-fascistas e a con- flagração posterior do conflito internacional” (ESTERCI 1972, p.36). Naquele momento temia-se que ideias contrárias ao governo fossem disseminadas pelos imigrantes. Para evitar problemas políticos, a imigração passou a ser controlada pelo Conselho de Imi- gração e Colonização, criado em 1938. A vida dos imigrantes japoneses e nikkeis no Brasil ficou muito difícil com a proibição do uso da língua japonesa e da circulação de jornais e revistas editados em outros idiomas. As escolas japonesas foram fechadas, o ensino devia ser realizado so- mente em português. Para muitos imigrantes que não falavam o português, a comuni- cação com outras pessoas fora da colônia ficou difícil. A imagem negativa do japonês perante a sociedade intensificou-se com as notícias do avanço expansionista do Japão durante a Segunda Guerra Mundial. Os imigrantes japoneses, diante das proibições decretadas pelo governo fede- ral, criaram estratégias para que seus filhos continuassem a aprender a língua japonesa. Com o fechamento das escolas, as aulas eram dadas em residências alternadas para não chamar a atenção da polícia. Porém, a polícia descobriu esta estratégia e passou a realizar buscas nas casas de muitos nipônicos para descontinuar a prática de aulas em suas residências. Por outro lado, com a notícia da deflagração da II Guerra Mundial, muitos imi- grantes radicados no Brasil reforçaram o sonho do retorno ao país de origem. Desta forma, os japoneses procuravam estratégias para poder continuar ensinando a língua japonesa para seus filhos. Com a invasão da China Continental, da ilha de Hainã e da Indochina pelos japoneses, os nipônicos do Brasil passaram a visualizar o Japão como um país poderoso, forte, reforçando o sentimento nacionalista e a devoção ao Impe- rador japonês, o que serviu de estímulo para solidificar o sonho do retorno. Porém, este desejo não era cultivado por todos os imigrantes e seus descendentes, de forma homogênea. Para muitos imigrantes japoneses o sonho do retorno não era mais alimenta- do, pois seus filhos haviam nascido no Brasil e tinham criado vínculos com a terra natal. Naquele momento, já havia descendentes dos nipônicos em cursos secundários e su- periores. O governo japonês, a fim de estimular a fixação dos nipônicos no país, passou a divulgar para os integrantes das colônias que os imigrantes ajudariam mais sua terra natal permanecendo no Brasil. No entanto, após o rompimento das relações do Brasil com o Japão em 1942, o imigrante japonês recebia muitas críticas de parte da sociedade e ganhou status de ini- migo incondicional dos brasileiros. Os defensores da imigração japonesa que anterior- mente representavam o trabalhador japonês como “laborioso” e modelo de organiza- ção, mudaram de postura rapidamente e iniciaram discursos com conotações “raciais”, classificando-os como “amarelos”. A cor amarela representa o enxofre que não se mistura. Assim, os japoneses foram classificados de inassimiláveis, tornando-se essa cor um estigma de distinção para esta etnia. O amarelo já foi utilizado em outros momentos para definir, excluir ou segregar grupos. Os judeus foram, em vários momentos históricos, marcados por estigmas. Em 1232, Raymond VII, conde de Toulosse, e o legado do papa determina- ram que os judeus deveriam utilizar um disco amarelo açafrão no peito, como sinal de distinção. Em 1289, em Portugal, os judeus foram obrigados a utilizar um capuz ou chapéu amarelo. Quem não o fizesse seria multado. Na França eles eram obrigados a usar uma estrela amarela
  • 13. 24 25 O governo de Vargas começou a realizar propagandas contra o Japão e os imi- grantes japoneses instalados no Brasil. Estas atribuições ficaram a cargo do Departa- mento de Imprensa e Propaganda (DIP), que divulgava notícias muitas vezes falsas. O DIP, encarregado da divulgação das diretrizes ideológicas e culturais do regi- me, comunicou que um informante nikkei havia descoberto um plano secreto japonês para ocupar São Paulo com tropas de 25 mil homens. Os soldados seriam recebidos por espiões disfarçados de pescadores, que já haviam preparado os colonos para explodir instalações militares de importância estratégica nos arredores de Santos, e criar, na Amazônia um país [...] (LESSER 2001, p. 237). Informações sobre espiões japoneses agindo no Brasil no decorrer da Segunda Guerra eram constantemente publicadas nos jornais. Contudo, sabe-se que esses pla- nos secretos dos japoneses divulgados pela imprensa não se concretizaram. Entre os efeitos produzidos por esta política de propaganda negativa empregada pelo DIP figura o acirramento do culto ao Imperador por alguns imigrantes e nikkeis. O sentimento na- cionalista japonês intensificou-se como forma de protesto à “ordem pública”. O Governo Vargas intensificou a fiscalização sobre os descendentes dos países do “Eixo”, decretando as seguintes proibições para eles: publicações em língua de suas nações; utilização de suas músicas e hinos; proferir saudações; uso de seus idiomas em público; exibição de retratos de membros dos governos; deslocarem-se de uma locali- dade a outra sem salvo-conduto; realizarem reuniões privativas ou em público; discuti- rem ou trocar idéias em lugares públicos; usarem ou comercializarem armas, munições ou materiais explosivos ou que pudessem ser utilizados na fabricação de explosivos; mudarem de residência sem prévia autorização; utilizarem aviões. Além dessas proibições, logo em seguida os bens dos imigrantes foram con- fiscados pelo governo, sendo liberados somente no início da década de 1950. Após o torpedeamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães, a persegui- ção a japoneses, alemães e italianos ganhou intensidade. Eles não poderiam mais ouvir rádio, e muitos tiveram seus aparelhos apreendidos pela polícia, enquanto que alguns conseguiram escondê-los. Naquele momento, muitos japoneses foram presos, acusa- dos de espionagem, e Vargas determinou que os descendentes dos países do “Eixo” que residiam no litoral fossem remanejados imediatamente para outras localidades no interior do país. Com o torpedeamento do navio mercante do Loyd Brasileiro em Belém, muitas pessoas residentes na cidade desencadearam um movimento de vingança contra os ja- poneses, alemães e italianos. As casas dos imigrantes foram invadidas e incendiadas. O Governo Vargas, com o intuito de proteger e fiscalizar os imigrantes estabelecidos no li- toral do Estado do Pará deslocou-os para a Colônia Japonesa em Acará, hoje Tomé-Açu. Em muitas localidades brasileiras os imigrantes japoneses passaram a receber insultos. As relações entre muitos nipônicos e brasileiros tornaram-se tensas. Os imi- grantes japoneses e os nikkeis passaram a representar uma ameaça ao destino do país. A intensa política repressora do governo e a ausência de notícias sobre o desenrolar do segundo conflito mundial impuseram aos japoneses uma reclusão que provocou o surgimento de várias sociedades secretas. Elas pregavam o apoio incondicional dos japoneses ao Imperador, um sentimento que mesclava o nacionalismo aos anseios de um reconhecimento da identidade nipo-brasileira (LESSER 2001, p. 239). O sentimento “antijaponês” que se enraizava na sociedade brasileira não fazia distinção entre os imi- grantes japoneses e os filhos destes nascidos no Brasil, portanto brasileiros. Assim, eles foram classificados de “japoneses”, filhos de uma nação inimiga do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Os horrores provocados pela Segunda Guerra Mundial levaram as nações a reconhecerem as atrocidades cometidas e se reorganizarem para evitar novas domina- ções políticas e culturais de grupos fundamentadas na idéia de raças humanas como foi o caso do nazismo. Os nazistas consideravam os povos que se diferenciavam em cultu- ra, aspectos físicos e religião como raças inferiores, ou seja, biologicamente inferiores à raça branca e ariana alemã. A partir desta ideologia nazista muitos grupos sociais e étnicos foram penalizados, no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Esses acontecimentos marcaram profundamente a humanidade. Com o fim da guerra a idéia de “raça” no sentido biológico passou a ser vista como inaceitável por muitas pessoas e nações. A prática de classificação racista passou a ser visualizada como negativa para o país que a utilizasse. Frente às atrocidades ocorridas durante a guerra emergiram discussões que enfatizavam que os grupos humanos não eram marcados pelas suas características biológicas e, sim, por processos históricos, sociais e culturais. Desta forma, os brasileiros formuladores da política de imigração passaram a buscar na integração dos imigrantes japoneses a solução para a sua representa- ção de “inassimiláveis” justificando essa orientação através dos valores cristãos. No entanto, enquanto os formuladores da política de imigração emitiam ideias con- trárias à entrada de nipônicos, o Presidente Getúlio Vargas autoriza a entrada de imigrantes japoneses no Brasil. A permissão foi dada para os projetos de coloniza- ção que trariam imigrantes japoneses para a Amazônia e Mato Grosso, em 1952 e posteriormente para a Cooperativa Agrícola de Cotia (SP). (SAKURAI 2004, p. 12) É importante salientar que a política de imigração com japoneses no pós-guerra se entrelaçou à política do governo de ocupação dos espaços representados como “vazios”, prontos para serem desbravados e colonizados. Após a Segunda Guerra Mundial, Yassutaro Matsubara negociou a entrada de famílias japonesas no Brasil. Estas famílias japonesas foram direcionadas para a parte sul do Estado de Mato Grosso, especificamente a região de Dourados. Convém res- saltar que outros espaços do estado também receberam imigrantes japoneses no pós Segunda Guerra Mundial. Convém ressaltar que Yassutaro Matsubara trabalhou em favor da candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República, em 1950. Após ser eleito, Getúlio Vargas retribuiu o apoio político permitindo a entrada de imigrantes japoneses no Brasil, que estava suspensa desde o governo anterior, do próprio Vargas. Portanto, foi muito importante a contribuição dos japoneses residentes no Bra- sil para a reabertura da imigração nipônica após o conflito mundial. Os nipônicos Kotaro Tsuji, de Santarém-PA, e Yassutaro Matsubara, de Marília-SP, deram impulso à participa- ção da iniciativa privada na concretização da imigração do pós-guerra para o Brasil. O imigrante japonês, durante o segundo governo de Getúlio Vargas e a Segun- da Guerra Mundial, ficou privado de seus direitos de pertencer a um corpo político, sem uma existência civil, desprovido de uma história ligada à nação, em suma, privado de um lugar no mundo. Os brasileiros descendentes de japoneses em diversos momentos foram vistos como estranhos, tratados como outrem, independentemente do que fize- ram ou não fizeram, muitas pessoas os classificavam de alienígenas. No entanto, estas
  • 14. 26 27 classificações devem ser analisadas a partir do seu enquadramento histórico, ou seja, como um tecelão que tece a rede, o historiador ao trançar os fios que compõem a tra- ma em análise procura recompor os episódios que a envolvem. Como muitos nipônicos já não alimentavam mais o sonho de retorno à pátria e procuravam um lugar “mais calmo” para viver, ocorreu um deslocamento desta etnia no território brasileiro para os Estados do Pará, Mato Grosso, Goiás e outros. O governo federal a fim de direcionar os capitais, bem como, a mão-de-obra desse grupo étnico para um plano de ocupação dos “espaços vazios” mato-grossenses foi construída uma imagem positiva do “japonês” pelo governo mato-grossense. No que se refere à lógica da política de colonização, ocorreu uma inversão sim- bólica dos estigmas de distinção. A percepção do “japonês” como “alienígena”, ganha- va, naquele momento, uma conotação positiva, abrindo a possibilidade para este grupo étnico realizar projetos de colonização. A “luta simbólica” do Governo Estadual era a de desmistificar a imagem negativa de “perigosos”, “terroristas” ou formadores de “quis- to”, na esperança de atraí-los para ocuparem os “espaços vazios” de Mato Grosso. Nes- ta perspectiva, o japonês foi percebido como um aliado à política de colonização, para desbravar, colonizar e levar o progresso para o Estado de Mato Grosso. O discurso sobre a construção da imagem dos imigrantes japoneses e nikkeis como “colono ideal” pode ser visualizada na Mensagem do Governador Fernando Corrêa da Costa à Assembleia do Estado de Mato Grosso, na abertura da sessão de 1952, que se encontra no Arquivo Público do Estado. Japoneses em Mato Grosso Ao entrelaçar os fios da trama histórica sobre o deslocamento das famílias ja- ponesas para as terras mato-grossenses foi significativa a entrada de nipônicos no esta- do de Mato Grosso entre 1910 e 1914 como trabalhadores na estrada de ferro Noroeste do Brasil. Muitos desses imigrantes se estabeleceram em Campo Grande. Outra locali- dade que recebeu várias famílias japonesas foi à região de Dourados (hoje pertencente ao estado do Mato Grosso do Sul). Convém ressaltar que em 1977 o antigo Estado de Mato Grosso foi dividido em dois territórios: o Estado do Mato Grosso do Sul e o Estado Mato Grosso. Em 1940 no Estado de Mato Grosso havia 3.710 pessoas de origem japonesa. O fluxo do movimento migratório interno se concentrou no sul do Estado, inicialmente ao longo da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. A construção do “caminho de ferro” tinha como traçado dois extremos; a cidade de Bauru (SP) e Porto Esperança - MT (atu- almente MS). No traçado definido em 1904 a ferrovia chegaria à cidade de Cuiabá-MT, o que posteriormente também foi modificado. O fato é que os trilhos da Noroeste pro- vocaram o aumento de interesse pelas terras sul mato-grossenses. Por outro lado, a partir de 1950 ocorre o deslocamento de muitas famílias de japoneses para a região norte mato-grossense, bem como, a entrada de muitos imi- grantes japoneses para o Estado de Mato Grosso. No Anuário Estatístico de 1955 consta que entre 1944 e 1953 a entrada de imigrantes no país correspondeu a 0,7% do total. Em 1954 este índice subiu para 4,3%, sendo que 1,73% entraram de forma espontânea e 2,59% foi imigração dirigida. Ao se pesquisar sobre a presença dos imigrantes japoneses em terras mato- grossenses, emerge inúmeros itinerários seguidos pelas famílias que se deslocaram para o norte do estado no pós Segunda Guerra. Ao seguir a trajetória de famílias japonesas em Mato Grosso foi levantado que na década de 50 e início de 60 foram estabelecidas duas colônias ao norte do estado: Gleba Rio Ferro e CAPEM. Na década de 50, a família Matsubara que morava na cidade de Marília no Estado de São Paulo montou a Empresa Colonizadora Rio Ferro para atender à pro- posta dos Governos Federal e Estadual de se ocupar os ditos “espaços vazios” 2 tra- zendo colonos japoneses que tivessem recursos disponíveis para investir no novo espaço a ser ocupado. O Governo Estadual também concedeu à Colonizadora Rio Ferro uma área de terras titulada com 200.000 hectares no Município de Chapada dos Guimarães, ao norte do Estado. A Gleba Rio Ferro representava para o governo Federal a oportunidade de re- solver o impasse da modernização da extração da borracha, através do cultivo da Serin- gueira (Hevea brasiliensis) em seu habitat natural. Esta solução atenderia à demanda de látex para as indústrias nacionais, que se encontravam prejudicadas pela queda de produção nos seringais nativos da região Amazônica, bem como solucionaria a situação de muitas famílias japonesas do interior de São Paulo e do Paraná, que sofriam com os conflitos eclodidos no interior da colônia japonesa após a Segunda Guerra Mundial. A Empresa Colonizadora Rio Ferro comprometeu-se a viabilizar o desbrava- mento e a colonização na área de terras que lhe foi concedida. Ela assumiu, ainda, o compromisso de executar obras de infra-estrutura social e econômica, conforme previa o contrato estabelecido com o Estado de Mato Grosso, através do Departamento de Terras e Colonização. Convém lembrar que na década de 1950 os imigrantes japoneses ganharam visi- bilidade nas mensagens do Governo Estadual enviadas para a Assembléia Legislativa, nas quais foram representados como colonos ideais para dinamizar a economia do Estado. Neste período ocorreu a afluência de muitas famílias japonesas para o norte de Mato Grosso. Cinqüenta e quatro por cento das glebas de terras de Tangará da Serra, em 1960, “foram concedidas a descendentes de japoneses dos Estados de São Paulo e do Paraná” (OLIVEIRA 2002, p.50). Neste mesmo período chega a Cáceres as primeiras famílias japonesas como a família de Minori Haijashida. Em 1951, a família Ishizuka chega a Rondonópolis. 2 A idéia de “espaços vazios” surge em diversos discursos oficiais que assim nomeiam territórios ocupa- dos por outras pessoas, a fim de promover numerosos projetos de (re) ocupação, preocupados com a integração desses espaços considerados “vazios”, ao processo de valorização do capital. Convém lembrar que, em muitos locais ocorreu uma invasão violenta das terras indígenas e das terras públicas.
  • 15. 28 29 Mapa 01 - Mato Grosso 1953 Fonte: Acervo particular da Família Matsubara Ao acompanhar historicamente o itinerário dos imigrantes japoneses emerge uma diversidade de memórias e trajetórias. A Cooperativa Agropecuária Extrativa “Marió- polis” Ltda. (CAPEM) vendeu terras para japoneses de Okinawa. As famílias de imigrantes japoneses de Okinawa saíram do Japão e desembarcaram no porto de Santos e se deslo- caram em direção às terras adquiridas no norte mato-grossense, ou seja, Colônia CAPEM. A possibilidade de adquirirem uma grande propriedade permeou o imaginário dos imigrantes de Okinawa, que sem mesmo conhecer o espaço compraram terras, arrumaram a mudança e rumo a nova vida reuniram a família e se deslocaram para as terras da Colônia CAPEM no norte mato-grossense. Para a Gleba Rio Ferro migrou famílias japonesas que moravam no Estado de São Paulo e Paraná. No dia 3 de julho e 10 de setembro de 1953 partiram da cidade de Marilia no Estado de São Paulo, chefiados pelo Sr. Yoshiiti Narita, a primeira e a segunda caravana de colonos. Cada uma composta por 10 famílias, e trazendo mantimentos, ferramentas e máquinas para abertura de estradas. O transporte foi realizado por 16 (dezesseis) caminhões. Convém lembrar que os colonos tentaram cultivar vários tipos de alimento, para garantirem sua subsistência no espaço de colonização. Contudo, muitas culturas não produziram satisfatoriamente. A prática da queimada na gleba favoreceu o empo- brecimento do solo. A “língua de fogo” varreu com suas labaredas o mato que impedia a prática agrícola. Os esqueletos das árvores que ficaram de pé foram derrubados pelas máquinas dos homens, movidos por sonhos de uma nova vida para suas famílias. Os colonos abriram covas, plantaram verduras e legumes que germinaram e transformaram os sombrios recantos queimados em plantações, de qualidade e tama- nho antes nunca vistos. Em relação a estes cultivos consta a seguinte afirmação, no relatório da empresa relativo ao período de 1952 a 1955: “Tivemos com a cultura de verduras e legumes em geral, os melhores resultados possíveis, notadamente tomate, couve-flor, pepino, repolho, pimentão, etc.”. 3 O solo após a queimada conserva os nutrientes depositados pela cobertura vegetal que fora retirada. Assim, os frutos das primeiras culturas crescem viçosos. Con- vém ressaltar, que muitas culturas não prosperavam. Após as primeiras colheitas o ren- dimento declinava intensificando a demanda por produtos adquiridos em Cuiabá. Os alimentos estocados no armazém da gleba nem sempre supriam as necessidades dos colonos. Entre as dificuldades vividas, a falta de abastecimento da mesa com os alimen- tos preferidos suscitou nos colonos o sentimento de desilusão. O “El Dorado” que os havia encantado desapareceu dando lugar à decepção. Enquanto permaneceram na gleba, os japoneses fundaram a associação na qual foram praticados os esportes como o beisebol, sumô e atletismo. Havia atividades culturais para todas as idades como gincanas para os idosos, crianças e jovens, disputas de canto e filmes. Na década de 60, famílias da Gleba Rio Ferro migraram em busca de uma vida melhor em um processo de urbanização. Cuiabá, por ser o centro comercial mais pró- ximo, recebeu inúmeras famílias japonesas que compraram pequenas propriedades ao redor da cidade. Outras famílias se dedicaram ao comércio. De colonos a feirantes, em- presários, políticos e comerciantes aos poucos foram imprimindo as marcas da presen- ça japonesa nas cidades do Estado de Mato Grosso. Muitos dos imigrantes japoneses e nipo-brasileiros que se encontram em Cuiabá e em outras regiões de Mato Grosso iniciaram sua trajetória de vida nestas duas colônias que se estabeleceram na década de 50 em Mato Grosso: Gleba Rio Ferro e CAPEM. No final da década de 1980 surge a migração dos dekassegui para o Japão. Dekassegui é um termo em japonês que significa “migrar temporariamente para o tra- 3 Documento: Relatório Histórico das atividades da Firma, 1952 a 1955, fls.7.
  • 16. 30 31 balho”. Este movimento proporcionou aos descendentes dos imigrantes japoneses a oportunidade de melhorar financeiramente a vida. Desta forma, ocorreu uma inversão na direção da imigração. Quem sai em busca de melhores oportunidades para depois retornar ao Brasil são os filhos dos imigrantes japoneses. Referências Bibliográficas CHARTIER, Roger. A história cultural. Rio de Janeiro: Difel, 1985. __________. Entrevista. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 6, n. 31, p. 97-113, jan./fev. 2000. COMISSÃO DE ELABORAÇÃO DA HISTÓRIA DOS 80 ANOS DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL. Uma epopéia moderna: 80 anos da imigração japonesa no Brasil. São Paulo: HUCITEC / Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, 1992. ESTERCI, Neide. O mito da democracia no país das bandeiras. Análise simbólica dos discursos sobre migração e colonização do Estado Novo. Rio de Janeiro, 1972. Disser- tação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. A lenda do ouro verde: política de colonização no Brasil contemporâneo. Cuiabá: UNICEN, 2002. (Coleção Tibanaré) HANDA, Tomoo. O imigrante japonês: história de sua vida no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz / Centro de Estudos Nipo-Brasileiros, 1987. HASHIMOTO, Francisco. Sol Nascente no Brasil: cultura e mentalidade. Assis: HVF Arte e Cultura, 1995. LESSER, Jeffrey. A negociação da identidade nacional. Imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. Trad. Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: Ed. UNESP, 2001. MIYAO, Susumo. YAMASHIRO, José. Período em branco na corrente imigratória e os distúrbios na comunidade japonesa. In:COMISSÃO DE ELABORAÇÃO DA HISTÓRIA DOS 80 ANOS DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL. Uma epopéia moderna: 80 anos da Imigração Japonesa no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1992. p. 247 – 379. MORENO, Gislaine. Os descaminhos da apropriação capitalista da terra em Mato Gros- so. São Paulo, 1993. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade de São Paulo. NAKASUMI, Tetsuo. YAMASHIRO, José. Período do pós-guerra. COMISSÃO DE ELABORA- CÃO DA HISTÓRIA DOS 80 ANOS DA IMIGRAÇAO JAPONESA NO Brasil. Uma epopéia mo- derna: 80 anos da Imigração Japonesa no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1992. p.381 - 416 REVISTA DE IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO. Órgão oficial do Conselho de Imigração e Colonização, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, ano VI, n. 5. mar. 1945. SAKURAI, Célia. Romanceiro da imigração japonesa. São Paulo: Sumaré, 1993. _________, Célia. Mais estrangeiros que os outros? Os japoneses no Brasil. In: TRAVESSIA – Revista do Migrante?, Etnias. Nº 44, São Paulo, p. 5 – 10, setembro – dezembro. 2002. SCHWARZSTEIN, Dora. História oral, memória e histórias traumáticas. Revista da Asso- ciação Brasileira de História Oral, São Paulo, n. 4, p. 73-83, jun. 2001. SEYFERTH, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 117-149, mar./mai. 2002. __________, Giralda. Imigração e Cultura no Brasil. Brasília: Ed. UnB, 1990. SUZUKI,Nobuo.WAKISAKA,Katsunori.Papeldesempenhadonaagriculturabrasileira.COMISSÃO DE ELABORAÇÃO DA HISTÓRIA DOS 80 ANOS DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL. Uma epo- péiamoderna:80anosdaImigraçãoJaponesanoBrasil.SãoPaulo,Hucitec,1992.p.461-539.
  • 17. 33 PÉROLAS NEGRAS, NEGRAS MULHERES: NO BRILHO DAS FESTAS E NO CANTAR AOS SANTOS, A RELIGIOSIDADE: UM DESAFIO NA SALA DE AULA Silviane Ramos Lopes da Silva1 Introdução No presente artigo, apresentaremos o aspecto da religiosidade, a relação das mulheres com a natureza e seus santos. Assim, entendermos a partir do exercício em sala de aula, a desvelar preconceitos sobre nossas leituras religiosas, sobre o silêncio em relação às práticas que estão tão próximas de nós, e, que é fundamental quando pensamos no foco da aprendizagem. Uma aula de História que se inicia a partir da realidade do aluno, o envolve, e desperta com mais “concretude” suas angústias e pensares, promovendo assim um revisitar de histórias, um reaprender de nossa própria história. Por se tratar de um artigo que tem o objetivo de descrever e relatar as lutas pela identidade, as festas de santos, bem como seus ritos, são de fundamental importância no estudo do processo de re-elaboração e re-significação das práticas cotidianas na comuni- dade negra de Vila Bela. Dessa forma a partir desses festejos, ritos e culturas populares, procura-se evidenciar a importância dessa pluralidade presente nas cidades brasileiras, onde a escola pode transpor essas fronteiras culturais constituídas ao longo de séculos. Faz-se importante oportunizar a discussão fazendo esses chamados, sem medo de falar dessas práticas, sobretudo as religiões de matriz africana, que na grande maio- ria das vezes são vistas por professores e alunos como algo “fora dos padrões”, omitidas e silenciadas. A proposta desse artigo é justamente essa, questionar esses padrões estabelecidos, tendo como exemplo a luta dessas mulheres negras vilabelenses, que lutam até hoje pela manutenção de suas simbologias e práxis culturais. Entre os Mexilhões: Mulheres Negras e seus Santos Ainda que o período dos setecentos não seja o foco deste artigo, é necessário que retomemos esta parte do processo histórico, para demonstrar a luta secular feminina negra em relação a seus códigos e/ou símbolos culturais. De maneira que contextualizemos essa im- portante luta para alunos/as da Educação Básica, apresentando a eles/as esse rever histórico, sobretudo dessas comunidades quilombolas. É importante lembrarmos que Vila Bela foi uma cidade planejadae a religião predominante nos setecentos e oitocentos era impositivamente religião cristã. Mas as mulheres estrategicamente, criaram mecanismos e táticas para a preser- vação de suas práticas culturais, atualmente entendidas como práticas afro-brasileiras2 . Enfati- zaraosalunos/asquealutaacontecesecularmente,possibilitavislumbrarumanovaóticaden- tro da história, deixando de visualizar a história do Negro e passando a ver o Negro na história. 1 Professora, Mestre em História e formadora do CEFAPRO Cuiabá na especificidade Educação Quilombola. 2 Pois os elementos da cultura africana foram sendo ressignificadas, incorporando elementos culturais ameríndios e portugueses.
  • 18. 34 35 Contextualizar essas particularidades evidencia significativamente a luta dos negros cotidianamente para sua sobrevivência e das práticas coletivas. Histo- ricamente os documentos apontam que para essa região foram trazidos homens, mulheres, brancos, negros, degredados, quem quisesse vir para a região das minas, que através dos incentivos fiscais dados a população, garantia também a fronteira. Um espaço dos índios3 , onde por muito tempo foi liderado pelo branco, que viria a se tornar, no século XIX território de uma comunidade de pretos, produto e condi- ção de um processo de resistência que marca, de maneira singular, o passado e o presente deste município mato-grossense. Para esta região foram levados milhares de negros de origem africana, que, submetidos à escravidão, sustentavam a economia local, trabalhando nas minas de ouro, nas atividades agrícolas, e nos mais variados serviços necessários à edificação e manutenção da cidade Real. Segundo Bandeira, não houve uma só atividade, que não fosse sustentada pelos pretos. Este espaço planejado pela coroa, assim como as demais Vilas da América portuguesa, teve suas particularidades, desde sua constituição. Havia os índios que já habitavam a região guaporeana, e para a mesma foi levado um grande contingente de homens que fizeram dos índios e, posteriormente, dos negros africa- nos, mão-de-obra, para o enriquecimento dos cofres portugueses. Ainda no período de consolidação da Vila, a população que fora incentivado, conflitava-se com a mata, a natureza e suas dificuldades tão comuns à vida dos indígenas ali existentes. E nessas histórias de lutas estavam os santos, as festas do calendário católico, nos quais as mulheres lançavam mão de estratégias para a prática de seus cultos, esta- vam articuladas por meio das irmandades e confrarias. Eram nas irmandades e nas festas de santos que elas, sabiamente traçavam as ações, transculturais no que diz respeito à religiosidade. As festas de santos eram muito comuns nas vilas das Américas portugue- sas. Isso já é de conhecimento para a maioria dos professores. O que difere ao apre- sentarmos esse novo olhar histórico são as evidências dessas estratégias, mostrando aos alunos as astúcias e sabedorias das mulheres, frente a esse cenário de exploração e violência, tanto com os índios da região quanto com os negros que eram trazidos. As mulheres negras transitavam por esses cenários vilabelenses com pro- priedades das estratégias de guerras africanas, aqui é pertinente apontarmos nas aulas essas heranças trazidas e mantidas, mesmo num cenário de tanta opressão. As pérolas sabiam se esconder quando necessário e aparecer estrategicamente. Assim, o espaço do Quilombo estava intimamente ligado à religiosidade e à sobre- vivência dessa engenhosidade dos traçados estratégicos, para a sobrevivência dos outros que ainda não estavam ali. Desde os tempos de Quilombo Quariterê, localizado próximo ao Vale do Gua- poré, o ambiente de produção agrícola em Vila Bela (realizada em sua maioria pelas mulheres) é comentado pelas crônicas de viajantes. Era uma área de dificuldades, mas, devido à organização, os quilombolas conseguiam uma produção suficiente para a co- munidade. E mais uma vez estavam lá, as mulheres, representadas pela força africana através da guerreira e rainha negra Tereza de Benguela. O quilombo marca de manei- ra singular o imaginário do povo vilabelense, que no auge do acirramento interétnico (1970), teve como inspiração essa grande figura feminina, muita vezes silenciada em nossas práticas pedagógicas. 3 Sobretudo os índios Pareci e/ou paresi, que habitavam a região, na qual também foram escravizados pelo branco, que precisava garantir as fronteiras lusitanas. Existe uma dificuldade de se tratar sobre a História de Tereza de Benguela, pois temos ainda poucos estudos sobre esta rainha, mas alguns estudiosos já nos trazem como norte a importância dessa líder para a sobrevivência dos negros na região do Vale do Guaporé. Não podemos nos esquecer que ali, os rituais ligados à matriz africana estavam mais evidentes, pois era o espaço dos negros no território dos negros. Os santos mais cultuados na região eram: Santo Antônio, São Benedito, Nossa Senhora do Pillar, São Elesbão, Nossa Senhora do Rosário, entre outros que caracte- rizavam o catolicismo de pretos, ou seja, cultos católicos tradicionais com elementos e/ou aspectos de origem africana. Ainda nos dias atuais, esse catolicismo de negros ainda é muito vivo, sobretudo nas cidades denominadas setecentistas. Aqui no Mato Grosso com freqüência essas festas ocorrem, em cidades comoVila Bela, Cuiabá, Nos- sa Senhora de Livramento, Poconé. Em Vila Bela o período de festas de Santos, como São Benedito, ocorre na segunda quinzena do mês de Julho, com o levantamento dos mastros, a congada e dança do Chorado, uma dança somente de mulheres. As irmanda- des católicas e o aquilombamento nos permitem perceber as formas de organização e estratégias de resistência dessa comunidade negra. Essas informações históricas sobre os grupos étnicos que constituem a identidade do território são de extrema pertinência evidenciar as práticas ali existentes, a documentação, as imagens permitem ao pro- fessor possibilidades outras como pedir aos seus alunos o recriar dessa história, con- templando a área das ciências humanas e linguagem. Esse revistar histórico e cultural permite ao professor traçar um panorama didático de ensino de nossa história regional e somando-se também as orientações da Lei 10639/2003, sem perder a coerência dos componentes curriculares propostos no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. O Projeto Político Pedagógico é de suma importância para a boa funcionalida- de do ambiente escolar, especialmente no que tange à práxis pedagógica, pois, só assim a abordagem etnicorracial será contínua como se propõe. A temática da pluralidade cultural, referendada pelos PCNs, deve ser efetivada a partir de práticas que permeiam todo o processo de ensino-aprendizagem deixando de ser atividades esporádicas, que poderiam reforçar o modelo já posto nos ambientes escolares. É desta maneira que praticaremos ações de transformação, dando voz às histórias silenciadas, em espe- cial quando tocamos no assunto das religiosidades, que a meu ver como professora e pesquisadora são um dos nossos grandes desafios da Lei 10639/03. Desta maneira, as ações planejadas curricularmente permitirão ao professor abordar a questão da reli- giosidade, de forma bastante tranqüila, sem sermos proselitistas e fazendo cumprir as necessidades de conhecimento dos alunos, sob uma nova ótica. Nesse aspecto da história, o professor ou professora deve explorar essas es- pecificidadese apontar numa relação macro-histórica, o que era comum nas cidades setecentistas no Brasil e resguardar as especificidades de cada lugar, região, eviden- ciando aí os conhecimentos trazidos de seus reinos africanos e sua ressignificação para conseguirem viver em terras além-mar. Desafio da Lei 10.639/03: A Praxis da Sala de Aula Compreender os códigos e mecanismos de estratégias das quais as mulheres lançam mão nesse processo de externar sua cultura afro, faz-se necessário explicar a dimensão que as festas de santos e suas práticas religiosas têm na composição de tais identidades. A representação da festa significa também promover os princípios de re-
  • 19. 36 37 sistência de uma comunidade que fez de escombros e ruínas território de uma comu- nidade negra. Enquanto ensino da história, isso é de fundamental importância no que tange abordar as formas de lutas, saberes de uma comunidade tradicional, que pensou em diversas formas para manter sua identidade frente a inúmeros processos de expro- priação, exploração e sacrifícios. Nesse aspecto, quando abordamos a história da expansão e ocupação da fron- teira oeste, é inegável ter que trabalhar a historicidade dessa gente vilabelense, den- tro do processo de expropriação, de sua identidade, e suas re-significações diante da reconstrução de toda uma cidade, abandonada durante o século XIX e reconstituída pela força dessa gente, em especial das mulheres. Por meio dessas descobertas possi- bilidades outras de se ensinar, ou seja, um reflexo para nossa prática pedagógica, visua- lizando nesses ritos formas de desmistificar estereótipos atribuídos a religiosidade dos Negros, desnaturalizando esses estigmas. Essa luta deve ser evidenciada nas aulas de história, sobre essa reconstrução feita pelos negros, e pelo resguardar da memória feminina que por sua riqueza de de- talhes, reconfigura a partir da oralidade, esses novos espaços. Utilizar isso como ferra- menta da práxis pedagógica, permite ao aluno fazer uma reflexão sobre como ele vem apreendendo a história do Brasil, e como ele tem o olhar sobre as religiosidades que congregam as raízes de matriz africana. Recuperar a memória dessas tradições orais significa regenerar a história e a vida deste país, às vozes e as práticas dos saberes. Nessas narrativas encontra-se a fe- cundidade entre dizeres e saberes de uma imensa integração. O trilhar aqui proposto é recuperar os registros a partir do extenso universo feminino e suas memórias, sobretu- do de seus ritos, danças e festas. Veremos a seguir algumas memórias de seus santos e suas festas, e um re-la- borar da realidade, e as próprias seleções e cuidados que os depoentes conscientes ou não, nos contam sobre seus santos (os de casa) e os comunitários (santos da rua) e suas práticas na produção das festas. Vale ressaltar que essa prática de santo de casa com os santos de fora, é bastante semelhante à prática do candomblé, esse seria um gancho temático para abordar sobre as religiões de matriz africana, além de questionar todo esse estigma que é construído ao negro, apresentando ao aluno universos de reinos, heranças africanas presentes em nossa vivência cotidiana. Nesse sentido a discussão de Gênero também se faz pertinente, desconstruindo a visão estereotipada, sobretudo na atribuição das tarefas, tidas como papéis masculinos e femininos. A história enquanto prática pedagógica nos instrumentaliza a fazer essas re- flexões e propiciar essas transformações em nós professores e nos alunos, olhando e reaprendendo a história por um prisma diferenciado. Utilizando os relatos orais, as fon- tes iconográficas para fazermos leituras diferentes do que costumeiramente os livros didáticos nos trazem, para desconstruir esse olhar de piedade e dó sobre a história dos negros na África e aqui no Brasil. Será sempre um desafio tratar desta temática, mas é preciso iniciar o processo, pois a Lei 10639/2003 nos assegura, ao ensinar história da África e dos afro-brasileiros, é inegável termos que mostrar aos alunos que existem outras culturas, outras formas de cultos, e desnaturalizar o que se popularizou como sendo religião de matriz Africana, seus estereótipos e estigmas. Como já mencionado, a oralidade é uma fonte a ser explorada, sobretudo das matriarcas dessa comunidade, que nos permite enquanto professores e professoras um vislumbrar e reconfigurações de espaços de lutas desconhecidos tanto para nós quanto para nossos alunos. Segundo Guimarães Neto4 , a mulher tem um olhar microscópico, esquadrinha- dor do ambiente da casa, das tarefas domésticas inseridas na organização da produção de subsistência5 . As mulheres são como as pérolas guardam em si o mais imperceptível dos grãos de areia. A memória e os detalhes parecem vir à tona: a religiosidade, os fes- tejos e os ritos são o externar de toda identidade Vilabelense6 . Uma estratégia didática para abordarmos a história dessa comunidade, e par- tilho aqui uma experiência que tive na escola Estadual Ramon Sanches7 nas aulas de história, utilizando a imagem como princípio norteador da aula, a imagem da Igreja Matriz, ou melhor, das ruínas da antiga matriz da comunidade Vilabelense. Iniciei a aula a partir de um dos maiores símbolos da comunidade, a Igreja ma- triz, e a partir daí mencionei também as influências religiosas de matriz africana, indíge- na, e a católica (num dado catolicismos de preto) 8 , presentes na região. Contextualizei historicamente no tempo e espaço, pedi pra eles dizerem o que acharam da imagem, e como pensavam que esta Igreja foi construída. E eles começaram, a dizer que era a ruína de Vila Bela, que lá era uma cidade que só tinha gente preta, que eles ouviram dizer que era muita macumbaria, e que isso é uma religião só de negro. A partir dessas falas, fui conduzindo a aula para eles pensarem como somos preconceituosos, como desconhecemos nossa própria história. Pedi para que os alunos falassem sobre as experiências de suas religiões, e recortei aqui duas falas interessantes onde os alunos diziam: ... Mas eu professora sou espírita, não faço macumba, sou de mesa branca, ninguém faz macumbaria lá onde freqüento... não é igual ao do João, lá são só velas brancas... Eu não falo com ele porque ele é ma- cumbeiro, e também fiquei sabendo que nessa Vila Bela a cidade ainda é feia como no tempo dos escravos, ah sei lá deve ser estranho9 . ... Não é uma religião pela cor né professora, é pelo o que a pessoa sen- te, e lá onde freqüento do terreiro caboclo Flexeiro, nós não fazemos 4 GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. A lenda do ouro verde. Campinas: Dissertação de Mestrado. UNI- CAMP, 1986. 5 GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Grupiaras e Monchões: Garimpos e Cidades na História do Povo- amento do Leste de Mato Grosso- primeira metade do século vinte. Tese de doutoramento (mimeo). São Paulo: Unicamp, 1996, p. 63-65. 6 In: SILVA, 2006. 7 Trata-se de uma aula sobre a história, ministrada no segundo ano do ensino médio, cujos alunos dis- criminavam um colega, por este fazer parte de um terreiro de umbanda, e como estávamos estudando o período pós-abolição, achei pertinente casar com a história de nossa região, para desnaturalizar junto com a turma o preconceito com o colega de sala. É importante registrar que a Escola Estadual Vereador Ramon Sanches Marques, está situada no município de Tangará da Serra, região de recente colonização no estado de Mato Grosso. 8 O catolicismo preto é uma forma relativamente semelhante no Brasil colonial e resiste até os dias atuais como prática religiosa, o culto aos santos pretos: Nossa senhora do Rosário, São Benedito. 9 Adoto codinomes para não expor os alunos, sendo João o discriminado e Maria, a menina que agia declaradamente descriminando as religiões de pretos.
  • 20. 38 39 macumba, fazemos umbanda, e tocamos macumba10 ... As falas começaram a ser despertadas, depoimentos, alunos que desconhe- ciam, e como eixo norteador dessa prática, orientei a partir dessa aula, que os alunos pesquisassem sobre religiões de matriz africana, e dividissem em grupos para que apre- sentássemos um seminário para toda a escola. Fazendo cumprir o que pedia o currículo, a partir de uma pesquisa orientada, onde os alunos passaram a perceber que os livros traziam sempre alguns relatos sobre o negro, mas não trazia abordagens sobre as reli- giões, mencionavam somente a religião cristã, produziram textos fazendo suas críticas. Mas o que mais me chamou atenção em relação a essa minha experiência, foi o número de aluno que se apresentou com adepto das religiões de matriz africana, na verdade tinham vergonha de serem discriminados como João. Sem dúvida posso afirmar que esta foi uma experiência transformadora tanto para mim, quanto para os meus alunos. Pois a partir de uma imagem de ruínas de uma igreja matriz de uma comunidade negra, Igreja construída pelos negros houve um ampliar de conhecimentos. Visualizando o que ocorria, partilhei com os demais colegas da escola, e pro- pus assim um primeiro seminário de história, chamado memórias de Tangará da Ser- ra, onde os alunos descobriram por meio da história de Vila Bela, a história da cidade e o negro na história do Brasil. E depois da culminância desse projeto, os alunos, alguns ainda resistentes, começaram a conviver em maior harmonia, sobretudo com João que estava rotulado como macumbeiro. A colega de João que o discriminara, disse assim em sua apresentação: João é espiritualista como eu! È ele segue uma religião com raízes africanas, brasileira, e eu sigo a doutrina espírita kardecista, confesso que eu tinha era medo de falar com ele, mas com a pesquisa que a professora nos orientou a fazer, percebi que eu fazia com ele o que fizeram comigo muitas vezes, eu discriminava. E na pesquisa da aula de história descobri porque João disse que não fazia macumba... É porque macumba gente, não é nada disso que a gente pensa, é uma árvore africana, que daí, as pessoas que fazem instrumentos, utilizam a sua casaca para fazer os atabaques, que dá o toque as celebrações do terreiro de João. A macumba tem mais haver com música brasilei- ra do que a gente imagina11 . Fazer este exercício com os alunos os instiga, a saber, mais sobre a história da cidade, da região e do país, e nos propicia enquanto professores, fazer essa relação de releitura do próprio material didático que o aluno tem, de que forma aprendemos história, sobretudo como nos ensinam a história do negro. Existe todo um imaginário que precisa ser desconstruído em relação ao negro, sobretudo das mulheres negras e das comunidades quilombolas como é o caso de Vila Bela. A partir de uma história de nossa região, fiz uma relação com história da cidade, e correlacionei com o restante do Brasil, e os alunos conseguiram vislumbrar uma nova forma de apreender história, conhecendo a partir da pesquisa Personagens negros silenciados na história do Brasil. Segue abaixo a imagem da Igreja Matriz, que motivou toda essa experiência acima relatada. 10 Fala do aluno pertencente a um terreiro de Umbanda. 11 Depoimento da aluna Maria, realizada no Primeiro Seminário de Ensino de história memórias e Tangará da Serra. Figura 01 – Ruínas da antiga matriz de Vila Bela da Santíssima Trindade12 A imagem apresenta-nos o cenário dos Santos, a Igreja Matriz que mesmo em ruínas tem um significado todo especial para a população, pois foi uma construção rea- lizada pelos seus descendentes, escravizados, que fizeram e constituíram nesse espaço seu legado. Além disso, há toda uma força cósmica que confere proteção a cidade e aos seus moradores, como é recorrente na oralidade das mulheres. É importante dizer que depois dessa imagem apresentada aos alunos, também utilizei as narrativas dessas mulheres da comunidade para dar uma nova dinâmica ao aprendizado e tornar a aula mais atrativa, a partir dos depoimentos. Essa fonte iconográfica pode ser ainda explorada nas aulas de linguagem, em especial de artes, a fim de promover a discussão em torno da história e enfrentamento desse povo negro, do estilo artístico, sem perder o foco do contexto histórico, atrelando ao conteúdo a que se trabalha, dando continuidade aos trabalhos para não ficarmos fazendo atividades isoladas e desconexas. No tópico abaixo trago as narrativas que podem e devem ser utilizadas como elementos inovadores para aulas de História, sobretudo quando falamos em religiões, explorando-as como instrumento pedagógico enriquecedor das aulas de história e das ciências humanas, contemplando assim a grande área do conhecimento. Os Santos e suas Festas O nascimento é algo marcante para a comunidade negra de Vila Bela, e é na infância que se aprende as obrigações religiosas, é a inserção da criança no mundo do sagrado. Conforme Leite, a questão do nome está diretamente ligada ao ato de dar à criança o nome do santo de seu dia significa também propiciar, a essa criança, um conhecimento e uma aprendizagem religiosa, mesmo porque, ela tem que saber tudo sobre esse santo, sua história, seus milagres, sua reza e até os seus castigos. Isso tudo é ensinado e explicado a esse novo devoto13 . 12 Disponível em: http://www.wallpapergate.com/data/media/2493/Vila_Bela_Da_Santissima_Trin- dade_MT_Brasil_44045.jpg. Acesso em 30/10/2009 13 LEITE, Ácido da Silva. Op. Cit., p.85.