1. Elísio Estanque*
Jornal PÚBLICO, 16.09.2012
Manifestações 15 de setembro
Passos troikados
De norte a sul do país, e ilhas, o sobressalto democrático que há muito se
justificava fez-se ouvir em cerca de 40 cidades, num clamor de indignação contra
a austeridade, a obstinação ideológica e as trapalhadas do governo PSD/CDS. As
manifestações de ontem tiveram uma adesão quase generalizada dos
portugueses, a mostrar um “cartão amarelo” à política de austeridade, ao
governo e à troika.
O caudal de descontentamento popular, a lembrar os tempos do 25 de Abril,
não deixou de ser uma resposta muito veemente a quem, ainda há poucas
semanas, se vangloriava da eterna “paciência” do povo português. Uma resposta
que, aliás, conseguiu juntar numa mesma corrente pessoas com filiações
ideológicas habitualmente rivais: desde eleitores do PSD e do CDS, aos
comunistas e setores da esquerda radical, passando pelos socialistas e sociais-
democratas e incluindo largos milhares de cidadãos que simplesmente quiseram
protestar porque se sentem espoliados e ofendidos. Sindicatos e patrões, jovens e
idosos, funcionários públicos e trabalhadores precários, desempregados,
estudantes e pensionistas juntaram a sua voz num clima grande heterogeneidade,
de irreverência democrática e num exercício de cidadania ativa.
Colheres de pau e caçarolas, frases mais ou menos imaginativas, nas cerca de
40 manifestações soaram bem alto os gritos de revolta. Mostraram um Portugal
acordado, que desperta do sono indolente que lhe tem sido induzido ao longo de
décadas pelos lenitivos ideológicos do neoliberalismo. “Assim não pode ser, a
2. gente a trabalhar e a banca a lucrar!”, “saiam do poleiro, devolvam o dinheiro!”,
“só com participação haverá solução!”, “lutemos pela vida!”. A paciência esgotou-
se e os portugueses revelaram uma maturidade democrática que muitos têm
menosprezado, afirmando a sua capacidade de ser livres e desmontando a
insensibilidade social de quem detém o poder.
Se “a rua”, por si só, não resolve, ela também não é apenas uma catarse para
permitir que tudo continue na mesma. E mal estarão os políticos e governantes
que não percebam isso. Depois da passada “sexta-feira negra”, em que o
Primeiro-ministro anunciou as novas medidas e despoletou este sobressalto, o dia
de ontem – o “M15S”, Manifestações de 15 de setembro – pode ficar na história
como o dia em que o governo e o país “trocaram o passo” (incluindo com o
eleitorado do centro e da direita que há um ano e pouco acreditou em Pedro
Passos Coelho). Como isso aconteceu por via da troika, bem se pode falar de
“Passos troikados”.
__
* Investigador do Centro de Estudos Sociais e professor da
Faculdade de Economia da Univ. Coimbra