O documento discute o fenômeno do fast-fashion, que encurtou o ciclo de vida dos produtos de moda. O fast-fashion surgiu na década de 1980 e permitiu que as empresas atualizassem seus estoques com maior frequência para acompanhar as tendências que mudam a cada poucas semanas. Isso transformou a indústria da moda ao permitir lançamentos constantes de novas coleções a preços acessíveis.
Direito Autoral na Moda: Visão Jurisprudencial. Publicado na Revista da ABPI ...
Fast-fashion: o encurtamento do ciclo de vida
1. ID32
Fast-fashion: o encurtamento
do ciclo de vida de
produtos de moda.
Carolina Carpinelli Caetano
Maria Silvia Barros de Held
Ana Julia Melo Almeida
Escola de Artes, Ciências e Humanidades.
Universidade de São Paulo
ABSTRACT
Reflecting on the perspective in contemporary fashion, this article presents a
discussion of the deployments related to the cycle of current consumption and
the fast-fashion, in this new design creation process and the role of fashion
in this scenario.
KEYWORDS
Fashion Design, Consumption, Fast-Fashion.
FAST-FASHION: O ENCURTAMENTO DO CICLO DE VIDA DE PRODUTOS DE MODA
Costumes, posturas, comportamentos, roupas, acessórios, não estão ligados
somente à aparência, mas também aos significados, a uma mensagem
visual. A moda, por si só, retrata uma época, tem valor simbólico e incita
desejos. Há um grande valor estético, ou seja, sensorial e emocional rela-
cionado com a vestimenta, onde a busca pelo belo (datado) e pela expressão
contemporânea, trazem a tona a incessante corrida atrás das inovações esté-
ticas. Uma sociedade sem moda é uma sociedade que não possui qualquer
memória social.
O fenômeno da moda vai além da simples manifestação artística e particular
da personalidade, é um fenômeno social que reflete as mudanças no mundo.
É uma mudança periódica de estilo, está ligada à força de expressão, ou seja,
principais gostos e atitudes dentro da sociedade. Resultado de uma transição
cultural, a moda “absorve”, em questão de pouco tempo, padrões estéticos
típicos de uma época em determinada cultura.
Dentro do design do vestuário as funções estéticas do produto confundem-se
com as práticas e as simbólicas. A criação de moda está ligada com a estética
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2. desejada pelo consumidor e, a partir de tais idéias, pode-se afirmar que a
roupa age como parte de um sistema sócio-cultural.
A moda como sistema não esteve presente em todas as civilizações, durante
muitos anos houve o culto à tradição em relação à vestimenta, as socie-
dades se caracterizavam por serem conservadoras, impedindo o apareci-
mento da moda por seguirem os comportamentos estéticos idênticos a seus
ancestrais.
A quebra com o passado e a depreciação de tal ordem eram peças essen-
ciais para que o homem obtivesse autonomia e também para se tornarem
agentes da moda e segundo Lipovetsky (1989), somente no final da Idade
Média é possível reconhecer essa depreciação. A moda viveu aproximada-
mente cinco séculos em função da era aristocrática, onde o vestuário era
caracterizado pela obediência dos costureiros às criações e vontades de seus
clientes.
A moda ganha corpo através da chamada Alta Costura que monopolizou a
inovação em relação ao vestuário e lançou tendências ano a ano. Nascida
no século XIX, a Alta Costura é a criação de modelos exclusivos, únicos, feitos
em poucas quantidades e de maneira artesanal e minuciosa, vendidos por
altos preços e para clientes especiais.
Durante os anos 50 e 60 grandes mudanças culturais ocorreram e a moda
tomou um novo rumo em direção à sua significação social. Segundo Baudot
(2008) a confecção tem inicio na metade do século XIX. Somente após duas
Guerras a moda vive uma transformação que a sociedade nunca havia visto:
as massas passam a ter acesso às criações de moda. O prêt-à-porter alterou
o que parecia imutável: um sistema regido pelas aparências da Alta Costura.
Com tal evolução o sistema conquistou novos objetivos criativos, produtivos
e de processos.
Lipovetsky (1989) afirma que “depois do sistema monopolístico e aristocrático
da Alta Costura, a moda chegou ao pluralismo democrático das grifes.” Tais
progressos contribuíram para que fosse possível tal democratização, através
da produção em série de artigos, a preços acessíveis e com design sempre
atualizado.
Na contemporaneidade, fala-se de uma moda rápida. As bruscas mudanças
nas tendências, o encurtamento do ciclo de vida dos produtos, ou seja, a acele-
ração no ciclo de consumo de produtos de moda resultou um novo panorama
dentro do mercado. O processo de criação sofreu inúmeras mudanças e a
gerência da cadeia de criatividade passa a ser mais dinâmica: surge assim
o sistema fast-fashion.
O fast-fashion é antes de tudo um novo fenômeno transformador na
indústria da moda. Trata-se de um sistema que vem crescendo, principal-
mente a partir dos anos 80, que é uma alavanca competitiva para a moda em
massa e pode ser considerado também um modelo de negócios.
Segundo Barnes e Lea-Greenwoog (2006), o fast-fashion trata-se de uma
estratégia, onde reduzem-se os processos ligados às compras e prazos,
fazendo com que criem-se novos produtos de moda, com a finalidade de
satisfazer ao extremo as exigências dos consumidores. Já para Sull e Turconi
(2008), o fast-fashion é utilizado como uma estratégia de varejo, que adapta
os produtos de acordo com as últimas tendências. Ele seria uma resposta
do mercado de moda às constantes mudanças, que ocorrem em questão de
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3. algumas semanas, ao contrário dos seis meses adotado normalmente pelas
empresas de moda.
Para Christopher et al. (2004), o mercado da moda é altamente competitivo
e há uma constante necessidade de atualizar os produtos nas lojas, o que
caracteriza o conceito, que trouxe um novo modelo de estratégia ao setor,
possibilitando o aumento no número de trocas de produtos na loja.
O principal objetivo das empresas de fast-fashion é fazer a coleção chegar
aos pontos de venda no momento correto, que se dá quando uma deter-
minada tendência de consumo esteja se apresentando e ganhando força
no mercado. O fast-fashion veio como resposta do mercado e tem como
característica principal a moda “acessível” e a renovação rápida dos estoques
das lojas.
Grandes redes de lojas conhecidas mundialmente, como H&M, C&A, Renner,
Riachuelo, Zara, etc possuem uma possibilidade de difusão de seus produtos,
além de um alto volume de produção e logística de distribuição. A empresa
Zara é a principal referência desse segmento de moda. Segundo Minadeo
(2008) a Zara “com seu fast-fashion, chegou a mudar formas de atuação de
marcas de luxo como Gucci, Burberry e Louis Vuitton, que passaram a trazer
novos artigos com maior freqüência.”
Para Cietta (2010) o modelo fast-fashion não tem o objetivo de produzir uma
moda de baixo valor e pouca criatividade, mas trata-se de um novo modelo
quanto a apresentação das coleções, num ciclo contínuo e criativo. Diante do
novo panorama na moda, o processo de criação sofreu inúmeras mudanças.
A gerência da cadeia de criatividade passa a ser mais dinâmica, pois precisa
apresentar resultados cada vez mais rapidamente. Cietta (2010) afirma que
“Neste negócio, velocidade é apenas um dos vários elementos de sucesso,
porque, acima de tudo, o que determina o êxito é a gerência da cadeia de
criatividade”.
O autor afirma ainda que na realidade o sistema fast-fashion não parece
ser diferente do prêt-à-porter, pois ambos são caracterizados pela rapidez
criativa, produtiva e logística. Os dois sistemas fazem a moda chegar na hora
correta e no lugar correto, entretanto existem diferenças pontuais na estru-
turação do trabalho de desenvolvimento de coleção de cada uma delas.
Tomando como verdade a de que a moda propriamente dita teve início no
final da Idade Média, o fenômeno da moda pode ser dividido em três grandes
movimentos: Alta-Costura, o Prêt-à-Porter e o Fast-Fashion.
A tabela abaixo, feita com base nos relatos e discussões de Cietta (2010) e de
diversos outros estudiosos abordados no decorrer da explanação histórica,
com adaptações da autora, ilustra as diferenças pontuais entre os movi-
mentos sistemas da moda nas últimas décadas: Alta-Costura, o Prêt-a-
Porter e o Fast-Fashion.
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4. Alta Costura Prêt-a-Porter Fast-Fashion
Tipo de Artesanal Industrial Industrial
Produção
Sazonali- Foi justamente com o surgimento Em relação à sazonalidade, O fast-fashion acabou por
dade da Alta Costura que se deu o prêt-à-porter fez o mesmo “desregrar” a sazonalidade da
início, através do estilista Worth, trabalho dos estilistas da Alta moda, pois o desenvolvimento
o desenvolvimento de coleções Costura: as coleções eram de coleção está sendo feito
e desfiles sazonais. Inicialmente criadas para 4 estações, de 6 constantemente, ou seja, os
eram lançadas coleções de verão em 6 meses. lançamentos, apesar de serem
e de inverno e, após alguns anos, divididos pelas estações, não
estilista iniciaram o trabalho de são mais realizados somente
desenvolvimento de coleções de 6 em 6 meses. Com as con-
em 4 estações: verão, inverno, stantes mudanças de mercado
primavera e outono. e tendências, existem empresas
que criam coleções de 15 em
15 dias.
Nº de De acordo com a Chambre Cerca de 100 peças por As empresas de fast-fashion
modelos por Syndicale de la Haute Couture, coleção. O número de peças desenvolvem em média de 500
coleção há um número mínimo de peças por modelo varia entre as mais a 1000 peças por mês. A Zara,
desfiladas em cada temporada diversas marcas. por exemplo, desenvolve 70
que são 25. Normalmente são produtos novos por dia, um total
feitas duas ou três peças por de aproximadamente 1600 peças
modelo. por mês.
Harmonia da Há uma grande preocupação, O maior foco é o de lançar Uma fast-fashion tem preocupa-
coleção por parte dos estilistas, a harmo- peças que serão vendidas ção com a harmonia da coleção,
nia entre as peças da coleção. facilmente , ou seja, best- dando ênfase na imagem da
sellers, de acordo com cada marca.
estação.
Marcas Não há diversificação de marcas Não há diversificação de Uma fast-fashion tem constante
marcas presença de marcas menores
que possuem públicos difer-
entes, a fim de atender melhor
todos os tipos de clientes.
Lojas Maisons e ateliês Butiques, lojas de rua, lojas de Lojas de departamento
departamento
Tabela Comparativa Por conseqüência da diversidade de marcas e da grande preocupação com a
dos principais pontos de comunicação e imagem da marca, o fast-fashion acaba sendo muito mais
relação entre os movi- orientado para um público específico, diferente da moda pronta.
mentos da moda: Alta- O novo processo de criação dentro do design de moda atual conta com pouco
Costura, o Prêt-a-Porter tempo, e o consumidor acaba norteando a criação através de suas respostas,
e o Fast-Fashion tanto em relação às compras como em relação às tendências. Ou seja, o
consumidor ganhou um curioso e importante papel dentro do desenvolvi-
mento da coleção.
O fast-fashion acaba criando um vínculo da marca com o consumidor, o
qual almeja sempre por novidades (“inovações estéticas adequadas”) e visita
a loja continuamente, já que sempre há um lançamento ou novidade (busca
pelo design atualizado). Em termos de mercado, é uma estratégia interes-
sante e eficaz nos dias de hoje. Em relação ao processo de criação da moda,
há quem diga que o valor da criação está sumindo, pela reprodutividade
incessante, porém quem legitima a moda é, essencialmente, a sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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