O documento descreve a tradição dos "caretas" no distrito de Engenheiro José Lopes, no Ceará, e como as crianças da comunidade reinventaram esta tradição como "caretinhas". As crianças se vestem com máscaras coloridas e fazem um cortejo pelas ruas antes de participar de uma brincadeira para ganhar presentes. Esta tradição ajuda a fortalecer a identidade cultural local e envolve as crianças em atividades culturais.
Grupo de caretinhas fortalece identidade cultural no Semiárido
1. Grupo de Caretinhas fortalece identidade cultural no Semiárido
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Ano 7 • nº 1984
Junho/2014
Senador Pompeu
O Semiárido é rico em vida, cheio de possibilidades e
permeado de tradições culturais que são fundamentais e
estão inseridas nos mecanismos de vivência e convivência.
São elementos importantes para o fortalecimento da
identidade cultural dos povos do Semiárido.
O distrito Engenheiro José Lopes, município de Senador
Pompeu, região centro do Estado do Ceará, tem a tradição
dos caretas que é bem antiga na comunidade. Grupo de
homens mascarados com roupas rudimentares ou
coloridas, que saem de casa em casa pedindo prendas para
o círculo dos caretas que acontece no sábado de Aleluia à
noite.
As prendas conquistadas são colocadas dentro de um
cercado em forma de círculo, com uma entrada e uma
saída. O Judas fica pendurado em uma estaca ao meio. Os
caretas ficam dentro do círculo com chiqueiradores,
quando as pessoas adentram para pegar as prendas, os caretas que têm a missão de
protegê-las, chicoteiam os invasores.
As crianças e adolescentes da comunidade entraram nessa história e reinventaram a
tradição dos caretas, fizeram nascer a tradição de caretinhas, que acontece também no
sábado de aleluia no período da manhã. Ainda cedo a meninada se encontra na calçada da
antiga estação do trem, patrimônio histórico da comunidade, vestidos com roupas
coloridas, cada um com sua careta (máscara), confeccionadas pelas próprias crianças com
ajuda de familiares.
A meninada chega animada e cheia de energia, após a concentração, saem em cortejo pelas
ruas, indo de uma ponta à outra do distrito. É muita correria, barulhos de chocalhos,
cachorros assustados com a turma de caretinhas e a alegria dos moradores em receber a
meninada em suas portas.
Após o cortejo, o encontro é
novamente ao lado da pequena estação
ferroviária. As prendas arrecadadas,
aos poucos são colocadas no círculo de
caretinhas, chega a hora da brincadeira
de entrar e tomar as prendas do Judas,
que fica ao centro. O diferencial é que
não há caretas com chiqueiradores, o
que conta é a agilidade para pegar o
maior número de prendas em pouco
tempo.
2. Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará
Realização Apoio
O cortejo de caretinhas acontece deste 2010, mas a tradição
vem de muito antes. Todos os anos, as crianças imitavam os
adultos, vestiam-se em sacos, faziam suas caretas de papelão
e saíam pelas casas pedindo as prendas.
As crianças da comunidade de Engenheiro José Lopes
absorveram a tradição e foram além, reinventaram, recriaram
e democratizaram os caretas. Na tradição dos caretas
adultos, só participam homens, já na tradição de caretinhas
as meninas participam de todas as etapas: na organização,
no cortejo e no círculo. Foi um passo grandioso dado pelas
crianças, no tocante à igualdade de gênero, traz uma
simbologia importante de respeito mútuo e mexe com os
conceitos machistas dos adultos da comunidade. Eis o
sentido da tradição que se renova, se adequar aos elementos
culturais contemporâneos, sem perder a essência da
tradição.
A meninada faz o cortejo dos caretinhas com uma energia
lúdica imensa, que contagia as pessoas, provocando uma interação tal, que só a cultura
pode proporcionar à comunidade.
As crianças e adolescentes que fazem parte do grupo de caretinhas, também participam e
organizam outras atividades culturais na comunidade. Têm a banda dos caretinhas, com
repertório autoral que fala da história local e sobre a convivência com o Semiárido. Tem
também o grupo teatral Engenheiros da Arte que encena o auto natalino e outras peças. O
grupo também é responsável pela preservação do principal bem cultural da comunidade, a
antiga estação ferroviária, que no passado foi uma parada do trem que favoreceu o
desenvolvimento da comunidade.
O trabalho do grupo de caretinhas é feito de forma alternativa, embora já tenha recebido
apoio de organizações, hoje só contam com um pequeno apoio da ONG cultural Instituto
Casarão de Cultura e Cidadania e do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Antônio
Conselheiro. A integrante do grupo Ana Cecília, 14 anos, fala na necessidade da
comunidade valorizar mais o trabalho realizado pelas crianças e jovens, “eu queria que as
pessoas valorizassem mais a nossa cultura. Eu fico muito feliz quando estou participando,
desde pequena que eu tinha vontade de participar e agora faço por prazer”, enfatiza Cecília.
Manter a tradição cultural da comunidade viva proporciona alegria e o sentimento de
pertencimento a um grupo, a uma comunidade. E quando essa comunidade oferece,
transfere o que há de melhor na geração do presente e das gerações do passado, é possível
se construir no futuro uma geração mais firme, compreendendo o verdadeiro sentido de ter,
de ser, de saber quem é, quem foi, quem será e sobre o meio em que vive.