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11número
OS SENHORES E A CONQUITSA DE ÓBIDOS
“O projecto de óbidos vai ocupar o último
espaço natural’ usado para férias pela
população local.”
nato uma lança em áfrica
“(...) o objectivo central destes exercícios é
treinar intervenções militares no continente
africano.
algarve on-shore!
“Em relação à rota, eles não podem fechar.
A não ser que electrifiquem o mar..”
página 2 página 4 página 6
caderno centralcartografia da europa fortaleza
migrantes, refugiados e solidariedade
sem fronteiras no velho continente
do genocídio à resistência: as mulheres yazidi ripostam
“Durante todo um ano, as mulheres Yazidi
foram retratadas pelos media como vítimas
indefesas de violação.””
página 26
página 28
os exércitos vigiam fronteiras de classe
“O movimento anti-militarista cipriota
organiza pelo sexto ano consecutivo um
concerto em Nicósia.”
página 29
crónica: o exílio portuense das safos
galegas
por Carlos C. Varela
página 31
crónica: felizmente continua a haver
luar!
“Á entrada de uma minúscula povoação está
o Café Benthai.”
página 32
tetralogia: orgasmo negro
(Parte I)
Livro: aos nossos amigos a cibernética
Comité Invisível
Edições Antipáticas, 2015
página 35
in memorian: Vitor Silva Tavares
“Vitor Tavares nunca se dedicou a construir
um legado, antes a viver como queria o seu
quotidiano.”
página 36
página 38
baldio: O messias
página 38
panem et circenses
página 39
baldio: ao salto dos montes: alvados
Neste número destacamos o
caderno central sobre a fortaleza
europeia, as causas que levam
aos fluxos massivos de pessoas
migrantes, e também os episódios
de resistência e solidariedade contra
as condições de miséria com que se
deparam todas estas pessoas assim
que chegam à “Europa civilizada”.
Com este número, o jornal MAPA
completa o seu terceiro ano de
Informação Crítica, e lança a sua 11ª
edição, desta feita com 40 páginas
que certamente continuarão a fazer
tremer os cadeirões dos gabinetes.
Outubro - Dezembro 2015
Trimestral Ano III
www.jornalmapa.pt
Da esquerda à direita, todos os partidos políticos
se propõem governar de forma a “resolver os pro-
blemas do país”. Foi esta a retórica que apelou ao
voto e é este o discurso que, decorrendo no ter-
reno do espectáculo e da mediatização, pretende
legitimar o regime e empalmar o apodrecimento
da democracia. Um jogo permanente, que não se
inicia nem se acaba, mas que normalmente so-
bressai em alturas de campanha. Nas últimas le-
gislativas, tal como noutras votações para cargos
de poder, os seus actores tentaram escamotear
os valores da abstenção, uma das mais altas de
sempre.
	 Enquanto os políticos portugueses se
digladiam por lugares e interesses no parlamen-
to, os fluxos migratórios mostram que as bases
desta Europa em que vivemos são a violência dos
exércitos e das polícias, e a propaganda racista
do “nós” e do “outro”, cujo objectivo é unicamen-
te propagar o ódio contra os mais desprotegidos
e fragilizados pelo sistema. Os centros de deten-
ção para migrantes relembram, perigosamente,
campos de concentração ou Gulags.
	 A necessidade que uns têm de alcançar
a Europa gera também um boom de fluxos mo-
netários na área da segurança, onde se compram
novos drones, barcos, armas e sistemas de moni-
torização. O Estado português não é excepção e
tem disponibilizado meios humanos e materiais
nas operações de controlo à migração no medi-
terrâneo, da agência Frontex. Ao mesmo tempo,
negligencia os meios destinados ao socorro a
náufragos na costa portuguesa, deixando os pes-
cadores à sua mercê, como demonstra a recente
tragédia com o arrastão Olívia Ribau, na Figueira
da Foz. Em operações de salvamento, apenas a
banca é prioridade máxima do governo.
	 O circo eleitoral e os próximos ca-
pítulos têm dominado a agenda dos média nos
últimos dias, e neste corrupio, ignora-se que é
também em território português que decorre já
o exercício da NATO Trident Juncture 2015,
com a consequente invasão das nossas praias.
É justamente em algumas destas zonas que se
procura petróleo e gás e, a avaliar pelo número
de concessões do Estado português à indústria
dos combustíveis fósseis, Portugal é já uma zona
de férteis investimentos.
	 Com este número, o jornal MAPA
completa o seu terceiro ano de Informação Crí-
tica, e lança a sua 11a
edição, desta feita com 40
páginas que continuarão a fazer tremer os cadei-
rões dos gabinetes.
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
O “NÓS” E O “OUTRO”
Os últimos hectares de mata atlântica (maiori-
tariamente pinhal) com mata natural do Bom
Sucesso, em Óbidos, estão ser destruídos para
dar lugar a mais um PIN. Em causa está o Resort
Falésia D’El Rey, um projeto imobiliário com 475
moradias e apartamentos de luxo, hotel 5 estre-
las, boutique hotel, piscinas e campo de golfe de
18 buracos, que se estende até 500 metros das
falésias, que estão a desabar, pondo em perigo
a segurança das pessoas na praia. Os acessos às
praias estão fechados ao público devido às obras
e a população sente que perdeu as suas praias. A
história do Bom Sucesso com o turismo é a repe-
tição do que passou no Allgarve quando Gerard
Fagan (considerado um dos donos do golfe em
Portugal) decidiu que “é aqui (Algarve) que que-
ria passar a minha reforma”. Em 2000 conhece
o Inglês Simon Burgess, com quem decide criar
um projeto turístico, o Estrela da Luz, na Praia
da Luz, e desde então nunca mais pararam indo
até Silves, comprando também os cinco campos
de Albufeira e chegando inclusive aos Açores e a
Óbidos. Ou como o caso da Costa Vicentina onde
se verifica a violação e usurpação de espaços
protegi- dos, a privatização de praias1
em nome
da economia e do interesse nacional, recorrendo,
para isso, a gastos de água astronómicos, a explo-
ração laboral resultando na perda de território
comum e na deterioração das condições sociais.
O projeto de Óbidos vai ocupar o último espaço
“natural” usado para férias pela população local,
bem como por imigrantes e alguns turistas das
classes mais baixas. Aí faziam-se piqueniques e
churrascos em família, ia-se às praias, realiza-
vam-se pequenos encontros/festas, praticavam-
se desportos, fazia-se campismo selvagem, ia-se
namorar e ver o pôr-do-sol. Era o sítio onde os
habitantes locais iam apanhar cogumelos, ervas
medicinais selvagens, lenha, pastar e/ou passear
os animais. Para quem conhecia e frequentava o
local deste pequeno ex-oásis no meio de constru-
ções e praias “com condições para o usuário e o
comerciante”, é desoladora a imagem do derrube
das árvores, dos muros e das cercas, das constan-
tes obras, das placas “proibido passar/proprieda-
de privada”, dos seguranças em vez dos guardas
florestais. O caso é, também, semelhante ao que
se passou na Meia-Praia, em Lagos no Algarve,
em 2011, aquando da interditação da circulação
nas estradas de acesso às praias em Odiáxere,
devido à construção do Palmares Resort, junto
Um Projeto de Interesse Nacional (PIN), no município de
Óbidos, corta acesso a praias para se construir mais um
resort de luxo e golfe.
Granado da Silva - granadodasilva@jornalmapa.pt
à praia de Alvor. Para construir o Resort Falé-
sia D’El Rey foram também cortados os acessos
às praias do Rio Cortiço e Olhos de Água (Lapi-
nha). A Câmara de Óbidos congratula-se por ter
conseguido, em 2007, reduzir o projecto inicial
de construção de 15% dos 240 hectares para 5%
após negociação com as empresas.
	 O resort em questão faz parte de um
projeto promovido, desde 1997, sob o nome Sil-
ver Coast, constituído por vários campos de gol-
fe e habitações de luxo com grande presença na
Zona Oeste, entre Torres Vedras e Nazaré.
	 Na verdade são dezenas de megapro-
jectos de “interesse nacional” dedicados ao gol-
fe, nesta área de turismo, sendo este apenas mais
um, contabilizando-se cinco na área do Bom Su-
cesso.
Como admitiu uma moradora a um jornal local,
moradores, ecologistas e comunicação social têm
estado a dormir. Esta expressou que “ O aviso do
empreendimento estava lá, mas de u-se a cri-
se, os outros resorts faliram ou estão em insol-
vência e nunca pensámos que de repente fosse
avançar. Os outros empreendimentos na zona
não deram certo e nós achávamos que esta área
estava protegida” 2
.
	 O Resort Falésia D’El Rei é uma ini-
ciativa do Beltico Group que tem como missão:
“A promoção e gestão de resorts e propriedades
enquanto investimentos a longo prazo.” O grupo
está presente no Reino Unido, Europa Continen-
tal, América do Sul, Norte de África e Extremo
Oriente. Em Portugal desenvolveu o Praia D’El
Rey Golf & Beach Resort, que descreve como
“uma região intocada” e “um dos desenvolvi-
mentos mais exclusivos e atraentes resorts de
Portugal”, tendo a empresa Cris- ser, SA como
promotora.
	 O projeto Praia D’El Rey foi o primei-
ro projeto do Beltico Group no final dos anos 90.
Em 2015 recebeu o prémio Hall of Fame do Tri-
padvisor. Neste mesmo ano foram encerrados
restaurantes e demolidas cerca de 60 moradias
de luxo devido a insolvências. O Praia D’El Rey
Marriot Golf & Beach, no qual a seleção nacional
de futebol costuma ficar alojada durante os está-
gios em Óbidos, não foi englobado na insolvência,
sendo salvo pela Blue Shift Portugal, empresa de
consultadoria para investimento e rentabilidade
de hotéis e resorts. O Praia D’El Rey e estes em-
preendimentos têm recuperado algum dinheiro
ao acolherem encontros de empresas, comícios,
férias para representantes de empresas, reuniões
e ações filantrópicas. Foi assim que em 2007 re-
cebeu a reunião “Troika Alargada de Chefes da
Polícia da União Europeia”, que teve a partici-
pação de 30 representantes da polícia europeia,
do secretariado-geral do Conselho Europeu e da
Comissão Europeia, sem faltar a Interpol e a Eu-
ropol. O objetivo do encontro prendeu-se com “a
forma de antecipar e prevenir o crime, ou seja,
como travar e conter organizações criminosas
internacionais a todos os níveis”. O encontro
dedicou-se também a “aprofundar a relação das
polícias ao Frontex (Agência Europeia de Gestão
de Fronteiras)”3
.
	 No empreendimento Praia D’El Rey foi
construído o primeiro hotel de cinco estrelas da
Zona Oeste, o Marriot Hotel. Também o projeto
turístico Bom Sucesso Design Resort, considera-
do um dos melhores empreendimentos turísticos
da Europa, financiado pelo BES, foi obrigado à
insolvência em 2014 pelo tribunal, que nomeou
uma administração para gerir a massa falida. As
casas custavam entre 300 mil e 1 milhão de euros
e têm gente como Ricardo Salgado ou José Mou-
rinho como proprietários das habitações de luxo.
Neste empreendimento estão investidos cerca
de 14 milhões de euros para a construção de um
hotel de luxo cuja obra está parada há quase um
ano. Os investidores estão protegidos por um
Plano Especial de Recuperação (PER) do Estado
português.
	 Em 2006, 95% dos compradores de
propriedades provinham da Inglaterra, Dina-
marca, Holanda e Espanha, que pagavam pelas
casas mais baratas 500 mil euros usando Vistos
Gold, mecanismo que permite que cidadãos de
Estados-Terceiros possam obter uma autoriza-
ção de residência temporária para atividade de
investimento, com a dispensa de visto de residên-
cia para entrar em território nacional. O projeto
do Bom Sucesso chegou a ser classificado com
cinco estrelas pela Direção Geral de Turismo. As
receitas de quase 2 mil milhões de euros são a
justificação para a aposta do Governo no golfe e
nos resorts. Foi devido a este valor que o Esta-
do decidiu integrar o golfe dentro dos produtos
os senhores e a conquista de óbidos
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
NOTÍCIAS À ESCALA
estratégicos para o desenvolvimento do turismo.
O Conselho Nacional para a Indústria do Golfe
(CNIG) criou o projeto Golfe 200 mil, que con-
siste em disponibilizar zonas de treino gratuitas
a estudantes por um determinado período de
tempo, de forma a incentivar a prática do golfe.
Mas a realidade mostra o falhanço destes me-
gaprojetos. Em Torres Vedras, o Resort Campo
Real também chegou a estar em insolvência em
2011, mas com a venda do ativo tóxico por parte
do BCP à Discovery, um fundo do próprio BCP,
que mais tarde passou a responsabilidade de ex-
ploração para as mãos da norte-americana Dol-
ce, o projeto continuou ativo. António Carneiro,
enquanto presidente da Região de Turismo do
Oeste, declarou, durante o seminário “Turismo:
Nos caminhos da qualidade”, realizado em 2007
em Óbidos e organizado pela Escola de Altos
Estudos de Turismo de Óbidos, que “na
região há espaço para todos, desde que tenham
qualidade”. Hoje, todos os projetos de golfe e re-
sorts da Zona Oeste já apresentaram insolvência
e os que não fecharam só funcionam a 50% ou
menos. Ainda assim, surge o Resort Falésia D’El
Rey, com dinheiros públicos para destruir a ulti-
ma parcela verde e livre e que vem cortar o acesso
a praias públicas.
	 Em 2014 tiveram lugar manifestações
de trabalhadores em resorts e hotéis de luxo da
região Oeste, onde se reivindicava o direito à
reunião e melhores condições de trabalho. Em
Março, houve duas manifestações organizadas
por sindicatos junto ao Hotel Marriot na Praia
D’El Rey, na pousada do Castelo de Óbidos e em
frente ao Sana Silver Coast, nas Caldas da Rai-
nha. As ações foram levadas a cabo depois da
Administração do Marriot, no Bom Sucesso, ter
interrompido as negociações com os trabalhado-
res, onde estava a ser discutida a forma como os
trabalhadores tomam conhecimento de quais os
turnos a realizar (visto que normalmente eram
informados na noite anterior pelo patronato),
bem como horários, aumentos salariais e melho-
res condições para poderem planear férias em fa-
mília. Em Óbidos, a manifestação serviu também
para exigir melhores salários em todo o grupo
Pestana Pausadas.
Na Zona Oeste, os megaprojectos começaram a
ser notícia depois de o Buddha Eden Garden,
um espaço com cerca de 35 hectares idealizado
e concebido pelo comendador José Berardo no
município do Bombarral, ter levado ao abate de
dezenas de sobreiros. Para 2016, está previsto
o arranque do parque de diversões do Bombar-
ral, um projeto considerado pelo Governo como
sendo de interesse público e que o levou a des-
classificar par- celas de área protegida dentro da
Reserva Agrícola Nacional, de forma a permitir a
construção de um parque de diversões, um mi-
nigolfe, cinema 4D e uma montanha-russa. O
parque é promovido pela empresa Sky Tower,
e conta com investimentos do arquiteto Manuel
Remédios e de Hartley Booth, ex-ministro bri-
tânico do Governo de Margaret Thatcher, entre
outros. Ocupará 38 hectares, mais de metade da
Disneyland de Paris, e no final de 2014 ainda es-
perava pelos resultados da Avaliação de Impacte
Ambiental. Na Nazaré, investidores Alemães e
Suíços planeiam também um megaprojecto de
luxo com golfe, num investimento de 750 mi-
lhões de euros, na área de São Gião. O projecto
tem o nome de Dubbed Golden Sunset Resort e é
encabeçado pela empresa alemã Circle of Ino-
vation Immobolien (COI). O representante
da COI, José Ova, afirmou ao portal de notícias
Dinheiro Vivo que a empresa tinha intenções de
construir noutro país mas que “a entrega e es-
forço do Concelho da Nazaré levou-os a mudar
de ideias” (4)
. O Presidente da Câmara Walter
Chicarro, do PS, diz que tudo está ser feito para
que os trabalhos possam começar o mais rapida-
mente possível. Em toda a área Oeste também
vários condomínios fechados de luxo estão a ser
construídos e grandes áreas estão a ser cercadas
para reservas de caça. Há ainda hectares que es-
tão a ser ocupa- dos pela indústria da fruticultu-
ra e da agricultura intensiva. A zona das Caldas
da Rainha e, mais propriamente a área da Serra
do Bouro, é também a zona onde os geólogos da
indústria petrolífera concentram os estudos de
forma a analisar a viabilidade da instalação de
reservatórios de gás natural. Enquanto os senho-
res brincam aos ricos, o povo fica cada vez mais
pobre!
	 O projeto Praia D’El Rey foi o primei-
ro projeto do Beltico Group no final dos anos 90.
Em 2015 recebeu o prémio Hall of Fame do Tri-
padvisor. Neste mesmo ano foram encerrados
restaurantes e demolidas cerca de 60 moradias
de luxo devido a insolvências. O Praia D’El Rey
Marriot Golf & Beach, no qual a seleção nacional
de futebol costuma ficar alojada durante os está-
gios em Óbidos, não foi englobado na insolvência,
sendo salvo pela Blue Shift Portugal, empresa de
consultadoria para investimento e rentabilidade
de hotéis e resorts. O Praia D’El Rey e estes em-
preendimentos têm recuperado algum dinheiro
ao acolherem encontros de empresas, comícios,
férias para representantes de empresas, reuniões
e ações filantrópicas. Foi assim que em 2007 re-
cebeu a reunião “Troika Alargada de Chefes da
Polícia da União Europeia”, que teve a partici-
pação de 30 representantes da polícia europeia,
do secretariado-geral do Conselho Europeu e da
Comissão Europeia, sem faltar a Interpol e a Eu-
ropol. O objetivo do encontro prendeu-se com “a
forma de antecipar e prevenir o crime, ou seja,
como travar e conter organizações criminosas
internacionais a todos os níveis”. O encontro
dedicou-se também a “aprofundar a relação das
polícias ao Frontex (Agência Europeia de Gestão
de Fronteiras)”3
.
No empreendimento Praia D’El Rey foi cons-
truído o primeiro hotel de cinco estrelas da Zona
Oeste, o Marriot Hotel. Também o projeto tu-
rístico Bom Sucesso Design Resort, considerado
um dos melhores empreendimentos turísticos
da Europa, financiado pelo BES, foi obrigado à
insolvência em 2014 pelo tribunal, que nomeou
uma administração para gerir a massa falida. As
casas custavam entre 300 mil e 1 milhão de euros
e têm gente como Ricardo Salgado ou José Mou-
rinho como proprietários das habitações de luxo.
Neste empreendimento estão investidos cerca
de 14 milhões de euros para a construção de um
hotel de luxo cuja obra está parada há quase um
ano. Os investidores estão protegidos por um
Plano Especial de Recuperação (PER) do Estado
português.
	 Em 2006, 95% dos compradores de
propriedades provinham da Inglaterra, Dina-
marca, Holanda e Espanha, que pagavam pelas
casas mais baratas 500 mil euros usando Vistos
Gold, mecanismo que permite que cidadãos de
Estados-Terceiros possam obter uma autoriza-
ção de residência temporária para atividade de
investimento, com a dispensa de visto de residên-
cia para entrar em território nacional. O projeto
do Bom Sucesso chegou a ser classificado com
cinco estrelas pela Direção Geral de Turismo. As
receitas de quase 2 mil milhões de euros são a
justificação para a aposta do Governo no golfe e
nos resorts. Foi devido a este valor que o Esta-
do decidiu integrar o golfe dentro dos produtos
estratégicos para o desenvolvimento do turismo.
O Conselho Nacional para a Indústria do Golfe
(CNIG) criou o projeto Golfe 200 mil, que con-
siste em disponibilizar zonas de treino gratuitas
a estudantes por um determinado período de
tempo, de forma a incentivar a prática do golfe.
Mas a realidade mostra o falhanço destes me-
gaprojetos. Em Torres Vedras, o Resort Campo
Real também chegou a estar em insolvência em
2011, mas com a venda do ativo tóxico por parte
do BCP à Discovery, um fundo do próprio BCP,
que mais tarde passou a responsabilidade de ex-
ploração para as mãos da norte-americana Dol-
ce, o projeto continuou ativo. António Carneiro,
enquanto presidente da Região de Turismo do
Oeste, declarou, durante o seminário “Turismo:
Nos caminhos da qualidade”, realizado em 2007
em Óbidos e organizado pela Escola de Altos
Estudos de Turismo de Óbidos, que “na
região há espaço para todos, desde que tenham
qualidade”. Hoje, todos os projetos de golfe e re-
sorts da Zona Oeste já apresentaram insolvência
e os que não fecharam só funcionam a 50% ou
menos. Ainda assim, surge o Resort Falésia D’El
Rey, com dinheiros públicos para destruir a ulti-
ma parcela verde e livre e que vem cortar o acesso
a praias públicas.
	 Em 2014 tiveram lugar manifestações
de trabalhadores em resorts e hotéis de luxo da
região Oeste, onde se reivindicava o direito à
reunião e melhores condições de trabalho. Em
Março, houve duas manifestações organizadas
por sindicatos junto ao Hotel Marriot na Praia
D’El Rey, na pousada do Castelo de Óbidos e em
frente ao Sana Silver Coast, nas Caldas da Rai-
nha. As ações foram levadas a cabo depois da
Administração do Marriot, no Bom Sucesso, ter
interrompido as negociações com os trabalhado-
res, onde estava a ser discutida a forma como os
trabalhadores tomam conhecimento de quais os
turnos a realizar (visto que normalmente eram
informados na noite anterior pelo patronato),
bem como horários, aumentos salariais e melho-
res condições para poderem planear férias em fa-
mília. Em Óbidos, a manifestação serviu também
para exigir melhores salários em todo o grupo
Pestana Pausadas.
“Aqui houve um local de merendas. Tinha uma grelha, mesas e até caixote de lixo...”
Retirado de: forumobidos.blogspot.pt
	 Na Zona Oeste, os megaprojectos
começaram a ser notícia depois de o Buddha
Eden Garden, um espaço com cerca de 35 hec-
tares idealizado e concebido pelo comendador
José Berardo no município do Bombarral, ter
levado ao abate de dezenas de sobreiros. Para
2016, está previsto o arranque do parque de di-
versões do Bombarral, um projeto considerado
pelo Governo como sendo de interesse público
e que o levou a desclassificar par- celas de área
protegida dentro da Reserva Agrícola Nacional,
de forma a permitir a construção de um parque
de diversões, um minigolfe, cinema 4D e uma
montanha-russa. O parque é promovido pela
empresa Sky Tower, e conta com investimentos
do arquiteto Manuel Remédios e de Hartley Boo-
th, ex-ministro britânico do Governo de Marga-
ret Thatcher, entre outros. Ocupará 38 hectares,
mais de metade da Disneyland de Paris, e no
final de 2014 ainda esperava pelos resultados
da Avaliação de Impacte Ambiental. Na Nazaré,
investidores Alemães e Suíços planeiam também
um megaprojecto de luxo com golfe, num inves-
timento de 750 milhões de euros, na área de São
Gião. O projecto tem o nome de Dubbed Golden
Sunset Resort e é encabeçado pela empresa ale-
mã Circle of Inovation Immobolien (COI).
O representante da COI, José Ova, afirmou ao
portal de notícias Dinheiro Vivo que a empresa
tinha intenções de construir noutro país mas
que “a entrega e esforço do Concelho da Nazaré
levou-os a mudar de ideias” (4)
. O Presidente da
Câmara Walter Chicarro, do PS, diz que tudo está
ser feito para que os trabalhos possam começar o
mais rapidamente possível. Em toda a área Oes-
te também vários condomínios fechados de luxo
estão a ser construídos e grandes áreas estão a
ser cercadas para reservas de caça. Há ainda hec-
tares que estão a ser ocupa- dos pela indústria da
fruticultura e da agricultura intensiva. A zona das
Caldas da Rainha e, mais propriamente a área da
Serra do Bouro, é também a zona onde os geólo-
gos da indústria petrolífera concentram os estu-
dos de forma a analisar a viabilidade da instala-
ção de reservatórios de gás natural. Enquanto os
senhores brincam aos ricos, o povo fica cada vez
mais pobre!
NOTAS

1 Tivoli Marina Vilamoura
2 Gazeta das Caldas, 7 de agosto de 2015.
3 Tenente-general Mourato Nunes.

4 Portugal Residente, Maio de 2014, (portugalresident.
com)
“O projecto de
óbidos
vai ocupar o
último espaço
natural’ usado
para férias pela
população local
bem como por
imigrantes e
alguns turistas
de classes mais
baixas.”
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
NOTÍCIAS À ESCALA
Trident Juncture 2015
Este exercício é o corolário de anos de prepara-
ção baseada no conceito estratégico aprovado em
Lisboa, em 2010, onde a Nato deixou oficialmen-
te de ser uma aliança meramente defensiva. A ci-
meira de Chicago, em 2012, instarou a Connected
Force Initiative (CFI). Dois anos mais tarde, em
Gales, o Readiness Action Plan instituiu a Força
de Intervenção Rápida (força de 5.000 efectivos
capazes de, em 48 horas, se mobilizarem para
responder a situações de crise a Leste e a Sul da
Nato) e decretou seis medidas- -chave dentro da
CFI. Uma delas era a realização das manobras
Trident Juncture 2015.
	 O cenário deste jogo de guerra é um
conflito entre dois países fictícios por causa de
questões relacionadas com água. Na disputa, um
dos países invade outro e, pela lógica da Nato, é
altura de intervir. Em nenhum momento é levan-
tada a hipótese da nação invadida ser membro da
Aliança Atlântica. Apesar disso, Aguiar Branco
não se inibe de afirmar que o “cenário do exer-
cício de- monstra uma natureza defensiva das
actividades da Aliança”2.
	 Uma mistificação que nem se- quer
está presente nas palavras da própria Nato, que
afirma que o cenário permite uma “Operação de
Resposta a Crises fora da área, não Artigo 5 [ar-
tigo que instaura a resposta militar da Aliança
em caso de agressão a qualquer estado membro
– N.T.], para parar uma guerra fronteiriça antes
que se expanda a toda a região.”3 No mesmo tex-
to, também se pode ler que se pretende confron-
tar as forças da Nato com um “espectro amplo
de ameaças convencionais e não convencionais,
incluindo a guerra híbrida”.
Guerra total
“Guerra híbrida” é um conceito escorregadio.
Tão escorregadio que tende a resvalar para um
outro, o de guerra total, que se alastra a todos os
aspectos da sociedade. As referências a “ambien-
tes urbanos” nos documentos do Trident Junc-
ture 2015 deixam antever que também se treina
a presença do exército nas ruas, fora e dentro
dos países da própria Nato para quando a polí-
cia, eventualmente, deixar de ser suficiente para
conter multidões. Um conceito escorregadio que
inclui, como parte do exercício, uma batalha de
narrativas, ou seja, “trabalhar num ambiente
informativo arriscado tanto nos países da Nato
como na região em que a intervenção terá lu-
gar”
4
. O convite a várias ONGs
5
para partici-
parem deve ser visto a essa luz. Com o objectivo
afirmado de melhorar a interacção entre a Nato
e actores civis essenciais, trata-se, afinal, duma
espécie de botox pacifista que pretende legitimar
uma prática imperialista, aproveitando para in-
tegrar algumas instituições na sua estratégia mi-
litar, impondo-lhes a sua lógica.
	 Um treino militar com uma visibilida-
de que se pretende dissuasora. Com um enfoque
em intervenções fora do espaço da Aliança. Com
cuidados de relações públicas. E com “um cená-
rio artificial e fictício que tem lugar em SORO-
TAN, que é algo como uma parte de África”, nas
palavras do general HansLothar Domröse
6
.
Objectivo: África
De facto, mais do que demonstrar força peran-
te a Rússia e de treinar conjuntamente forças da
Nato e da Ucrânia (que participa neste exercí-
cio), é de África que se trata. O continente rico.
O continente que o Ocidente está a perder econo-
micamente para a China e que pretende dominar
militarmente. O continente com mais potencial
de exploração. Em que as guerras pelos recursos
se tornarão ainda mais inevitáveis depois disto.
E em que as alterações climáticas serão razão de
migrações e conflitos, desafio a que a Nato deci-
diu dar atenção pelo menos a partir da cimeira
de Lisboa
7
. Ou seja, o objectivo central destes
exercícios é treinar intervenções militares no
continente africano, promovendo uma escala-
da militar que mais não fará do que potenciar
novos conflitos e garantir uma fatia de leão na
exploração de recursos para as empresas ociden-
tais. Recursos esses que não são de desprezar.
África tem, por exemplo, um terço das reservas
mundiais de minérios. Para além disso, apenas
12 das 54 nações africanas não têm hidrocarbo-
netos, havendo ainda zonas quase inexploradas.
Mesmo nos locais considerados maduros há uma
vastidão enorme de território que ainda promete
esconder recursos.
	 O alegado voltar de atenções para Sul
poder-nos-ia fazer pensar unicamente no Norte
de África. A realidade vai mais longe. De acor-
do com o general Breedlove, citado por Manilo
Dinucci
8
, “os membros da NATO desenvolverão
um grande papel no Norte de África, no Sahel e
na África Subsaariana”. Com o mundo ocidental
a cuidar de dar uma resposta policial e militar
ao que chama “crise de refugiados”, não nos es-
pantemos de, em breve, ver a Nato em acção no
afastamento dos requerentes de asilo para longe
da vista dos europeus, contendo os fluxos migra-
tórios na origem ou, pelo menos, em locais ainda
não visíveis a partir de dentro da fortaleza.
	 Como habitualmente, os discursos
oficiais chegam tão carregados de pacifismo que
nem parecem ter origem no maior e mais agres-
sivo exército mundial. De qualquer forma, não se
esconde que se pretende fazer treino militar para
testar a CFI e, sobretudo, a Força de Intervenção
Rápida. E ninguém com alguma independência
poderá deixar de notar que a mensagem cen-
tral se mantém: é possível fazer a paz através da
guerra. Uma mensagem que não cabe na imagem
que o Ocidente quer dar de si próprio quando
anuncia treinos de invasão ao mesmo tempo os
varre para debaixo do tapete da retórica da “de-
fesa colectiva”.
O Trident Juncture 2015 é um exercício militar
da Nato de alta intensidade e alta visibilidade que
se iniciou a 28 de Setembro e se pro- longa até 6
de Novembro. Divide- se em duas fases. Uma,
chamada CPX (Command Post Exercise), que se
resume a gabinetes. Outra, de nome LIVEX (Live
Exercise), que se desenrolará no terreno, com
ensaio de várias operações navais, aéreas e ter-
restres, de desembarques a acções em ambiente
urbano. Esta fase contará com 200 aeronaves, 50
navios de guerra e cerca de 36.000 efectivos de
28 estados da Nato e 5 nações parceiras e decor-
rerá em Espanha, Itália, Portugal, Mediterrâneo,
Oceano Atlântico e também Canadá, Noruega,
Alemanha, Bélgica e Holanda. Trata-se, de acor-
do com o Estado-Maior-General das Forças Ar-
madas, do “maior exercício da história da NATO
pós Guerra Fria e o evento de maior visibilidade
realizado em 2015, envolvendo toda a estrutura
de comando da Aliança”
1
.
A nato leva a cabo um grande exercício e demonstração de
força em ter lugar em diversos países da Europa.
Teófilo Fagundes - teofilofagundes@jornalmapa.pt
nato uma lança em áfrica
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
NOTÍCIAS À ESCALA
Com os últimos exercícios militares torna-se evidente o interesse prioritário da Aliança Atlântica em África.
Imagem do jogo de vídeo Call of Duty: Black Ops.
O papel de Portugal
Para além de ser território em que estes jogos de
guerra se vão desenrolar
9
, Portugal tem tido e
continuará a ter um papel fundamental no Tri-
dent Juncture 2015. Com os objectivos declara-
dos no despacho do primeiro-ministro em Diário
da República (despacho no 5472/2015, de 5 de
Maio). Por exemplo o de “sedimentar a imagem
externa de Portugal e, no âmbito do Fórum da
Indústria da OTAN que decorrerá em paralelo
ao exercício, promover a internacionalização das
empresas nacionais e criar um ambiente favorá-
vel à atração dos agentes económicos estrangei-
ros pelo mercado português”.
	 Nas diferentes fases de preparação do
exercício já decorreram diversas actividades em
Portugal, algumas de grande dimensão como
uma reunião em Maio último de 291 represen-
tantes de 28 países, onde o desenho militar desta
operação começou a ser definido. É preciso ainda
notar que foi a diplomacia conjunta de Portugal,
Espanha e Itália que acabou por determinar a
estrutura final do Trident Juncture e a sua locali-
zação na bacia mediterrânica. A participação no
terreno é ambiciosa, de acordo com um comuni-
cado do governo, de 2 de Julho, onde se afirma
que “além dos militares que participam direta-
mente no exercício (940 integra- dos na Força de
Reação da NATO 2016 e 2220 nos meios comple-
mentares), Portugal disponibilizará ainda mais
3000 militares que funcionarão como forças de
apoio, totalizando em cerca de 6000 os efetivos
portugueses envolvidos neste exercício. Em Por-
tugal, o exercício (...) mobilizará mais de 10 mil
efetivos de 14 países participantes.”
	 As operações aéreas concentrar-se-ão
em Itália e as terrestres em Espanha. Em Portu-
gal (9) de- correrá maioritariamente a com- po-
nente marítima. Com bases em Santa Margari-
da/Tancos/Alter do Chão, Pinheiro da Cruz/
Tróia, Base Aérea n.o 11 de Beja e o porto de
Setúbal como placa fundamental. De acordo com
o Correio da Manhã
10
, o “exercício inclui ainda
três dias compostos por cerimónias que contam
com a presença de vários visitantes. O primeiro
dos quais terá lugar em Itália, a 19 de Outubro,
e o segundo a 04 de Novembro, em Espanha.
Portugal receberá o dia dos visitantes ilustres a
05 de Novembro, que juntará chefes militares da
NATO e chefes militares portugueses”.
	 Um empenho impressionante que não
se esgota em jogos de guerra. Antes se estende
para o tabuleiro dos negócios, promovendo um
fórum onde empresas que lucram com a guerra
podem apresentar as suas novidades e discutir
formas de criar novos nichos de mercado para
as suas novas ferramentas repressivas. Fórum
11
que decorrerá no Hotel Pestana Palace, em Lis-
boa, nos dias 19 e 20 de Outubro.
Resistência
As manobras Trident Juncture 2015 são o reflexo
das prioridades do mundo rico. E não podem dei-
xar de ser contestadas por quem pugna por um
planeta de paz. Nesse sentido, as movimentações
da Nato não passarão sem contestação. Um docu-
mento
12
conjunto da Alternativa Antimilitarista.
MOC e da Rede Antimilitarista y Noviolenta de
Andalucía, convida a acções descentralizadas e
promete desobediência civil para Barbate, de 30
de Outubro a 3 de
Novembro (em frente ao Campo de Treino Anfí-
bio da Serra do Re- tín), e actos de protesto para
Saragoça de 3 a 6 de Novembro (“o Campo de
San Gregorio será de novo o protagonista da bar-
bárie militarista”). Também em Itália há um mês
de protestos contra a Nato e um apelo
13
a uma
coordenação internacional de acções.
Em Portugal, apesar de toda a importância que a
estrutura militar e política lhes dá, as manobras
da Nato não despertaram mobilizações visíveis.
Apenas o Conselho Português para a Paz e Coo-
peração tem feito algum trabalho de oposição,
tornando público um documento onde expressa
o seu “mais expressivo repúdio” pelas Trident
Juncture 2015, organizando debates e recolhen-
do assinaturas num abaixo assinado onde se
exige a “dissolução dos blocos político-militares
e o estabelecimento de um sistema de segurança
coletiva, com vista à criação de uma nova ordem
internacional capaz de assegurar a paz e a justiça
nas relações entre os povos”.
NOTAS:
(1) goo.gl/n82o8l

(2) goo.gl/sqXnTU

(3) goo.gl/tbuLx9

(4) goo.gl/tbuLx9

(5) Por exemplo,
Comité Internacional da Cruz Vermelha,
Save the Children,
Assistência Médica Internacional,
Human Rights Watch.

(6) goo.gl/YS4DcM

(7) goo.gl/FwXA0q

(8) goo.gl/7bh4Ei

(9) Para uma ideia das actividades
em Portugal, ver: goo.gl/NMJ9xu

(10) goo.gl/dTqy2P

(11) goo.gl/LlQ4R2

(12) goo.gl/N0Fvn0

(13) goo.gl/v4SqL0
“(...) o objectivo central destes exercícios é treinar intervenções militares
no continente africano, promovendo uma escala militar que mais não
fará do que potenciar novos conflitos e garantir a exploração de recursos
para as empresas ocidentais.”
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
NOTÍCIAS À ESCALA
O Algarve vai ter mais uma empresa a procurar
petróleo. A Portfuel - Petróleos de Portugal,
sediada em Lisboa e liderada pelo empresário
José de Sousa Cintra, obteve no dia 25 de Setem-
bro luz verde do Governo português para iniciar
a prospeção.
Depois de, no início deste ano, ter sido con-
firmada a Bacia Lusitânica como fonte de gás de
xisto (shale gas) e se ter anunciado mais dois
locais com possibilidades para o shale gas no
Alentejo, na Serra da Ossa, Extremoz e Algarve, a
Entidade Nacional para o Mercado de Combustí-
veis (ENMC) assinou um contrato com a Portfuel
para a prospeção e produção de gás e petróleo. Os
blocos cedidos à empresa são em terra (onshore)
e o trabalho consiste em continuar as pesquisas
já iniciadas mas consideradas “subavaliadas”
pelo ENMC. Os contractos de exploração têm a
duração de 4 anos e destinam-se ao uso de méto-
dos tradicionais utilizados até hoje para extração
de hidrocarbonetos.
	 No final dos 4 anos a ENMC sublinha
que, caso as petrolíferas queiram continuar os
trabalhos recorrendo à técnica de fratura hi-
dráulica (Fracking) ou outra técnica não conven-
cional de extração de gás ou petróleo, terão de
haver estudos de impacto ambiental. Em 2013 a
UE aprovou uma lei que obriga a um estudo de
impacto ambiental para todas as atividades de
hidrocarbonetos não convencionais, o que não
acontece por exemplo nos EUA.
	 Sousa Cintra comporta-se, as- sim,
como qualquer investidor já que qualquer ne-
gócio com possibilidades de ser rentável é uma
aposta viável. Depois de ter visto os seus bens
confiscados após o 25 de Abril comprou a em-
presa Vidago, Melgaço & Pedras Salga- das
( VMPS), que mais tarde vendeu a Jerónimo
Martins. Nos anos 90 fundou a Drink In no
Brasil, que se tornou a quarta maior produtora
de cerveja do Brasil. Em Portugal o negócio da
cerveja não correu bem e, em 2002, vendeu a
fábrica à Iberpartners. Cintra investe também
em África região que, juntamente com o Brasil,
constituem duas grandes fontes de hidrocarbo-
netos não-convencionais. Poderemos voltar a ver
os empresários portugueses a explorar as antigas
colónias. O empresário aposta agora no petróleo
seguindo os passos de outros conhecidos nomes
em Portugal como Joe Berardo que investiu em
ações da Mohave Oil and Gas, uma corporação
registada no Texas em 1993, que reiniciou os
trabalhos petrolíferos em Portugal na bacia Lu-
sitânica em 2007. Após ter perfurado um poço
em Alcobaça e ter decidido “não ser economica-
mente viável” e apesar de ter mais concessões
onshore a Mohave abandonou Portugal em 2014
e saiu, inclusive da bolsa Canadiana TSX man-
tendo, no entanto, os seus estudos sísmicos e
geológicos á venda. Outro dos nomes envolvidos
na exploração de hidrocarbonetos em Portugal é
o da Fundação Gulbenkian proprietária da Par-
tex Oil and Gas. Esta empresa tem luz verde para
a extração de hidrocarbonetos nas águas algar-
vias, já que é detentora de concessões no offsho-
re, juntamente com a Repsol. Esta ultima tinha
anunciado o inicio das atividades de perfuração
para Outubro 2015 mas entretanto requereu um
adiamento para 2016 devido ao baixo do petróleo
que dita os investimentos nos projetos. Sendo os
projetos de prospeção para perfuração profunda
(Deep Offshore) de gás natural, e que requerem o
uso de técnicas mais caras, a Repsol tenta ganhar
tempo para que as condições de prospeção em
Portugal melhorem para os investidores. Ambas
as corporações dividem blocos offshore, na Bacia
de Peniche, com outos grupos investidores, tais
como a Galp.
	 O ano de 2016 promete ser o ano do
grande avanço da industria petrolífera. Na Bacia
do Alentejo a Eni, petrolífera italiana que veio
substituir a Petrobras, prevê iniciar as perfura-
ções ultras profundas a sul de Sines. Mais a Nor-
te, o Jornal da Economia do Mar notícia que o
governo abriu a 1o concurso internacional para
prospeção de hidrocarbonetos na Bacia do Por-
to
1
	 O governo também anunciou que
está a preparar um concurso público para mais
prospeção offshore, depois de uma empresa in-
ternacional mostrar interesse nas águas muito
profundas do Algarve. As apostas na extração de
hidrocarbonetos em águas muito profundas as-
sentam na grande extensão das águas territoriais
portuguesas e na esperança (ou conhecimento
efetivo) da quantidade de recursos que possam
existir no subsolo marinho.
	 Desde que, em 2014, a empresa
Mohave abandonou os trabalhos de prospeção
em Alcobaça a região do Algarve tornou-se a li-
nha da frente dos investidores da indústria pe-
trolífera.
	 De facto Bombarral, Cadaval e Alen-
quer têm sido apresentadas como a “mina de
ouro” das em- presas, mas pouco se sabe sobre os
trabalhos nessa área. Na concessão de Alcobaça
confirmou-se a existência de gás natural, em Al-
jubarrota a jazida de gás é tida como das maiores
da península ibérica e, em 2015, o presidente da
Partex anunciou também a Serra da Ossa e área
de Estremoz como áreas com potencial de conte-
rem reservas não convencionais de gás natural
	 Inevitavelmente as empresas têm mais
informação do que a população e os estudos e
testes sísmicos realizados são dos mais comple-
tos atualmente. A pouco e pouco a realidade das
reservas de gás e petróleo em Portugal podem
levar a um investimento súbito e a um rápido
início dos trabalhos de extração em vários locais
do país. A informação produzida pelas empresas
dificilmente será de acesso livre às populações
diretamente afetadas e, a avaliar pela quantidade
de estudos e prospeções, é de esperar um súbito
Boom da atividade extrativa.
	 Recentemente a ASMAA (Algarve Surf
& Maritime Activities Association) publicou um
mapa que compila as concessões concedidas em
Portugal referentes à extração de petróleo. Como
é visível no documento (acessível em asmaa-al-
garve.org) a situação é de extrema gravidade, já
que entre a localidade da Figueira da Foz e Vila
Real de Sto. António a zona Costeira, tanto em
terra como no mar, não existem praticamente zo-
nas que não estejam concessionadas às diversas
empresas que tencionam iniciar a exploração.
	 Em 2012 os grupos ecologistas e am-
bientalistas não falavam de fratura hidráulica em
Portugal, só em 2014 a Quercus publica um tex-
to sobre o gás de xisto, no ano seguinte o Estado
português autoriza a prospeção de gás e petróleo,
as corporações salientam a necessidade de ex-
trair gás ou petróleo através de técnicas não con-
vencionais para que o investimento seja viável
e que as reservas possam ser convenientemente
exploradas.
	 No Algarve, foi criada a primeira plata-
forma contra a exploração de petróleo, a PALP
2
formada por diversos coletivos, grupos etc.
	 O governo fala em benefícios econó-
micos para a nação, mas os valores nos contra-
tos das concessões no Algarve que Portugal vai
receber variam de 0 a 10 cêntimos por barril de
petróleo produzido de 3 em 3 meses da Repsole
De Norte a Sul de Portugal são cada vez mais as concessões
para a extração de gás e petróleo.
Granado da Silva - nadodasilva@jornalmapa.pt
da Partex. Segundo os contractos entre o gover-
no e as corporações. Pela Concessão Lagostim o
estado vai receber de 0,10 cent por Euro, menos
que na Concessão Lagosta que é de 0,15 cent. As
corporações anualmente pagarão por km2 ao es-
tado 15,00 euros nos primeiros 3 anos, o valor
vai aumentando atingindo durante a fase de pro-
dução 240,00 euros km2. A área total das duas
concessões sé cerca de 3200 km2 que são cerca
de 770,000 euros para os “Cofres do Estado” que
comparado com os 1240 milhões de euros de
lucro da Repsol em 2015 ou os 1750 milhões da
Partex em 2012/2013 são uma moeda na “cuspi-
deira”
3
.
	 A aposta nos combustíveis fósseis traz
consigo o aumento da atividade extrativa. Os im-
pactos ambientais e sociais desta atividade são
astronómicos e estão muito para lá das galopan-
tes alterações climáticas. O problema é mais pro-
fundo e leva-nos à base do atual modelo econó-
mico que necessita de perfurações em alto mar e
técnicas de extração não-convencionais d forma
a manter os atuais níveis de produção e explora-
ção. Inevitavelmente, em contexto de crise eco-
nómica, social, ambiental e energética, o petróleo
e o gás são difíceis de colocar em causa já que nos
são apresentados como uma riqueza material de
um povo que na prática é explorada por empre-
sas privadas ou o Estado. O “crescimento econó-
mico” que preenche o discurso de empresários e
governantes significa unicamente o crescimento
dos lucros das empresas.
/// NOTAS
1 Jornal de Setembro de 2015, pág. 40

2 Plataforma Algarve Livre de Petróleo

3 Pote ou bacia utilizado em saloons e pubs america-
nos e australianos no sec XIX para se cuspir o tabaco
de mascar. Quando um pedinte, alcoólico, sem abrigo
ou um índio entravam a pedir esmola eram humilhados
quando se viam obrigados a ir apanhar as moedas que
eram atiradas para as cuspideiras pelos outros clientes
que se deleitavam com a visão.
algarve
on-shore!
Para o MAPA, tornou-se tão urgente como desa-
fiante reunir relatos, análises e opiniões em torno
da questão das fronteiras e da migração. Tornou-
se urgente pelo absurdo que se perpetua há já de-
masiado tempo pela Europa, com a sua crescente
militarização e o levantamento de cada vez mais
barreiras para conter a passagem de milhares
de pessoas, da Grécia às Canárias, dos Balcãs
à Turquia. E desafiante ao pro- curar um outro
lugar, para lá da torrente de informação que ci-
clicamente nos chega, através de todos os canais
mediáticos, sobre os viajantes do nosso tempo.
	 A limitação das palavras surge, logo
à par- tida, com a facilidade com que se desgas-
tam os termos que nos são próximos para definir
estes homens e mulheres: emigrantes, refugia-
dos, deslocados tiram lugar aos aventureiros,
aos camaradas, aos que, inconformados com a
realidade que encontram no seu sítio, alteram
o rumo das suas vidas. Mas com o passar do
tempo, altera-se o estigma deste viajante: afinal
mais próximo de nós do que possamos imaginar
pela distância mediática, deixa de ser somente
alguém sobre o qual tudo parece ser imposto e
que parte com a inconsciência absoluta do que o
espera no caminho. Passamos também a poder
falar de revoltados conscientes da sua situação e
da sua legitimidade em procurar um outro sítio
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
CADERNO CENTRAL
CADERNO CENTRAL
para lá daquele a que a lei os relega, e que dei-
xa para trás a reduzida ideia do sem-papeis, do
emigrante vulnerável e incapaz. Espelho disto
são as sucessivas revoltas em centros de deten-
ção e campos improvisados perante os abusos fí-
sicos e legais das autoridades e a pressão policial.
Iguais a tantas histórias próximas de nós, feitas
também de prisões, despejos e abusos policiais,
diluem-se fronteiras geográficas e culturais pe-
rante a evidência das fronteiras sociais.
	 Nos últimos anos as rotas mudaram,
os riscos aumentaram mas as vontades e as ne-
cessidades de viagem permaneceram. Porém a
viagem tende a ser possível apenas se for feita
em classe turística. Num mundo feito de circu-
lação permanente, as fronteiras existem apenas
para quem nasceu do lado errado das leis da
economia dominante. Sucedem-se os naufrágios,
as deportações, as mortes no caminho, dentro e
fora da Europa, colocando a narrativa europeia
em xeque, fragilizando os seus sustentáculos mo-
rais e físicos. Torna-se bem presente a raiz das
direcções das políticas montadas pelos sucessi-
vos governos na construção da União Europeia e
a sua relação com os regimes dos países para lá
das suas fronteiras. As práticas dos Estados, nas
suas mais diversas derivas à esquerda ou à direi-
ta, demonstram a falência da ideia fabricada pela
“Em relação à rota, eles não podem fechar.
A não ser que electrifiquem o mar..”
imigrantes, refugiados e solidariedade
sem fronteiras no velho continente
Europa para o Mundo, de uma civilização justa e
solidária .
Se, como ponto de partida, considerarmos es-
tes fluxos migratórios como uma inevitabilidade
da existência humana, enquanto uma corrente
incontrolável que circula desde o início dos seus
dias, seja movida pela fuga a um conflito bélico, a
uma calamidade, à impossibilidade de sobreviver
no modelo económico imposto ou seja por um
desejo e uma pulsão individual ligada ao desco-
nhecido e à aventura que ele implica, facilmente
deparamos com a absurda noção de justiça a que
levam os actuais proteccionismo nacionalistas e
patrióticos, justificação de lei e acções que levam
a milhares de mortes todos os anos. Dos ataques
militares perpetrados recente- mente pelo exér-
cito da Macedónia aos 16 guardas civis ilibados
da morte de 15 pessoas em Ceuta no ano passado
(torna-se visível a forma como as autoridades eu-
ropeias, para lá de todo o discurso humanitário,
encaram na prática a defesa das suas fronteiras).
Se formos mais fundo e assumirmos que uma
grande parte destas deslocações se deve à explo-
ração de recursos e matérias primas dalguns dos
países de origem das pessoas, às relações eco-
nómicas mantidas entre regimes, sejam eles de-
mocráticos ou ditatoriais, podemos assumir que
permanece um conflito aberto baseado na velha
lógica colonial, uma lógica que a social-democra-
cia escamoteia do seu léxico presente. Trata-se
duma e da mesma moeda, o facto da prosperi-
dade económica duns ter a miséria como reverso
da medalha, aqui ou em qualquer outra parte do
mundo.
Alguns acontecimentos geopolíticos mais re-
centes, no presente os conflitos Sírio e Afegão, ta-
buleiros de xadrez das potências do mundo, com
os êxodos populacionais daí resultantes, levaram
à suspensão do estado de direito em várias partes
da Europa central e de leste: desde o muro er-
guido na fronteira entre a Hungria até ao levan-
tamento, na Alemanha e na Áustria do espaço
Schengen (designado de “espaço de liberdade,
segurança e justiça” do território Europeu). A
partir das retóricas várias sobre os “refugiados”
e o seu acolhimento, milita- riza-se o território
e concretizam-se no terreno fronteiras que, na
verdade, mais não são mais do que fronteiras de
classe.
Neste Caderno Central mapeamos uma série de
perspectivas do que vai acontecendo um pouco
por toda a Europa, criando uma cartografia que
une vários pontos duma mesma questão e que se
encontra, permanentemente, tão longe e tão per-
to de cada uma de nós.
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
CADERNO CENTRAL
Desde o ínicio do Verão que milahres de pessoas tentam chegar à Europa,
entreasqueconseguiram,muitasestãobloqueadasecercadasnosquatro
cantosdocontiente:naGrécia,naMacedónia,emCalais,emVentimiglia.
A 11 de Junho (Em Ventimiglia), várias dezenas de migrantes, juntamente com algu-
mas pessoas solidárias, instalaram um acampamento sobre os rochedos
à beira-mar, perto do posto fronteiriço principal.
Nas fronteiras assassinas da Europa... Nos média, os governantes euro-
peus falam de «situação explosiva» e de «drama humanitário», evocando as
inúmeras pessoas que morrem quando tentam a travessia do Mediterrâneo.
Agitar o espantalho da invasão e das redes criminosas de traficantes per-
mite aos Estados justificarem as suas políticas migratórias assassinas, reves-
tindo-se de um verniz humanitário. A escalada militar que se pôs em prática
nas fronteiras da Europa faz-se com o pretexto de neutra- lizar os traficantes
que seriam responsáveis por milhares de mortos no Mediterrâneo e noutros
lugares. Mas, estes milhares de afogados, electrocutados, esmagados, foram
mortos pelos Estados europeus que, ao reforçarem ainda mais a vigilância e
o bloqueio das fronteiras exteriores da Europa, tornam as estradas de acesso
cada vez mais perigosas. Desde há 15 anos que mais de 40.000 pessoas foram
mortas nas fronteiras europeias, das quais mais de 2.300 desde Janeiro de
2015. E todos os dias morrem mais pessoas a caminho da Europa.
	 Novos muros erguem-se por todo o lado, polícias e militares deslo-
cam-se para impedirem as pessoas migrantes de entrarem na Europa.
	 A Leste, enquanto a Macedónia decreta o esta- do de sítio e envia o
exército contra os migrantes, a Hungria continua a construção do seu muro
com cercas e arame farpado, ao longo dos 175 kms da fronteira comum com a
Sérvia. Na Bulgária, o Estado envia blindados contra os migrantes.
	 Campos de detenção são erigidos aqui e ali. Chamados «centros de
triagem», «centros de identificação», estes lugares de detenção, que se inau-
guram nos países da União Europeia onde chegam os migrantes (Itália, Gré-
cia, Bulgária), vão servir para separar aqueles e aquelas que terão direito a
apresentar um pedido de asilo e os outros, os migrantes ditos «económicos»,
para os quais serão criados procedimentos de expulsão rápidos e de grupo.
Enquanto na Bulgária alguns já abriram, em Itália estes centros estarão ope-
racionais a partir deste Outono em edifícios mi- litares desocupados, readap-
tados com urgência para estarem prontos o mais depressa possível.
	 No Mediterrâneo, a União Europeia lança uma operação militar
naval chamada «Navfor Med». Aos polícias e instrumentos de vigilância elec-
trónica da agência de vigilância de fronteiras Frontex já presentes no mar,
juntam-se navios e submarinos de guerra, helicópteros e drones dos exércitos
europeus. Concebida a partir do modelo da operação Atalante, que bombar-
deia embarcações e aldeias de pescadores, em nome da luta contra os piratas
somalianos no Oceano Índico, a «Navfor Med» vai ver os seus meios ofensi-
vos progressivamente aumentados, tendo como objectivo final a destruição
dos barcos dos traficantes, antes que estes se afastem da costa líbia. Decidida
após um naufrágio em Abril que provocou 800 mortos ao largo da Líbia, esta
operação, apresentada como uma guerra contra
os traficantes, inscreve-se na realidade na con-
tinuação de outras já realizadas, visando barrar
custe o que custar o caminho aos migrantes, seja
afundando asuas embarcações, como fizeram em
meados de Agosto os guardas-costeiros gregos
ao largo da Turquia, seja de preferência matando
pessoas.
Em Calais, onde alguns milhares de pessoas ten-
tam chegar a Inglaterra por ferrys e pelo túnel da
Mancha, o Estado e a Câmara Municipal estão de
acordo desde há anos para reprimir os migrantes.
Mas esta repressão acentuou-se ainda mais nes-
tes últimos meses, com as expulsões dos migran-
tes dos diferentes lugares onde viviam (squats e
jungles*) e o aumento da pressão policial.
	 Ao mesmo tempo, numerosos refor-
ços policiais chegaram à região e enquanto estes
matracam, gaseiam e prendem, a Grã-Bretanha
financia barreiras de infravermelhos e de arame
farpado que vêm gradear o porto e o acesso ao
túnel da Mancha.
Assiste-se à mesma situação que em Ceuta e Me-
lilha, onde a Europa constrói muros de arame
farpado e de gadgets electrónicos mortíferos. As-
siste-se à mesma situação que no Mediterrâneo.
Cada vez mais os migrantes encontram a morte,
tentando chegar a Inglaterra: desde o início de
Junho, 11 migrantes morreram afogados, elec-
trocutados ou esmagados por camiões na região
de Calais. Em Paris, a 29 de Julho, um migrante
também foi electrocutado quando tentava subir
para o tejadilho do Eurostar na Gare du Nord.
	 A trilogia «invasão de migrantes /
traficantes / terroristas» serve desde há anos
para justificar as políticas migratórias da União
Europeia, agitando o espantalho de um para re-
primir o outro. As redes de traficantes parecem
ser a principal preocupação dos dirigentes, mas
a quem beneficia o reforço do controlo das fron-
teiras senão àqueles? Porque quanto mais as
estradas são longas e perigosas, mais os preços
aumentam e mais as redes se reforçam, é a lei da
economia capitalista. Tanto mais que em inúme-
ros países, Estados e redes mafiosas trabalham
de mãos dadas.
	 Mais, se na realidade exis- tem redes
mafiosas, inúmeras pessoas condenadas por
serem e drones dos exércitos europeus. Conce-
bida a partir do modelo da operação Atalante,
que bombardeia embarcações e aldeias de pes-
cadores, em nome da luta contra os piratas so-
malianos no Oceano Índico, a «Navfor Med» vai
ver os seus meios ofensivos progressivamente
aumentados, tendo como objectivo final a des-
truição dos barcos dos traficantes, antes que es-
tes se afastem da costa líbia. Decidida após um
naufrágio em Abril que provocou 800 mortos ao
largo da Líbia, esta operação, apresentada como
uma guerra contra os traficantes, inscreve-se na
realidade na continuação de outras já realizadas,
visando barrar custe o que custar o caminho aos
migrantes, seja afundando as traficantes são
migrantes ou pessoas que quiseram ajudar, por
solidariedade, e sem ganharem com isto: aquele
que conduz o barco porque tem experiência de
navegação marítima, aquela que abre a sua ba-
gageira na fronteira franco-italiana para apanhar
um passageiro, aquele que em Calais fecha as
portas do camião atrás dos seus ca- maradas de
estrada.
A Europa está em guerra contra os migrantes:
está disposta a tudo para impedir aqueles e aque-
las que considera indesejáveis de alcançarem as
suas costas, de atravessarem o seu território e de
aí se instalarem. Exemplos disto são as recentes
reformas que, em vários países europeus, res-
tringem o direito de asilo e o acesso a um visto
um verão contra as fronteiras
CADERNOCENTRAL
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
CADERNO CENTRAL
de permanência.
	 Através dos discursos
guerreiros e
alarmistas que
empregam, os governantes
cons-
troem há muito tempo
a imagem de um inimi-
go
exterior, o migrante, que
representaria uma
ameaça
para a Europa e lhes permite justificar o
reforço do poder e do controlo, em todo o
lado
e sobre todos. Não esquecer que esta gestão
das
fronteiras representa igualmente um negó-
cio chorudo
e um campo de experiências para os
vendedores de
armamento e para os fabricantes
de gadgets electrónicos de vigilância.
	 Mas a determinação daqueles e daque-
las que querem fugir à guerra, à repressão, à mi-
séria, ou muito simplesmente viajar, será sempre
mais for- te que os arames farpados e o medo de
morrer. Milhares de migrantes presentes no solo
europeu lutam todos os dias para continuarem a
sua viagem e chegarem ao seu destino, atraves-
sando o continente. Em todo o lado são confron-
tados com a pressão policial: nos postos frontei-
riços, nas cidades, nas gares e nos portos...
	 As fronteiras estão omnipresentes e
permitem ao poder separar, seleccionar e impe-
dir os migrantes de circularem livremente. Nas
ruas, nos transportes, nos organismos da admi-
nistração, se não se tem o bom documento, cada
controlo de identidade pode conduzir ao blo-
queio, à prisão e à expulsão.
	 Quer sejam materiais, com os seus
muros, arames farpados e uniformes, ou imate-
riais, aos balcões do Governo Civil, nos corredo-
res do metro, nos centros de acolhimento, etc., as
fronteiras são para abater porque são um entrave
à liberdade.
	 Nos quatro cantos da Europa, mi-
grantes e pessoas solidárias organizam-se para
lutarem contra estas barreiras: para passar as
fronteiras entre os países europeus, resistir ao
assédio policial, recusar as impressões digitais
obrigatórias, opor- -se aos ataques de grupos
fascistas e quebrar a lógica da invisibilidade e do
isolamento em que o poder queria envolver os
migrantes. Por todo o lado, gerou-se uma forte
solidariedade para contrariar a guerra aos mi-
grantes lançada em todo o continente, com rei-
vindicações simples e claras: documentos e alo-
jamentos, liberdade de circulação, abertura das
fronteiras, fim da repressão aos migrantes e das
expulsões, contra a ocupação policial.
Em Ventimiglia, cidade fronteiriça entra a
Itália e a França, se os turistas podem atraves-
sar tranquilamente a fronteira, não é assim para
todos. Desde o mês de Junho, que um apara-
to de forças da polícia francesa e italiana tenta
bloquear a passagem de pessoas migrantes que
desejam prosseguir a sua viagem, praticando
controlos faciais.
	 As barragens nas estradas e os contro-
los a bordo dos comboios, frequentemente com a
cumplicidade dos controladores da SNCF apesar
de algumas resistências, são quotidianas e esten-
dem-se até Nice e Marselha.
	 Todos os dias, dezenas de migrantes
que conseguem passar a fronteira são presos e
reconduzidos ao lado italiano pela polícia fran-
cesa. Mas, felizmente, muitos outros conseguem
passar e podem assim continuar a sua viagem.
	 Do lado italiano, as medidas tomadas
contra os migrantes e a liberdade de circulação
são múltiplas: do aparato policial à interdição de
distribuir comida, tudo é feito para desencorajar
aqueles e aquelas que querem passar para o ou-
tro lado dos Alpes. E para gerir e seleccionar esta
população, o Estado pode contar com o seu mais
fiel colaborador, a Cruz Vermelha. Em Ventimi-
glia, é esta que gere o centro de acolhimento dos
migrantes, situado ao lado da gare, verniz huma-
nitário à política repressiva do Estado.
	 Mas uma parte dos migrantes decidiu
não ser ajudado e recusa deixar-se fechar no cen-
tro da Cruz Vermelha. A 11 de Junho, várias deze-
nas, juntamente com algumas pessoas solidárias,
instalaram um acampamento sobre os rochedos
à beira mar, perto do posto fronteiriço principal.
Pretendem com isto protestar contra o bloqueio
da fronteira e construir um espaço de entreajuda,
de solidariedade e de luta. Apesar das pressões
policiais, que ameaçam de expulsão e procuram
impedir outros migrantes de se lhes juntarem, o
acampamento, chamado «Presídio Permanente
No Borders Ventimiglia» resiste e organiza-se.
«Neste acampamento, os europeus e os migran-
tes construíram um espaço de solidariedade, de
cumplicidade e de luta. Em conjunto, cozinha-
mos e comemos, tornamos real a solidariedade
da qual muitos falam, as informações e os con-
selhos difundem-se, vigiamos a acção das forças
policiais italianas e francesas, afirmamos clara e
abertamente o nosso desacordo perante o encer-
ramento das fronteiras.»
	 Organizam-se acções de bloqueio e
manifestações na cidade ou no posto fronteiriço,
aos gritos de «Não voltaremos para trás», bem
como tentativas colectivas de passagem da fron-
teira.
	 A 10 de Agosto, à noite, uma centena
de migrantes tentaram atravessar a fronteira,
subindo para um comboio. Na gare de Men-
ton, perante a polícia, recusaram-se a descer do
comboio. Foram então conduzidos à força para
camionetas que os reconduziram ao posto fron-
teiriço francês de Ponte San Luigi, onde foram
fechados em contentores à espera que o pedido
de retorno ao território italiano fosse aceite pe-
las autoridades. Várias pessoas solidárias blo-
quearam então a estrada para impedirem estas
expulsões e uma vintena delas foram presas. Três
franceses passaram várias horas guardados à vis-
ta e seis italianos estão doravante proibidos de
permanecer em Ventimiglia.
Cada vez que migrantes são presos pelos bó-
fias do lado francês são fechados em contentores
no comissariado da polícia de fronteira de Men-
ton à espera da sua expulsão para Itália. Mas a
solidariedade está sempre lá: pessoas solidárias
juntam-se à frente do comissariado para impedi-
rem estas expulsões. Várias delas foram também
presas e estão doravante proibidas de permane-
cer na região.
Uma vez esta fronteira ultrapassada, o cerco po-
licial e as prisões continuam, mas as solidarieda-
des e as lutas também!
	 Em Paris, a 2 de Junho de 2015, foi
evacuado um acampamento de várias centenas
de pessoas instaladas desde há meses sob a ponte
do metro aéreo de La Chapelle. Enquanto a Câ-
mara apre- sentava esta operação policial como
humanitária e propunha locais de alojamento
temporário, várias dezenas de migrantes encon-
travam-se na rua no dia seguinte. Reuniram-se
então com vá- rias pessoas solidárias e decidi-
ram ocupar uma sala associativa para passarem
a noite. Nos dias e semanas seguintes, diversos
lugares foram ocupados, sempre evacuados pela
polícia, seguindo ordens do governo civil e da Câ-
mara. Estes não desejam ver os migrantes junta-
rem-se e organizarem-se colectivamente.
	 A 8 de Junho, dezenas de bófias eva-
cuam o acampamento do Mercado Pajol e pren-
dem os migrantes, apesar de uma forte resistên-
cia que permitiu retardar o seu trabalho sujo e a
muitos migrantes escapar.
	 Depois da agressão policial, a Câmara
e o Estado
mudam de estratégia: assim
que um
novo acampamento
se organiza e que os migran-
tes se mobilizam, a Câmara,
a OFPRA (agência
encarregada da gestão dos pedidos
de asilo),
trabalhadores sociais da Emmaüs e vereado-
Em Calais, onde alguns
milhares de pessoas tentam
chegar a Inglaterra por
ferrys e pelo túnel da man-
cha, o estado e a câmara
municipal, e
stão de acordo desde há
anos para reprimir os
migrantes.
“Desde há 15
anos que mais de
40.000 pessoas
foram mortas
nas fronteiras
europeias, das
quais mais de
2.300 desde
Janeiro de 2015.
E todos os dias
morrem mais
pessoas a caminho
da Europa. ”
res vêm logo «vender-lhes»
lugares em centros
de acolhimento. É a fachada humanitária desta
guerra aos
migrantes, conduzida pelos
Estados,
e uma outra forma
de violência mais insidiosa
que a matraca policial e
o arame farpado. Em Pa-
ris,
como noutros lados, o poder procura desem-
baraçar-
-se destes migrantes, torná-los invisí-
veis e dispersá-los pelos quatro cantos da região
parisiense para evitar que eles e elas se reagru-
pem e se organizem colectivamente, a fim de ob-
terem o que querem: documentos, alojamentos e
a liberdade de circulação e de instalação.
Nos centros onde várias centenas de migrantes
são alojados por algumas semanas à medida das
expulsões, as condições de vida impostas (horá-
rios restritos, refeições impostas, interdição de
visitas, inexistência de documentos de viagem )
são más e os trâmites administrativos não avan-
çam. Perante esta situação, várias acções de ocu-
pação e de greve de fome foram feitas por aqueles
e aquelas que aí estão alojados. Mas estes centros
de acolhimento continuam a ser, para o Estado e
as associações que os gerem (Emmaüs, Aurore ),
lugares de controlo e de triagem dos que pedem
asilo.
	 A 25 de Julho, respondendo ao apelo
de Ventimiglia para um fim-de-semana de re-
sistência contra as fronteiras, uma manifestação
reuniu mais de 150 pessoas. No caminho de re-
torno ao acampamento Pajol, os manifestantes
fizeram escala na Gare du Nord e, aquando da
chegada do Eurostar, desenrolaram uma ban-
deira aos gritos de «No border, no nation, stop
deportation». Na gare, rebentaram aplausos.
	 A 31 de Julho, na sequência da décima
expulsão que os migrantes e as pessoas solidá-
rias tiveram de enfrentar, foi ocupado no 19ème
um antigo liceu abandonado e transformado em
Casa dos Refugiados.
	 Em todos estes ligares ocupados, e
apesar das dificuldades colocadas pelo cerco po-
licial e humanitário, outras práticas tentam sur-
gir: entreajuda, em vez de caridade, auto-orga-
nização, em vez de gestão humanitária, luta, em
vez de resignação. Uma cantina colectiva para
as refeições, assembleias gerais para tomada de
decisões, manifestações para romper com a in-
visibilidade na qual o poder queria mergulhar
aqueles e aquelas que considera indesejáveis.
Outros acampamentos foram igualmente evacua-
dos, entre os quais o do jardim público Jessaint
em La Chapelle. Várias dezenas de mi- grantes
ocupam desde então o átrio do governo civil do
18ème. Em Calais, a 2 de Junho, os últimos luga-
res ocupados pelos migrantes no centro da cida-
de foram evacuados: o squat Fort Galloo aberto
em Julho de 2014 no seguimento de uma mani-
festação e o acampamento (chamado jungle pe-
los migrantes) do Leader Price. Aqueles e aque-
las que aí viviam foram assim obrigados a irem
para o bidonville do Estado, situado na periferia
da cidade, ao lado do centro de alojamento Ju-
les Ferry, longe dos pontos de acesso à fronteira
para a Inglaterra. Nesta jungle, único lugar onde
os migrantes são autorizados a dormir, 3.000
pessoas sobrevivem em condições muito difíceis.
Em Ca- lais, ponto de passagem para numerosas
pessoas migrantes, estas devem enfrentar as rus-
gas e a violência policial, mas também os ataques
fascistas, cada vez mais violentos e habituais.
Mas, como em Ventimiglia, em Paris e noutros
lados na Europa, migrantes e pessoas solidárias
resistem, tecem laços de solidariedade quoti-
diana, tomam a rua e os migrantes auto-organi-
zam- -se para passarem para Inglaterra, apesar
de uma fronteira e uma repressão cada vez mais
mortífera (11 mortos entre Junho e Agosto de
2015).
	 Durante todo o Verão, tentativas au-
to-organizadas de subir colectivamente para os
camiões e as navettes do Eurotunel foram vio-
lentamente reprimidas pelos bófias. Grupos de
centenas de migrantes passam o arame farpado,
param os camiões e tentam introduzir-se dentro.
Os golpes de matraca e de gás lacrimogéneo cho-
vem e numerosos migrantes são feridos ou pre-
sos. Estas tentativas de passagem, em que alguns
conseguem, vão ser utilizadas pelas autoridades
para pedirem reforços policiais. Nos média, dos
dois lados da Mancha, o número de pessoas que
tenta entrar no túnel vai ser voluntariamente
exagerado.
Uma reunião cimeira, entre ministros britâni-
cos e franceses, conclui-se com novos acordos
de cooperação para reprimir os migrantes: mais
controlos, mais barreiras, mais bófias, graças ao
financiamento inglês.
Na jungle, migrantes e pessoas solidárias orga-
nizaram manifestações para o centro da cidade
e bloqueios da autoestrada de acesso ao Eurotu-
nel, permitindo a alguns de subir para as trasei-
ras dos camiões. Estas acções multiplicaram-se
nestas últimas semanas, dando força colectiva
aos migrantes. O local de distribuição de comi-
da no centro Jules Ferry foi também bloqueado
para denunciar as condições de vida impostas no
bidonville.
	 Contra as fronteiras, solidariedade ac-
tiva com os migrantes! A distinção operada pelo
poder, por alguns intelectuais e pelos média en-
tre, de um lado, refugiados políticos, e, do outro,
migrantes económicos, é mais uma das inúmeras
operações de triagem entre «bons refugiados que
poderemos acolher» e «maus migrantes econó-
micos que é preciso expulsar». Para nós, não
existe boa política migratória porque o proble-
ma é mesmo a existência de fronteiras, utensílio
mortífero de controlo e de gestão das populações
pelos Estados.
	 Nestes últimos meses, as resistências
às fronteiras foram numerosas e fortes. Podemos
apoderarmo-nos desta energia e dar-lhe am-
plitude para a transformar num movimento de
solidariedade e de rebelião contra o sistema de
fronteiras.
	 Solidarizar-se e organizar-se com os
migrantes, lá onde eles resistem contra a guerra
que lhes dão os Estados, é contribuir para enfra-
quecer as fronteiras que se levantam por todo o
caminho dos que não têm os bons papéis para
circularem e instalarem-se onde querem. Esta
solidariedade é o contrário de caridade. A cari-
dade é uma relação de dominação, onde quem
dá tem o poder e quem recebe é relegado para o
papel da vítima que só pode receber.
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
CADERNO CENTRAL
CADERNOCENTRAL
Pelo contrário, devemos procurar construir rela-
ções de partilha e de igualdade, lutas auto-orga-
nizadas para quem as quer viver, sem hierarquia
nem paternalismo.
	 Podemos agir em todo o lado à nossa
volta, em todo o lado onde se levantam frontei-
ras, e de múltiplas maneiras: trazendo para a rua
discursos diferentes dos do poder e dos huma-
nitários, através de panfletos, cartazes, ajunta-
mentos e manifestações, etc.; contribuindo con-
cretamente à passagem de fronteiras; trocando
conselhos e informações práticas para recuperar
comida como para partir para outra cidade; par-
tilhando conhecimentos jurídicos, conselhos e
técnicas sobre os controlos e as prisões; organi-
zando-se no seu bairro para agir contra as rus-
gas; etc.
	 Documentos de identidade nos cen-
tros de retenção, rusgas nos balcões dos gover-
nos civis, abaixo todas as fronteiras! A vida das
pessoas não deve depender de pedaços de papel!
[Nas páginas 20 e 21 apresentamos um mapa cronológi-
co de diversas notícias aparecidas entre Agosto e Setem-
bro de lutas contra as fronteiras.].
SITES DE INFORMAÇÃO SOBRE LUTAS NA EU-
ROPA EM DIVERSAS LINGUAS :

Sans Papiers ni Frontières http:// sanspapiersnifrontie-
res.noblogs.org
Marseille Infos Autonomes http://mars-infos.org/+-
migrations-sans-papiers-+
Presidio No Border Vintimille http://noborders20mi-
glia. noblogs.org
Paris Luttes infos https://paris-luttes.info/+-refugie
-es- de-la-chapelle-+

Calais Migrant Solidarity https://calaismigrantsolidari-
ty. wordpress.com
Hurriya (Itália) http://hurriya.noblogs.org

Clandestina (Grécia) https://clandestinenglish. wor-
dpress.com

Infokiosques.net https://infokiosques.net/immigra-
tions
Olhar a brutalidade da Europa a partir das Ilhas Gregas.
Maria Luz / Miguel Carmo / Manuel Bívar
No dia 19 de Agosto viajámos da ilha de Icária
para Atenas. O barco que tomámos partiu das
ilhas norte do mar Egeu, parou na ilha de Sa-
mos, e de seguida em Icária. Quando entrámos
no barco percebemos que centenas de refugia-
dos sírios e iraquianos ali estavam a caminho de
Atenas. Falámos com alguns jovens sírios, dois
deles fluentes em inglês. Os relatos das travessias
da costa turca para as ilhas gregas são assusta-
dores. As pessoas com quem falámos pagaram
1000 dólares pela travessia da costa turca para
a ilha de Samos um estreito de 5 Km num bote
atulhado com 40 pessoas. Vários fizeram várias
tentativas. Ahmet contou-nos que nas suas duas
primeiras viagens foram interceptados por um
barco de guerra não identificado (referido por
eles como “comandos”), que foram atacados por
militares com máscara e que falavam alemão, e
que lhes furaram o motor e o casco do bote dei-
xando-os ao largo e à morte. Foram resgatados as
duas vezes pela polícia turca. Dizia também que
são comuns os roubos, que esses mesmos milita-
res sacam com desfaçatez os telemóveis, iphones,
e maços de dólares a quem vai nos botes.
	 No porto de Icária, conhecemos um
professor universitário turco que dá aulas em
Ancara.
Contou-nos que visitou
seus pais em
Bodrum,
na costa mediterrânica.
Que do alto da
colina
onde seus pais têm casa
e donde se avista
o porto
e o mar, são correntes os
bandos abun-
dantes de
aves marinhas fazendo
círculos em
alto mar. Em
Bodrum todos sabem o
que as aves
comportando-se assim significam mais o afunda-
mento de
um bote. Os tais botes de
40 pessoas,
1000 dólares
a cabeça. Mulheres com
miúdos ao
colo. Tudo mar adentro a chorar e até sempre.
Viva a Europa!
	 Nesse dia 19 tomámos contacto com
uma realidade que começava a ser noticiada in-
tensamente nos telejornais e imprensa. Pudemos
assistir na semana seguinte, já em Lisboa, ao
avanço dia a dia entre fronteiras que nos tinha
sido descrito com pormenor pelos sírios: Porto
de Pireu, norte da Grécia, Macedónia, Sérvia,
Hungria, Áustria, Alemanha. Alguns deles que
riam seguir para a Bélgica. Duas semanas depois,
a foto de uma criança afogada a levar com ondas
no areal e de seguida a ser recolhida pela polícia
turca espanta o mundo. Era na costa de Bodrum
de que nos falava o professor de Ancara. O que
surpreende na produção de notícia é não existir
qualquer interrogação sobre as causas materiais
de tantos naufrágios num mar que, nesta altura
do ano, é um espelho de água, sem ondas e vento.
Entre Bodrum e Kos, para onde se dirigia o bar-
co, não há sequer 5 Km de mar.
	 Com estes relatos, decidimos interpe-
lar os de- putados portugueses no parlamento
europeu do BE e do PCP em busca de mais in-
formação e de um eventual pedido de esclare-
cimento à Comissão Europeia. Respondeu-nos
pelo PCP, Inês Zuber, explicando que em Junho
passado foi aprovada uma operação militar con-
tra as travessias do mediterrâneo por migrantes,
através de uma missão da EUNAVFOR MED,
por decisão da Comissão Europeia e do Conse-
lho Europeu. Refere ainda que têm proposto
cortes na dotação orça- mental da UE2016 para
a operação FRONTEX, de controlo das fronteiras
externas da UE com “cariz policial e repressivo.”
Fomos pesquisar. A 22 de Junho foi anunciada
pelos serviços do Conselho Europeu a criação da
EUNAVFOR MED
1
: “O Conselho lançou hoje a
operação naval da UE contra passadores e trafi-
cantes de seres humanos no Mediterrâneo. A sua
missão é identificar, capturar e destruir navios e
bens utilizados, ou sob suspeita de serem utiliza-
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
CADERNO CENTRAL
dos por passadores ou traficantes de migrantes.”
Logo de seguida, o texto cita a Alta Representan-
te para os Negócios Estrangeiros e Política de
Segurança, Fede- rica Mogherini: “A UE nunca
levou tão a sério como agora a questão das mi-
grações. Com esta operação, estamos a atacar o
modelo de negócio daqueles que beneficiam da
miséria dos migrantes.” Temos assim as insti-
tuições europeias e seus altos representantes a
determinar que os problemas de imigração se
resolvem atacando os passadores e as máfias de
transporte, numa fantástica inversão: não são os
milhões de refugiados e migrantes e as frontei-
ras fechadas que geram economias de passagem,
mas são estes interesses que geram a oportunida-
de de salto
2
. Não foi com inversões deste calibre
que os racismos europeus discursaram durante
um século, nomeadamente o nazi?
Na torren-
te de reportagens que acompanham a crise dos
refugiados, ou- vimos que os pagamentos para
entrada ilegal na Europa desceram a pique nos
dias em que a Alemanha manteve as fronteiras
abertas. A segunda interrogação que salta à vis-
ta é como pensa a EU atacar as redes de trans-
portes sem atacar migrantes. O observatório
Statewach
3
disponibiliza um dossier imenso
em permanente atualização sobre a “EU refugee
crisis”, onde revela um documento da Comis-
são Europeia, no qual se admite «o alto risco de
danos colaterais incluindo a perda de vidas» de
uma operação que contará com «amplos meios
marítimos, de terra e ar», incluindo unidades
de forças especiais. Inês Zuber relata que, numa
visita aos centros de acolhimento de Pozzallo
e Lampedusa (Itália) onde falou com pessoas
detidas, bem como com organizações de apoio
aos migrantes, foi-lhe dito que muitas vezes os
barcos que transportam os migrantes não levam
qualquer traficante, uma vez que são os próprios
migrantes obrigados a pilotar os barcos. E, ainda,
que em várias situações, migrantes e refugiados,
muitas vezes perseguidos políticos, são submeti-
dos, de forma abusiva, a constantes interrogató-
rios
4/5
. No passado dia 14 de Setembro, a EU-
NAVFOR MED entrou na sua segunda fase que
possibilita que “a operação naval da UE contra
os passadores e traficantes de seres humanos no
Mediterrâneo proceda à subida a bordo, busca,
confisco e desvio em alto mar de navios suspeitos
de serem utiliza- dos na introdução clandestina
de migrantes.”
6
O uso repetido da palavra “sus-
peitos” nos textos oficiais parece evidenciar o ca-
rácter meta-legal destas missões militares.
Para
abrir o quadro é necessário olhar para a Agenda
Europeia para a Migração 2015 apresentada em
Maio de 2015, onde se prevê, em suma, a mul-
tiplicação de fundos para operações militares e
policiais, como o programa FRONTEX (onde se
inclui a operação Tritão), o reforço da coopera-
ção de instituições policiais, como o Eurojust e
a Interpol, com a política de asilo da UE, de for-
ma a facilitar a identificação de migrantes e os
processos de repatriamento, e o prosseguimento
de uma política de seleção de força de trabalho
qualificada de acordo com as necessidades das
empresas da UE. Em nenhum lugar se concebe
ali a criação de canais seguros para acolhimento
de pessoas que se dirijam à Europa em condições
precárias e procurem, por exemplo, agrupamen-
to familiar. A UE considera, enquanto tranquila
banalidade, que o movimento de pessoas através
das fronteiras do espaço Schengen é uma questão
policial, de solução repressiva, e uma questão de
mercado. Bastará escutar as declarações “choca-
das” do Alto Comissário para os Refugiados da
ONU para acedermos rapidamente ao essencial
da política europeia para a migração.
	 Voltemos às ilhas gregas. Que pensar
do rela- to de “comandos” de cara tapada a atacar
botes cheios de pessoas, deixando-as à deriva e à
morte, e que falam alemão? Quem é esta gente?
A plataforma Watch the Med, a trabalhar desde
2012, tem monitorizado e mapeado online as
mortes e violações dos direitos dos emigrantes
nas fronteiras marítimas da UE no mediterrâneo.
O seu objetivo é documentar a violência no mar
“enquanto resultado estrutural da militarização
da fronteira sul europeia”
7
. Têm como atividade
principal um centro de informação que recolhe,
a partir de um número de telefone, pedidos de
auxílio no mar, seja naufrágio, ataques ou desvio
ilegais para o país de partida (pushbacks). Esta
organização identificou cerca de 20 situações
semelhantes à que nos foi relatada pelos Sírios
e na mesma área (ilhas gregas-Turquia)
8/9
. O
modus operandi é o mesmo: unidades especiais
armadas e de cara tapada; danificação do motor
e perfuração do casco; abandono das pessoas
à deriva. A informação recolhida aponta para
ações da guarda costeira grega, em colaboração
com elementos e embarcações do FRONTEX.
Pelo que podemos ler, estas práticas são usuais
na fronteira marítima entre a Grécia e Turquia,
abrandaram a partir de Janeiro de 2015 com a
eleição do governo Syriza, e estão a recrudescer
desde Julho passado. É necessário notar que no
geral os refugiados estão ser a bem recebidos na
Grécia, já foram fretados vários ferries para o
transporte massivo para Atenas e os Sírios que
conhecemos traziam um salvo-conduto de dois
meses para atravessar o país.
	 Em Samos conhecemos duas irmãs
jovens de uma família que resistiu com armas
à ocupação nazi da ilha. Perguntámos a Izmin
como estava a situação dos refugiados em Les-
bos, onde vive. Contou-nos que todos os dias
várias centenas desembarcam na ilha e que
a ideia mais forte que lhe ocorre é que eles, os
gregos, poderão ser os próximos a meter-se em
botes a caminho de algum lugar. O mediterrâneo
já foi um território, diz Fernand Braudel, agora
é atravessado por uma fronteira que o corta de
nascente a poente e que, contra todos os esfor-
ços da UE para a fixar no meio do mar, parece
estar a deslocar-se para latitudes mais a norte: os
migrantes querem chegar à Alemanha e ao nor-
te e estão pouco interessados nos países do sul
da Europa empobrecidos sob austeridade. Essa
fronteira da morte exangue e invisível no meio
do mar, que dispensa arame farpado e tropa de
choque, chegou a terra e está a fixar-se na Eu-
ropa central. “Como habitualmente, o traçar de
fronteiras será mais difícil para o historiador que
para o geógrafo. «Europa é uma noção confusa»,
escreveu já Henri Hauser. É um mundo duplo,
se não mesmo triplo, formado por seres e espa-
ços diversamente trabalhados pela história. E o
Mediterrâneo, que influencia fortemente o Sul
do continente, contrariou bastante a unidade da
Europa, que procurou atrair para a sua esfera de
influência, provocando movimentos de diversão
que lhe fossem favoráveis.”
10
Contra uma Euro-
pa brutal, um mar território.
/// NOTAS:

1 comunicado do Conselho Europeu: http://goo.
gl/7LkRWR

2 Sobre a equiparação entre passadores de migrantes
e tráfico humano: http://goo.gl/l1e1cT

3 Statewatch: http://goo.gl/65RJwu

4 Jornal Avante: http://goo.gl/IQGEba

5 Parlamento Europeu: http://goo.gl/0iHm9g

6 http://goo.gl/tPnGaj

7 Acerca de Watch the Med: http://goo.gl/gMCAFE

8 Watch the Med: http://goo.gl/wif0Ci

9 Watch the Med: http://goo.gl/XPlWYq

10 Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o Mundo Me-
diterrâneo,
vol. I, Dom Quixote, 1995 [1979], pp. 213.
“Os relatos das
travessias da costa
turca para as
Ilhas Gregas são
assustadores. As
pessoas com quem
falámos pagaram
1000 dólares
pela travessia da
Costa Turca para
a Ilha de Samos
- um estreito de
5km - num bote
atafulhado com 40
pessoas. ”
o que se passa no mar egeu
?
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
CADERNO CENTRAL
Andrea Staid
Nos últimos 8 anos, para além do meu ativismo
libertário, tentei aprofundar através de um tra-
balho etnográfico, as viagens dos migrantes, ou
seja, a dura experiência que leva milhares de pes-
soas à fortaleza europeia em direção ao Ocidente,
em busca de trabalho ou de uma nova vida.
Ao chegar a Itália, com um pouco de sorte, con-
seguem fugir, evitando a detenção por parte da
polícia. Mas nos tempos que correm, com o re-
forçar da guarda costeira, isso é praticamente
impossível.
	 O protocolo a seguir será então o do
primeiro-socorro, realizado ainda em mar, pois
são poucos os que conseguem chegar directa-
mente às praias. Seguidamente serão identifica-
dos e registados através das impressões digitais,
enviados para um dos centros de primeiro aco-
lhimento e, consequentemente, para um dos CIE
presentes na Península. Isso tudo por serem con-
siderados clandestinos, seres humanos ilegais e
portanto, fechados em Centros de Identificação
e Expulsão. A política de imigração italiana con-
cretiza- -se numa série de centros predispostos a
um falso acolhimento e na detenção dos migran-
tes até à decisão sobre um destino definitivo. Os
centros distinguem-se entre eles segundo o seu
próprio objetivo. Existem principalmente três ti-
pologias: CDA: Centros De Acolhimento;
CARA: Centros de Acolhimento aos Requerentes
de Asilo; CIE: Centros de Identificação e Expul-
são; São os CIE a representar o famoso “punho
de ferro” exigido pelo governo. São os antigos
CPT (Centros de Permanência Temporária), in-
venta- dos pelo governo de esquerda através da
famosa e triste lei Turco-Napolitano, que insti-
tuiu os campos de concentração do novo milénio.
	 Apesar do destino de quem chega aos
CIE poder, por si, parecer bastante mau, é im-
portante relembrar o destino bem pior de muitas
outras pessoas. Falo de todos aqueles homens,
mulheres e crianças que nem a terra chegam a pi-
sar. São os ‘’invisíveis”, que desaparecem debaixo
de uma cruel superfície marítima que os acolhe
para nunca mais soltá-los. O número de mortos é
enorme e levou muitos investigadores a falar do
mediterrâneo como um verdadeiro cemitério ao
ar livre. No interior dos CIE, as greves de fome,
os atos de autoflagelo, os incêndios, as evasões e
as verdadeiras revoltas são bastante frequentes.
	 Depois das longas viagens e das gran-
des expectativas, estas pessoas não conseguem
aceitar o facto de
estarem atrás de grades. Não
se
querem render à impossibilidade de que seja re-
conhecido
o seu direito a viajar e encontrar um
trabalho para melhorar as suas vidas, pelo me-
nos
de um ponto de vista económico. Por isso
decidem reconquistar os seus direitos com
a úni-
ca arma de que ainda
dispõem: os próprios cor-
pos.
Os mesmos corpos que foram
expostos às
balas da polícia do
regime do qual estão a fugir,
às
cacetadas vindas dos militares que os rouba-
vam no deserto ou às torturas nas prisões Líbias.
São os corpos de jovens, mulheres e homens que
atravessaram o mar e com os quais agora tentam
atravessar as gaiolas nas quais foram fechados,
com o risco de acabarem no hospital ou na pri-
são, acusados de agressão aos serviços de ordem.
	‘’Depois de tudo o que tinha feito para
chegar a Itália, não me podia render na prisão,
por isso encontrei a força de fugir e arriscar. No
fundo, o que eu tinha a perder? Talvez fosse me-
lhor encontrar- -me no deserto e morrer à fome
e à sede’’ (S. Mali)
	 Para viver com dignidade na sociedade
capitalista, uma mulher ou um homem precisa de
um trabalho e de uma perspectiva de vida. Para o
fazer precisa de ser livre de se mover e procurar o
seu lugar no mundo. Liberdade e dignidade, es-
sas nas quais os migrantes acreditam até ao fim,
até ao ponto de comprometerem as suas vidas no
mar e nas quais continuam a acreditar quando
se decidem revoltar contra a máquina das expul-
sões, queimando e destruindo as estruturas dos
CIE ou então destruindo o próprio corpo, cortan-
do as veias, engolindo vidros e pedaços de ferro,
para acabar no hospital e evitar serem repatria-
dos.
	 Os políticos condenam a ‘’violência’’
física usada pelos detidos contra as forças de or-
dem e contra as estruturas prisionais dos CIE e
temos que a comparar à violência institucional
de toda a máquina de expulsões. A violência dos
acordos entre governos que deixam morrer no
deserto,nas prisões e no mar centenas de pessoas
e que acha normal fechar numa cela, durante um
ano e meio, rapazes e raparigas culpados de não
terem documentos. Culpados de te- rem nascido
no lado errado do mundo.
	 Porque, para quem é italiano, espa-
nhol ou alemão, basta apanhar um avião low cost
e em poucas horas se chega confortavelmente a
Tanger ou Tunis. Mas assim não é se fores tuni-
sino ou marroquino. Não vivemos num mundo
de direitos iguais mas sim num mundo globali-
zado, onde mobilidade é poder. E só os cidadãos
dos Estados mais ricos têm pleno acesso a ela.
Quem tem o passaporte errado não pode viajar
pelo mundo, a menos que decida revoltar-se con-
tra as fronteiras e ganhar coragem para encarar
a viagem com destino à Europa. Te- mos que
pensar profundamente sobre quão absurdas são
as fronteiras e apoiar a liberdade de movimento
para todos, até ao dia em que se poderá circular
livremente entre as duas margens do mediterrâ-
neo. Em Itália, foram muitas as revoltas contra
os CIE, nos últimos anos. Os protestos invadiram
todos os centros, em particular entre os meses
de Agosto e Setembro de 2011, quando o gover-
no italiano aprovou a lei que aumentou de 6 a 18
meses o limite de detenção.
	 Se nos basearmos apenas nas notícias
recolhidas pela Fortress Europe, o número de
evadi- dos em 2011 é pelo menos de 580 pessoas.
Um número sem precedentes, ao qual terá que se
acrescentar dezenas de feridos e detidos. Acerca
dos danos causados nas estruturas de detenção
durante as revoltas, não existem estimativas ofi-
ciais, mas é fácil imaginar que estejam na ordem
de milhões de euros, considerando que inteiras
secções foram destruídas e queimadas durante
DETENÇÃONOSCIEEREVOLTA
CADERNOCENTRAL
Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15
CADERNO CENTRAL
as revoltas de Torino, Roma, Milano, Gradisca,
Brindisi, Bologna. Isto sem contar que um pavi-
lhão inteiro do centro de acolhimento de Lam-
pedusa foi inteiramente destruído pelas chamas.
Do CIE de Roma conseguiram sair 191 detidos
durante os meses de Agosto e Setembro. Do CIE
de Brindisi fugiram 140, em Trapani 79, entre o
CIE de Milo e Vulpetta, Torino 59, Modena 35,
Bologna 20 e Cagliari 2. 54 Tunisinos consegui-
ram fugir do hangar do porto de Pozzallo, em
Ragusa, lugar de detenção ilegal. Mesmo sendo
muitos, 580 evadidos parece pouco se comparar-
mos com os números da máquina de expulsões.
Considerando o total de 3.600 cidadãos tunisi-
nos repatriados em 2011, cada ano uma média
de 11.000 pessoas transitam pelos CIE e destes,
4.500 são efectivamente repatriados à força. A
absurdidade dos repatriamentos é o resultado
das políticas de segurança da Europa Fortaleza,
culpada por milhares de mortos no mar mediter-
râneo. Não podemos esperar por soluções vindas
de políticos de profissão. As soluções podemos e
devemos encontrá-las em conjunto com quem se
evade e se revolta contra as fronteiras impostas
pelos Estados. Porque somos todos humanos
para além das aparências étnicas e as fronteiras
são uma absurda ilusão capitalista.
Em Itália, foram muitas as
revoltas contra os CIE, nos últimos
anos. Os protestos invadiram
todos os centros, em particular
entre os meses de Agosto e
Setembro de 2011. Quando o
governo italiano aprovou a lei
que aumentou de 6 a 18 meses o
limite de detenção
EVASÃO DE NATAL DO CIE DE TORINO
1
No centro, cada dia é um caos com a bófia. Como se costuma dizer, nós ati-
ramos-lhes de tudo, da massa até à fruta. Ficamos sem comê-la alguns dias,
escondemo-la, deixamo-la bem apodrecer e depois atiramos-lhes à cara,
contra os bófias, os militares e todos os guardas.
Desde que saí e que fugi sinto-me muito bem, estou demasiado feliz. É dife-
rente sair assim, não porque acabou o tempo máximo, mas porque és tu que
decides fugir. Organizas-te com os teus companheiros e sais. É a segunda
vez que queimamos as fronteiras. Aliás, para mim é a terceira.
Fugir do CIE é uma escolha, que tem que ser bem feita porque não é fácil. Por
isso nós fugi- mos no Natal. Escolhemos um bom momento e sabíamos que
no dia de natal os guardas estão todos bêbedos e por isso há menos controlo,
menos segurança...e conseguimos. Saímos na hora exata em que tínhamos
decidido.
	 Calculámos tudo, preparámos tudo com cal- ma e precisão. Or-
ganizámos tudo durante a noite, falávamos numa das secções de quartos e
tentávamos de considerar tudo e ali percebemos que o momento melhor iria
ser o Natal.
	 Espontaneamente falamos uns com os outros todos os dias mas
aqui tratava-se de organizar a fuga. Então era preciso concentração. Den-
tro do centro nunca nos aborrecemos. Trabalha- mos o dia todo ou pelo me-
nos fazemos trabalhar os polícias. Não os deixamos dormir e fazemos com
que façam o trabalho deles, ou seja, levar com coisas em cima.
Depois, durante a noite trabalhava-se para a fuga. Foi uma semana de pre-
parativos e depois no Natal BUM. Saímos.
Nos não tomamos aquelas merdas que nos dão, sabemos que as terapias
deles te adormecem e não te deixam fazer nada. Dentro do centro existem
também os cabrões, os que falam com os polícias e vivem em isolamento.
Quando apanhámos um desses, sem o aleijar, cuspimos- -lhe na cara e ex-
pulsámo-lo do quarto com o colchão dele.
Eu passei um mês e meio lá dentro. As revoltas foram muitas, mas esta de
Natal permitiu a muitos fugir e não foi um acaso mas sim a preparação da
fuga que nos premiou. Depois havia muito poucos polícias, uma dezena no
máximo e nós éramos muitos. Então eles não avançaram. Fizemos um bom
trabalho e por isso correu bem. Os polícias estavam todos bêbados por terem
feito festa e nós abrimos as portas todas dos quartos e saímos em grande
número. Por isso eles fugiram e não podiam fazer nada.
	 Os primeiros que saíram abriram aos outros, nós não consegui-
mos abrir as portas das mulheres, queríamos deixá-las passar primeiro
mas não conseguimos. As mulheres insultavam
os polícias como nós e estavam felizes por nós,
mesmo que não conseguissem fugir.
Naquela noite tínhamos calculado tudo. Uma só
área sai e abre a de todos os outros. Um de nós
até pegou no extintor e lavou um polícia como
eles faziam sempre connosco.
A polícia fugiu, éramos demasiados e deviam
esperar os reforços. Demoraram pelo menos 30
minutos para se organizarem.
	 Todos os homens participaram na
evasão e estamos a falar de cerca de 100 pes-
soas. Agora, dos que fugiram estão lá fora 46
mas os outros foram apanhados. Alguns rapa-
zes voltaram sozinhos porque tinham medo, têm
filhos lá fora, as mulheres, os documentos para
arranjarem. Depois havia quem, no início, não
queria fugir e depois quando viu os outros sen-
tiu o cheiro da liberdade. Sabes, a liberdade tem
um cheiro demasiado forte, muito bom, e então
juntaram-se a nós e fugiram.
Lá fora havia Italianos que ajudavam os pol
cias e outros que nos ajudaram a nós e diziam-
-nos onde nos podiam esconder.
	 Não temos medo porque eles é que
têm medo, somos mais que eles e devem sem-
pre esperar os reforços. Se preparamos bem
as revoltas, têm medo da nossa determinação.
Depois os jornais dizem sempre o que quiserem.
Para a nossa evasão nenhum polícia foi ferido.
Nenhum. Também porque fugiram logo e nem
houve o tempo para o confronto. Mas os que
foram apanhados pelos guardas foram espan-
cados e metidos em isola- mento ou pior ainda
repatriados diretamente.
1 Entrevista com três fugitivos em 25 de Dezem-
bro para a rádio Blackout de Turim, transcritas
por mim com alguma simplificação linguística
menor.
Jornal MAPA
Jornal MAPA
Jornal MAPA
Jornal MAPA
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Jornal MAPA
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  • 1. 11número OS SENHORES E A CONQUITSA DE ÓBIDOS “O projecto de óbidos vai ocupar o último espaço natural’ usado para férias pela população local.” nato uma lança em áfrica “(...) o objectivo central destes exercícios é treinar intervenções militares no continente africano. algarve on-shore! “Em relação à rota, eles não podem fechar. A não ser que electrifiquem o mar..” página 2 página 4 página 6 caderno centralcartografia da europa fortaleza migrantes, refugiados e solidariedade sem fronteiras no velho continente do genocídio à resistência: as mulheres yazidi ripostam “Durante todo um ano, as mulheres Yazidi foram retratadas pelos media como vítimas indefesas de violação.”” página 26 página 28 os exércitos vigiam fronteiras de classe “O movimento anti-militarista cipriota organiza pelo sexto ano consecutivo um concerto em Nicósia.” página 29 crónica: o exílio portuense das safos galegas por Carlos C. Varela página 31 crónica: felizmente continua a haver luar! “Á entrada de uma minúscula povoação está o Café Benthai.” página 32 tetralogia: orgasmo negro (Parte I) Livro: aos nossos amigos a cibernética Comité Invisível Edições Antipáticas, 2015 página 35 in memorian: Vitor Silva Tavares “Vitor Tavares nunca se dedicou a construir um legado, antes a viver como queria o seu quotidiano.” página 36 página 38 baldio: O messias página 38 panem et circenses página 39 baldio: ao salto dos montes: alvados Neste número destacamos o caderno central sobre a fortaleza europeia, as causas que levam aos fluxos massivos de pessoas migrantes, e também os episódios de resistência e solidariedade contra as condições de miséria com que se deparam todas estas pessoas assim que chegam à “Europa civilizada”. Com este número, o jornal MAPA completa o seu terceiro ano de Informação Crítica, e lança a sua 11ª edição, desta feita com 40 páginas que certamente continuarão a fazer tremer os cadeirões dos gabinetes. Outubro - Dezembro 2015 Trimestral Ano III www.jornalmapa.pt
  • 2. Da esquerda à direita, todos os partidos políticos se propõem governar de forma a “resolver os pro- blemas do país”. Foi esta a retórica que apelou ao voto e é este o discurso que, decorrendo no ter- reno do espectáculo e da mediatização, pretende legitimar o regime e empalmar o apodrecimento da democracia. Um jogo permanente, que não se inicia nem se acaba, mas que normalmente so- bressai em alturas de campanha. Nas últimas le- gislativas, tal como noutras votações para cargos de poder, os seus actores tentaram escamotear os valores da abstenção, uma das mais altas de sempre. Enquanto os políticos portugueses se digladiam por lugares e interesses no parlamen- to, os fluxos migratórios mostram que as bases desta Europa em que vivemos são a violência dos exércitos e das polícias, e a propaganda racista do “nós” e do “outro”, cujo objectivo é unicamen- te propagar o ódio contra os mais desprotegidos e fragilizados pelo sistema. Os centros de deten- ção para migrantes relembram, perigosamente, campos de concentração ou Gulags. A necessidade que uns têm de alcançar a Europa gera também um boom de fluxos mo- netários na área da segurança, onde se compram novos drones, barcos, armas e sistemas de moni- torização. O Estado português não é excepção e tem disponibilizado meios humanos e materiais nas operações de controlo à migração no medi- terrâneo, da agência Frontex. Ao mesmo tempo, negligencia os meios destinados ao socorro a náufragos na costa portuguesa, deixando os pes- cadores à sua mercê, como demonstra a recente tragédia com o arrastão Olívia Ribau, na Figueira da Foz. Em operações de salvamento, apenas a banca é prioridade máxima do governo. O circo eleitoral e os próximos ca- pítulos têm dominado a agenda dos média nos últimos dias, e neste corrupio, ignora-se que é também em território português que decorre já o exercício da NATO Trident Juncture 2015, com a consequente invasão das nossas praias. É justamente em algumas destas zonas que se procura petróleo e gás e, a avaliar pelo número de concessões do Estado português à indústria dos combustíveis fósseis, Portugal é já uma zona de férteis investimentos. Com este número, o jornal MAPA completa o seu terceiro ano de Informação Crí- tica, e lança a sua 11a edição, desta feita com 40 páginas que continuarão a fazer tremer os cadei- rões dos gabinetes. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 O “NÓS” E O “OUTRO” Os últimos hectares de mata atlântica (maiori- tariamente pinhal) com mata natural do Bom Sucesso, em Óbidos, estão ser destruídos para dar lugar a mais um PIN. Em causa está o Resort Falésia D’El Rey, um projeto imobiliário com 475 moradias e apartamentos de luxo, hotel 5 estre- las, boutique hotel, piscinas e campo de golfe de 18 buracos, que se estende até 500 metros das falésias, que estão a desabar, pondo em perigo a segurança das pessoas na praia. Os acessos às praias estão fechados ao público devido às obras e a população sente que perdeu as suas praias. A história do Bom Sucesso com o turismo é a repe- tição do que passou no Allgarve quando Gerard Fagan (considerado um dos donos do golfe em Portugal) decidiu que “é aqui (Algarve) que que- ria passar a minha reforma”. Em 2000 conhece o Inglês Simon Burgess, com quem decide criar um projeto turístico, o Estrela da Luz, na Praia da Luz, e desde então nunca mais pararam indo até Silves, comprando também os cinco campos de Albufeira e chegando inclusive aos Açores e a Óbidos. Ou como o caso da Costa Vicentina onde se verifica a violação e usurpação de espaços protegi- dos, a privatização de praias1 em nome da economia e do interesse nacional, recorrendo, para isso, a gastos de água astronómicos, a explo- ração laboral resultando na perda de território comum e na deterioração das condições sociais. O projeto de Óbidos vai ocupar o último espaço “natural” usado para férias pela população local, bem como por imigrantes e alguns turistas das classes mais baixas. Aí faziam-se piqueniques e churrascos em família, ia-se às praias, realiza- vam-se pequenos encontros/festas, praticavam- se desportos, fazia-se campismo selvagem, ia-se namorar e ver o pôr-do-sol. Era o sítio onde os habitantes locais iam apanhar cogumelos, ervas medicinais selvagens, lenha, pastar e/ou passear os animais. Para quem conhecia e frequentava o local deste pequeno ex-oásis no meio de constru- ções e praias “com condições para o usuário e o comerciante”, é desoladora a imagem do derrube das árvores, dos muros e das cercas, das constan- tes obras, das placas “proibido passar/proprieda- de privada”, dos seguranças em vez dos guardas florestais. O caso é, também, semelhante ao que se passou na Meia-Praia, em Lagos no Algarve, em 2011, aquando da interditação da circulação nas estradas de acesso às praias em Odiáxere, devido à construção do Palmares Resort, junto Um Projeto de Interesse Nacional (PIN), no município de Óbidos, corta acesso a praias para se construir mais um resort de luxo e golfe. Granado da Silva - granadodasilva@jornalmapa.pt à praia de Alvor. Para construir o Resort Falé- sia D’El Rey foram também cortados os acessos às praias do Rio Cortiço e Olhos de Água (Lapi- nha). A Câmara de Óbidos congratula-se por ter conseguido, em 2007, reduzir o projecto inicial de construção de 15% dos 240 hectares para 5% após negociação com as empresas. O resort em questão faz parte de um projeto promovido, desde 1997, sob o nome Sil- ver Coast, constituído por vários campos de gol- fe e habitações de luxo com grande presença na Zona Oeste, entre Torres Vedras e Nazaré. Na verdade são dezenas de megapro- jectos de “interesse nacional” dedicados ao gol- fe, nesta área de turismo, sendo este apenas mais um, contabilizando-se cinco na área do Bom Su- cesso. Como admitiu uma moradora a um jornal local, moradores, ecologistas e comunicação social têm estado a dormir. Esta expressou que “ O aviso do empreendimento estava lá, mas de u-se a cri- se, os outros resorts faliram ou estão em insol- vência e nunca pensámos que de repente fosse avançar. Os outros empreendimentos na zona não deram certo e nós achávamos que esta área estava protegida” 2 . O Resort Falésia D’El Rei é uma ini- ciativa do Beltico Group que tem como missão: “A promoção e gestão de resorts e propriedades enquanto investimentos a longo prazo.” O grupo está presente no Reino Unido, Europa Continen- tal, América do Sul, Norte de África e Extremo Oriente. Em Portugal desenvolveu o Praia D’El Rey Golf & Beach Resort, que descreve como “uma região intocada” e “um dos desenvolvi- mentos mais exclusivos e atraentes resorts de Portugal”, tendo a empresa Cris- ser, SA como promotora. O projeto Praia D’El Rey foi o primei- ro projeto do Beltico Group no final dos anos 90. Em 2015 recebeu o prémio Hall of Fame do Tri- padvisor. Neste mesmo ano foram encerrados restaurantes e demolidas cerca de 60 moradias de luxo devido a insolvências. O Praia D’El Rey Marriot Golf & Beach, no qual a seleção nacional de futebol costuma ficar alojada durante os está- gios em Óbidos, não foi englobado na insolvência, sendo salvo pela Blue Shift Portugal, empresa de consultadoria para investimento e rentabilidade de hotéis e resorts. O Praia D’El Rey e estes em- preendimentos têm recuperado algum dinheiro ao acolherem encontros de empresas, comícios, férias para representantes de empresas, reuniões e ações filantrópicas. Foi assim que em 2007 re- cebeu a reunião “Troika Alargada de Chefes da Polícia da União Europeia”, que teve a partici- pação de 30 representantes da polícia europeia, do secretariado-geral do Conselho Europeu e da Comissão Europeia, sem faltar a Interpol e a Eu- ropol. O objetivo do encontro prendeu-se com “a forma de antecipar e prevenir o crime, ou seja, como travar e conter organizações criminosas internacionais a todos os níveis”. O encontro dedicou-se também a “aprofundar a relação das polícias ao Frontex (Agência Europeia de Gestão de Fronteiras)”3 . No empreendimento Praia D’El Rey foi construído o primeiro hotel de cinco estrelas da Zona Oeste, o Marriot Hotel. Também o projeto turístico Bom Sucesso Design Resort, considera- do um dos melhores empreendimentos turísticos da Europa, financiado pelo BES, foi obrigado à insolvência em 2014 pelo tribunal, que nomeou uma administração para gerir a massa falida. As casas custavam entre 300 mil e 1 milhão de euros e têm gente como Ricardo Salgado ou José Mou- rinho como proprietários das habitações de luxo. Neste empreendimento estão investidos cerca de 14 milhões de euros para a construção de um hotel de luxo cuja obra está parada há quase um ano. Os investidores estão protegidos por um Plano Especial de Recuperação (PER) do Estado português. Em 2006, 95% dos compradores de propriedades provinham da Inglaterra, Dina- marca, Holanda e Espanha, que pagavam pelas casas mais baratas 500 mil euros usando Vistos Gold, mecanismo que permite que cidadãos de Estados-Terceiros possam obter uma autoriza- ção de residência temporária para atividade de investimento, com a dispensa de visto de residên- cia para entrar em território nacional. O projeto do Bom Sucesso chegou a ser classificado com cinco estrelas pela Direção Geral de Turismo. As receitas de quase 2 mil milhões de euros são a justificação para a aposta do Governo no golfe e nos resorts. Foi devido a este valor que o Esta- do decidiu integrar o golfe dentro dos produtos os senhores e a conquista de óbidos
  • 3. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 NOTÍCIAS À ESCALA estratégicos para o desenvolvimento do turismo. O Conselho Nacional para a Indústria do Golfe (CNIG) criou o projeto Golfe 200 mil, que con- siste em disponibilizar zonas de treino gratuitas a estudantes por um determinado período de tempo, de forma a incentivar a prática do golfe. Mas a realidade mostra o falhanço destes me- gaprojetos. Em Torres Vedras, o Resort Campo Real também chegou a estar em insolvência em 2011, mas com a venda do ativo tóxico por parte do BCP à Discovery, um fundo do próprio BCP, que mais tarde passou a responsabilidade de ex- ploração para as mãos da norte-americana Dol- ce, o projeto continuou ativo. António Carneiro, enquanto presidente da Região de Turismo do Oeste, declarou, durante o seminário “Turismo: Nos caminhos da qualidade”, realizado em 2007 em Óbidos e organizado pela Escola de Altos Estudos de Turismo de Óbidos, que “na região há espaço para todos, desde que tenham qualidade”. Hoje, todos os projetos de golfe e re- sorts da Zona Oeste já apresentaram insolvência e os que não fecharam só funcionam a 50% ou menos. Ainda assim, surge o Resort Falésia D’El Rey, com dinheiros públicos para destruir a ulti- ma parcela verde e livre e que vem cortar o acesso a praias públicas. Em 2014 tiveram lugar manifestações de trabalhadores em resorts e hotéis de luxo da região Oeste, onde se reivindicava o direito à reunião e melhores condições de trabalho. Em Março, houve duas manifestações organizadas por sindicatos junto ao Hotel Marriot na Praia D’El Rey, na pousada do Castelo de Óbidos e em frente ao Sana Silver Coast, nas Caldas da Rai- nha. As ações foram levadas a cabo depois da Administração do Marriot, no Bom Sucesso, ter interrompido as negociações com os trabalhado- res, onde estava a ser discutida a forma como os trabalhadores tomam conhecimento de quais os turnos a realizar (visto que normalmente eram informados na noite anterior pelo patronato), bem como horários, aumentos salariais e melho- res condições para poderem planear férias em fa- mília. Em Óbidos, a manifestação serviu também para exigir melhores salários em todo o grupo Pestana Pausadas. Na Zona Oeste, os megaprojectos começaram a ser notícia depois de o Buddha Eden Garden, um espaço com cerca de 35 hectares idealizado e concebido pelo comendador José Berardo no município do Bombarral, ter levado ao abate de dezenas de sobreiros. Para 2016, está previsto o arranque do parque de diversões do Bombar- ral, um projeto considerado pelo Governo como sendo de interesse público e que o levou a des- classificar par- celas de área protegida dentro da Reserva Agrícola Nacional, de forma a permitir a construção de um parque de diversões, um mi- nigolfe, cinema 4D e uma montanha-russa. O parque é promovido pela empresa Sky Tower, e conta com investimentos do arquiteto Manuel Remédios e de Hartley Booth, ex-ministro bri- tânico do Governo de Margaret Thatcher, entre outros. Ocupará 38 hectares, mais de metade da Disneyland de Paris, e no final de 2014 ainda es- perava pelos resultados da Avaliação de Impacte Ambiental. Na Nazaré, investidores Alemães e Suíços planeiam também um megaprojecto de luxo com golfe, num investimento de 750 mi- lhões de euros, na área de São Gião. O projecto tem o nome de Dubbed Golden Sunset Resort e é encabeçado pela empresa alemã Circle of Ino- vation Immobolien (COI). O representante da COI, José Ova, afirmou ao portal de notícias Dinheiro Vivo que a empresa tinha intenções de construir noutro país mas que “a entrega e es- forço do Concelho da Nazaré levou-os a mudar de ideias” (4) . O Presidente da Câmara Walter Chicarro, do PS, diz que tudo está ser feito para que os trabalhos possam começar o mais rapida- mente possível. Em toda a área Oeste também vários condomínios fechados de luxo estão a ser construídos e grandes áreas estão a ser cercadas para reservas de caça. Há ainda hectares que es- tão a ser ocupa- dos pela indústria da fruticultu- ra e da agricultura intensiva. A zona das Caldas da Rainha e, mais propriamente a área da Serra do Bouro, é também a zona onde os geólogos da indústria petrolífera concentram os estudos de forma a analisar a viabilidade da instalação de reservatórios de gás natural. Enquanto os senho- res brincam aos ricos, o povo fica cada vez mais pobre! O projeto Praia D’El Rey foi o primei- ro projeto do Beltico Group no final dos anos 90. Em 2015 recebeu o prémio Hall of Fame do Tri- padvisor. Neste mesmo ano foram encerrados restaurantes e demolidas cerca de 60 moradias de luxo devido a insolvências. O Praia D’El Rey Marriot Golf & Beach, no qual a seleção nacional de futebol costuma ficar alojada durante os está- gios em Óbidos, não foi englobado na insolvência, sendo salvo pela Blue Shift Portugal, empresa de consultadoria para investimento e rentabilidade de hotéis e resorts. O Praia D’El Rey e estes em- preendimentos têm recuperado algum dinheiro ao acolherem encontros de empresas, comícios, férias para representantes de empresas, reuniões e ações filantrópicas. Foi assim que em 2007 re- cebeu a reunião “Troika Alargada de Chefes da Polícia da União Europeia”, que teve a partici- pação de 30 representantes da polícia europeia, do secretariado-geral do Conselho Europeu e da Comissão Europeia, sem faltar a Interpol e a Eu- ropol. O objetivo do encontro prendeu-se com “a forma de antecipar e prevenir o crime, ou seja, como travar e conter organizações criminosas internacionais a todos os níveis”. O encontro dedicou-se também a “aprofundar a relação das polícias ao Frontex (Agência Europeia de Gestão de Fronteiras)”3 . No empreendimento Praia D’El Rey foi cons- truído o primeiro hotel de cinco estrelas da Zona Oeste, o Marriot Hotel. Também o projeto tu- rístico Bom Sucesso Design Resort, considerado um dos melhores empreendimentos turísticos da Europa, financiado pelo BES, foi obrigado à insolvência em 2014 pelo tribunal, que nomeou uma administração para gerir a massa falida. As casas custavam entre 300 mil e 1 milhão de euros e têm gente como Ricardo Salgado ou José Mou- rinho como proprietários das habitações de luxo. Neste empreendimento estão investidos cerca de 14 milhões de euros para a construção de um hotel de luxo cuja obra está parada há quase um ano. Os investidores estão protegidos por um Plano Especial de Recuperação (PER) do Estado português. Em 2006, 95% dos compradores de propriedades provinham da Inglaterra, Dina- marca, Holanda e Espanha, que pagavam pelas casas mais baratas 500 mil euros usando Vistos Gold, mecanismo que permite que cidadãos de Estados-Terceiros possam obter uma autoriza- ção de residência temporária para atividade de investimento, com a dispensa de visto de residên- cia para entrar em território nacional. O projeto do Bom Sucesso chegou a ser classificado com cinco estrelas pela Direção Geral de Turismo. As receitas de quase 2 mil milhões de euros são a justificação para a aposta do Governo no golfe e nos resorts. Foi devido a este valor que o Esta- do decidiu integrar o golfe dentro dos produtos estratégicos para o desenvolvimento do turismo. O Conselho Nacional para a Indústria do Golfe (CNIG) criou o projeto Golfe 200 mil, que con- siste em disponibilizar zonas de treino gratuitas a estudantes por um determinado período de tempo, de forma a incentivar a prática do golfe. Mas a realidade mostra o falhanço destes me- gaprojetos. Em Torres Vedras, o Resort Campo Real também chegou a estar em insolvência em 2011, mas com a venda do ativo tóxico por parte do BCP à Discovery, um fundo do próprio BCP, que mais tarde passou a responsabilidade de ex- ploração para as mãos da norte-americana Dol- ce, o projeto continuou ativo. António Carneiro, enquanto presidente da Região de Turismo do Oeste, declarou, durante o seminário “Turismo: Nos caminhos da qualidade”, realizado em 2007 em Óbidos e organizado pela Escola de Altos Estudos de Turismo de Óbidos, que “na região há espaço para todos, desde que tenham qualidade”. Hoje, todos os projetos de golfe e re- sorts da Zona Oeste já apresentaram insolvência e os que não fecharam só funcionam a 50% ou menos. Ainda assim, surge o Resort Falésia D’El Rey, com dinheiros públicos para destruir a ulti- ma parcela verde e livre e que vem cortar o acesso a praias públicas. Em 2014 tiveram lugar manifestações de trabalhadores em resorts e hotéis de luxo da região Oeste, onde se reivindicava o direito à reunião e melhores condições de trabalho. Em Março, houve duas manifestações organizadas por sindicatos junto ao Hotel Marriot na Praia D’El Rey, na pousada do Castelo de Óbidos e em frente ao Sana Silver Coast, nas Caldas da Rai- nha. As ações foram levadas a cabo depois da Administração do Marriot, no Bom Sucesso, ter interrompido as negociações com os trabalhado- res, onde estava a ser discutida a forma como os trabalhadores tomam conhecimento de quais os turnos a realizar (visto que normalmente eram informados na noite anterior pelo patronato), bem como horários, aumentos salariais e melho- res condições para poderem planear férias em fa- mília. Em Óbidos, a manifestação serviu também para exigir melhores salários em todo o grupo Pestana Pausadas. “Aqui houve um local de merendas. Tinha uma grelha, mesas e até caixote de lixo...” Retirado de: forumobidos.blogspot.pt Na Zona Oeste, os megaprojectos começaram a ser notícia depois de o Buddha Eden Garden, um espaço com cerca de 35 hec- tares idealizado e concebido pelo comendador José Berardo no município do Bombarral, ter levado ao abate de dezenas de sobreiros. Para 2016, está previsto o arranque do parque de di- versões do Bombarral, um projeto considerado pelo Governo como sendo de interesse público e que o levou a desclassificar par- celas de área protegida dentro da Reserva Agrícola Nacional, de forma a permitir a construção de um parque de diversões, um minigolfe, cinema 4D e uma montanha-russa. O parque é promovido pela empresa Sky Tower, e conta com investimentos do arquiteto Manuel Remédios e de Hartley Boo- th, ex-ministro britânico do Governo de Marga- ret Thatcher, entre outros. Ocupará 38 hectares, mais de metade da Disneyland de Paris, e no final de 2014 ainda esperava pelos resultados da Avaliação de Impacte Ambiental. Na Nazaré, investidores Alemães e Suíços planeiam também um megaprojecto de luxo com golfe, num inves- timento de 750 milhões de euros, na área de São Gião. O projecto tem o nome de Dubbed Golden Sunset Resort e é encabeçado pela empresa ale- mã Circle of Inovation Immobolien (COI). O representante da COI, José Ova, afirmou ao portal de notícias Dinheiro Vivo que a empresa tinha intenções de construir noutro país mas que “a entrega e esforço do Concelho da Nazaré levou-os a mudar de ideias” (4) . O Presidente da Câmara Walter Chicarro, do PS, diz que tudo está ser feito para que os trabalhos possam começar o mais rapidamente possível. Em toda a área Oes- te também vários condomínios fechados de luxo estão a ser construídos e grandes áreas estão a ser cercadas para reservas de caça. Há ainda hec- tares que estão a ser ocupa- dos pela indústria da fruticultura e da agricultura intensiva. A zona das Caldas da Rainha e, mais propriamente a área da Serra do Bouro, é também a zona onde os geólo- gos da indústria petrolífera concentram os estu- dos de forma a analisar a viabilidade da instala- ção de reservatórios de gás natural. Enquanto os senhores brincam aos ricos, o povo fica cada vez mais pobre! NOTAS
 1 Tivoli Marina Vilamoura 2 Gazeta das Caldas, 7 de agosto de 2015. 3 Tenente-general Mourato Nunes.
 4 Portugal Residente, Maio de 2014, (portugalresident. com) “O projecto de óbidos vai ocupar o último espaço natural’ usado para férias pela população local bem como por imigrantes e alguns turistas de classes mais baixas.”
  • 4. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 NOTÍCIAS À ESCALA Trident Juncture 2015 Este exercício é o corolário de anos de prepara- ção baseada no conceito estratégico aprovado em Lisboa, em 2010, onde a Nato deixou oficialmen- te de ser uma aliança meramente defensiva. A ci- meira de Chicago, em 2012, instarou a Connected Force Initiative (CFI). Dois anos mais tarde, em Gales, o Readiness Action Plan instituiu a Força de Intervenção Rápida (força de 5.000 efectivos capazes de, em 48 horas, se mobilizarem para responder a situações de crise a Leste e a Sul da Nato) e decretou seis medidas- -chave dentro da CFI. Uma delas era a realização das manobras Trident Juncture 2015. O cenário deste jogo de guerra é um conflito entre dois países fictícios por causa de questões relacionadas com água. Na disputa, um dos países invade outro e, pela lógica da Nato, é altura de intervir. Em nenhum momento é levan- tada a hipótese da nação invadida ser membro da Aliança Atlântica. Apesar disso, Aguiar Branco não se inibe de afirmar que o “cenário do exer- cício de- monstra uma natureza defensiva das actividades da Aliança”2. Uma mistificação que nem se- quer está presente nas palavras da própria Nato, que afirma que o cenário permite uma “Operação de Resposta a Crises fora da área, não Artigo 5 [ar- tigo que instaura a resposta militar da Aliança em caso de agressão a qualquer estado membro – N.T.], para parar uma guerra fronteiriça antes que se expanda a toda a região.”3 No mesmo tex- to, também se pode ler que se pretende confron- tar as forças da Nato com um “espectro amplo de ameaças convencionais e não convencionais, incluindo a guerra híbrida”. Guerra total “Guerra híbrida” é um conceito escorregadio. Tão escorregadio que tende a resvalar para um outro, o de guerra total, que se alastra a todos os aspectos da sociedade. As referências a “ambien- tes urbanos” nos documentos do Trident Junc- ture 2015 deixam antever que também se treina a presença do exército nas ruas, fora e dentro dos países da própria Nato para quando a polí- cia, eventualmente, deixar de ser suficiente para conter multidões. Um conceito escorregadio que inclui, como parte do exercício, uma batalha de narrativas, ou seja, “trabalhar num ambiente informativo arriscado tanto nos países da Nato como na região em que a intervenção terá lu- gar” 4 . O convite a várias ONGs 5 para partici- parem deve ser visto a essa luz. Com o objectivo afirmado de melhorar a interacção entre a Nato e actores civis essenciais, trata-se, afinal, duma espécie de botox pacifista que pretende legitimar uma prática imperialista, aproveitando para in- tegrar algumas instituições na sua estratégia mi- litar, impondo-lhes a sua lógica. Um treino militar com uma visibilida- de que se pretende dissuasora. Com um enfoque em intervenções fora do espaço da Aliança. Com cuidados de relações públicas. E com “um cená- rio artificial e fictício que tem lugar em SORO- TAN, que é algo como uma parte de África”, nas palavras do general HansLothar Domröse 6 . Objectivo: África De facto, mais do que demonstrar força peran- te a Rússia e de treinar conjuntamente forças da Nato e da Ucrânia (que participa neste exercí- cio), é de África que se trata. O continente rico. O continente que o Ocidente está a perder econo- micamente para a China e que pretende dominar militarmente. O continente com mais potencial de exploração. Em que as guerras pelos recursos se tornarão ainda mais inevitáveis depois disto. E em que as alterações climáticas serão razão de migrações e conflitos, desafio a que a Nato deci- diu dar atenção pelo menos a partir da cimeira de Lisboa 7 . Ou seja, o objectivo central destes exercícios é treinar intervenções militares no continente africano, promovendo uma escala- da militar que mais não fará do que potenciar novos conflitos e garantir uma fatia de leão na exploração de recursos para as empresas ociden- tais. Recursos esses que não são de desprezar. África tem, por exemplo, um terço das reservas mundiais de minérios. Para além disso, apenas 12 das 54 nações africanas não têm hidrocarbo- netos, havendo ainda zonas quase inexploradas. Mesmo nos locais considerados maduros há uma vastidão enorme de território que ainda promete esconder recursos. O alegado voltar de atenções para Sul poder-nos-ia fazer pensar unicamente no Norte de África. A realidade vai mais longe. De acor- do com o general Breedlove, citado por Manilo Dinucci 8 , “os membros da NATO desenvolverão um grande papel no Norte de África, no Sahel e na África Subsaariana”. Com o mundo ocidental a cuidar de dar uma resposta policial e militar ao que chama “crise de refugiados”, não nos es- pantemos de, em breve, ver a Nato em acção no afastamento dos requerentes de asilo para longe da vista dos europeus, contendo os fluxos migra- tórios na origem ou, pelo menos, em locais ainda não visíveis a partir de dentro da fortaleza. Como habitualmente, os discursos oficiais chegam tão carregados de pacifismo que nem parecem ter origem no maior e mais agres- sivo exército mundial. De qualquer forma, não se esconde que se pretende fazer treino militar para testar a CFI e, sobretudo, a Força de Intervenção Rápida. E ninguém com alguma independência poderá deixar de notar que a mensagem cen- tral se mantém: é possível fazer a paz através da guerra. Uma mensagem que não cabe na imagem que o Ocidente quer dar de si próprio quando anuncia treinos de invasão ao mesmo tempo os varre para debaixo do tapete da retórica da “de- fesa colectiva”. O Trident Juncture 2015 é um exercício militar da Nato de alta intensidade e alta visibilidade que se iniciou a 28 de Setembro e se pro- longa até 6 de Novembro. Divide- se em duas fases. Uma, chamada CPX (Command Post Exercise), que se resume a gabinetes. Outra, de nome LIVEX (Live Exercise), que se desenrolará no terreno, com ensaio de várias operações navais, aéreas e ter- restres, de desembarques a acções em ambiente urbano. Esta fase contará com 200 aeronaves, 50 navios de guerra e cerca de 36.000 efectivos de 28 estados da Nato e 5 nações parceiras e decor- rerá em Espanha, Itália, Portugal, Mediterrâneo, Oceano Atlântico e também Canadá, Noruega, Alemanha, Bélgica e Holanda. Trata-se, de acor- do com o Estado-Maior-General das Forças Ar- madas, do “maior exercício da história da NATO pós Guerra Fria e o evento de maior visibilidade realizado em 2015, envolvendo toda a estrutura de comando da Aliança” 1 . A nato leva a cabo um grande exercício e demonstração de força em ter lugar em diversos países da Europa. Teófilo Fagundes - teofilofagundes@jornalmapa.pt nato uma lança em áfrica
  • 5. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 NOTÍCIAS À ESCALA Com os últimos exercícios militares torna-se evidente o interesse prioritário da Aliança Atlântica em África. Imagem do jogo de vídeo Call of Duty: Black Ops. O papel de Portugal Para além de ser território em que estes jogos de guerra se vão desenrolar 9 , Portugal tem tido e continuará a ter um papel fundamental no Tri- dent Juncture 2015. Com os objectivos declara- dos no despacho do primeiro-ministro em Diário da República (despacho no 5472/2015, de 5 de Maio). Por exemplo o de “sedimentar a imagem externa de Portugal e, no âmbito do Fórum da Indústria da OTAN que decorrerá em paralelo ao exercício, promover a internacionalização das empresas nacionais e criar um ambiente favorá- vel à atração dos agentes económicos estrangei- ros pelo mercado português”. Nas diferentes fases de preparação do exercício já decorreram diversas actividades em Portugal, algumas de grande dimensão como uma reunião em Maio último de 291 represen- tantes de 28 países, onde o desenho militar desta operação começou a ser definido. É preciso ainda notar que foi a diplomacia conjunta de Portugal, Espanha e Itália que acabou por determinar a estrutura final do Trident Juncture e a sua locali- zação na bacia mediterrânica. A participação no terreno é ambiciosa, de acordo com um comuni- cado do governo, de 2 de Julho, onde se afirma que “além dos militares que participam direta- mente no exercício (940 integra- dos na Força de Reação da NATO 2016 e 2220 nos meios comple- mentares), Portugal disponibilizará ainda mais 3000 militares que funcionarão como forças de apoio, totalizando em cerca de 6000 os efetivos portugueses envolvidos neste exercício. Em Por- tugal, o exercício (...) mobilizará mais de 10 mil efetivos de 14 países participantes.” As operações aéreas concentrar-se-ão em Itália e as terrestres em Espanha. Em Portu- gal (9) de- correrá maioritariamente a com- po- nente marítima. Com bases em Santa Margari- da/Tancos/Alter do Chão, Pinheiro da Cruz/ Tróia, Base Aérea n.o 11 de Beja e o porto de Setúbal como placa fundamental. De acordo com o Correio da Manhã 10 , o “exercício inclui ainda três dias compostos por cerimónias que contam com a presença de vários visitantes. O primeiro dos quais terá lugar em Itália, a 19 de Outubro, e o segundo a 04 de Novembro, em Espanha. Portugal receberá o dia dos visitantes ilustres a 05 de Novembro, que juntará chefes militares da NATO e chefes militares portugueses”. Um empenho impressionante que não se esgota em jogos de guerra. Antes se estende para o tabuleiro dos negócios, promovendo um fórum onde empresas que lucram com a guerra podem apresentar as suas novidades e discutir formas de criar novos nichos de mercado para as suas novas ferramentas repressivas. Fórum 11 que decorrerá no Hotel Pestana Palace, em Lis- boa, nos dias 19 e 20 de Outubro. Resistência As manobras Trident Juncture 2015 são o reflexo das prioridades do mundo rico. E não podem dei- xar de ser contestadas por quem pugna por um planeta de paz. Nesse sentido, as movimentações da Nato não passarão sem contestação. Um docu- mento 12 conjunto da Alternativa Antimilitarista. MOC e da Rede Antimilitarista y Noviolenta de Andalucía, convida a acções descentralizadas e promete desobediência civil para Barbate, de 30 de Outubro a 3 de Novembro (em frente ao Campo de Treino Anfí- bio da Serra do Re- tín), e actos de protesto para Saragoça de 3 a 6 de Novembro (“o Campo de San Gregorio será de novo o protagonista da bar- bárie militarista”). Também em Itália há um mês de protestos contra a Nato e um apelo 13 a uma coordenação internacional de acções. Em Portugal, apesar de toda a importância que a estrutura militar e política lhes dá, as manobras da Nato não despertaram mobilizações visíveis. Apenas o Conselho Português para a Paz e Coo- peração tem feito algum trabalho de oposição, tornando público um documento onde expressa o seu “mais expressivo repúdio” pelas Trident Juncture 2015, organizando debates e recolhen- do assinaturas num abaixo assinado onde se exige a “dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma nova ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos”. NOTAS: (1) goo.gl/n82o8l
 (2) goo.gl/sqXnTU
 (3) goo.gl/tbuLx9
 (4) goo.gl/tbuLx9
 (5) Por exemplo, Comité Internacional da Cruz Vermelha, Save the Children, Assistência Médica Internacional, Human Rights Watch.
 (6) goo.gl/YS4DcM
 (7) goo.gl/FwXA0q
 (8) goo.gl/7bh4Ei
 (9) Para uma ideia das actividades em Portugal, ver: goo.gl/NMJ9xu
 (10) goo.gl/dTqy2P
 (11) goo.gl/LlQ4R2
 (12) goo.gl/N0Fvn0
 (13) goo.gl/v4SqL0 “(...) o objectivo central destes exercícios é treinar intervenções militares no continente africano, promovendo uma escala militar que mais não fará do que potenciar novos conflitos e garantir a exploração de recursos para as empresas ocidentais.”
  • 6. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 NOTÍCIAS À ESCALA O Algarve vai ter mais uma empresa a procurar petróleo. A Portfuel - Petróleos de Portugal, sediada em Lisboa e liderada pelo empresário José de Sousa Cintra, obteve no dia 25 de Setem- bro luz verde do Governo português para iniciar a prospeção. Depois de, no início deste ano, ter sido con- firmada a Bacia Lusitânica como fonte de gás de xisto (shale gas) e se ter anunciado mais dois locais com possibilidades para o shale gas no Alentejo, na Serra da Ossa, Extremoz e Algarve, a Entidade Nacional para o Mercado de Combustí- veis (ENMC) assinou um contrato com a Portfuel para a prospeção e produção de gás e petróleo. Os blocos cedidos à empresa são em terra (onshore) e o trabalho consiste em continuar as pesquisas já iniciadas mas consideradas “subavaliadas” pelo ENMC. Os contractos de exploração têm a duração de 4 anos e destinam-se ao uso de méto- dos tradicionais utilizados até hoje para extração de hidrocarbonetos. No final dos 4 anos a ENMC sublinha que, caso as petrolíferas queiram continuar os trabalhos recorrendo à técnica de fratura hi- dráulica (Fracking) ou outra técnica não conven- cional de extração de gás ou petróleo, terão de haver estudos de impacto ambiental. Em 2013 a UE aprovou uma lei que obriga a um estudo de impacto ambiental para todas as atividades de hidrocarbonetos não convencionais, o que não acontece por exemplo nos EUA. Sousa Cintra comporta-se, as- sim, como qualquer investidor já que qualquer ne- gócio com possibilidades de ser rentável é uma aposta viável. Depois de ter visto os seus bens confiscados após o 25 de Abril comprou a em- presa Vidago, Melgaço & Pedras Salga- das ( VMPS), que mais tarde vendeu a Jerónimo Martins. Nos anos 90 fundou a Drink In no Brasil, que se tornou a quarta maior produtora de cerveja do Brasil. Em Portugal o negócio da cerveja não correu bem e, em 2002, vendeu a fábrica à Iberpartners. Cintra investe também em África região que, juntamente com o Brasil, constituem duas grandes fontes de hidrocarbo- netos não-convencionais. Poderemos voltar a ver os empresários portugueses a explorar as antigas colónias. O empresário aposta agora no petróleo seguindo os passos de outros conhecidos nomes em Portugal como Joe Berardo que investiu em ações da Mohave Oil and Gas, uma corporação registada no Texas em 1993, que reiniciou os trabalhos petrolíferos em Portugal na bacia Lu- sitânica em 2007. Após ter perfurado um poço em Alcobaça e ter decidido “não ser economica- mente viável” e apesar de ter mais concessões onshore a Mohave abandonou Portugal em 2014 e saiu, inclusive da bolsa Canadiana TSX man- tendo, no entanto, os seus estudos sísmicos e geológicos á venda. Outro dos nomes envolvidos na exploração de hidrocarbonetos em Portugal é o da Fundação Gulbenkian proprietária da Par- tex Oil and Gas. Esta empresa tem luz verde para a extração de hidrocarbonetos nas águas algar- vias, já que é detentora de concessões no offsho- re, juntamente com a Repsol. Esta ultima tinha anunciado o inicio das atividades de perfuração para Outubro 2015 mas entretanto requereu um adiamento para 2016 devido ao baixo do petróleo que dita os investimentos nos projetos. Sendo os projetos de prospeção para perfuração profunda (Deep Offshore) de gás natural, e que requerem o uso de técnicas mais caras, a Repsol tenta ganhar tempo para que as condições de prospeção em Portugal melhorem para os investidores. Ambas as corporações dividem blocos offshore, na Bacia de Peniche, com outos grupos investidores, tais como a Galp. O ano de 2016 promete ser o ano do grande avanço da industria petrolífera. Na Bacia do Alentejo a Eni, petrolífera italiana que veio substituir a Petrobras, prevê iniciar as perfura- ções ultras profundas a sul de Sines. Mais a Nor- te, o Jornal da Economia do Mar notícia que o governo abriu a 1o concurso internacional para prospeção de hidrocarbonetos na Bacia do Por- to 1 O governo também anunciou que está a preparar um concurso público para mais prospeção offshore, depois de uma empresa in- ternacional mostrar interesse nas águas muito profundas do Algarve. As apostas na extração de hidrocarbonetos em águas muito profundas as- sentam na grande extensão das águas territoriais portuguesas e na esperança (ou conhecimento efetivo) da quantidade de recursos que possam existir no subsolo marinho. Desde que, em 2014, a empresa Mohave abandonou os trabalhos de prospeção em Alcobaça a região do Algarve tornou-se a li- nha da frente dos investidores da indústria pe- trolífera. De facto Bombarral, Cadaval e Alen- quer têm sido apresentadas como a “mina de ouro” das em- presas, mas pouco se sabe sobre os trabalhos nessa área. Na concessão de Alcobaça confirmou-se a existência de gás natural, em Al- jubarrota a jazida de gás é tida como das maiores da península ibérica e, em 2015, o presidente da Partex anunciou também a Serra da Ossa e área de Estremoz como áreas com potencial de conte- rem reservas não convencionais de gás natural Inevitavelmente as empresas têm mais informação do que a população e os estudos e testes sísmicos realizados são dos mais comple- tos atualmente. A pouco e pouco a realidade das reservas de gás e petróleo em Portugal podem levar a um investimento súbito e a um rápido início dos trabalhos de extração em vários locais do país. A informação produzida pelas empresas dificilmente será de acesso livre às populações diretamente afetadas e, a avaliar pela quantidade de estudos e prospeções, é de esperar um súbito Boom da atividade extrativa. Recentemente a ASMAA (Algarve Surf & Maritime Activities Association) publicou um mapa que compila as concessões concedidas em Portugal referentes à extração de petróleo. Como é visível no documento (acessível em asmaa-al- garve.org) a situação é de extrema gravidade, já que entre a localidade da Figueira da Foz e Vila Real de Sto. António a zona Costeira, tanto em terra como no mar, não existem praticamente zo- nas que não estejam concessionadas às diversas empresas que tencionam iniciar a exploração. Em 2012 os grupos ecologistas e am- bientalistas não falavam de fratura hidráulica em Portugal, só em 2014 a Quercus publica um tex- to sobre o gás de xisto, no ano seguinte o Estado português autoriza a prospeção de gás e petróleo, as corporações salientam a necessidade de ex- trair gás ou petróleo através de técnicas não con- vencionais para que o investimento seja viável e que as reservas possam ser convenientemente exploradas. No Algarve, foi criada a primeira plata- forma contra a exploração de petróleo, a PALP 2 formada por diversos coletivos, grupos etc. O governo fala em benefícios econó- micos para a nação, mas os valores nos contra- tos das concessões no Algarve que Portugal vai receber variam de 0 a 10 cêntimos por barril de petróleo produzido de 3 em 3 meses da Repsole De Norte a Sul de Portugal são cada vez mais as concessões para a extração de gás e petróleo. Granado da Silva - nadodasilva@jornalmapa.pt da Partex. Segundo os contractos entre o gover- no e as corporações. Pela Concessão Lagostim o estado vai receber de 0,10 cent por Euro, menos que na Concessão Lagosta que é de 0,15 cent. As corporações anualmente pagarão por km2 ao es- tado 15,00 euros nos primeiros 3 anos, o valor vai aumentando atingindo durante a fase de pro- dução 240,00 euros km2. A área total das duas concessões sé cerca de 3200 km2 que são cerca de 770,000 euros para os “Cofres do Estado” que comparado com os 1240 milhões de euros de lucro da Repsol em 2015 ou os 1750 milhões da Partex em 2012/2013 são uma moeda na “cuspi- deira” 3 . A aposta nos combustíveis fósseis traz consigo o aumento da atividade extrativa. Os im- pactos ambientais e sociais desta atividade são astronómicos e estão muito para lá das galopan- tes alterações climáticas. O problema é mais pro- fundo e leva-nos à base do atual modelo econó- mico que necessita de perfurações em alto mar e técnicas de extração não-convencionais d forma a manter os atuais níveis de produção e explora- ção. Inevitavelmente, em contexto de crise eco- nómica, social, ambiental e energética, o petróleo e o gás são difíceis de colocar em causa já que nos são apresentados como uma riqueza material de um povo que na prática é explorada por empre- sas privadas ou o Estado. O “crescimento econó- mico” que preenche o discurso de empresários e governantes significa unicamente o crescimento dos lucros das empresas. /// NOTAS 1 Jornal de Setembro de 2015, pág. 40
 2 Plataforma Algarve Livre de Petróleo
 3 Pote ou bacia utilizado em saloons e pubs america- nos e australianos no sec XIX para se cuspir o tabaco de mascar. Quando um pedinte, alcoólico, sem abrigo ou um índio entravam a pedir esmola eram humilhados quando se viam obrigados a ir apanhar as moedas que eram atiradas para as cuspideiras pelos outros clientes que se deleitavam com a visão. algarve on-shore!
  • 7. Para o MAPA, tornou-se tão urgente como desa- fiante reunir relatos, análises e opiniões em torno da questão das fronteiras e da migração. Tornou- se urgente pelo absurdo que se perpetua há já de- masiado tempo pela Europa, com a sua crescente militarização e o levantamento de cada vez mais barreiras para conter a passagem de milhares de pessoas, da Grécia às Canárias, dos Balcãs à Turquia. E desafiante ao pro- curar um outro lugar, para lá da torrente de informação que ci- clicamente nos chega, através de todos os canais mediáticos, sobre os viajantes do nosso tempo. A limitação das palavras surge, logo à par- tida, com a facilidade com que se desgas- tam os termos que nos são próximos para definir estes homens e mulheres: emigrantes, refugia- dos, deslocados tiram lugar aos aventureiros, aos camaradas, aos que, inconformados com a realidade que encontram no seu sítio, alteram o rumo das suas vidas. Mas com o passar do tempo, altera-se o estigma deste viajante: afinal mais próximo de nós do que possamos imaginar pela distância mediática, deixa de ser somente alguém sobre o qual tudo parece ser imposto e que parte com a inconsciência absoluta do que o espera no caminho. Passamos também a poder falar de revoltados conscientes da sua situação e da sua legitimidade em procurar um outro sítio Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 CADERNO CENTRAL CADERNO CENTRAL para lá daquele a que a lei os relega, e que dei- xa para trás a reduzida ideia do sem-papeis, do emigrante vulnerável e incapaz. Espelho disto são as sucessivas revoltas em centros de deten- ção e campos improvisados perante os abusos fí- sicos e legais das autoridades e a pressão policial. Iguais a tantas histórias próximas de nós, feitas também de prisões, despejos e abusos policiais, diluem-se fronteiras geográficas e culturais pe- rante a evidência das fronteiras sociais. Nos últimos anos as rotas mudaram, os riscos aumentaram mas as vontades e as ne- cessidades de viagem permaneceram. Porém a viagem tende a ser possível apenas se for feita em classe turística. Num mundo feito de circu- lação permanente, as fronteiras existem apenas para quem nasceu do lado errado das leis da economia dominante. Sucedem-se os naufrágios, as deportações, as mortes no caminho, dentro e fora da Europa, colocando a narrativa europeia em xeque, fragilizando os seus sustentáculos mo- rais e físicos. Torna-se bem presente a raiz das direcções das políticas montadas pelos sucessi- vos governos na construção da União Europeia e a sua relação com os regimes dos países para lá das suas fronteiras. As práticas dos Estados, nas suas mais diversas derivas à esquerda ou à direi- ta, demonstram a falência da ideia fabricada pela “Em relação à rota, eles não podem fechar. A não ser que electrifiquem o mar..” imigrantes, refugiados e solidariedade sem fronteiras no velho continente Europa para o Mundo, de uma civilização justa e solidária . Se, como ponto de partida, considerarmos es- tes fluxos migratórios como uma inevitabilidade da existência humana, enquanto uma corrente incontrolável que circula desde o início dos seus dias, seja movida pela fuga a um conflito bélico, a uma calamidade, à impossibilidade de sobreviver no modelo económico imposto ou seja por um desejo e uma pulsão individual ligada ao desco- nhecido e à aventura que ele implica, facilmente deparamos com a absurda noção de justiça a que levam os actuais proteccionismo nacionalistas e patrióticos, justificação de lei e acções que levam a milhares de mortes todos os anos. Dos ataques militares perpetrados recente- mente pelo exér- cito da Macedónia aos 16 guardas civis ilibados da morte de 15 pessoas em Ceuta no ano passado (torna-se visível a forma como as autoridades eu- ropeias, para lá de todo o discurso humanitário, encaram na prática a defesa das suas fronteiras). Se formos mais fundo e assumirmos que uma grande parte destas deslocações se deve à explo- ração de recursos e matérias primas dalguns dos países de origem das pessoas, às relações eco- nómicas mantidas entre regimes, sejam eles de- mocráticos ou ditatoriais, podemos assumir que permanece um conflito aberto baseado na velha lógica colonial, uma lógica que a social-democra- cia escamoteia do seu léxico presente. Trata-se duma e da mesma moeda, o facto da prosperi- dade económica duns ter a miséria como reverso da medalha, aqui ou em qualquer outra parte do mundo. Alguns acontecimentos geopolíticos mais re- centes, no presente os conflitos Sírio e Afegão, ta- buleiros de xadrez das potências do mundo, com os êxodos populacionais daí resultantes, levaram à suspensão do estado de direito em várias partes da Europa central e de leste: desde o muro er- guido na fronteira entre a Hungria até ao levan- tamento, na Alemanha e na Áustria do espaço Schengen (designado de “espaço de liberdade, segurança e justiça” do território Europeu). A partir das retóricas várias sobre os “refugiados” e o seu acolhimento, milita- riza-se o território e concretizam-se no terreno fronteiras que, na verdade, mais não são mais do que fronteiras de classe. Neste Caderno Central mapeamos uma série de perspectivas do que vai acontecendo um pouco por toda a Europa, criando uma cartografia que une vários pontos duma mesma questão e que se encontra, permanentemente, tão longe e tão per- to de cada uma de nós.
  • 8. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 CADERNO CENTRAL Desde o ínicio do Verão que milahres de pessoas tentam chegar à Europa, entreasqueconseguiram,muitasestãobloqueadasecercadasnosquatro cantosdocontiente:naGrécia,naMacedónia,emCalais,emVentimiglia. A 11 de Junho (Em Ventimiglia), várias dezenas de migrantes, juntamente com algu- mas pessoas solidárias, instalaram um acampamento sobre os rochedos à beira-mar, perto do posto fronteiriço principal. Nas fronteiras assassinas da Europa... Nos média, os governantes euro- peus falam de «situação explosiva» e de «drama humanitário», evocando as inúmeras pessoas que morrem quando tentam a travessia do Mediterrâneo. Agitar o espantalho da invasão e das redes criminosas de traficantes per- mite aos Estados justificarem as suas políticas migratórias assassinas, reves- tindo-se de um verniz humanitário. A escalada militar que se pôs em prática nas fronteiras da Europa faz-se com o pretexto de neutra- lizar os traficantes que seriam responsáveis por milhares de mortos no Mediterrâneo e noutros lugares. Mas, estes milhares de afogados, electrocutados, esmagados, foram mortos pelos Estados europeus que, ao reforçarem ainda mais a vigilância e o bloqueio das fronteiras exteriores da Europa, tornam as estradas de acesso cada vez mais perigosas. Desde há 15 anos que mais de 40.000 pessoas foram mortas nas fronteiras europeias, das quais mais de 2.300 desde Janeiro de 2015. E todos os dias morrem mais pessoas a caminho da Europa. Novos muros erguem-se por todo o lado, polícias e militares deslo- cam-se para impedirem as pessoas migrantes de entrarem na Europa. A Leste, enquanto a Macedónia decreta o esta- do de sítio e envia o exército contra os migrantes, a Hungria continua a construção do seu muro com cercas e arame farpado, ao longo dos 175 kms da fronteira comum com a Sérvia. Na Bulgária, o Estado envia blindados contra os migrantes. Campos de detenção são erigidos aqui e ali. Chamados «centros de triagem», «centros de identificação», estes lugares de detenção, que se inau- guram nos países da União Europeia onde chegam os migrantes (Itália, Gré- cia, Bulgária), vão servir para separar aqueles e aquelas que terão direito a apresentar um pedido de asilo e os outros, os migrantes ditos «económicos», para os quais serão criados procedimentos de expulsão rápidos e de grupo. Enquanto na Bulgária alguns já abriram, em Itália estes centros estarão ope- racionais a partir deste Outono em edifícios mi- litares desocupados, readap- tados com urgência para estarem prontos o mais depressa possível. No Mediterrâneo, a União Europeia lança uma operação militar naval chamada «Navfor Med». Aos polícias e instrumentos de vigilância elec- trónica da agência de vigilância de fronteiras Frontex já presentes no mar, juntam-se navios e submarinos de guerra, helicópteros e drones dos exércitos europeus. Concebida a partir do modelo da operação Atalante, que bombar- deia embarcações e aldeias de pescadores, em nome da luta contra os piratas somalianos no Oceano Índico, a «Navfor Med» vai ver os seus meios ofensi- vos progressivamente aumentados, tendo como objectivo final a destruição dos barcos dos traficantes, antes que estes se afastem da costa líbia. Decidida após um naufrágio em Abril que provocou 800 mortos ao largo da Líbia, esta operação, apresentada como uma guerra contra os traficantes, inscreve-se na realidade na con- tinuação de outras já realizadas, visando barrar custe o que custar o caminho aos migrantes, seja afundando asuas embarcações, como fizeram em meados de Agosto os guardas-costeiros gregos ao largo da Turquia, seja de preferência matando pessoas. Em Calais, onde alguns milhares de pessoas ten- tam chegar a Inglaterra por ferrys e pelo túnel da Mancha, o Estado e a Câmara Municipal estão de acordo desde há anos para reprimir os migrantes. Mas esta repressão acentuou-se ainda mais nes- tes últimos meses, com as expulsões dos migran- tes dos diferentes lugares onde viviam (squats e jungles*) e o aumento da pressão policial. Ao mesmo tempo, numerosos refor- ços policiais chegaram à região e enquanto estes matracam, gaseiam e prendem, a Grã-Bretanha financia barreiras de infravermelhos e de arame farpado que vêm gradear o porto e o acesso ao túnel da Mancha. Assiste-se à mesma situação que em Ceuta e Me- lilha, onde a Europa constrói muros de arame farpado e de gadgets electrónicos mortíferos. As- siste-se à mesma situação que no Mediterrâneo. Cada vez mais os migrantes encontram a morte, tentando chegar a Inglaterra: desde o início de Junho, 11 migrantes morreram afogados, elec- trocutados ou esmagados por camiões na região de Calais. Em Paris, a 29 de Julho, um migrante também foi electrocutado quando tentava subir para o tejadilho do Eurostar na Gare du Nord. A trilogia «invasão de migrantes / traficantes / terroristas» serve desde há anos para justificar as políticas migratórias da União Europeia, agitando o espantalho de um para re- primir o outro. As redes de traficantes parecem ser a principal preocupação dos dirigentes, mas a quem beneficia o reforço do controlo das fron- teiras senão àqueles? Porque quanto mais as estradas são longas e perigosas, mais os preços aumentam e mais as redes se reforçam, é a lei da economia capitalista. Tanto mais que em inúme- ros países, Estados e redes mafiosas trabalham de mãos dadas. Mais, se na realidade exis- tem redes mafiosas, inúmeras pessoas condenadas por serem e drones dos exércitos europeus. Conce- bida a partir do modelo da operação Atalante, que bombardeia embarcações e aldeias de pes- cadores, em nome da luta contra os piratas so- malianos no Oceano Índico, a «Navfor Med» vai ver os seus meios ofensivos progressivamente aumentados, tendo como objectivo final a des- truição dos barcos dos traficantes, antes que es- tes se afastem da costa líbia. Decidida após um naufrágio em Abril que provocou 800 mortos ao largo da Líbia, esta operação, apresentada como uma guerra contra os traficantes, inscreve-se na realidade na continuação de outras já realizadas, visando barrar custe o que custar o caminho aos migrantes, seja afundando as traficantes são migrantes ou pessoas que quiseram ajudar, por solidariedade, e sem ganharem com isto: aquele que conduz o barco porque tem experiência de navegação marítima, aquela que abre a sua ba- gageira na fronteira franco-italiana para apanhar um passageiro, aquele que em Calais fecha as portas do camião atrás dos seus ca- maradas de estrada. A Europa está em guerra contra os migrantes: está disposta a tudo para impedir aqueles e aque- las que considera indesejáveis de alcançarem as suas costas, de atravessarem o seu território e de aí se instalarem. Exemplos disto são as recentes reformas que, em vários países europeus, res- tringem o direito de asilo e o acesso a um visto um verão contra as fronteiras CADERNOCENTRAL
  • 9. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 CADERNO CENTRAL de permanência. Através dos discursos
guerreiros e alarmistas que
empregam, os governantes
cons- troem há muito tempo
a imagem de um inimi- go
exterior, o migrante, que
representaria uma ameaça
para a Europa e lhes permite justificar o reforço do poder e do controlo, em todo o
lado e sobre todos. Não esquecer que esta gestão das
fronteiras representa igualmente um negó- cio chorudo
e um campo de experiências para os vendedores de
armamento e para os fabricantes de gadgets electrónicos de vigilância. Mas a determinação daqueles e daque- las que querem fugir à guerra, à repressão, à mi- séria, ou muito simplesmente viajar, será sempre mais for- te que os arames farpados e o medo de morrer. Milhares de migrantes presentes no solo europeu lutam todos os dias para continuarem a sua viagem e chegarem ao seu destino, atraves- sando o continente. Em todo o lado são confron- tados com a pressão policial: nos postos frontei- riços, nas cidades, nas gares e nos portos... As fronteiras estão omnipresentes e permitem ao poder separar, seleccionar e impe- dir os migrantes de circularem livremente. Nas ruas, nos transportes, nos organismos da admi- nistração, se não se tem o bom documento, cada controlo de identidade pode conduzir ao blo- queio, à prisão e à expulsão. Quer sejam materiais, com os seus muros, arames farpados e uniformes, ou imate- riais, aos balcões do Governo Civil, nos corredo- res do metro, nos centros de acolhimento, etc., as fronteiras são para abater porque são um entrave à liberdade. Nos quatro cantos da Europa, mi- grantes e pessoas solidárias organizam-se para lutarem contra estas barreiras: para passar as fronteiras entre os países europeus, resistir ao assédio policial, recusar as impressões digitais obrigatórias, opor- -se aos ataques de grupos fascistas e quebrar a lógica da invisibilidade e do isolamento em que o poder queria envolver os migrantes. Por todo o lado, gerou-se uma forte solidariedade para contrariar a guerra aos mi- grantes lançada em todo o continente, com rei- vindicações simples e claras: documentos e alo- jamentos, liberdade de circulação, abertura das fronteiras, fim da repressão aos migrantes e das expulsões, contra a ocupação policial. Em Ventimiglia, cidade fronteiriça entra a Itália e a França, se os turistas podem atraves- sar tranquilamente a fronteira, não é assim para todos. Desde o mês de Junho, que um apara- to de forças da polícia francesa e italiana tenta bloquear a passagem de pessoas migrantes que desejam prosseguir a sua viagem, praticando controlos faciais. As barragens nas estradas e os contro- los a bordo dos comboios, frequentemente com a cumplicidade dos controladores da SNCF apesar de algumas resistências, são quotidianas e esten- dem-se até Nice e Marselha. Todos os dias, dezenas de migrantes que conseguem passar a fronteira são presos e reconduzidos ao lado italiano pela polícia fran- cesa. Mas, felizmente, muitos outros conseguem passar e podem assim continuar a sua viagem. Do lado italiano, as medidas tomadas contra os migrantes e a liberdade de circulação são múltiplas: do aparato policial à interdição de distribuir comida, tudo é feito para desencorajar aqueles e aquelas que querem passar para o ou- tro lado dos Alpes. E para gerir e seleccionar esta população, o Estado pode contar com o seu mais fiel colaborador, a Cruz Vermelha. Em Ventimi- glia, é esta que gere o centro de acolhimento dos migrantes, situado ao lado da gare, verniz huma- nitário à política repressiva do Estado. Mas uma parte dos migrantes decidiu não ser ajudado e recusa deixar-se fechar no cen- tro da Cruz Vermelha. A 11 de Junho, várias deze- nas, juntamente com algumas pessoas solidárias, instalaram um acampamento sobre os rochedos à beira mar, perto do posto fronteiriço principal. Pretendem com isto protestar contra o bloqueio da fronteira e construir um espaço de entreajuda, de solidariedade e de luta. Apesar das pressões policiais, que ameaçam de expulsão e procuram impedir outros migrantes de se lhes juntarem, o acampamento, chamado «Presídio Permanente No Borders Ventimiglia» resiste e organiza-se. «Neste acampamento, os europeus e os migran- tes construíram um espaço de solidariedade, de cumplicidade e de luta. Em conjunto, cozinha- mos e comemos, tornamos real a solidariedade da qual muitos falam, as informações e os con- selhos difundem-se, vigiamos a acção das forças policiais italianas e francesas, afirmamos clara e abertamente o nosso desacordo perante o encer- ramento das fronteiras.» Organizam-se acções de bloqueio e manifestações na cidade ou no posto fronteiriço, aos gritos de «Não voltaremos para trás», bem como tentativas colectivas de passagem da fron- teira. A 10 de Agosto, à noite, uma centena de migrantes tentaram atravessar a fronteira, subindo para um comboio. Na gare de Men- ton, perante a polícia, recusaram-se a descer do comboio. Foram então conduzidos à força para camionetas que os reconduziram ao posto fron- teiriço francês de Ponte San Luigi, onde foram fechados em contentores à espera que o pedido de retorno ao território italiano fosse aceite pe- las autoridades. Várias pessoas solidárias blo- quearam então a estrada para impedirem estas expulsões e uma vintena delas foram presas. Três franceses passaram várias horas guardados à vis- ta e seis italianos estão doravante proibidos de permanecer em Ventimiglia. Cada vez que migrantes são presos pelos bó- fias do lado francês são fechados em contentores no comissariado da polícia de fronteira de Men- ton à espera da sua expulsão para Itália. Mas a solidariedade está sempre lá: pessoas solidárias juntam-se à frente do comissariado para impedi- rem estas expulsões. Várias delas foram também presas e estão doravante proibidas de permane- cer na região. Uma vez esta fronteira ultrapassada, o cerco po- licial e as prisões continuam, mas as solidarieda- des e as lutas também! Em Paris, a 2 de Junho de 2015, foi evacuado um acampamento de várias centenas de pessoas instaladas desde há meses sob a ponte do metro aéreo de La Chapelle. Enquanto a Câ- mara apre- sentava esta operação policial como humanitária e propunha locais de alojamento temporário, várias dezenas de migrantes encon- travam-se na rua no dia seguinte. Reuniram-se então com vá- rias pessoas solidárias e decidi- ram ocupar uma sala associativa para passarem a noite. Nos dias e semanas seguintes, diversos lugares foram ocupados, sempre evacuados pela polícia, seguindo ordens do governo civil e da Câ- mara. Estes não desejam ver os migrantes junta- rem-se e organizarem-se colectivamente. A 8 de Junho, dezenas de bófias eva- cuam o acampamento do Mercado Pajol e pren- dem os migrantes, apesar de uma forte resistên- cia que permitiu retardar o seu trabalho sujo e a muitos migrantes escapar. Depois da agressão policial, a Câmara e o Estado
mudam de estratégia: assim
que um novo acampamento
se organiza e que os migran- tes se mobilizam, a Câmara,
a OFPRA (agência encarregada da gestão dos pedidos
de asilo), trabalhadores sociais da Emmaüs e vereado- Em Calais, onde alguns milhares de pessoas tentam chegar a Inglaterra por ferrys e pelo túnel da man- cha, o estado e a câmara municipal, e stão de acordo desde há anos para reprimir os migrantes. “Desde há 15 anos que mais de 40.000 pessoas foram mortas nas fronteiras europeias, das quais mais de 2.300 desde Janeiro de 2015. E todos os dias morrem mais pessoas a caminho da Europa. ”
  • 10. res vêm logo «vender-lhes»
lugares em centros de acolhimento. É a fachada humanitária desta guerra aos
migrantes, conduzida pelos
Estados, e uma outra forma
de violência mais insidiosa que a matraca policial e
o arame farpado. Em Pa- ris,
como noutros lados, o poder procura desem- baraçar-
-se destes migrantes, torná-los invisí- veis e dispersá-los pelos quatro cantos da região parisiense para evitar que eles e elas se reagru- pem e se organizem colectivamente, a fim de ob- terem o que querem: documentos, alojamentos e a liberdade de circulação e de instalação. Nos centros onde várias centenas de migrantes são alojados por algumas semanas à medida das expulsões, as condições de vida impostas (horá- rios restritos, refeições impostas, interdição de visitas, inexistência de documentos de viagem ) são más e os trâmites administrativos não avan- çam. Perante esta situação, várias acções de ocu- pação e de greve de fome foram feitas por aqueles e aquelas que aí estão alojados. Mas estes centros de acolhimento continuam a ser, para o Estado e as associações que os gerem (Emmaüs, Aurore ), lugares de controlo e de triagem dos que pedem asilo. A 25 de Julho, respondendo ao apelo de Ventimiglia para um fim-de-semana de re- sistência contra as fronteiras, uma manifestação reuniu mais de 150 pessoas. No caminho de re- torno ao acampamento Pajol, os manifestantes fizeram escala na Gare du Nord e, aquando da chegada do Eurostar, desenrolaram uma ban- deira aos gritos de «No border, no nation, stop deportation». Na gare, rebentaram aplausos. A 31 de Julho, na sequência da décima expulsão que os migrantes e as pessoas solidá- rias tiveram de enfrentar, foi ocupado no 19ème um antigo liceu abandonado e transformado em Casa dos Refugiados. Em todos estes ligares ocupados, e apesar das dificuldades colocadas pelo cerco po- licial e humanitário, outras práticas tentam sur- gir: entreajuda, em vez de caridade, auto-orga- nização, em vez de gestão humanitária, luta, em vez de resignação. Uma cantina colectiva para as refeições, assembleias gerais para tomada de decisões, manifestações para romper com a in- visibilidade na qual o poder queria mergulhar aqueles e aquelas que considera indesejáveis. Outros acampamentos foram igualmente evacua- dos, entre os quais o do jardim público Jessaint em La Chapelle. Várias dezenas de mi- grantes ocupam desde então o átrio do governo civil do 18ème. Em Calais, a 2 de Junho, os últimos luga- res ocupados pelos migrantes no centro da cida- de foram evacuados: o squat Fort Galloo aberto em Julho de 2014 no seguimento de uma mani- festação e o acampamento (chamado jungle pe- los migrantes) do Leader Price. Aqueles e aque- las que aí viviam foram assim obrigados a irem para o bidonville do Estado, situado na periferia da cidade, ao lado do centro de alojamento Ju- les Ferry, longe dos pontos de acesso à fronteira para a Inglaterra. Nesta jungle, único lugar onde os migrantes são autorizados a dormir, 3.000 pessoas sobrevivem em condições muito difíceis. Em Ca- lais, ponto de passagem para numerosas pessoas migrantes, estas devem enfrentar as rus- gas e a violência policial, mas também os ataques fascistas, cada vez mais violentos e habituais. Mas, como em Ventimiglia, em Paris e noutros lados na Europa, migrantes e pessoas solidárias resistem, tecem laços de solidariedade quoti- diana, tomam a rua e os migrantes auto-organi- zam- -se para passarem para Inglaterra, apesar de uma fronteira e uma repressão cada vez mais mortífera (11 mortos entre Junho e Agosto de 2015). Durante todo o Verão, tentativas au- to-organizadas de subir colectivamente para os camiões e as navettes do Eurotunel foram vio- lentamente reprimidas pelos bófias. Grupos de centenas de migrantes passam o arame farpado, param os camiões e tentam introduzir-se dentro. Os golpes de matraca e de gás lacrimogéneo cho- vem e numerosos migrantes são feridos ou pre- sos. Estas tentativas de passagem, em que alguns conseguem, vão ser utilizadas pelas autoridades para pedirem reforços policiais. Nos média, dos dois lados da Mancha, o número de pessoas que tenta entrar no túnel vai ser voluntariamente exagerado. Uma reunião cimeira, entre ministros britâni- cos e franceses, conclui-se com novos acordos de cooperação para reprimir os migrantes: mais controlos, mais barreiras, mais bófias, graças ao financiamento inglês. Na jungle, migrantes e pessoas solidárias orga- nizaram manifestações para o centro da cidade e bloqueios da autoestrada de acesso ao Eurotu- nel, permitindo a alguns de subir para as trasei- ras dos camiões. Estas acções multiplicaram-se nestas últimas semanas, dando força colectiva aos migrantes. O local de distribuição de comi- da no centro Jules Ferry foi também bloqueado para denunciar as condições de vida impostas no bidonville. Contra as fronteiras, solidariedade ac- tiva com os migrantes! A distinção operada pelo poder, por alguns intelectuais e pelos média en- tre, de um lado, refugiados políticos, e, do outro, migrantes económicos, é mais uma das inúmeras operações de triagem entre «bons refugiados que poderemos acolher» e «maus migrantes econó- micos que é preciso expulsar». Para nós, não existe boa política migratória porque o proble- ma é mesmo a existência de fronteiras, utensílio mortífero de controlo e de gestão das populações pelos Estados. Nestes últimos meses, as resistências às fronteiras foram numerosas e fortes. Podemos apoderarmo-nos desta energia e dar-lhe am- plitude para a transformar num movimento de solidariedade e de rebelião contra o sistema de fronteiras. Solidarizar-se e organizar-se com os migrantes, lá onde eles resistem contra a guerra que lhes dão os Estados, é contribuir para enfra- quecer as fronteiras que se levantam por todo o caminho dos que não têm os bons papéis para circularem e instalarem-se onde querem. Esta solidariedade é o contrário de caridade. A cari- dade é uma relação de dominação, onde quem dá tem o poder e quem recebe é relegado para o papel da vítima que só pode receber. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 CADERNO CENTRAL CADERNOCENTRAL Pelo contrário, devemos procurar construir rela- ções de partilha e de igualdade, lutas auto-orga- nizadas para quem as quer viver, sem hierarquia nem paternalismo. Podemos agir em todo o lado à nossa volta, em todo o lado onde se levantam frontei- ras, e de múltiplas maneiras: trazendo para a rua discursos diferentes dos do poder e dos huma- nitários, através de panfletos, cartazes, ajunta- mentos e manifestações, etc.; contribuindo con- cretamente à passagem de fronteiras; trocando conselhos e informações práticas para recuperar comida como para partir para outra cidade; par- tilhando conhecimentos jurídicos, conselhos e técnicas sobre os controlos e as prisões; organi- zando-se no seu bairro para agir contra as rus- gas; etc. Documentos de identidade nos cen- tros de retenção, rusgas nos balcões dos gover- nos civis, abaixo todas as fronteiras! A vida das pessoas não deve depender de pedaços de papel! [Nas páginas 20 e 21 apresentamos um mapa cronológi- co de diversas notícias aparecidas entre Agosto e Setem- bro de lutas contra as fronteiras.]. SITES DE INFORMAÇÃO SOBRE LUTAS NA EU- ROPA EM DIVERSAS LINGUAS :
 Sans Papiers ni Frontières http:// sanspapiersnifrontie- res.noblogs.org Marseille Infos Autonomes http://mars-infos.org/+- migrations-sans-papiers-+ Presidio No Border Vintimille http://noborders20mi- glia. noblogs.org Paris Luttes infos https://paris-luttes.info/+-refugie -es- de-la-chapelle-+
 Calais Migrant Solidarity https://calaismigrantsolidari- ty. wordpress.com Hurriya (Itália) http://hurriya.noblogs.org
 Clandestina (Grécia) https://clandestinenglish. wor- dpress.com
 Infokiosques.net https://infokiosques.net/immigra- tions
  • 11. Olhar a brutalidade da Europa a partir das Ilhas Gregas. Maria Luz / Miguel Carmo / Manuel Bívar No dia 19 de Agosto viajámos da ilha de Icária para Atenas. O barco que tomámos partiu das ilhas norte do mar Egeu, parou na ilha de Sa- mos, e de seguida em Icária. Quando entrámos no barco percebemos que centenas de refugia- dos sírios e iraquianos ali estavam a caminho de Atenas. Falámos com alguns jovens sírios, dois deles fluentes em inglês. Os relatos das travessias da costa turca para as ilhas gregas são assusta- dores. As pessoas com quem falámos pagaram 1000 dólares pela travessia da costa turca para a ilha de Samos um estreito de 5 Km num bote atulhado com 40 pessoas. Vários fizeram várias tentativas. Ahmet contou-nos que nas suas duas primeiras viagens foram interceptados por um barco de guerra não identificado (referido por eles como “comandos”), que foram atacados por militares com máscara e que falavam alemão, e que lhes furaram o motor e o casco do bote dei- xando-os ao largo e à morte. Foram resgatados as duas vezes pela polícia turca. Dizia também que são comuns os roubos, que esses mesmos milita- res sacam com desfaçatez os telemóveis, iphones, e maços de dólares a quem vai nos botes. No porto de Icária, conhecemos um professor universitário turco que dá aulas em Ancara.
Contou-nos que visitou
seus pais em Bodrum,
na costa mediterrânica.
Que do alto da colina
onde seus pais têm casa
e donde se avista o porto
e o mar, são correntes os
bandos abun- dantes de
aves marinhas fazendo
círculos em alto mar. Em
Bodrum todos sabem o
que as aves comportando-se assim significam mais o afunda- mento de
um bote. Os tais botes de
40 pessoas, 1000 dólares
a cabeça. Mulheres com
miúdos ao colo. Tudo mar adentro a chorar e até sempre. Viva a Europa! Nesse dia 19 tomámos contacto com uma realidade que começava a ser noticiada in- tensamente nos telejornais e imprensa. Pudemos assistir na semana seguinte, já em Lisboa, ao avanço dia a dia entre fronteiras que nos tinha sido descrito com pormenor pelos sírios: Porto de Pireu, norte da Grécia, Macedónia, Sérvia, Hungria, Áustria, Alemanha. Alguns deles que riam seguir para a Bélgica. Duas semanas depois, a foto de uma criança afogada a levar com ondas no areal e de seguida a ser recolhida pela polícia turca espanta o mundo. Era na costa de Bodrum de que nos falava o professor de Ancara. O que surpreende na produção de notícia é não existir qualquer interrogação sobre as causas materiais de tantos naufrágios num mar que, nesta altura do ano, é um espelho de água, sem ondas e vento. Entre Bodrum e Kos, para onde se dirigia o bar- co, não há sequer 5 Km de mar. Com estes relatos, decidimos interpe- lar os de- putados portugueses no parlamento europeu do BE e do PCP em busca de mais in- formação e de um eventual pedido de esclare- cimento à Comissão Europeia. Respondeu-nos pelo PCP, Inês Zuber, explicando que em Junho passado foi aprovada uma operação militar con- tra as travessias do mediterrâneo por migrantes, através de uma missão da EUNAVFOR MED, por decisão da Comissão Europeia e do Conse- lho Europeu. Refere ainda que têm proposto cortes na dotação orça- mental da UE2016 para a operação FRONTEX, de controlo das fronteiras externas da UE com “cariz policial e repressivo.” Fomos pesquisar. A 22 de Junho foi anunciada pelos serviços do Conselho Europeu a criação da EUNAVFOR MED 1 : “O Conselho lançou hoje a operação naval da UE contra passadores e trafi- cantes de seres humanos no Mediterrâneo. A sua missão é identificar, capturar e destruir navios e bens utilizados, ou sob suspeita de serem utiliza- Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 CADERNO CENTRAL dos por passadores ou traficantes de migrantes.” Logo de seguida, o texto cita a Alta Representan- te para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, Fede- rica Mogherini: “A UE nunca levou tão a sério como agora a questão das mi- grações. Com esta operação, estamos a atacar o modelo de negócio daqueles que beneficiam da miséria dos migrantes.” Temos assim as insti- tuições europeias e seus altos representantes a determinar que os problemas de imigração se resolvem atacando os passadores e as máfias de transporte, numa fantástica inversão: não são os milhões de refugiados e migrantes e as frontei- ras fechadas que geram economias de passagem, mas são estes interesses que geram a oportunida- de de salto 2 . Não foi com inversões deste calibre que os racismos europeus discursaram durante um século, nomeadamente o nazi?
Na torren- te de reportagens que acompanham a crise dos refugiados, ou- vimos que os pagamentos para entrada ilegal na Europa desceram a pique nos dias em que a Alemanha manteve as fronteiras abertas. A segunda interrogação que salta à vis- ta é como pensa a EU atacar as redes de trans- portes sem atacar migrantes. O observatório Statewach 3 disponibiliza um dossier imenso em permanente atualização sobre a “EU refugee crisis”, onde revela um documento da Comis- são Europeia, no qual se admite «o alto risco de danos colaterais incluindo a perda de vidas» de uma operação que contará com «amplos meios marítimos, de terra e ar», incluindo unidades de forças especiais. Inês Zuber relata que, numa visita aos centros de acolhimento de Pozzallo e Lampedusa (Itália) onde falou com pessoas detidas, bem como com organizações de apoio aos migrantes, foi-lhe dito que muitas vezes os barcos que transportam os migrantes não levam qualquer traficante, uma vez que são os próprios migrantes obrigados a pilotar os barcos. E, ainda, que em várias situações, migrantes e refugiados, muitas vezes perseguidos políticos, são submeti- dos, de forma abusiva, a constantes interrogató- rios 4/5 . No passado dia 14 de Setembro, a EU- NAVFOR MED entrou na sua segunda fase que possibilita que “a operação naval da UE contra os passadores e traficantes de seres humanos no Mediterrâneo proceda à subida a bordo, busca, confisco e desvio em alto mar de navios suspeitos de serem utiliza- dos na introdução clandestina de migrantes.” 6 O uso repetido da palavra “sus- peitos” nos textos oficiais parece evidenciar o ca- rácter meta-legal destas missões militares.
Para abrir o quadro é necessário olhar para a Agenda Europeia para a Migração 2015 apresentada em Maio de 2015, onde se prevê, em suma, a mul- tiplicação de fundos para operações militares e policiais, como o programa FRONTEX (onde se inclui a operação Tritão), o reforço da coopera- ção de instituições policiais, como o Eurojust e a Interpol, com a política de asilo da UE, de for- ma a facilitar a identificação de migrantes e os processos de repatriamento, e o prosseguimento de uma política de seleção de força de trabalho qualificada de acordo com as necessidades das empresas da UE. Em nenhum lugar se concebe ali a criação de canais seguros para acolhimento de pessoas que se dirijam à Europa em condições precárias e procurem, por exemplo, agrupamen- to familiar. A UE considera, enquanto tranquila banalidade, que o movimento de pessoas através das fronteiras do espaço Schengen é uma questão policial, de solução repressiva, e uma questão de mercado. Bastará escutar as declarações “choca- das” do Alto Comissário para os Refugiados da ONU para acedermos rapidamente ao essencial da política europeia para a migração. Voltemos às ilhas gregas. Que pensar do rela- to de “comandos” de cara tapada a atacar botes cheios de pessoas, deixando-as à deriva e à morte, e que falam alemão? Quem é esta gente? A plataforma Watch the Med, a trabalhar desde 2012, tem monitorizado e mapeado online as mortes e violações dos direitos dos emigrantes nas fronteiras marítimas da UE no mediterrâneo. O seu objetivo é documentar a violência no mar “enquanto resultado estrutural da militarização da fronteira sul europeia” 7 . Têm como atividade principal um centro de informação que recolhe, a partir de um número de telefone, pedidos de auxílio no mar, seja naufrágio, ataques ou desvio ilegais para o país de partida (pushbacks). Esta organização identificou cerca de 20 situações semelhantes à que nos foi relatada pelos Sírios e na mesma área (ilhas gregas-Turquia) 8/9 . O modus operandi é o mesmo: unidades especiais armadas e de cara tapada; danificação do motor e perfuração do casco; abandono das pessoas à deriva. A informação recolhida aponta para ações da guarda costeira grega, em colaboração com elementos e embarcações do FRONTEX. Pelo que podemos ler, estas práticas são usuais na fronteira marítima entre a Grécia e Turquia, abrandaram a partir de Janeiro de 2015 com a eleição do governo Syriza, e estão a recrudescer desde Julho passado. É necessário notar que no geral os refugiados estão ser a bem recebidos na Grécia, já foram fretados vários ferries para o transporte massivo para Atenas e os Sírios que conhecemos traziam um salvo-conduto de dois meses para atravessar o país. Em Samos conhecemos duas irmãs jovens de uma família que resistiu com armas à ocupação nazi da ilha. Perguntámos a Izmin como estava a situação dos refugiados em Les- bos, onde vive. Contou-nos que todos os dias várias centenas desembarcam na ilha e que a ideia mais forte que lhe ocorre é que eles, os gregos, poderão ser os próximos a meter-se em botes a caminho de algum lugar. O mediterrâneo já foi um território, diz Fernand Braudel, agora é atravessado por uma fronteira que o corta de nascente a poente e que, contra todos os esfor- ços da UE para a fixar no meio do mar, parece estar a deslocar-se para latitudes mais a norte: os migrantes querem chegar à Alemanha e ao nor- te e estão pouco interessados nos países do sul da Europa empobrecidos sob austeridade. Essa fronteira da morte exangue e invisível no meio do mar, que dispensa arame farpado e tropa de choque, chegou a terra e está a fixar-se na Eu- ropa central. “Como habitualmente, o traçar de fronteiras será mais difícil para o historiador que para o geógrafo. «Europa é uma noção confusa», escreveu já Henri Hauser. É um mundo duplo, se não mesmo triplo, formado por seres e espa- ços diversamente trabalhados pela história. E o Mediterrâneo, que influencia fortemente o Sul do continente, contrariou bastante a unidade da Europa, que procurou atrair para a sua esfera de influência, provocando movimentos de diversão que lhe fossem favoráveis.” 10 Contra uma Euro- pa brutal, um mar território. /// NOTAS:
 1 comunicado do Conselho Europeu: http://goo. gl/7LkRWR
 2 Sobre a equiparação entre passadores de migrantes e tráfico humano: http://goo.gl/l1e1cT
 3 Statewatch: http://goo.gl/65RJwu
 4 Jornal Avante: http://goo.gl/IQGEba
 5 Parlamento Europeu: http://goo.gl/0iHm9g
 6 http://goo.gl/tPnGaj
 7 Acerca de Watch the Med: http://goo.gl/gMCAFE
 8 Watch the Med: http://goo.gl/wif0Ci
 9 Watch the Med: http://goo.gl/XPlWYq
 10 Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o Mundo Me- diterrâneo, vol. I, Dom Quixote, 1995 [1979], pp. 213. “Os relatos das travessias da costa turca para as Ilhas Gregas são assustadores. As pessoas com quem falámos pagaram 1000 dólares pela travessia da Costa Turca para a Ilha de Samos - um estreito de 5km - num bote atafulhado com 40 pessoas. ” o que se passa no mar egeu ?
  • 12. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 CADERNO CENTRAL Andrea Staid Nos últimos 8 anos, para além do meu ativismo libertário, tentei aprofundar através de um tra- balho etnográfico, as viagens dos migrantes, ou seja, a dura experiência que leva milhares de pes- soas à fortaleza europeia em direção ao Ocidente, em busca de trabalho ou de uma nova vida. Ao chegar a Itália, com um pouco de sorte, con- seguem fugir, evitando a detenção por parte da polícia. Mas nos tempos que correm, com o re- forçar da guarda costeira, isso é praticamente impossível. O protocolo a seguir será então o do primeiro-socorro, realizado ainda em mar, pois são poucos os que conseguem chegar directa- mente às praias. Seguidamente serão identifica- dos e registados através das impressões digitais, enviados para um dos centros de primeiro aco- lhimento e, consequentemente, para um dos CIE presentes na Península. Isso tudo por serem con- siderados clandestinos, seres humanos ilegais e portanto, fechados em Centros de Identificação e Expulsão. A política de imigração italiana con- cretiza- -se numa série de centros predispostos a um falso acolhimento e na detenção dos migran- tes até à decisão sobre um destino definitivo. Os centros distinguem-se entre eles segundo o seu próprio objetivo. Existem principalmente três ti- pologias: CDA: Centros De Acolhimento; CARA: Centros de Acolhimento aos Requerentes de Asilo; CIE: Centros de Identificação e Expul- são; São os CIE a representar o famoso “punho de ferro” exigido pelo governo. São os antigos CPT (Centros de Permanência Temporária), in- venta- dos pelo governo de esquerda através da famosa e triste lei Turco-Napolitano, que insti- tuiu os campos de concentração do novo milénio. Apesar do destino de quem chega aos CIE poder, por si, parecer bastante mau, é im- portante relembrar o destino bem pior de muitas outras pessoas. Falo de todos aqueles homens, mulheres e crianças que nem a terra chegam a pi- sar. São os ‘’invisíveis”, que desaparecem debaixo de uma cruel superfície marítima que os acolhe para nunca mais soltá-los. O número de mortos é enorme e levou muitos investigadores a falar do mediterrâneo como um verdadeiro cemitério ao ar livre. No interior dos CIE, as greves de fome, os atos de autoflagelo, os incêndios, as evasões e as verdadeiras revoltas são bastante frequentes. Depois das longas viagens e das gran- des expectativas, estas pessoas não conseguem aceitar o facto de
estarem atrás de grades. Não
se querem render à impossibilidade de que seja re- conhecido
o seu direito a viajar e encontrar um trabalho para melhorar as suas vidas, pelo me- nos
de um ponto de vista económico. Por isso decidem reconquistar os seus direitos com
a úni- ca arma de que ainda
dispõem: os próprios cor- pos.
Os mesmos corpos que foram
expostos às balas da polícia do
regime do qual estão a fugir, às
cacetadas vindas dos militares que os rouba- vam no deserto ou às torturas nas prisões Líbias. São os corpos de jovens, mulheres e homens que atravessaram o mar e com os quais agora tentam atravessar as gaiolas nas quais foram fechados, com o risco de acabarem no hospital ou na pri- são, acusados de agressão aos serviços de ordem. ‘’Depois de tudo o que tinha feito para chegar a Itália, não me podia render na prisão, por isso encontrei a força de fugir e arriscar. No fundo, o que eu tinha a perder? Talvez fosse me- lhor encontrar- -me no deserto e morrer à fome e à sede’’ (S. Mali) Para viver com dignidade na sociedade capitalista, uma mulher ou um homem precisa de um trabalho e de uma perspectiva de vida. Para o fazer precisa de ser livre de se mover e procurar o seu lugar no mundo. Liberdade e dignidade, es- sas nas quais os migrantes acreditam até ao fim, até ao ponto de comprometerem as suas vidas no mar e nas quais continuam a acreditar quando se decidem revoltar contra a máquina das expul- sões, queimando e destruindo as estruturas dos CIE ou então destruindo o próprio corpo, cortan- do as veias, engolindo vidros e pedaços de ferro, para acabar no hospital e evitar serem repatria- dos. Os políticos condenam a ‘’violência’’ física usada pelos detidos contra as forças de or- dem e contra as estruturas prisionais dos CIE e temos que a comparar à violência institucional de toda a máquina de expulsões. A violência dos acordos entre governos que deixam morrer no deserto,nas prisões e no mar centenas de pessoas e que acha normal fechar numa cela, durante um ano e meio, rapazes e raparigas culpados de não terem documentos. Culpados de te- rem nascido no lado errado do mundo. Porque, para quem é italiano, espa- nhol ou alemão, basta apanhar um avião low cost e em poucas horas se chega confortavelmente a Tanger ou Tunis. Mas assim não é se fores tuni- sino ou marroquino. Não vivemos num mundo de direitos iguais mas sim num mundo globali- zado, onde mobilidade é poder. E só os cidadãos dos Estados mais ricos têm pleno acesso a ela. Quem tem o passaporte errado não pode viajar pelo mundo, a menos que decida revoltar-se con- tra as fronteiras e ganhar coragem para encarar a viagem com destino à Europa. Te- mos que pensar profundamente sobre quão absurdas são as fronteiras e apoiar a liberdade de movimento para todos, até ao dia em que se poderá circular livremente entre as duas margens do mediterrâ- neo. Em Itália, foram muitas as revoltas contra os CIE, nos últimos anos. Os protestos invadiram todos os centros, em particular entre os meses de Agosto e Setembro de 2011, quando o gover- no italiano aprovou a lei que aumentou de 6 a 18 meses o limite de detenção. Se nos basearmos apenas nas notícias recolhidas pela Fortress Europe, o número de evadi- dos em 2011 é pelo menos de 580 pessoas. Um número sem precedentes, ao qual terá que se acrescentar dezenas de feridos e detidos. Acerca dos danos causados nas estruturas de detenção durante as revoltas, não existem estimativas ofi- ciais, mas é fácil imaginar que estejam na ordem de milhões de euros, considerando que inteiras secções foram destruídas e queimadas durante DETENÇÃONOSCIEEREVOLTA CADERNOCENTRAL
  • 13. Mapa / Jornal de Informação Crítica / Outubro-Dezembro’15 CADERNO CENTRAL as revoltas de Torino, Roma, Milano, Gradisca, Brindisi, Bologna. Isto sem contar que um pavi- lhão inteiro do centro de acolhimento de Lam- pedusa foi inteiramente destruído pelas chamas. Do CIE de Roma conseguiram sair 191 detidos durante os meses de Agosto e Setembro. Do CIE de Brindisi fugiram 140, em Trapani 79, entre o CIE de Milo e Vulpetta, Torino 59, Modena 35, Bologna 20 e Cagliari 2. 54 Tunisinos consegui- ram fugir do hangar do porto de Pozzallo, em Ragusa, lugar de detenção ilegal. Mesmo sendo muitos, 580 evadidos parece pouco se comparar- mos com os números da máquina de expulsões. Considerando o total de 3.600 cidadãos tunisi- nos repatriados em 2011, cada ano uma média de 11.000 pessoas transitam pelos CIE e destes, 4.500 são efectivamente repatriados à força. A absurdidade dos repatriamentos é o resultado das políticas de segurança da Europa Fortaleza, culpada por milhares de mortos no mar mediter- râneo. Não podemos esperar por soluções vindas de políticos de profissão. As soluções podemos e devemos encontrá-las em conjunto com quem se evade e se revolta contra as fronteiras impostas pelos Estados. Porque somos todos humanos para além das aparências étnicas e as fronteiras são uma absurda ilusão capitalista. Em Itália, foram muitas as revoltas contra os CIE, nos últimos anos. Os protestos invadiram todos os centros, em particular entre os meses de Agosto e Setembro de 2011. Quando o governo italiano aprovou a lei que aumentou de 6 a 18 meses o limite de detenção EVASÃO DE NATAL DO CIE DE TORINO 1 No centro, cada dia é um caos com a bófia. Como se costuma dizer, nós ati- ramos-lhes de tudo, da massa até à fruta. Ficamos sem comê-la alguns dias, escondemo-la, deixamo-la bem apodrecer e depois atiramos-lhes à cara, contra os bófias, os militares e todos os guardas. Desde que saí e que fugi sinto-me muito bem, estou demasiado feliz. É dife- rente sair assim, não porque acabou o tempo máximo, mas porque és tu que decides fugir. Organizas-te com os teus companheiros e sais. É a segunda vez que queimamos as fronteiras. Aliás, para mim é a terceira. Fugir do CIE é uma escolha, que tem que ser bem feita porque não é fácil. Por isso nós fugi- mos no Natal. Escolhemos um bom momento e sabíamos que no dia de natal os guardas estão todos bêbedos e por isso há menos controlo, menos segurança...e conseguimos. Saímos na hora exata em que tínhamos decidido. Calculámos tudo, preparámos tudo com cal- ma e precisão. Or- ganizámos tudo durante a noite, falávamos numa das secções de quartos e tentávamos de considerar tudo e ali percebemos que o momento melhor iria ser o Natal. Espontaneamente falamos uns com os outros todos os dias mas aqui tratava-se de organizar a fuga. Então era preciso concentração. Den- tro do centro nunca nos aborrecemos. Trabalha- mos o dia todo ou pelo me- nos fazemos trabalhar os polícias. Não os deixamos dormir e fazemos com que façam o trabalho deles, ou seja, levar com coisas em cima. Depois, durante a noite trabalhava-se para a fuga. Foi uma semana de pre- parativos e depois no Natal BUM. Saímos. Nos não tomamos aquelas merdas que nos dão, sabemos que as terapias deles te adormecem e não te deixam fazer nada. Dentro do centro existem também os cabrões, os que falam com os polícias e vivem em isolamento. Quando apanhámos um desses, sem o aleijar, cuspimos- -lhe na cara e ex- pulsámo-lo do quarto com o colchão dele. Eu passei um mês e meio lá dentro. As revoltas foram muitas, mas esta de Natal permitiu a muitos fugir e não foi um acaso mas sim a preparação da fuga que nos premiou. Depois havia muito poucos polícias, uma dezena no máximo e nós éramos muitos. Então eles não avançaram. Fizemos um bom trabalho e por isso correu bem. Os polícias estavam todos bêbados por terem feito festa e nós abrimos as portas todas dos quartos e saímos em grande número. Por isso eles fugiram e não podiam fazer nada. Os primeiros que saíram abriram aos outros, nós não consegui- mos abrir as portas das mulheres, queríamos deixá-las passar primeiro mas não conseguimos. As mulheres insultavam os polícias como nós e estavam felizes por nós, mesmo que não conseguissem fugir. Naquela noite tínhamos calculado tudo. Uma só área sai e abre a de todos os outros. Um de nós até pegou no extintor e lavou um polícia como eles faziam sempre connosco. A polícia fugiu, éramos demasiados e deviam esperar os reforços. Demoraram pelo menos 30 minutos para se organizarem. Todos os homens participaram na evasão e estamos a falar de cerca de 100 pes- soas. Agora, dos que fugiram estão lá fora 46 mas os outros foram apanhados. Alguns rapa- zes voltaram sozinhos porque tinham medo, têm filhos lá fora, as mulheres, os documentos para arranjarem. Depois havia quem, no início, não queria fugir e depois quando viu os outros sen- tiu o cheiro da liberdade. Sabes, a liberdade tem um cheiro demasiado forte, muito bom, e então juntaram-se a nós e fugiram. Lá fora havia Italianos que ajudavam os pol cias e outros que nos ajudaram a nós e diziam- -nos onde nos podiam esconder. Não temos medo porque eles é que têm medo, somos mais que eles e devem sem- pre esperar os reforços. Se preparamos bem as revoltas, têm medo da nossa determinação. Depois os jornais dizem sempre o que quiserem. Para a nossa evasão nenhum polícia foi ferido. Nenhum. Também porque fugiram logo e nem houve o tempo para o confronto. Mas os que foram apanhados pelos guardas foram espan- cados e metidos em isola- mento ou pior ainda repatriados diretamente. 1 Entrevista com três fugitivos em 25 de Dezem- bro para a rádio Blackout de Turim, transcritas por mim com alguma simplificação linguística menor.