SlideShare a Scribd company logo
1 of 3
Download to read offline
Nós
                         Variação do Manifesto
                                                                 Dziga Vertov




                      O irmão de Dziga Vertov, Mikhail Kaufman

Nós nos denominamos KINOKS para nos diferenciar dos "cineastas", esse
bando de ambulantes andrajosos que impingem com vantagem as suas
velharias.
Não há, a nosso ver, nenhuma relação entre a hipocrisia e a concupiscência
dos mercadores e o verdadeiro "kinokismo".
O cine-drama psicológico russo-alemão, agravado pelas visões e
recordações da infância, afigura-se aos nossos olhos como uma inépcia.
Aos filmes de aventura americanos, esses filmes cheios de dinamismo
espetacular, com mise en scène à Pinkerton, o kinok diz obrigado pela
velocidade das imagens, pelos primeiros planos. Isso é bom, mas
desordenado e de modo algum fundamentado sobre o estudo preciso do
movimento. Um degrau acima, do drama psicológico, falta-lhe, apesar de
tudo, fundamento. É banal. É a cópia da cópia.
NÓS declaramos que os velhos filmes romanceados e teatrais têm lepra.
— Afastem-se deles!
— Não os olhem!
— Perigo de morte!
— Contagiosos!
NÓS afirmamos que o futuro da arte cinematográfica é a negação do seu
presente.
A morte da "cinematografia" é indispensável para que a arte
cinematográfica possa viver.
NÓS os concitamos a acelerar sua morte.
NÓS protestamos contra a miscigenação das artes a que muitos chamam
de síntese. A mistura de cores ruins, ainda que escolhidas entre todos os
tons do espectro, jamais dará o branco, mas sim o turvo.
Chegaremos à síntese na proporção em que o ponto mais alto de cada arte
for alcançado. Nunca antes.
NÓS depuramos o cinema dos kinoks dos intrusos: música, literatura e
teatro. Nós buscamos nosso ritmo próprio, sem roubá-lo de quem quer que
seja, apenas encontrando-o, reconhecendo-o nos movimentos das coisas.
NÓS os conclamamos:
— a fugir —
dos langorosos apelos das cantilenas românticas
do veneno do romance psicológico
do abraço do teatro do amante
e a virar as costas à música
— a fugir —
ganhemos o vasto campo, o espaço em quatro dimensões (3 + o tempo), à
procura de um material, de um metro, de um ritmo inteiramente nosso.
O "psicológico" impede o homem de ser tão preciso quanto cronômetro,
limita o seu anseio de se assemelhar à máquina.
Não temos nenhuma razão para, na arte do movimento, dedicar o essencial
de nossa atenção ao homem de hoje.
A incapacidade dos homens em saber se comportar nos coloca em posição
vergonhosa diante das máquinas. Mas, o que se há de fazer, se os
caprichos infalíveis da eletricidade nos tocam mais do que o atrito
desordenado dos homens ativos e a lassidão corrupta dos homens
passivos?
A alegria que nos proporcionam as danças das serras numa serraria é mais
compreensível e mais próxima do que a que nos proporcionam os
requebros desengonçados dos homens.
NÓS não queremos mais filmar temporariamente o homem, porque ele não
sabe dirigir seus movimentos.
Pela poesia da máquina, iremos do cidadão lerdo ao homem elétrico
perfeito.
Ao revelar a alma da máquina, promovendo o amor do operário por seu
instrumento, da camponesa por seu trator, do maquinista por sua
locomotiva,
nós introduzimos a alegria criadora em cada trabalho mecânico
nós aproximamos os homens das máquinas
nós educamos os novos homens.
O novo homem, libertado da canhestrice e da falta de jeito, dotado dos
movimentos precisos e suaves da máquina, será o tema nobre dos filmes.
NÓS caminhamos de peito aberto para o reconhecimento do ritmo da
máquina, para o deslumbramento diante do trabalho mecânico, para a
percepção da beleza dos processos químicos. Nós cantamos os tremores de
terra, compomos cine-poemas com as chamas e as centrais elétricas,
admiramos os movimentos dos cometas e dos meteoros, e os gestos dos
projetores que ofuscam as estrelas.
Todos aqueles que amam a sua arte buscam a essência profunda da sua
própria técnica.
A cinematografia, que já tem os nervos emaranhados, necessita de um
sistema rigoroso de movimentos precisos.
O metro, o ritmo, a natureza do movimento, sua disposição rígida com
relação aos eixos das coordenadas da imagem e, talvez, os eixos mundiais
das coordenadas (três dimensões + a quarta, o tempo) devem ser
inventariados e estudados por todos os criadores do cinema.
Necessidade, precisão e velocidade: três imperativos que Nós exigimos do
movimento digno de ser filmado e projetado.
Que seja um extrato geométrico do movimento por meio da alternância
cativante das imagens, eis o que se pede da montagem.
O kinokismo é a arte de organizar os movimentos necessários dos objetos
no espaço, graças à utilização de um conjunto artístico rítmico adequado
às propriedades do material e ao ritmo interior de cada objeto.
Os intervalos (passagens de um movimento para outro), e nunca os
próprios movimentos, constituem o material (elementos da arte do
movimento). São eles (os intervalos) que conduzem a ação para o
desdobramento cinético. A organização do movimento é a organização de
seus elementos, isto é, dos intervalos na frase. Distingue-se, em cada
frase, a ascensão, o ponto culminante e a queda do movimento (que se
manifesta nesse ou naquele nível). Uma obra é feita de frases, tanto
quanto estas últimas são feitas de intervalos de movimentos.
Depois de conceber um cine-poema ou um fragmento, o kinok deve saber
anotá-lo com precisão, a fim de dar-lhe vida na tela, desde que haja
condições favoráveis para tal.
Evidentemente, nem o roteiro mais perfeito será capaz de substituir essas
notas, tanto quanto o libreto não substitui a pantomima e os comentários
literários sobre Scriabin não dão nenhuma idéia da sua música.
Para poder representar um estudo dinâmico sobre uma folha de papel é
preciso dominar os signos gráficos do movimento.
NÓS estamos em busca da cine-gama.
NÓS caímos e nos levantamos ao ritmo de movimentos,
lentos e acelerados,
correndo longe de nós, próximos a nós, acima, em círculo, em linha, em
elipse,
à direita e à esquerda, com os sinais de mais e de menos, os movimentos
se curvam, se endireitam, se dividem, se fracionam, se multiplicam por si
próprios, cruzando silenciosamente o espaço.
O cinema é também a arte de imaginar os movimentos dos objetos no
espaço. Respondendo aos imperativos da ciência, é a encarnação do sonho
do inventor, seja ele sábio, artista, engenheiro ou carpinteiro. Graças ao
Kinokismo ele permite realizar o que é irrealizável na vida.
Desenhos em movimento. Esboços em movimento. Projetos de um futuro
imediato. Teoria da relatividade projetada na tela.
NÓS saudamos a fantástica regularidade dos movimentos. Carregados nas
asas das hipóteses, nosso olhar movido a hélice se perde no futuro.
NÓS acreditamos que está próximo o momento de lançar no espaço as
torrentes de movimento retidas pela inoperância de nossa tática.
Viva a geometria dinâmica, as carreiras de pontos, de linhas, de
superfícies, de volumes.
Viva a poesia da máquina acionada e em movimento, a dos guindastes,
rodas e asas de aço, o grito de ferro dos movimentos, os ofuscantes
trejeitos dos raios incandescentes.
(Tradução de Marcelle Pithon, in A experiência do Cinema, org. Ismail
Xavier, Graal, Embrafilme, 1983.)

More Related Content

What's hot

What's hot (19)

A pintura de iman maleki (orlando)
A pintura de iman maleki (orlando)A pintura de iman maleki (orlando)
A pintura de iman maleki (orlando)
 
Iman Malek - Pintor iraniano
Iman Malek - Pintor iranianoIman Malek - Pintor iraniano
Iman Malek - Pintor iraniano
 
A Pintura De Iman Maleki (Orlando)Dema
A Pintura De Iman Maleki (Orlando)DemaA Pintura De Iman Maleki (Orlando)Dema
A Pintura De Iman Maleki (Orlando)Dema
 
Arte Aula Inicial
Arte   Aula InicialArte   Aula Inicial
Arte Aula Inicial
 
Arte aula inicial Ensino Médio
Arte aula inicial Ensino MédioArte aula inicial Ensino Médio
Arte aula inicial Ensino Médio
 
Vertov, Dziga - Kinokoks
Vertov, Dziga - KinokoksVertov, Dziga - Kinokoks
Vertov, Dziga - Kinokoks
 
Tensa é a noite artur soares
Tensa é a noite artur soaresTensa é a noite artur soares
Tensa é a noite artur soares
 
Ladrão de pronomes
Ladrão de pronomesLadrão de pronomes
Ladrão de pronomes
 
Caravaggio
CaravaggioCaravaggio
Caravaggio
 
Trabalho de artes , caravaggio
Trabalho de artes , caravaggioTrabalho de artes , caravaggio
Trabalho de artes , caravaggio
 
FILOSOFANDO NO CINEMA - Ollivier Pourriol. em PDF
FILOSOFANDO NO CINEMA - Ollivier Pourriol. em PDFFILOSOFANDO NO CINEMA - Ollivier Pourriol. em PDF
FILOSOFANDO NO CINEMA - Ollivier Pourriol. em PDF
 
Impressionismo
ImpressionismoImpressionismo
Impressionismo
 
Passagem Do Virtual Para O Real
Passagem Do Virtual Para O RealPassagem Do Virtual Para O Real
Passagem Do Virtual Para O Real
 
Caravaggio
CaravaggioCaravaggio
Caravaggio
 
Artur azevedo as paradas
Artur azevedo   as paradasArtur azevedo   as paradas
Artur azevedo as paradas
 
Eu Em Andorra
Eu Em AndorraEu Em Andorra
Eu Em Andorra
 
Vanguardas e Modernismo
Vanguardas e ModernismoVanguardas e Modernismo
Vanguardas e Modernismo
 
O gênero dramático,
O gênero dramático,O gênero dramático,
O gênero dramático,
 
A arte na renascença
A arte na renascençaA arte na renascença
A arte na renascença
 

Viewers also liked

La importancia de las tics por diego chicaiza
La importancia de las tics por diego chicaizaLa importancia de las tics por diego chicaiza
La importancia de las tics por diego chicaizadieggui
 
Practica 9
Practica 9Practica 9
Practica 9Manudoma
 
Informe tecnico
Informe tecnicoInforme tecnico
Informe tecnicoFany Duque
 
Aula 06 e 07 elementos inline parte01 e 02
Aula 06 e 07 elementos inline parte01 e 02Aula 06 e 07 elementos inline parte01 e 02
Aula 06 e 07 elementos inline parte01 e 02Jolvani Morgan
 
El liderazgo
El liderazgoEl liderazgo
El liderazgoanaluvien
 
Ella dürst.ppt
Ella dürst.pptElla dürst.ppt
Ella dürst.pptULBRA
 
Aula 31 certificação
Aula 31 certificaçãoAula 31 certificação
Aula 31 certificaçãoJolvani Morgan
 
Taller de columnas
Taller de columnasTaller de columnas
Taller de columnastobonangel
 
Desenvolvimento sustentavel a nova roupagem para a velha questão do desenvolv...
Desenvolvimento sustentavel a nova roupagem para a velha questão do desenvolv...Desenvolvimento sustentavel a nova roupagem para a velha questão do desenvolv...
Desenvolvimento sustentavel a nova roupagem para a velha questão do desenvolv...blogarlete
 
Human traction quienes somos
Human traction quienes somosHuman traction quienes somos
Human traction quienes somoshtslide
 

Viewers also liked (20)

La importancia de las tics por diego chicaiza
La importancia de las tics por diego chicaizaLa importancia de las tics por diego chicaiza
La importancia de las tics por diego chicaiza
 
Practica 9
Practica 9Practica 9
Practica 9
 
E.f
E.fE.f
E.f
 
Informe tecnico
Informe tecnicoInforme tecnico
Informe tecnico
 
ENCUESTA TRABAJO INFORMAL
ENCUESTA TRABAJO INFORMAL ENCUESTA TRABAJO INFORMAL
ENCUESTA TRABAJO INFORMAL
 
Tiempos modernos
Tiempos modernosTiempos modernos
Tiempos modernos
 
Aula 06 e 07 elementos inline parte01 e 02
Aula 06 e 07 elementos inline parte01 e 02Aula 06 e 07 elementos inline parte01 e 02
Aula 06 e 07 elementos inline parte01 e 02
 
El liderazgo
El liderazgoEl liderazgo
El liderazgo
 
Ella dürst.ppt
Ella dürst.pptElla dürst.ppt
Ella dürst.ppt
 
planificador de proyecto
planificador de proyectoplanificador de proyecto
planificador de proyecto
 
Refuerzo biologia brayan
Refuerzo biologia brayan Refuerzo biologia brayan
Refuerzo biologia brayan
 
Aula 31 certificação
Aula 31 certificaçãoAula 31 certificação
Aula 31 certificação
 
Taller de columnas
Taller de columnasTaller de columnas
Taller de columnas
 
Desenvolvimento sustentavel a nova roupagem para a velha questão do desenvolv...
Desenvolvimento sustentavel a nova roupagem para a velha questão do desenvolv...Desenvolvimento sustentavel a nova roupagem para a velha questão do desenvolv...
Desenvolvimento sustentavel a nova roupagem para a velha questão do desenvolv...
 
2º ano
2º ano2º ano
2º ano
 
Mona lisa
Mona lisaMona lisa
Mona lisa
 
Human traction quienes somos
Human traction quienes somosHuman traction quienes somos
Human traction quienes somos
 
Capítulo iv
Capítulo ivCapítulo iv
Capítulo iv
 
Tema 6
Tema 6Tema 6
Tema 6
 
Desafio acido- base 1
Desafio acido- base 1Desafio acido- base 1
Desafio acido- base 1
 

Similar to Vertov, Dziga - Nós

Vertov, Dziga - O ideograma do girassol
Vertov, Dziga - O ideograma do girassolVertov, Dziga - O ideograma do girassol
Vertov, Dziga - O ideograma do girassolAntropologiavisualuff
 
O cinema e a realidade virtual 29.07.08
O cinema e a realidade virtual 29.07.08O cinema e a realidade virtual 29.07.08
O cinema e a realidade virtual 29.07.08claudiocpaiva
 
Arqueologia do cinema de animação - Material prático e didático
Arqueologia do cinema de animação - Material prático e didáticoArqueologia do cinema de animação - Material prático e didático
Arqueologia do cinema de animação - Material prático e didáticoTamara Costa
 
Acre 007 edição 007 julho, agosto e setembro... para revisão de autor
Acre 007 edição 007 julho, agosto e setembro... para revisão de autorAcre 007 edição 007 julho, agosto e setembro... para revisão de autor
Acre 007 edição 007 julho, agosto e setembro... para revisão de autorAMEOPOEMA Editora
 
Surgimento diretor teatral
Surgimento diretor teatralSurgimento diretor teatral
Surgimento diretor teatralTaís Ferreira
 
Vanguardas européias - Professora Vivian Trombini
Vanguardas européias - Professora Vivian TrombiniVanguardas européias - Professora Vivian Trombini
Vanguardas européias - Professora Vivian TrombiniVIVIAN TROMBINI
 
Introdução à literatura
Introdução à literaturaIntrodução à literatura
Introdução à literaturaSeduc/AM
 
Oficina de jornalismo literário 2013
Oficina de jornalismo literário   2013Oficina de jornalismo literário   2013
Oficina de jornalismo literário 2013aulasdejornalismo
 
Cinema Marginal Brasileiro
Cinema Marginal BrasileiroCinema Marginal Brasileiro
Cinema Marginal BrasileiroStefan Leles
 
Vanguardas Europeias - 2022 - Atualizada.pptx
Vanguardas Europeias - 2022 - Atualizada.pptxVanguardas Europeias - 2022 - Atualizada.pptx
Vanguardas Europeias - 2022 - Atualizada.pptxCrisBiagio
 

Similar to Vertov, Dziga - Nós (20)

Vertov, Dziga - O ideograma do girassol
Vertov, Dziga - O ideograma do girassolVertov, Dziga - O ideograma do girassol
Vertov, Dziga - O ideograma do girassol
 
O cinema e a realidade virtual 29.07.08
O cinema e a realidade virtual 29.07.08O cinema e a realidade virtual 29.07.08
O cinema e a realidade virtual 29.07.08
 
Para o blog
Para o blogPara o blog
Para o blog
 
Avatar - O outro sou eu
Avatar - O outro sou euAvatar - O outro sou eu
Avatar - O outro sou eu
 
Arqueologia do cinema de animação - Material prático e didático
Arqueologia do cinema de animação - Material prático e didáticoArqueologia do cinema de animação - Material prático e didático
Arqueologia do cinema de animação - Material prático e didático
 
Realismo
RealismoRealismo
Realismo
 
Comentários sobre teatro
Comentários sobre teatroComentários sobre teatro
Comentários sobre teatro
 
Vanguardas Europeias
Vanguardas EuropeiasVanguardas Europeias
Vanguardas Europeias
 
Vanguardas Europeias
Vanguardas EuropeiasVanguardas Europeias
Vanguardas Europeias
 
Vanguardas-Europeias.pdf
Vanguardas-Europeias.pdfVanguardas-Europeias.pdf
Vanguardas-Europeias.pdf
 
Vanguardas europeias
Vanguardas europeiasVanguardas europeias
Vanguardas europeias
 
Acre 007 edição 007 julho, agosto e setembro... para revisão de autor
Acre 007 edição 007 julho, agosto e setembro... para revisão de autorAcre 007 edição 007 julho, agosto e setembro... para revisão de autor
Acre 007 edição 007 julho, agosto e setembro... para revisão de autor
 
Surgimento diretor teatral
Surgimento diretor teatralSurgimento diretor teatral
Surgimento diretor teatral
 
Vanguardas
VanguardasVanguardas
Vanguardas
 
Vanguardas européias - Professora Vivian Trombini
Vanguardas européias - Professora Vivian TrombiniVanguardas européias - Professora Vivian Trombini
Vanguardas européias - Professora Vivian Trombini
 
Introdução à literatura
Introdução à literaturaIntrodução à literatura
Introdução à literatura
 
Oficina de jornalismo literário 2013
Oficina de jornalismo literário   2013Oficina de jornalismo literário   2013
Oficina de jornalismo literário 2013
 
Cinema Marginal Brasileiro
Cinema Marginal BrasileiroCinema Marginal Brasileiro
Cinema Marginal Brasileiro
 
Steampunk
SteampunkSteampunk
Steampunk
 
Vanguardas Europeias - 2022 - Atualizada.pptx
Vanguardas Europeias - 2022 - Atualizada.pptxVanguardas Europeias - 2022 - Atualizada.pptx
Vanguardas Europeias - 2022 - Atualizada.pptx
 

More from Antropologiavisualuff

OLHARES EM PROGRESSO OLHARES EM PROCESSO: Uma experiência de vídeo participat...
OLHARES EM PROGRESSO OLHARES EM PROCESSO: Uma experiência de vídeo participat...OLHARES EM PROGRESSO OLHARES EM PROCESSO: Uma experiência de vídeo participat...
OLHARES EM PROGRESSO OLHARES EM PROCESSO: Uma experiência de vídeo participat...Antropologiavisualuff
 
Chorographies of Memory: Everyday Sites and Practices of Remembrance Work in ...
Chorographies of Memory: Everyday Sites and Practices of Remembrance Work in ...Chorographies of Memory: Everyday Sites and Practices of Remembrance Work in ...
Chorographies of Memory: Everyday Sites and Practices of Remembrance Work in ...Antropologiavisualuff
 
C O N V E R S A C I Ó N C O N E L D I R E C T O R G A R Y K I ...
C O N V E R S A C I Ó N    C O N    E L    D I R E C T O R    G A R Y    K I ...C O N V E R S A C I Ó N    C O N    E L    D I R E C T O R    G A R Y    K I ...
C O N V E R S A C I Ó N C O N E L D I R E C T O R G A R Y K I ...Antropologiavisualuff
 
A tradição da antropologia visual em Manchester: notas para um exercício comp...
A tradição da antropologia visual em Manchester: notas para um exercício comp...A tradição da antropologia visual em Manchester: notas para um exercício comp...
A tradição da antropologia visual em Manchester: notas para um exercício comp...Antropologiavisualuff
 
Preview of “an interview with david macdougall”
Preview of “an interview with david macdougall”Preview of “an interview with david macdougall”
Preview of “an interview with david macdougall”Antropologiavisualuff
 

More from Antropologiavisualuff (20)

O esgotado completo
O esgotado completoO esgotado completo
O esgotado completo
 
OLHARES EM PROGRESSO OLHARES EM PROCESSO: Uma experiência de vídeo participat...
OLHARES EM PROGRESSO OLHARES EM PROCESSO: Uma experiência de vídeo participat...OLHARES EM PROGRESSO OLHARES EM PROCESSO: Uma experiência de vídeo participat...
OLHARES EM PROGRESSO OLHARES EM PROCESSO: Uma experiência de vídeo participat...
 
Chorographies of Memory: Everyday Sites and Practices of Remembrance Work in ...
Chorographies of Memory: Everyday Sites and Practices of Remembrance Work in ...Chorographies of Memory: Everyday Sites and Practices of Remembrance Work in ...
Chorographies of Memory: Everyday Sites and Practices of Remembrance Work in ...
 
Unprivileged Camera Style
Unprivileged Camera StyleUnprivileged Camera Style
Unprivileged Camera Style
 
C O N V E R S A C I Ó N C O N E L D I R E C T O R G A R Y K I ...
C O N V E R S A C I Ó N    C O N    E L    D I R E C T O R    G A R Y    K I ...C O N V E R S A C I Ó N    C O N    E L    D I R E C T O R    G A R Y    K I ...
C O N V E R S A C I Ó N C O N E L D I R E C T O R G A R Y K I ...
 
Underviewed celso and cora
Underviewed celso and coraUnderviewed celso and cora
Underviewed celso and cora
 
A tradição da antropologia visual em Manchester: notas para um exercício comp...
A tradição da antropologia visual em Manchester: notas para um exercício comp...A tradição da antropologia visual em Manchester: notas para um exercício comp...
A tradição da antropologia visual em Manchester: notas para um exercício comp...
 
Folclore e cultura popular
Folclore e cultura popularFolclore e cultura popular
Folclore e cultura popular
 
Som direto 1960
Som direto 1960Som direto 1960
Som direto 1960
 
Antropologia visual ii atualizado
Antropologia visual ii atualizadoAntropologia visual ii atualizado
Antropologia visual ii atualizado
 
A Voz do Dono - Sérgio Santeiro
A Voz do Dono - Sérgio SanteiroA Voz do Dono - Sérgio Santeiro
A Voz do Dono - Sérgio Santeiro
 
Joel Yamaji - Limite 2007
Joel Yamaji - Limite 2007Joel Yamaji - Limite 2007
Joel Yamaji - Limite 2007
 
Limite - Mario Peixoto
Limite - Mario PeixotoLimite - Mario Peixoto
Limite - Mario Peixoto
 
Anthropologicas
AnthropologicasAnthropologicas
Anthropologicas
 
Relatorio pt3 gary kildea
Relatorio pt3 gary kildea Relatorio pt3 gary kildea
Relatorio pt3 gary kildea
 
Preview of “an interview with david macdougall”
Preview of “an interview with david macdougall”Preview of “an interview with david macdougall”
Preview of “an interview with david macdougall”
 
Revista Doc on line. pt 08 1
Revista Doc on line. pt 08 1Revista Doc on line. pt 08 1
Revista Doc on line. pt 08 1
 
Textos de Dziga Vertov
Textos de Dziga VertovTextos de Dziga Vertov
Textos de Dziga Vertov
 
O intervalo de Vertov
O intervalo de VertovO intervalo de Vertov
O intervalo de Vertov
 
Vertov, Dziga - Cine-Olho
Vertov, Dziga - Cine-OlhoVertov, Dziga - Cine-Olho
Vertov, Dziga - Cine-Olho
 

Vertov, Dziga - Nós

  • 1. Nós Variação do Manifesto Dziga Vertov O irmão de Dziga Vertov, Mikhail Kaufman Nós nos denominamos KINOKS para nos diferenciar dos "cineastas", esse bando de ambulantes andrajosos que impingem com vantagem as suas velharias. Não há, a nosso ver, nenhuma relação entre a hipocrisia e a concupiscência dos mercadores e o verdadeiro "kinokismo". O cine-drama psicológico russo-alemão, agravado pelas visões e recordações da infância, afigura-se aos nossos olhos como uma inépcia. Aos filmes de aventura americanos, esses filmes cheios de dinamismo espetacular, com mise en scène à Pinkerton, o kinok diz obrigado pela velocidade das imagens, pelos primeiros planos. Isso é bom, mas desordenado e de modo algum fundamentado sobre o estudo preciso do movimento. Um degrau acima, do drama psicológico, falta-lhe, apesar de tudo, fundamento. É banal. É a cópia da cópia. NÓS declaramos que os velhos filmes romanceados e teatrais têm lepra. — Afastem-se deles! — Não os olhem! — Perigo de morte! — Contagiosos! NÓS afirmamos que o futuro da arte cinematográfica é a negação do seu presente. A morte da "cinematografia" é indispensável para que a arte cinematográfica possa viver. NÓS os concitamos a acelerar sua morte. NÓS protestamos contra a miscigenação das artes a que muitos chamam de síntese. A mistura de cores ruins, ainda que escolhidas entre todos os tons do espectro, jamais dará o branco, mas sim o turvo. Chegaremos à síntese na proporção em que o ponto mais alto de cada arte for alcançado. Nunca antes. NÓS depuramos o cinema dos kinoks dos intrusos: música, literatura e teatro. Nós buscamos nosso ritmo próprio, sem roubá-lo de quem quer que seja, apenas encontrando-o, reconhecendo-o nos movimentos das coisas.
  • 2. NÓS os conclamamos: — a fugir — dos langorosos apelos das cantilenas românticas do veneno do romance psicológico do abraço do teatro do amante e a virar as costas à música — a fugir — ganhemos o vasto campo, o espaço em quatro dimensões (3 + o tempo), à procura de um material, de um metro, de um ritmo inteiramente nosso. O "psicológico" impede o homem de ser tão preciso quanto cronômetro, limita o seu anseio de se assemelhar à máquina. Não temos nenhuma razão para, na arte do movimento, dedicar o essencial de nossa atenção ao homem de hoje. A incapacidade dos homens em saber se comportar nos coloca em posição vergonhosa diante das máquinas. Mas, o que se há de fazer, se os caprichos infalíveis da eletricidade nos tocam mais do que o atrito desordenado dos homens ativos e a lassidão corrupta dos homens passivos? A alegria que nos proporcionam as danças das serras numa serraria é mais compreensível e mais próxima do que a que nos proporcionam os requebros desengonçados dos homens. NÓS não queremos mais filmar temporariamente o homem, porque ele não sabe dirigir seus movimentos. Pela poesia da máquina, iremos do cidadão lerdo ao homem elétrico perfeito. Ao revelar a alma da máquina, promovendo o amor do operário por seu instrumento, da camponesa por seu trator, do maquinista por sua locomotiva, nós introduzimos a alegria criadora em cada trabalho mecânico nós aproximamos os homens das máquinas nós educamos os novos homens. O novo homem, libertado da canhestrice e da falta de jeito, dotado dos movimentos precisos e suaves da máquina, será o tema nobre dos filmes. NÓS caminhamos de peito aberto para o reconhecimento do ritmo da máquina, para o deslumbramento diante do trabalho mecânico, para a percepção da beleza dos processos químicos. Nós cantamos os tremores de terra, compomos cine-poemas com as chamas e as centrais elétricas, admiramos os movimentos dos cometas e dos meteoros, e os gestos dos projetores que ofuscam as estrelas. Todos aqueles que amam a sua arte buscam a essência profunda da sua própria técnica. A cinematografia, que já tem os nervos emaranhados, necessita de um sistema rigoroso de movimentos precisos. O metro, o ritmo, a natureza do movimento, sua disposição rígida com relação aos eixos das coordenadas da imagem e, talvez, os eixos mundiais das coordenadas (três dimensões + a quarta, o tempo) devem ser inventariados e estudados por todos os criadores do cinema.
  • 3. Necessidade, precisão e velocidade: três imperativos que Nós exigimos do movimento digno de ser filmado e projetado. Que seja um extrato geométrico do movimento por meio da alternância cativante das imagens, eis o que se pede da montagem. O kinokismo é a arte de organizar os movimentos necessários dos objetos no espaço, graças à utilização de um conjunto artístico rítmico adequado às propriedades do material e ao ritmo interior de cada objeto. Os intervalos (passagens de um movimento para outro), e nunca os próprios movimentos, constituem o material (elementos da arte do movimento). São eles (os intervalos) que conduzem a ação para o desdobramento cinético. A organização do movimento é a organização de seus elementos, isto é, dos intervalos na frase. Distingue-se, em cada frase, a ascensão, o ponto culminante e a queda do movimento (que se manifesta nesse ou naquele nível). Uma obra é feita de frases, tanto quanto estas últimas são feitas de intervalos de movimentos. Depois de conceber um cine-poema ou um fragmento, o kinok deve saber anotá-lo com precisão, a fim de dar-lhe vida na tela, desde que haja condições favoráveis para tal. Evidentemente, nem o roteiro mais perfeito será capaz de substituir essas notas, tanto quanto o libreto não substitui a pantomima e os comentários literários sobre Scriabin não dão nenhuma idéia da sua música. Para poder representar um estudo dinâmico sobre uma folha de papel é preciso dominar os signos gráficos do movimento. NÓS estamos em busca da cine-gama. NÓS caímos e nos levantamos ao ritmo de movimentos, lentos e acelerados, correndo longe de nós, próximos a nós, acima, em círculo, em linha, em elipse, à direita e à esquerda, com os sinais de mais e de menos, os movimentos se curvam, se endireitam, se dividem, se fracionam, se multiplicam por si próprios, cruzando silenciosamente o espaço. O cinema é também a arte de imaginar os movimentos dos objetos no espaço. Respondendo aos imperativos da ciência, é a encarnação do sonho do inventor, seja ele sábio, artista, engenheiro ou carpinteiro. Graças ao Kinokismo ele permite realizar o que é irrealizável na vida. Desenhos em movimento. Esboços em movimento. Projetos de um futuro imediato. Teoria da relatividade projetada na tela. NÓS saudamos a fantástica regularidade dos movimentos. Carregados nas asas das hipóteses, nosso olhar movido a hélice se perde no futuro. NÓS acreditamos que está próximo o momento de lançar no espaço as torrentes de movimento retidas pela inoperância de nossa tática. Viva a geometria dinâmica, as carreiras de pontos, de linhas, de superfícies, de volumes. Viva a poesia da máquina acionada e em movimento, a dos guindastes, rodas e asas de aço, o grito de ferro dos movimentos, os ofuscantes trejeitos dos raios incandescentes. (Tradução de Marcelle Pithon, in A experiência do Cinema, org. Ismail Xavier, Graal, Embrafilme, 1983.)