SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 5
Baixar para ler offline
Meios de comunicação social e
identificação de crianças envolvidas em
processos judiciais
A exposição mediática resultante da identificação directa ou indirecta das crianças
e jovens envolvidos em processos administrativos ou judiciais, viola,
frequentemente, os direitos e dignidade dos visados, com prejuízo para o seu bem-
estar e harmonioso desenvolvimento.
Esta violação é tão mais relevante quanto é certo que a técnica, através do
armazenamento de dados e da facilidade do seu acesso, possibilita a revisitação ad
nauseam dos conteúdos escritos e audiovisuais, perpetuando os danos que possam
advir dessa exposição. Essa ideia foi enfatizada em 2010 por Alfredo Maia, à data
Presidente do Sindicato dos Jornalistas, ao afirmar que “os rostos, os nomes, as
identidades concretas das pessoas que são notícia têm futuros” e “os actos geram
resultados e produzem consequências nas vidas das pessoas”, enfatizando deste
modo a responsabilidade subjacente às escolhas jornalísticas, cujos efeitos podem
projectar-se para o futuro.
Sendo verdade que num Estado de Direito, como afirmava Kant, “toda a pretensão
jurídica deve possuir a possibilidade de ser publicada”, certo é que o conflito de
direitos de igual valência constitucional – nomeadamente, da liberdade de
expressão, de informação e de criação constitucionalmente reconhecidos à
imprensa, por um lado, e o direito à imagem e à intimidade da vida privada, por
outro – pode obrigar a restrições à publicidade, nomeadamente ao direito de
assistência a actos processuais, ou ao de narração dos seus termos, bem como da
divulgação de dados das pessoas envolvidas. Tal é o caso dos processos relativos a
crianças e jovens, devendo neste caso toda a actividade ser norteada pelo princípio
do superior interesse da criança.
19/04/2016
A criança carece de protecção acrescida em virtude de se encontrar em processo de
maturação intelectual e moral, pelo que, nos termos da norma superior, à criança é
garantido o direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu
desenvolvimento integral, nalguns casos, inclusivamente, contra a vontade dos
detentores da responsabilidade parental ou de quem tenha a criança a seu cargo.
Também por essa razão devem os jornalistas rodear-se de cuidados acrescidos
quando tenham de noticiar aquele tipo de factos. Tal como afirmou Armando
Leandro numa entrevista ao Observatório de Deontologia do Jornalismo, “noticiar
factos sobre crianças exige uma ética de cuidado”.
Em termos gerais, o Código Civil confere protecção genérica à personalidade contra
ofensas ilícitas ou ameaça de ofensas à personalidade física ou moral do indivíduo,
proibindo a exposição, reprodução ou introdução no comércio do retrato de uma
pessoa sem o seu consentimento.
Algumas organizações profissionais internacionais promoveram a elaboração de
manuais sobre a ética na relação com a justiça, de que é exemplo o manual Putting
Children in the Right, da International Federation of Journalists, elaborado com o
apoio da Comissão Europeia. O mesmo aconteceu em Portugal antes da entrada em
vigor do Estatuto do Jornalista, com a celebração de acordos de auto-regulação e co-
regulação como o Código Deontológico dos Jornalistas ou a Plataforma Comum dos
Conteúdos Informativos nos Meios de Comunicação, com bases expressas de
protecção da imagem e identidade de crianças e jovens em determinados
contextos.
Ao impor genericamente carácter reservado ao processo, a Lei de Protecção de
Crianças e Jovens em Perigo proíbe expressamente à comunicação social a
identificação de crianças e jovens em perigo, bem como a de sons ou imagens que
permitam essa identificação, norma extensível aos processos tutelares cíveis, por
força do n.º 2 do artigo 33.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, que estabelece o
Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Não se trata, no entanto, apenas de uma questão ética, mas também legal.
A identificação, directa ou indirecta, das vítimas de crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual e das vítimas de crimes contra a reserva da vida privada,
até ao limite temporal da audiência de julgamento, ou para além dela nos casos de
menores de 16 anos, também resulta expressamente do artigo 3.º da Lei da
Imprensa, preceito complementado pelo artigo 88.º do Código de Processo Penal
que, impondo o segredo, apenas permite a sua divulgação conquanto exista
consentimento expresso da vítima. Cabendo aos pais, ou responsáveis pela criança,
suprir a falta de capacidade dos filhos, cabe-lhes decidir em que contexto aquelas
captação e divulgação podem ser efectuadas, embora nem sempre o seu
consentimento deva ser considerado. Nesse mesmo sentido se pronunciou o
Tribunal da Relação de Lisboa, ao considerar irrelevante o consentimento dos pais
e condenando uma operadora de televisão ao pagamento de uma indemnização
por ter entrevistado uma vítima de um crime contra a autodeterminação sexual,
menor de 10 anos idade, com a cara oculta, mas identificável pela voz por quem
conhecesse a criança. Na reportagem, foram entrevistados igualmente familiares
da criança.
Embora a Lei Tutelar Educativa (LTE) consagre o princípio geral da publicidade das
audiências e das decisões, e considerando os interesses de protecção e a
necessidade de inserção social a que os instrumentos internacionais
constantemente se referem – cf., por exemplo, as Regras de Pequim – permite que,
ope judicis, oficiosamente ou a requerimento, seja impedida a comunicação social
de proceder à narração ou reprodução de certos actos ou peças do processo, bem
como à divulgação da identidade do menor.
A violação do atrás preceituado fará incorrer num crime de desobediência, crime
público, pelo que bastará, para sancionamento dessas condutas, o conhecimento
pelo Ministério Público.
A possibilidade de divulgar a identidade, excepto quando proibido, não tutela
eficazmente o superior interesse da criança e intriduz entropia no sistema, uma
vez que a LTE permite o que o Estatuto dos Jornalistas, na redacção introduzida
pela Lei 64/2007, de 6 de Novembro (e, por conseguinte, ulterior à LTE), proíbe,
estabelecendo como infracção disciplinar identificar os menores que tiverem sido
objecto de medidas tutelares sancionatórias. Este regime não é satisfatório,
devendo considerar-se a proibição de divulgação de dados pessoais durante todo o
processo, sob pena de perder o efeito útil, permitindo a divulgação de elementos
durante o processo, proibindo a divulgação numa fase em que os elementos fossem
já públicos.
Para maior protecção, deveria ser proibida a divulgação da identidade durante
todo o processo, anonimizando-se a decisão, quando facultada, eliminando todos os
elementos que permitam a identificação dos envolvidos: nome, filiação, residência,
escola que frequente, entre outros. Operação a que, de resto, se procede, seja quem
forem os intervenientes e seja qual seja o tipo de processo, quando se publica a
decisão nas páginas oficiais dos tribunais e da DGSI.
De todo o modo, para cumprir o dever de informar dos meios de comunicação
social e o direito à informação comunitária, parece bastar o simples relato dos
factos, substituindo por nomes fictícios, desde que esse facto seja expressamente
assinalado no texto, encontrando-se ilustrações alternativas à exibição da imagem
da crianças ou outras que permitam a sua identificação.
Face ao exposto, não se compreendem, nem a constante violação do direito à
imagem e à reserva da intimidade da vida privada das crianças e jovens por quem
está legal e estatutariamente obrigado a respeitá-los, nem a inércia de quem
deveria sancionar tão acintosas violações.
Actuar de modo a dignificar a criança e o jovem e a garantir o seu desenvolvimento
harmonioso exigirá, por parte dos media, a modificação de metodologias e a
definição de novas estratégias, de modo a satisfazer os seus interesses e os
interesses da comunidade sem infringir a lei, porquanto o respeito pelos direito da
criança constitui um imperativo simultaneamente ético e legal que não pode ser
desconsiderado por nenhum outro critério, seja de que natureza for.
Em paralelo, exigirá uma intervenção mais atenta do Ministério Público, desde logo
quando exista desobediência relativamente a decisões que imponham o segredo, da
Entidade Reguladora da Comunicação Social e da Comissão da Carteira Profissional
dos Jornalistas, bem como uma mais adequada formação da comunidade civil e
jurídica, para que sejam sentinelas na detecção de situações a merecer a
intervenção daquelas entidades e agentes da salvaguarda daqueles direitos. Porque
o tempo das crianças não é o tempo dos adultos, e enquanto paramos para pensar
em soluções, o futuro das crianças já passou.
Para qualquer sugestão ou crítica: ap.pintolourenco@gmail.com
Partilhe
ShareShare Email Imprimir

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Estatuto da Criança e Adolescente ECA - Uma visão abrangente
Estatuto da Criança e Adolescente ECA - Uma visão abrangenteEstatuto da Criança e Adolescente ECA - Uma visão abrangente
Estatuto da Criança e Adolescente ECA - Uma visão abrangenteAlisson Soares
 
Resumo eca-140228144606-phpapp01
Resumo eca-140228144606-phpapp01Resumo eca-140228144606-phpapp01
Resumo eca-140228144606-phpapp01Sílvia Mônica
 
Eca
EcaEca
EcaGCO
 
Palestra Conselho Tutelar - aspectos legais
Palestra Conselho Tutelar - aspectos legaisPalestra Conselho Tutelar - aspectos legais
Palestra Conselho Tutelar - aspectos legaisImpactto Cursos
 
Simulado.eca
Simulado.ecaSimulado.eca
Simulado.ecaEstudante
 
Um Conselho Tutelar eficiente
Um Conselho Tutelar eficienteUm Conselho Tutelar eficiente
Um Conselho Tutelar eficienteACTEBA
 
Lei nº 8.069.1990
Lei nº 8.069.1990Lei nº 8.069.1990
Lei nº 8.069.1990day_vibe
 
Capacitação conselho tutelar
Capacitação conselho tutelarCapacitação conselho tutelar
Capacitação conselho tutelarPlínio Madureira
 
Comentario Sobre Eca
Comentario Sobre  EcaComentario Sobre  Eca
Comentario Sobre Ecaguest9fe2149
 
Cartilha 'E agora?' do MPPE
Cartilha 'E agora?' do MPPECartilha 'E agora?' do MPPE
Cartilha 'E agora?' do MPPEPaulo Veras
 
Estatuto da Criança e do Adolescente
Estatuto da Criança e do Adolescente Estatuto da Criança e do Adolescente
Estatuto da Criança e do Adolescente uppcdl
 

Mais procurados (20)

Estatuto da Criança e Adolescente ECA - Uma visão abrangente
Estatuto da Criança e Adolescente ECA - Uma visão abrangenteEstatuto da Criança e Adolescente ECA - Uma visão abrangente
Estatuto da Criança e Adolescente ECA - Uma visão abrangente
 
Eca E Ldb
Eca E LdbEca E Ldb
Eca E Ldb
 
Resumo eca-140228144606-phpapp01
Resumo eca-140228144606-phpapp01Resumo eca-140228144606-phpapp01
Resumo eca-140228144606-phpapp01
 
Eca
EcaEca
Eca
 
Eca
EcaEca
Eca
 
Palestra Conselho Tutelar - aspectos legais
Palestra Conselho Tutelar - aspectos legaisPalestra Conselho Tutelar - aspectos legais
Palestra Conselho Tutelar - aspectos legais
 
Mapas do Eca
Mapas do EcaMapas do Eca
Mapas do Eca
 
Estatuto da Crianças e do Adolescente
Estatuto da Crianças e do AdolescenteEstatuto da Crianças e do Adolescente
Estatuto da Crianças e do Adolescente
 
Estatuto oficial
Estatuto oficialEstatuto oficial
Estatuto oficial
 
Simulado.eca
Simulado.ecaSimulado.eca
Simulado.eca
 
Eca anotado 2013_6ed
Eca anotado 2013_6edEca anotado 2013_6ed
Eca anotado 2013_6ed
 
Resumo ECA
Resumo  ECAResumo  ECA
Resumo ECA
 
Resumo do eca
Resumo do ecaResumo do eca
Resumo do eca
 
Um Conselho Tutelar eficiente
Um Conselho Tutelar eficienteUm Conselho Tutelar eficiente
Um Conselho Tutelar eficiente
 
Lei nº 8.069.1990
Lei nº 8.069.1990Lei nº 8.069.1990
Lei nº 8.069.1990
 
Capacitação conselho tutelar
Capacitação conselho tutelarCapacitação conselho tutelar
Capacitação conselho tutelar
 
Comentario Sobre Eca
Comentario Sobre  EcaComentario Sobre  Eca
Comentario Sobre Eca
 
Cartilha 'E agora?' do MPPE
Cartilha 'E agora?' do MPPECartilha 'E agora?' do MPPE
Cartilha 'E agora?' do MPPE
 
estatuto
estatuto estatuto
estatuto
 
Estatuto da Criança e do Adolescente
Estatuto da Criança e do Adolescente Estatuto da Criança e do Adolescente
Estatuto da Criança e do Adolescente
 

Destaque

Los principios de_la_santificacion-_fundamentos_biblicos_contra_el_libertinaje
Los principios de_la_santificacion-_fundamentos_biblicos_contra_el_libertinajeLos principios de_la_santificacion-_fundamentos_biblicos_contra_el_libertinaje
Los principios de_la_santificacion-_fundamentos_biblicos_contra_el_libertinajeJonatan López
 
Programa Paraiso
Programa ParaisoPrograma Paraiso
Programa Paraisoguestbf9012
 
Apresentação completa black diamonds
Apresentação completa black diamondsApresentação completa black diamonds
Apresentação completa black diamondsBruno Barbosa
 
Melhore as suas apresentações
Melhore as suas apresentaçõesMelhore as suas apresentações
Melhore as suas apresentaçõesCampus Sanofi
 
Plantronics University Contact Centre Technical Certification
Plantronics University Contact Centre Technical CertificationPlantronics University Contact Centre Technical Certification
Plantronics University Contact Centre Technical CertificationMick M
 
Foto
FotoFoto
FotoJNR
 
Oxford House Research Update 2016
Oxford House Research Update 2016Oxford House Research Update 2016
Oxford House Research Update 2016Christopher Beasley
 
Animalmigrations
AnimalmigrationsAnimalmigrations
Animalmigrationsriverita40
 
BOLETIM 11.10.2009
BOLETIM 11.10.2009BOLETIM 11.10.2009
BOLETIM 11.10.2009imelriocasca
 
Rinoceronte de-java-extinto
Rinoceronte de-java-extintoRinoceronte de-java-extinto
Rinoceronte de-java-extintobarbyirb
 
Pres jurisdiccional 2015-2 (1)
Pres jurisdiccional 2015-2 (1)Pres jurisdiccional 2015-2 (1)
Pres jurisdiccional 2015-2 (1)Nancy Huespe
 

Destaque (20)

Los principios de_la_santificacion-_fundamentos_biblicos_contra_el_libertinaje
Los principios de_la_santificacion-_fundamentos_biblicos_contra_el_libertinajeLos principios de_la_santificacion-_fundamentos_biblicos_contra_el_libertinaje
Los principios de_la_santificacion-_fundamentos_biblicos_contra_el_libertinaje
 
Paolo2
Paolo2Paolo2
Paolo2
 
Programa Paraiso
Programa ParaisoPrograma Paraiso
Programa Paraiso
 
Apresentação completa black diamonds
Apresentação completa black diamondsApresentação completa black diamonds
Apresentação completa black diamonds
 
Curriculum Vitae
Curriculum VitaeCurriculum Vitae
Curriculum Vitae
 
Rosa Brasil Atelie
Rosa Brasil AtelieRosa Brasil Atelie
Rosa Brasil Atelie
 
Liado
LiadoLiado
Liado
 
Melhore as suas apresentações
Melhore as suas apresentaçõesMelhore as suas apresentações
Melhore as suas apresentações
 
Plantronics University Contact Centre Technical Certification
Plantronics University Contact Centre Technical CertificationPlantronics University Contact Centre Technical Certification
Plantronics University Contact Centre Technical Certification
 
Foto
FotoFoto
Foto
 
A Papel Bolha
A  Papel BolhaA  Papel Bolha
A Papel Bolha
 
lista catu
lista  catulista  catu
lista catu
 
Aurora
AuroraAurora
Aurora
 
Oxford House Research Update 2016
Oxford House Research Update 2016Oxford House Research Update 2016
Oxford House Research Update 2016
 
Cartaz Arrepios X
Cartaz Arrepios XCartaz Arrepios X
Cartaz Arrepios X
 
Animalmigrations
AnimalmigrationsAnimalmigrations
Animalmigrations
 
Madeira
MadeiraMadeira
Madeira
 
BOLETIM 11.10.2009
BOLETIM 11.10.2009BOLETIM 11.10.2009
BOLETIM 11.10.2009
 
Rinoceronte de-java-extinto
Rinoceronte de-java-extintoRinoceronte de-java-extinto
Rinoceronte de-java-extinto
 
Pres jurisdiccional 2015-2 (1)
Pres jurisdiccional 2015-2 (1)Pres jurisdiccional 2015-2 (1)
Pres jurisdiccional 2015-2 (1)
 

Semelhante a Direitos das crianças em processos judiciais

Leitor de PDF(1).pptx
Leitor de PDF(1).pptxLeitor de PDF(1).pptx
Leitor de PDF(1).pptxssuser2ceaf21
 
A saúde mental do adolescente em conflito com a lei texto 3
A saúde mental do adolescente em conflito com a lei   texto 3A saúde mental do adolescente em conflito com a lei   texto 3
A saúde mental do adolescente em conflito com a lei texto 3José Boff
 
Tcc a legislação de menores no brasil
Tcc   a legislação de menores no brasilTcc   a legislação de menores no brasil
Tcc a legislação de menores no brasilValeria Moura
 
conselho-tutelar-apostila01.pdf
conselho-tutelar-apostila01.pdfconselho-tutelar-apostila01.pdf
conselho-tutelar-apostila01.pdfCrislaneSantana3
 
ECA esquematizado.pdf
ECA esquematizado.pdfECA esquematizado.pdf
ECA esquematizado.pdfssusered3e36
 
RESUMO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.docx
RESUMO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.docxRESUMO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.docx
RESUMO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.docxHerikaBraga
 
A PROBLEMÁTICA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: A IMPUTABILIDADE PENAL
A PROBLEMÁTICA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: A IMPUTABILIDADE PENALA PROBLEMÁTICA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: A IMPUTABILIDADE PENAL
A PROBLEMÁTICA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: A IMPUTABILIDADE PENALFabiele Zanquetta Meneguzzi
 
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...Tania Areias
 
Estatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescenteEstatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescenteIsmael Rosa
 
Estatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescenteEstatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescenteIsmael Rosa
 
Estatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescenteEstatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescenteACS PM RN
 

Semelhante a Direitos das crianças em processos judiciais (20)

Pp x criminalidade novo
Pp x criminalidade novoPp x criminalidade novo
Pp x criminalidade novo
 
Leitor de PDF(1).pptx
Leitor de PDF(1).pptxLeitor de PDF(1).pptx
Leitor de PDF(1).pptx
 
A saúde mental do adolescente em conflito com a lei texto 3
A saúde mental do adolescente em conflito com a lei   texto 3A saúde mental do adolescente em conflito com a lei   texto 3
A saúde mental do adolescente em conflito com a lei texto 3
 
Ctnoeca (2)
Ctnoeca (2)Ctnoeca (2)
Ctnoeca (2)
 
Leidapalmada
LeidapalmadaLeidapalmada
Leidapalmada
 
Tcc a legislação de menores no brasil
Tcc   a legislação de menores no brasilTcc   a legislação de menores no brasil
Tcc a legislação de menores no brasil
 
conselho-tutelar-apostila01.pdf
conselho-tutelar-apostila01.pdfconselho-tutelar-apostila01.pdf
conselho-tutelar-apostila01.pdf
 
ECA esquematizado.pdf
ECA esquematizado.pdfECA esquematizado.pdf
ECA esquematizado.pdf
 
Manual civeis-especiais
Manual civeis-especiaisManual civeis-especiais
Manual civeis-especiais
 
RESUMO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.docx
RESUMO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.docxRESUMO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.docx
RESUMO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.docx
 
A PROBLEMÁTICA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: A IMPUTABILIDADE PENAL
A PROBLEMÁTICA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: A IMPUTABILIDADE PENALA PROBLEMÁTICA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: A IMPUTABILIDADE PENAL
A PROBLEMÁTICA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: A IMPUTABILIDADE PENAL
 
Abuso.sexual.intrafamiliar
Abuso.sexual.intrafamiliarAbuso.sexual.intrafamiliar
Abuso.sexual.intrafamiliar
 
Mario%20 %20 pedofilia%20e%20legisl%20pen%20brasil
Mario%20 %20 pedofilia%20e%20legisl%20pen%20brasilMario%20 %20 pedofilia%20e%20legisl%20pen%20brasil
Mario%20 %20 pedofilia%20e%20legisl%20pen%20brasil
 
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
 
Justicia De Menores En Portugal
Justicia De  Menores En PortugalJusticia De  Menores En Portugal
Justicia De Menores En Portugal
 
11
1111
11
 
Estatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescenteEstatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescente
 
Estatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescenteEstatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescente
 
Estatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescenteEstatuto da criança e do adolescente
Estatuto da criança e do adolescente
 
Eca 02
Eca 02Eca 02
Eca 02
 

Direitos das crianças em processos judiciais

  • 1. Meios de comunicação social e identificação de crianças envolvidas em processos judiciais A exposição mediática resultante da identificação directa ou indirecta das crianças e jovens envolvidos em processos administrativos ou judiciais, viola, frequentemente, os direitos e dignidade dos visados, com prejuízo para o seu bem- estar e harmonioso desenvolvimento. Esta violação é tão mais relevante quanto é certo que a técnica, através do armazenamento de dados e da facilidade do seu acesso, possibilita a revisitação ad nauseam dos conteúdos escritos e audiovisuais, perpetuando os danos que possam advir dessa exposição. Essa ideia foi enfatizada em 2010 por Alfredo Maia, à data Presidente do Sindicato dos Jornalistas, ao afirmar que “os rostos, os nomes, as identidades concretas das pessoas que são notícia têm futuros” e “os actos geram resultados e produzem consequências nas vidas das pessoas”, enfatizando deste modo a responsabilidade subjacente às escolhas jornalísticas, cujos efeitos podem projectar-se para o futuro. Sendo verdade que num Estado de Direito, como afirmava Kant, “toda a pretensão jurídica deve possuir a possibilidade de ser publicada”, certo é que o conflito de direitos de igual valência constitucional – nomeadamente, da liberdade de expressão, de informação e de criação constitucionalmente reconhecidos à imprensa, por um lado, e o direito à imagem e à intimidade da vida privada, por outro – pode obrigar a restrições à publicidade, nomeadamente ao direito de assistência a actos processuais, ou ao de narração dos seus termos, bem como da divulgação de dados das pessoas envolvidas. Tal é o caso dos processos relativos a crianças e jovens, devendo neste caso toda a actividade ser norteada pelo princípio do superior interesse da criança. 19/04/2016
  • 2. A criança carece de protecção acrescida em virtude de se encontrar em processo de maturação intelectual e moral, pelo que, nos termos da norma superior, à criança é garantido o direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, nalguns casos, inclusivamente, contra a vontade dos detentores da responsabilidade parental ou de quem tenha a criança a seu cargo. Também por essa razão devem os jornalistas rodear-se de cuidados acrescidos quando tenham de noticiar aquele tipo de factos. Tal como afirmou Armando Leandro numa entrevista ao Observatório de Deontologia do Jornalismo, “noticiar factos sobre crianças exige uma ética de cuidado”. Em termos gerais, o Código Civil confere protecção genérica à personalidade contra ofensas ilícitas ou ameaça de ofensas à personalidade física ou moral do indivíduo, proibindo a exposição, reprodução ou introdução no comércio do retrato de uma pessoa sem o seu consentimento. Algumas organizações profissionais internacionais promoveram a elaboração de manuais sobre a ética na relação com a justiça, de que é exemplo o manual Putting Children in the Right, da International Federation of Journalists, elaborado com o apoio da Comissão Europeia. O mesmo aconteceu em Portugal antes da entrada em vigor do Estatuto do Jornalista, com a celebração de acordos de auto-regulação e co- regulação como o Código Deontológico dos Jornalistas ou a Plataforma Comum dos Conteúdos Informativos nos Meios de Comunicação, com bases expressas de protecção da imagem e identidade de crianças e jovens em determinados contextos. Ao impor genericamente carácter reservado ao processo, a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo proíbe expressamente à comunicação social a identificação de crianças e jovens em perigo, bem como a de sons ou imagens que permitam essa identificação, norma extensível aos processos tutelares cíveis, por força do n.º 2 do artigo 33.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Processo Tutelar Cível. Não se trata, no entanto, apenas de uma questão ética, mas também legal.
  • 3. A identificação, directa ou indirecta, das vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e das vítimas de crimes contra a reserva da vida privada, até ao limite temporal da audiência de julgamento, ou para além dela nos casos de menores de 16 anos, também resulta expressamente do artigo 3.º da Lei da Imprensa, preceito complementado pelo artigo 88.º do Código de Processo Penal que, impondo o segredo, apenas permite a sua divulgação conquanto exista consentimento expresso da vítima. Cabendo aos pais, ou responsáveis pela criança, suprir a falta de capacidade dos filhos, cabe-lhes decidir em que contexto aquelas captação e divulgação podem ser efectuadas, embora nem sempre o seu consentimento deva ser considerado. Nesse mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, ao considerar irrelevante o consentimento dos pais e condenando uma operadora de televisão ao pagamento de uma indemnização por ter entrevistado uma vítima de um crime contra a autodeterminação sexual, menor de 10 anos idade, com a cara oculta, mas identificável pela voz por quem conhecesse a criança. Na reportagem, foram entrevistados igualmente familiares da criança. Embora a Lei Tutelar Educativa (LTE) consagre o princípio geral da publicidade das audiências e das decisões, e considerando os interesses de protecção e a necessidade de inserção social a que os instrumentos internacionais constantemente se referem – cf., por exemplo, as Regras de Pequim – permite que, ope judicis, oficiosamente ou a requerimento, seja impedida a comunicação social de proceder à narração ou reprodução de certos actos ou peças do processo, bem como à divulgação da identidade do menor. A violação do atrás preceituado fará incorrer num crime de desobediência, crime público, pelo que bastará, para sancionamento dessas condutas, o conhecimento pelo Ministério Público. A possibilidade de divulgar a identidade, excepto quando proibido, não tutela eficazmente o superior interesse da criança e intriduz entropia no sistema, uma vez que a LTE permite o que o Estatuto dos Jornalistas, na redacção introduzida pela Lei 64/2007, de 6 de Novembro (e, por conseguinte, ulterior à LTE), proíbe, estabelecendo como infracção disciplinar identificar os menores que tiverem sido objecto de medidas tutelares sancionatórias. Este regime não é satisfatório, devendo considerar-se a proibição de divulgação de dados pessoais durante todo o processo, sob pena de perder o efeito útil, permitindo a divulgação de elementos
  • 4. durante o processo, proibindo a divulgação numa fase em que os elementos fossem já públicos. Para maior protecção, deveria ser proibida a divulgação da identidade durante todo o processo, anonimizando-se a decisão, quando facultada, eliminando todos os elementos que permitam a identificação dos envolvidos: nome, filiação, residência, escola que frequente, entre outros. Operação a que, de resto, se procede, seja quem forem os intervenientes e seja qual seja o tipo de processo, quando se publica a decisão nas páginas oficiais dos tribunais e da DGSI. De todo o modo, para cumprir o dever de informar dos meios de comunicação social e o direito à informação comunitária, parece bastar o simples relato dos factos, substituindo por nomes fictícios, desde que esse facto seja expressamente assinalado no texto, encontrando-se ilustrações alternativas à exibição da imagem da crianças ou outras que permitam a sua identificação. Face ao exposto, não se compreendem, nem a constante violação do direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada das crianças e jovens por quem está legal e estatutariamente obrigado a respeitá-los, nem a inércia de quem deveria sancionar tão acintosas violações. Actuar de modo a dignificar a criança e o jovem e a garantir o seu desenvolvimento harmonioso exigirá, por parte dos media, a modificação de metodologias e a definição de novas estratégias, de modo a satisfazer os seus interesses e os interesses da comunidade sem infringir a lei, porquanto o respeito pelos direito da criança constitui um imperativo simultaneamente ético e legal que não pode ser desconsiderado por nenhum outro critério, seja de que natureza for. Em paralelo, exigirá uma intervenção mais atenta do Ministério Público, desde logo quando exista desobediência relativamente a decisões que imponham o segredo, da Entidade Reguladora da Comunicação Social e da Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas, bem como uma mais adequada formação da comunidade civil e jurídica, para que sejam sentinelas na detecção de situações a merecer a intervenção daquelas entidades e agentes da salvaguarda daqueles direitos. Porque o tempo das crianças não é o tempo dos adultos, e enquanto paramos para pensar em soluções, o futuro das crianças já passou.
  • 5. Para qualquer sugestão ou crítica: ap.pintolourenco@gmail.com Partilhe ShareShare Email Imprimir