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O processo técnico em
dança gera uma indústria?
Alexandre Batista Reis
Diretor da Contemplo Cia de Dança
DOUTORANDO EM CIENCIAS DE LA ACTIVIDAD FÍSICA Y DEPORTES
UAM-MADRID-ESPAÑA
Resumo
Este trabalho entende o processo técnico
em dança como manifestação do espírito
humano. Ele tem por objetivo criticar a
desproteção jurídica de direitos autorais
em produtos industriais resultantes de
nossa criação artística explícita no IIº
parágrafo do artigo 8º da Lei 9.610, de 19
de fevereiro de 1998 que exclui de sua
proteção tais fenômenos que geram “o
estado da técnica”. A partir de três
perguntas que compõem o texto busca-se
responde: O processo técnico em dança
gera uma indústria? Poderíamos
considerar o processo técnico em dança
apenas uma apropriação do intelecto?
Poderíamos deduzir que existe uma
indústria de dança? Estas reflexões em
filosofia contemporânea transpareceram a
partir da contextualização da noção
hierárquica sobre tecnologia e direito à
propriedade.
Palavras chave: processo técnico,
tecnologia, direitos autorais e trabalho
técnico.
Abstract
This paper considers the technical process
in dance as a manifestation of the human
spirit. It aims to criticize the unprotected
legal copyright on industrial products
resulting from our artistic creation explicit
in the 2º paragraph of Article 8 of Law
9.610, February 19, 1998, which excludes
from its protection such phenomena that
generate the "state of the art". From three
questions that comprise the text seeks to
answer: The process generates a technical
dance industry? We could consider the
technical dance only in an appropriation of
the intellect? We could deduce that there
is a dance industry? These reflections on
contemporary philosophy made clear from
the context of the hierarchical notion of
technology and property rights.
Keywords: technical process, technology,
copyright and technical work.
Bahia, agosto de 2013
2
O nosso corpo é o limite das nossas atitudes e elas são os motivos da nossa
busca de solução para a nossa existência. A tentativa de esclarecer o que seria
um processo técnico em dança fundamenta-se a partir dessa reflexão.
O ato de dançar é muito antigo, ele confunde-se com a História da
Humanidade. A dança é considerada a mais primordial de todas as artes, cujas
formas mais primitivas e fundamentais se esboça em vários animais. Porém,
na atualidade, criar uma dança ultrapassou o sentido do ato de dançar em si. A
criação pode ser considerada como o resultado de muitas atitudes e de formas
variadas.
Um processo técnico em dança seria, então, resultado de uma produção
técnica e numa tradução ulterior e imediata “o produto ou os frutos da
chamada criação do espírito” e está intimamente ligada à capacidade particular
de cada espírito criador, ou mais exatamente, de cada coreógrafo.
No caso da dança, o processo técnico de uma obra coreográfica implica em
todos os argumentos livres e/ou condicionantes de sua criação. O ato de criar
movimentos nos exige muita consciência, quanto mais movimentos
conscientes, maiores serão as possibilidades de um novo fluxo de inspiração.
Os fenômenos sociais e econômicos também participam da criação, além de
elementos físicos, espaciais, e até matemáticos inseridos em sua apropriação.
A atitude que nos leva a criar depende também de uma experimentação
cotidiana. Experimentar o movimento significa conhecer a possibilidade de
existir. O movimentar-se é fundamentalmente uma ação mental e a mente é a
dimensão prévia para a existência da movimentação humana.
Apropriar-se de um determinado movimento é condicionante de uma ação
referente. No caso da dança, diferente da literatura e das outras artes, o sentido
não é apenas descrito pela análise metodológica da linguagem. A apropriação
de movimentos está condicionada à capacidade de nossa mente em favorecer a
consciência corpórea e somente as dimensões biofisiológicas, psicológicas e
sociais não podem responder pelo desenvolvimento de nossa consciência
corpórea, ela é também resultante de nossa experiência cultural.
Nas sociedades contemporâneas, diferentes experiências corporais
determinam diferentes possibilidades de movimento. O corpo em sua essência
ocupa cada vez mais espaços imprevistos por causa da evolução de nossas
3
experimentações sensoriais. Conhecer os limites desse corpo tem sido o maior
desafio dos pesquisadores do movimento humano.
A ocupação do corpo uniu-se à noção de realidade e virtualidade, podemos ser
capazes de estender a noção de corpo em movimento de dança, por exemplo,
como acontece na videodança. Este desenvolvimento sem precedentes dos
argumentos estéticos e sensoriais e a forma sistemática como a dança é
produzida e consumida acirra uma aliança insólita entre corpo e computador,
agora podemos modificar e improvisar livremente nossas sensações e até
criarmos uma realidade virtual, transeunte e, aparentemente, mais verdadeira
que a realidade. Esta noção de realidade permeia a transdisciplinaridade da
arte corporal atual e causa uma produção de dança indiscutivelmente
transitória para outras disciplinas. Ainda que entregues na busca constante de
explicações para o nosso movimento estamos sujeitos a interpretá-lo como
resultado de nosso intelecto.
Poderíamos considerar o processo técnico em dança apenas uma
apropriação do intelecto?
A hermenêutica1
desta questão indica sua gênese na necessidade de conceituar
o que será o trabalho técnico em dança. O trabalho técnico de uma estrutura
sociocultural que envolve o ato de dançar pode, por exemplo, gerar um ou
infinitos processos técnicos, ou mais exatamente, coreografias. Por este
motivo é preciso compreender o que significa a propriedade intelectual de
uma criação em dança. Para analisar este termo de maneira satisfatória é
necessário conhecer o que a literatura explica sobre o tema da criação e de sua
conseqüente apropriação intelectual, seja ela industrial ou não.
O critério de classificação dos valores que fundamenta as normas relacionadas
à criação é relativo. A questão ética e moral do processo técnico sempre foi
um paralelo confuso na sociedade pós-moderna e, para melhor compreendê-la,
pretendo discorrer a partir da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 e da Lei
nº 9.279, de 14 de maio de 1996 que regula os direitos e obrigações relativos à
propriedade intelectual e industrial, consecutivamente.
1 Interpretação do sentido das palavras.
4
Um processo técnico em dança é inspiração seguida de experimentação. A
inspiração é essencialmente um vir a ser. Tendo em vista que é difícil
experimentar os processos técnicos sem reduzir a sua complexidade interna.
A experimentação começa livremente (como inspiração) até alcançar a sua
capacidade de manutenção e adaptação. Um processo técnico humano tem que
ser capaz de adaptar-se ao movimento do pensamento, do tempo e da matéria
num contexto histórico-social.
O Artigo 8º da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, de Direitos autorais e
conexos exclui expressamente da proteção, em seu(s) parágrafos(s):
I. As ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou
conceitos matemáticos como tais.
II. Os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou
negócios.
Cabe aqui uma crítica ao segundo parágrafo desta legislação em referência aos
processos técnicos gerados pela dança contemporânea no corpo e no
pensamento humano. Desde que seja preservado ou citado o experimento
corpóreo e a disciplina apropriada, estes declinarão o entendimento do mundo
de um indivíduo que se faz presente; que é inseparável da natureza. O mundo
real deste indivíduo particular consiste numa apropriação de objetos (físicos
ou virtuais) inerentes à construção do eu. O objeto de um trabalho técnico
aprofundar-se-á em infinitos processos técnicos.
Vejamos, por exemplo, o caso da engenharia. Sua aparência lógica e
numérica, sua gênese, foi estruturada prioritariamente por um conhecimento
empírico específico. As engenharias estão intimamente ligadas à aritmética e à
geometria, além de outras ciências exatas que sobrevivem na natureza num
esforço e trabalho constantes, este conhecimento tem que estar disposto a se
reinventar. A competição satisfaz múltiplas demandas, onde uma seleção
natural aplicada em todo e qualquer organismo garante que somente os mais
aptos irão sobreviver; e esta competição não é esforço único, ela é diversa e
exige otimizações através de processos (técnicos).
Foi assim desde a Pré-História. A tecnologia é o caminho que leva o homem
ao conhecimento científico e à ciência em si. Ainda que isso tenha motivado
muitos debates com a religião ela apresenta-se como tal. A tecnologia,
concebida desde os primórdios da consciência humana permitiu que os
processos técnicos, frutos do trabalho técnico, alcançassem a técnica e,
5
conseqüentemente, uma nova tecnologia decorrente, derivada e
constantemente transformada na natureza humana.
O deleite ao conhecimento é uma concepção aristotélica que, em Platão
pertence a uma ordem transcendental. Aristóteles compreendeu que o erro do
platonismo foi separar os atributos universais do indivíduo. Convenceu-se de
que o conhecimento científico não é possível unicamente através do ato de
percepção. Para Aristóteles, por todos os lados, o conhecimento humano
dependia do ambiente físico e sensível, ele que é constantemente adaptável.
Este era um estágio importante da filosofia grega, ocupando-se
exclusivamente do universo físico. Para ele o ser humano (ou qualquer ser
vivo) possuía uma alma, justificá-la superior aos outros seres vivos dependeria
da imitação que segundo ele é congênita ao homem: o mais imitador de todos
os seres vivos.
As ideias contemporâneas invadem nossas vidas a todo instante e com elas
somos criadores e recriadores de técnicas adaptativas à existência. O processo
técnico em dança está mixado nessa dialética difusa e pós-moderna. Ele
ultrapassa o mero ato corporal e entra na camada cibernética do pensamento e
do movimento, ele gera uma revolução da nossa inteligência com vistas à
dimensão poética da existência e produzirá uma substância possivelmente
concreta, palpável.
A questão do direito à propriedade aqui é discutida no sentido de que o
processo técnico, mediante esta realidade, passa a ser de domínio público
imediatamente na sua difusão. Com as novas tecnologias, as fronteiras entre o
público e o privado foram expandidas. E, por este motivo, se faz necessária à
conscientização do público em relação ao respeito pelos criadores por meio da
proteção de seus direitos vinculados à legislação sobre direitos autorais e,
também, sobre outras regras naturais correlatas.
As normas são necessárias para justificar o exercício, a identidade e, também,
a posse do criador sobre a obra. Assim surge, então, a propriedade ou, pelo
menos, ela se justificará nesse momento. Entretanto, como justificar a
propriedade como uma condição imaterial? Como proceder diante de meras
circunstâncias expressivas do espírito humano?
Stanislavsky explica-nos como alcançar esta propriedade do espírito. Ele
chama este processo de “justificação do papel”, e menciona que “o que
chamamos de verdade no teatro é a verdade cênica, da qual o ator tem de
6
servir-se em seus momentos de criatividade.” Criar, como já foi dito aqui
antes é uma atitude. Para dominarmos o processo técnico da arte da dança
teremos que escolher movimentos, desenvolver a expressão estética e
(re)conhecer as possibilidades do nosso corpo em vários contextos morais,
sociais e culturais. O corpo que dança é único. Uma de minhas professoras de
dança, Renée Gumiel, afirmava que a memória gruda na pele do dançarino e
que o movimento precisa ser controlado enquanto base de sustentação do
corpo. Desse modo, a propriedade da criação em dança deve ser entendida
como elemento indissociável ao processo técnico humano.
A legislação brasileira começa a compreender que o processo técnico em
dança contemporânea é parte de uma estrutura inventiva, inovadora e
portadora de linguagem, com desenho e forma autêntica. A utilização do
termo “estético” gera uma dissociação do resultado material que este fomenta,
pois a diferença entre o estético imaterial (das artes, por exemplo) e o estético
industrial é a patente.
A invenção e o modelo de utilidade, entretanto, na sua concepção são
considerados “estados da técnica” a partir do momento que estes se tornam
acessíveis ao público. E, neste sentido, a concepção estética de ambos é
resultado de uma invenção, apropriação ou criações indubitavelmente
vinculadas ao Artigo 8º, §I e §II, da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
O “estado da técnica” em si, significaria o mesmo que “processo técnico” aqui
combinado com a dança. Mais além, a legislação brasileira restringe o
“processo técnico” em dança (ou obras protegidas) apenas como “criações do
espírito”. E, deixa claro, na referida Lei 9.610, Capítulo I, Artigo 8º, § VII,
que “não são objeto de proteção como direitos autorais, de que trata esta Lei,
o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas na obra”.
Literalmente, a garantia dos direitos plenos ao artista-criador de um processo
técnico em dança não pode ser, desta forma, protegida por esta Lei. E, mais
atentos, veremos que não se trata apenas da criação em dança em si, ela
estabelece esta norma ausente de proteção para todas as obras protegidas
descritas na Lei.
Sendo assim, estaremos desprotegidos juridicamente de pleitear direitos
autorais em produtos industriais resultantes de nossa criação artística. Trata-se
de um fato aberto à discussão. A confusa relação entre a arte e a ciência já foi
um dilema no qual muitos outros filósofos modernos se debruçaram. Ernst
7
Cassirer define estes dois temas (além da linguagem, da história, do mito e da
religião) como pertencentes à filosofia. E o filósofo adverte que eles não se
tratam de temas isolados da cultura humana.
Poderíamos deduzir que existe uma indústria de dança?
Os átimos de criatividade citados por Stanislavsky fazem parte de uma
hierarquia. Para dominarmos o processo técnico da arte da dança teremos que
escolher movimentos. A hierarquia de movimentos, sua consequente
linguagem transformou-se em objeto coreográfico que estabeleceu
responsabilidades comuns para as principais companhias de dança
contemporânea na atualidade.
Suas sequências de atividades agrupam e registram informações a respeito do
processo técnico e são dirigidas para os objetivos estéticos: únicos atributos
capazes de organizar um conceito de dança. A hierarquia de movimentos é
fortalecida com o período conhecido por “modernidade” motivado por uma
visão racional do mundo influenciada por Descartes (1596-1650), Espinosa
(1632-1677) e Leibniz (1646-1716).
O Marquês de Vauvenargues (1715-1747) considerava que tudo o que tende a
nivelar a hierarquia e a desigualdade também tende ao bem da comunidade
como um todo. Entender hierarquicamente o desenvolvimento dos processos
técnicos em dança (enquanto fenômeno histórico-social) pode não ser
desejável se não houver nenhuma vantagem em concluir processos inacabados
antes do conhecimento programado.
Este conhecimento é modelado por uma sequência, um fluxo de trocas
simbólicas, e distribuição constante de pessoas e riquezas, oriundos dos
esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios.
Mecanismos determinantes que incorporam o processo técnico em dança não
podem ser desconsiderados, ainda que particularmente, como dissemelhante
do espírito humano.
Obviamente o filósofo irá questionar este mundo, aparentemente técnico, e
interrogar-se sobre qual conhecimento iniciará, ou restaurará, o
8
desenvolvimento de um processo técnico em dança. Este limiar é explicado
por Stanislavsky da seguinte maneira:
“Nossa mente consciente arranja, impondo-lhes um pouco de ordem, os
fenômenos do mundo exterior que nos cerca. Não existe uma linha
demarcatória nítida entre a experiência consciente e o subconsciente.
Nosso consciente muitas vezes aponta a direção em que o subconsciente
continuará com a tarefa”.
As novas tecnologias têm um papel importante, extremamente fragmentado ou
especializado, na imitação criadora de um processo técnico em dança. A
própria estrutura deduzirá um conhecimento de dança dinamizado em
aproximações e questões abertas. Recai sobre o processo técnico em dança
contemporânea uma responsabilidade e uma quantidade cada vez maior de
atributos que deduzirão autorias e recursos. Conclui-se que a modelagem dos
objetos orienta a criação dos processos técnicos inseridos num trabalho
técnico, aqui entendido enquanto companhia de dança.
A dedução do processo técnico em dança personaliza-se na condição do artista
que se atualiza na moral virtualizada, nos esquemas, planos ou regras para
realizar atos mentais ou físicos, jogos ou negócios. Destarte, o que parecia
invisível torna-se objeto contradizendo o IIº parágrafo do artigo 8º da Lei
9.610, de 19 de fevereiro de 1998 que exclui de sua proteção tais fenômenos
que geram “o estado da técnica” e, consequentemente, se estes objetos forem
bem projetados, o produto final (obra coreográfica), ainda que volátil,
certamente poderá ser aproveitado na indústria e no mercado cultural
futuramente.
9
Referências Bibliográficas:
CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana.
São Paulo: Martins Fontes, 1994.
DESCARTES, René. Discurso do Método e Regras para a Direção do Espírito. Col. A Obra
Prima de Cada Autor. São Paulo: Martin Claret, 2005.
GILES, Thomas Ransom. O que é filosofar? São Paulo: EPU, 1984.
LORENZ, Konrad. A Demolição do Homem – Crítica à Falsa Religião do Progresso. São
Paulo: Ed. Brasiliense, 1986.
NASCIMENTO, Sônia de Almeida do (org.). Referenciais Curriculares Nacionais da Educação
Profissional de Nível Técnico. Área Profissional: Artes. Brasília: Ministério da
Educação, 2000.
NATALE, Edson & OLIVIERI, Cristiane. Guia BrasiLeiro de Produção Cultural 2004. São
Paulo: Editora Zé do Livro, 2003.
PAIXÃO, Paulo. Alguém Esteve no Palco Antes de Você. Texto publicado no website:
www.idança.net. Extraído em 23 de abril de 2007.
PAZ, Rui Simon. O Manifesto da Transdisciplinaridade, por Basarab Nicolescu. Texto
disponibilizado na internet, URL: http://www.ruipaz.pro.br/textos/manifesto.pdf.
REALE, Miguel (org.). Novo Código Civil: Exposição de Motivos e Texto Sancionado. Brasília:
Senado Federal – Subsecretaria de Edições Técnicas, 2002.
STANISLAVSKI, Constantin. A Preparação do Ator. Rio de Janeiro: Editora Civilização
BrasiLeira, 1979.
TAYLOR, David A. Engenharia de Negócios com Tecnologia de Objetos. Rio de Janeiro: Axcel
Books. 2003.
VILALBA, Rodrigo. Teoria da Comunicação: conceitos básicos. São Paulo: Editora Ática, 2006.

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O processo técnico em dança gera uma indústria

  • 1. O processo técnico em dança gera uma indústria? Alexandre Batista Reis Diretor da Contemplo Cia de Dança DOUTORANDO EM CIENCIAS DE LA ACTIVIDAD FÍSICA Y DEPORTES UAM-MADRID-ESPAÑA Resumo Este trabalho entende o processo técnico em dança como manifestação do espírito humano. Ele tem por objetivo criticar a desproteção jurídica de direitos autorais em produtos industriais resultantes de nossa criação artística explícita no IIº parágrafo do artigo 8º da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 que exclui de sua proteção tais fenômenos que geram “o estado da técnica”. A partir de três perguntas que compõem o texto busca-se responde: O processo técnico em dança gera uma indústria? Poderíamos considerar o processo técnico em dança apenas uma apropriação do intelecto? Poderíamos deduzir que existe uma indústria de dança? Estas reflexões em filosofia contemporânea transpareceram a partir da contextualização da noção hierárquica sobre tecnologia e direito à propriedade. Palavras chave: processo técnico, tecnologia, direitos autorais e trabalho técnico. Abstract This paper considers the technical process in dance as a manifestation of the human spirit. It aims to criticize the unprotected legal copyright on industrial products resulting from our artistic creation explicit in the 2º paragraph of Article 8 of Law 9.610, February 19, 1998, which excludes from its protection such phenomena that generate the "state of the art". From three questions that comprise the text seeks to answer: The process generates a technical dance industry? We could consider the technical dance only in an appropriation of the intellect? We could deduce that there is a dance industry? These reflections on contemporary philosophy made clear from the context of the hierarchical notion of technology and property rights. Keywords: technical process, technology, copyright and technical work. Bahia, agosto de 2013
  • 2. 2 O nosso corpo é o limite das nossas atitudes e elas são os motivos da nossa busca de solução para a nossa existência. A tentativa de esclarecer o que seria um processo técnico em dança fundamenta-se a partir dessa reflexão. O ato de dançar é muito antigo, ele confunde-se com a História da Humanidade. A dança é considerada a mais primordial de todas as artes, cujas formas mais primitivas e fundamentais se esboça em vários animais. Porém, na atualidade, criar uma dança ultrapassou o sentido do ato de dançar em si. A criação pode ser considerada como o resultado de muitas atitudes e de formas variadas. Um processo técnico em dança seria, então, resultado de uma produção técnica e numa tradução ulterior e imediata “o produto ou os frutos da chamada criação do espírito” e está intimamente ligada à capacidade particular de cada espírito criador, ou mais exatamente, de cada coreógrafo. No caso da dança, o processo técnico de uma obra coreográfica implica em todos os argumentos livres e/ou condicionantes de sua criação. O ato de criar movimentos nos exige muita consciência, quanto mais movimentos conscientes, maiores serão as possibilidades de um novo fluxo de inspiração. Os fenômenos sociais e econômicos também participam da criação, além de elementos físicos, espaciais, e até matemáticos inseridos em sua apropriação. A atitude que nos leva a criar depende também de uma experimentação cotidiana. Experimentar o movimento significa conhecer a possibilidade de existir. O movimentar-se é fundamentalmente uma ação mental e a mente é a dimensão prévia para a existência da movimentação humana. Apropriar-se de um determinado movimento é condicionante de uma ação referente. No caso da dança, diferente da literatura e das outras artes, o sentido não é apenas descrito pela análise metodológica da linguagem. A apropriação de movimentos está condicionada à capacidade de nossa mente em favorecer a consciência corpórea e somente as dimensões biofisiológicas, psicológicas e sociais não podem responder pelo desenvolvimento de nossa consciência corpórea, ela é também resultante de nossa experiência cultural. Nas sociedades contemporâneas, diferentes experiências corporais determinam diferentes possibilidades de movimento. O corpo em sua essência ocupa cada vez mais espaços imprevistos por causa da evolução de nossas
  • 3. 3 experimentações sensoriais. Conhecer os limites desse corpo tem sido o maior desafio dos pesquisadores do movimento humano. A ocupação do corpo uniu-se à noção de realidade e virtualidade, podemos ser capazes de estender a noção de corpo em movimento de dança, por exemplo, como acontece na videodança. Este desenvolvimento sem precedentes dos argumentos estéticos e sensoriais e a forma sistemática como a dança é produzida e consumida acirra uma aliança insólita entre corpo e computador, agora podemos modificar e improvisar livremente nossas sensações e até criarmos uma realidade virtual, transeunte e, aparentemente, mais verdadeira que a realidade. Esta noção de realidade permeia a transdisciplinaridade da arte corporal atual e causa uma produção de dança indiscutivelmente transitória para outras disciplinas. Ainda que entregues na busca constante de explicações para o nosso movimento estamos sujeitos a interpretá-lo como resultado de nosso intelecto. Poderíamos considerar o processo técnico em dança apenas uma apropriação do intelecto? A hermenêutica1 desta questão indica sua gênese na necessidade de conceituar o que será o trabalho técnico em dança. O trabalho técnico de uma estrutura sociocultural que envolve o ato de dançar pode, por exemplo, gerar um ou infinitos processos técnicos, ou mais exatamente, coreografias. Por este motivo é preciso compreender o que significa a propriedade intelectual de uma criação em dança. Para analisar este termo de maneira satisfatória é necessário conhecer o que a literatura explica sobre o tema da criação e de sua conseqüente apropriação intelectual, seja ela industrial ou não. O critério de classificação dos valores que fundamenta as normas relacionadas à criação é relativo. A questão ética e moral do processo técnico sempre foi um paralelo confuso na sociedade pós-moderna e, para melhor compreendê-la, pretendo discorrer a partir da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 e da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade intelectual e industrial, consecutivamente. 1 Interpretação do sentido das palavras.
  • 4. 4 Um processo técnico em dança é inspiração seguida de experimentação. A inspiração é essencialmente um vir a ser. Tendo em vista que é difícil experimentar os processos técnicos sem reduzir a sua complexidade interna. A experimentação começa livremente (como inspiração) até alcançar a sua capacidade de manutenção e adaptação. Um processo técnico humano tem que ser capaz de adaptar-se ao movimento do pensamento, do tempo e da matéria num contexto histórico-social. O Artigo 8º da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, de Direitos autorais e conexos exclui expressamente da proteção, em seu(s) parágrafos(s): I. As ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais. II. Os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios. Cabe aqui uma crítica ao segundo parágrafo desta legislação em referência aos processos técnicos gerados pela dança contemporânea no corpo e no pensamento humano. Desde que seja preservado ou citado o experimento corpóreo e a disciplina apropriada, estes declinarão o entendimento do mundo de um indivíduo que se faz presente; que é inseparável da natureza. O mundo real deste indivíduo particular consiste numa apropriação de objetos (físicos ou virtuais) inerentes à construção do eu. O objeto de um trabalho técnico aprofundar-se-á em infinitos processos técnicos. Vejamos, por exemplo, o caso da engenharia. Sua aparência lógica e numérica, sua gênese, foi estruturada prioritariamente por um conhecimento empírico específico. As engenharias estão intimamente ligadas à aritmética e à geometria, além de outras ciências exatas que sobrevivem na natureza num esforço e trabalho constantes, este conhecimento tem que estar disposto a se reinventar. A competição satisfaz múltiplas demandas, onde uma seleção natural aplicada em todo e qualquer organismo garante que somente os mais aptos irão sobreviver; e esta competição não é esforço único, ela é diversa e exige otimizações através de processos (técnicos). Foi assim desde a Pré-História. A tecnologia é o caminho que leva o homem ao conhecimento científico e à ciência em si. Ainda que isso tenha motivado muitos debates com a religião ela apresenta-se como tal. A tecnologia, concebida desde os primórdios da consciência humana permitiu que os processos técnicos, frutos do trabalho técnico, alcançassem a técnica e,
  • 5. 5 conseqüentemente, uma nova tecnologia decorrente, derivada e constantemente transformada na natureza humana. O deleite ao conhecimento é uma concepção aristotélica que, em Platão pertence a uma ordem transcendental. Aristóteles compreendeu que o erro do platonismo foi separar os atributos universais do indivíduo. Convenceu-se de que o conhecimento científico não é possível unicamente através do ato de percepção. Para Aristóteles, por todos os lados, o conhecimento humano dependia do ambiente físico e sensível, ele que é constantemente adaptável. Este era um estágio importante da filosofia grega, ocupando-se exclusivamente do universo físico. Para ele o ser humano (ou qualquer ser vivo) possuía uma alma, justificá-la superior aos outros seres vivos dependeria da imitação que segundo ele é congênita ao homem: o mais imitador de todos os seres vivos. As ideias contemporâneas invadem nossas vidas a todo instante e com elas somos criadores e recriadores de técnicas adaptativas à existência. O processo técnico em dança está mixado nessa dialética difusa e pós-moderna. Ele ultrapassa o mero ato corporal e entra na camada cibernética do pensamento e do movimento, ele gera uma revolução da nossa inteligência com vistas à dimensão poética da existência e produzirá uma substância possivelmente concreta, palpável. A questão do direito à propriedade aqui é discutida no sentido de que o processo técnico, mediante esta realidade, passa a ser de domínio público imediatamente na sua difusão. Com as novas tecnologias, as fronteiras entre o público e o privado foram expandidas. E, por este motivo, se faz necessária à conscientização do público em relação ao respeito pelos criadores por meio da proteção de seus direitos vinculados à legislação sobre direitos autorais e, também, sobre outras regras naturais correlatas. As normas são necessárias para justificar o exercício, a identidade e, também, a posse do criador sobre a obra. Assim surge, então, a propriedade ou, pelo menos, ela se justificará nesse momento. Entretanto, como justificar a propriedade como uma condição imaterial? Como proceder diante de meras circunstâncias expressivas do espírito humano? Stanislavsky explica-nos como alcançar esta propriedade do espírito. Ele chama este processo de “justificação do papel”, e menciona que “o que chamamos de verdade no teatro é a verdade cênica, da qual o ator tem de
  • 6. 6 servir-se em seus momentos de criatividade.” Criar, como já foi dito aqui antes é uma atitude. Para dominarmos o processo técnico da arte da dança teremos que escolher movimentos, desenvolver a expressão estética e (re)conhecer as possibilidades do nosso corpo em vários contextos morais, sociais e culturais. O corpo que dança é único. Uma de minhas professoras de dança, Renée Gumiel, afirmava que a memória gruda na pele do dançarino e que o movimento precisa ser controlado enquanto base de sustentação do corpo. Desse modo, a propriedade da criação em dança deve ser entendida como elemento indissociável ao processo técnico humano. A legislação brasileira começa a compreender que o processo técnico em dança contemporânea é parte de uma estrutura inventiva, inovadora e portadora de linguagem, com desenho e forma autêntica. A utilização do termo “estético” gera uma dissociação do resultado material que este fomenta, pois a diferença entre o estético imaterial (das artes, por exemplo) e o estético industrial é a patente. A invenção e o modelo de utilidade, entretanto, na sua concepção são considerados “estados da técnica” a partir do momento que estes se tornam acessíveis ao público. E, neste sentido, a concepção estética de ambos é resultado de uma invenção, apropriação ou criações indubitavelmente vinculadas ao Artigo 8º, §I e §II, da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. O “estado da técnica” em si, significaria o mesmo que “processo técnico” aqui combinado com a dança. Mais além, a legislação brasileira restringe o “processo técnico” em dança (ou obras protegidas) apenas como “criações do espírito”. E, deixa claro, na referida Lei 9.610, Capítulo I, Artigo 8º, § VII, que “não são objeto de proteção como direitos autorais, de que trata esta Lei, o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas na obra”. Literalmente, a garantia dos direitos plenos ao artista-criador de um processo técnico em dança não pode ser, desta forma, protegida por esta Lei. E, mais atentos, veremos que não se trata apenas da criação em dança em si, ela estabelece esta norma ausente de proteção para todas as obras protegidas descritas na Lei. Sendo assim, estaremos desprotegidos juridicamente de pleitear direitos autorais em produtos industriais resultantes de nossa criação artística. Trata-se de um fato aberto à discussão. A confusa relação entre a arte e a ciência já foi um dilema no qual muitos outros filósofos modernos se debruçaram. Ernst
  • 7. 7 Cassirer define estes dois temas (além da linguagem, da história, do mito e da religião) como pertencentes à filosofia. E o filósofo adverte que eles não se tratam de temas isolados da cultura humana. Poderíamos deduzir que existe uma indústria de dança? Os átimos de criatividade citados por Stanislavsky fazem parte de uma hierarquia. Para dominarmos o processo técnico da arte da dança teremos que escolher movimentos. A hierarquia de movimentos, sua consequente linguagem transformou-se em objeto coreográfico que estabeleceu responsabilidades comuns para as principais companhias de dança contemporânea na atualidade. Suas sequências de atividades agrupam e registram informações a respeito do processo técnico e são dirigidas para os objetivos estéticos: únicos atributos capazes de organizar um conceito de dança. A hierarquia de movimentos é fortalecida com o período conhecido por “modernidade” motivado por uma visão racional do mundo influenciada por Descartes (1596-1650), Espinosa (1632-1677) e Leibniz (1646-1716). O Marquês de Vauvenargues (1715-1747) considerava que tudo o que tende a nivelar a hierarquia e a desigualdade também tende ao bem da comunidade como um todo. Entender hierarquicamente o desenvolvimento dos processos técnicos em dança (enquanto fenômeno histórico-social) pode não ser desejável se não houver nenhuma vantagem em concluir processos inacabados antes do conhecimento programado. Este conhecimento é modelado por uma sequência, um fluxo de trocas simbólicas, e distribuição constante de pessoas e riquezas, oriundos dos esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios. Mecanismos determinantes que incorporam o processo técnico em dança não podem ser desconsiderados, ainda que particularmente, como dissemelhante do espírito humano. Obviamente o filósofo irá questionar este mundo, aparentemente técnico, e interrogar-se sobre qual conhecimento iniciará, ou restaurará, o
  • 8. 8 desenvolvimento de um processo técnico em dança. Este limiar é explicado por Stanislavsky da seguinte maneira: “Nossa mente consciente arranja, impondo-lhes um pouco de ordem, os fenômenos do mundo exterior que nos cerca. Não existe uma linha demarcatória nítida entre a experiência consciente e o subconsciente. Nosso consciente muitas vezes aponta a direção em que o subconsciente continuará com a tarefa”. As novas tecnologias têm um papel importante, extremamente fragmentado ou especializado, na imitação criadora de um processo técnico em dança. A própria estrutura deduzirá um conhecimento de dança dinamizado em aproximações e questões abertas. Recai sobre o processo técnico em dança contemporânea uma responsabilidade e uma quantidade cada vez maior de atributos que deduzirão autorias e recursos. Conclui-se que a modelagem dos objetos orienta a criação dos processos técnicos inseridos num trabalho técnico, aqui entendido enquanto companhia de dança. A dedução do processo técnico em dança personaliza-se na condição do artista que se atualiza na moral virtualizada, nos esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais ou físicos, jogos ou negócios. Destarte, o que parecia invisível torna-se objeto contradizendo o IIº parágrafo do artigo 8º da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 que exclui de sua proteção tais fenômenos que geram “o estado da técnica” e, consequentemente, se estes objetos forem bem projetados, o produto final (obra coreográfica), ainda que volátil, certamente poderá ser aproveitado na indústria e no mercado cultural futuramente.
  • 9. 9 Referências Bibliográficas: CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. DESCARTES, René. Discurso do Método e Regras para a Direção do Espírito. Col. A Obra Prima de Cada Autor. São Paulo: Martin Claret, 2005. GILES, Thomas Ransom. O que é filosofar? São Paulo: EPU, 1984. LORENZ, Konrad. A Demolição do Homem – Crítica à Falsa Religião do Progresso. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1986. NASCIMENTO, Sônia de Almeida do (org.). Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico. Área Profissional: Artes. Brasília: Ministério da Educação, 2000. NATALE, Edson & OLIVIERI, Cristiane. Guia BrasiLeiro de Produção Cultural 2004. São Paulo: Editora Zé do Livro, 2003. PAIXÃO, Paulo. Alguém Esteve no Palco Antes de Você. Texto publicado no website: www.idança.net. Extraído em 23 de abril de 2007. PAZ, Rui Simon. O Manifesto da Transdisciplinaridade, por Basarab Nicolescu. Texto disponibilizado na internet, URL: http://www.ruipaz.pro.br/textos/manifesto.pdf. REALE, Miguel (org.). Novo Código Civil: Exposição de Motivos e Texto Sancionado. Brasília: Senado Federal – Subsecretaria de Edições Técnicas, 2002. STANISLAVSKI, Constantin. A Preparação do Ator. Rio de Janeiro: Editora Civilização BrasiLeira, 1979. TAYLOR, David A. Engenharia de Negócios com Tecnologia de Objetos. Rio de Janeiro: Axcel Books. 2003. VILALBA, Rodrigo. Teoria da Comunicação: conceitos básicos. São Paulo: Editora Ática, 2006.