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POLÍTICAS PÚBLICAS NO
SISTEMA PRISIONAL
VOLUME 1
CLÁUDIO DO PRADO AMARAL
CAED - UFMG
Belo Horizonte, MG
2014
POLÍTICAS PUBLICAS
NO SISTEMA PRISIONAL
VOLUME 1
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Presidenta da República Federativa do Brasil
Dilma Vana Rousseff
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Ministro de Estado da Justiça
José Eduardo Cardozo
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL
Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional
Augusto Eduardo de Souza Rossini
DIRETORIA DE POLÍTICAS PENITENCIÁRIAS
Diretor de Políticas Penitenciárias
Luiz Fabrício Vieira Neto
ESCOLA NACIONAL DE SERVIÇOS PENAIS
Diretora da Escola Nacional de Serviços Penais
Mara Fregapani Barreto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitor
Prof. Jaime Arturo Ramirez
Vice-Reitoria
Profª. Sandra Regina Goulart Almeida
Pró Reitor de Graduação
Prof. Ricardo Hiroshi Caldeira Takahashi
Pró Reitor Adjunto de Graduação
Prof. Walmir Matos Caminhas
Pró-Reitora de Extensão
Profª. Benigna Maria de Oliveira
Pró-Reitora Adjunta de Extensão
Profª. Cláudia Andrea Mayorga Borges
EQUIPE CASSP / UFMG
Coordenação geral
Prof. Fernando Selmar Rocha Fidalgo
Coordenação pedagógica
Prof. Eucidio Pimenta Arruda
Coordenação tecnológica
Prof. Wagner José Corradi Barbosa
Coordenação de produção audiovisual
Prof. Evandro José Lemos da Cunha
Coordenação administrativa
Thatiana Marques dos Santos
CENTRO DE APOIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Diretor de Educação a Distância
Prof. Wagner José Corradi Barbosa
Coordenador da Univesidade Aberta do Brasil - UAB/UFMG
Prof. Eucídio Pimenta Arruda
EDITORA CAED-UFMG
Editor
Prof. Fernando Selmar Rocha Fidalgo
Produção Editorial
Marcos Vinícius Tarquinio
Autoria
Cláudio do Prado Amaral
Colaboração
Eucídio Arruda
Gisela Colaço Geraldi
Patrícia Sommer
Sara Coutinho
Design Educacional
Durcelina Ereni Pimenta Arruda
Revisão de Texto
Jussara Frizzera
Projeto Gráfico
Departamento de Design/Caed
Formatação
Pedro Peixoto
CONSELHO EDITORIAL
Prof. André Márcio Picanço Favacho
Profª Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben
Prof. Dan Avritzer
Profª Eliane Novato Silva
Prof. Eucídio Pimenta Arruda
Prof. Hormindo Pereira de Souza
Profª Paulina Maria Maia Barbosa
Profª Simone de Fátima Barbosa Tófani
Profª Vilma Lúcia Macagnan Carvalho
Prof. Vito Modesto de Bellis
Prof. Wagner José Corradi Barbosa
NOTA DO EDITOR
A Universidade Federal de Minas Gerais atua em diversos projetos de Educação a Distância que
incluem atividades de ensino, pesquisa e extensão. Dentre elas, destacam-se as ações vincula-
das ao Centro de Apoio à Educação a Distância – CAED –, que iniciou suas atividades em 2003,
credenciando a UFMG junto ao Ministério da Educação para a oferta de cursos a distância.
O CAED-UFMG, Unidade Administrativa da Pró-Reitoria de Graduação, tem por objetivo admi-
nistrar, coordenar e assessorar o desenvolvimento de cursos de graduação, de pós-graduação
e de extensão na modalidade a distância, desenvolver estudos e pesquisas sobre educação a
distância, promover a articulação da UFMG com os polos de apoio presencial, como também
produzir e editar livros acadêmicos e/ou didáticos, impressos e digitais, bem como a produção
de outros materiais pedagógicos sobre Educação a Distância - EAD.
A Editora CAED-UFMG tem a honra de publicar esta obra que foi demandada pela Escola de
Serviços Penais do DEPEN-MJ que será utilizada para a Capacitação de Servidores do Sistema
Prisional. Esperamos que todos possam aproveitar bastante o que, neste momento, tornamos
disponível para sua leitura, comentários e sugestões.
Fernando Selmar Rocha Fidalgo
Editor
SOBRE OS AUTORES
CLÁUDIO DO PRADO AMARAL
Professor associado da Faculdade de Direito de Ribeirão
Preto-USP. Coordenador do Grupo de Estudos Carcerários
Aplicados da USP. Pesquisador e membro da equipe ins-
titucional do Observatório Nacional do Sistema Prisional
- Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da
Justiça/UFMG. Graduado em direito pela USP, especialista
em direito penal pela USP, mestre em direito penal pela
USP, doutor em direito penal pela USP e Livre Docente
em direito processual penal pela USP. Juiz de direito desde
janeiro de 1991. Juiz corregedor da policia judiciária e Juiz
corregedor dos Presídios de Piracicaba-SP de março/1995
a novembro/2003. Juiz corregedor dos Presídios de São
Paulo-SP e dos Presídios de Segurança Máxima do Estado
deSãoPaulodeabril/2007amarço/2009.Juizda2ªCâmara
Criminal Extraordinária – “D”, do Tribunal de Justiça de São
Paulo de fevereiro de 2008 a agosto de 2009.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas
ACUDA – Associação Cultural de Desenvolvimento do Apenado e Egresso
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
CAHMP – Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa
CF – Constituição Federal
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CNCD/LGBT – Conselho Nacional de Combate à Discriminação
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
CREAS – Centros de Referência Especializados de Assistência Social
DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional
DST – Doenças Sexualmente Transmitidas
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
HIV/AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
InfoPen – Sistema de Informações Penitenciárias
LEP – Lei de Execução Penal
LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros
LGBTTT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais, Travestis e Transgêneros
NBR – Normas Brasileiras de Normatização
OEA – Organização dos Estados Americanos
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
PNAISP – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Privada de Liberdade
no Sistema Prisional
PNAMPE – Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade
e Egressas do Sistema Prisional
PNGATI – Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas
RAPS – Rede de Atenção Psicossocial
SIC – Serviço de Informação ao Cidadão
SPI – Serviço de Proteção aos Índios
SUS – Sistema Único de Saúde
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO	10
UNIDADE 1 – POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL 	 13
1. Política: fins e sistema	 16
2. Política criminal e política penitenciária	 16
3. Sujeitos da política penitenciária	 18
4. Finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade	 19
5. Práticas de alternativas penais	 22
6. Arquitetura prisional – a evolução da arquitetura prisional	 30
7. Modernização do sistema prisional	 37
UNIDADE 2 – ASSISTÊNCIA E GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL	 41
1. O gênero no sistema prisional	 42
2. O gênero feminino	 43
3. O gênero conforme a opção afetiva	 44
4. Separação etária	 45
5. Separação conforme a situação jurídica	 46
6. Separação conforme a natureza do crime	 46
UNIDADE 3 – A EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL	 49
1. Educação e qualificação profissional de pessoas presas	 50
2. Formação e qualificação profissional de servidores do sistema prisional	 59
UNIDADE 4 – SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA	 67
1. Saúde no contexto carcerário	 68
2. Qualidade de vida do servidor penitenciário	 72
REFERÊNCIAS 	 81
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 210
APRESENTAÇÃO
Olá, seja bem-vindo ao curso Políticas Públicas no Sistema Prisional!
Saiba que políticas públicas são conjuntos de ações e programas realizados, desenvolvidos e
mantidos direta ou indiretamente pelo Estado, com a participação de entes públicos ou pri-
vados; é assegurar um ou alguns direitos de cidadania, de forma ampla ou especificamente
direcionada, para determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico.
Nesse sentido, a realização deste curso tem o intuito de apresentar e provocar uma ampla
discussão a respeito das políticas públicas no sistema prisional.
OBJETIVOS
Ao final deste curso, espera-se que você seja capaz de:
•	Reconhecer a organização das políticas públicas no sistema prisional.
•	Identificar os sujeitos da política penitenciária.
•	Compreender as finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade.
•	Compreender a organização do sistema prisional.
•	Identificar a questão do gênero no sistema prisional.
•	Considerar a educação e qualificação profissional de pessoas presas.
•	Recomendaraformaçãoequalificaçãoprofissionaldeservidoresdosistemaprisional.
•	Analisar a saúde no contexto carcerário.
•	Discutir a situação da saúde dos envolvidos no sistema prisional.
O material didático do curso Políticas Públicas no Sistema Prisional está estruturado em
cinco Unidades, de modo a possibilitar a você oportunidade de debater e construir embasa-
mento teórico e prático a respeito das políticas públicas no sistema prisional.
Unidade 1 – A Política Pública no Sistema Prisional – consiste em apresentar o conceito de
política, seus fins e sistema; a política criminal e a política penitenciária; os sujeitos da polí-
tica penitenciária e as finalidades do sistema e da pena privativa de liberdade; A evolução da
arquitetura prisional desde o início até os dias de hoje, bem como a unidade prisional como
estrutura complexa; e a Resolução nº 09/2011 do Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária – CNPCP – que regulamenta como devem ser erguidas as novas unidades
prisionais.
Unidade 2 – A Questão do Gênero no Sistema Prisional – é apresentada nesta unidade
o Artigo 5º da Constituição Federal, o qual versa sobre as garantias em favor da presa de
maneira mais digna: “A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com
a natureza do delito, a idade e o sexo da pessoa presa”. O tratamento penal que é dado a
UNIDADE 1
11
uma pessoa do sexo feminino não pode ser igual a uma pessoa do sexo masculino. Em todos
os aspectos deve ser adequado ao gênero feminino. Também será debatido o aumento da
prisionalização de mulheres, hoje desproporcionalmente maior em relação o dos homens.
Unidade 3 – A Educação no Sistema Prisional – assim como em qualquer outro ambiente,
surge com o objetivo de ofertar os processos educativos promotores da vida humana, que
são elementares para o desenvolvimento político e econômico e para o alcance da demo-
cracia e da igualdade social. Constitui-se ainda em importante recurso para a ressocialização
de pessoas em privação de liberdade, da mesma forma que o trabalho. O exercício de qual-
quer profissão requer, ao menos, o aprendizado fundamental e o aprendizado profissionali-
zante. Essa exigência pode aumentar conforme o grau de especialização da profissão, isto é,
conforme suas particularidades. Por isso, em muitos casos, exige-se a educação formal em
nível médio, em outros tantos o ensino técnico e, afinal, para muitas profissões exige-se o
ensino superior.
Unidade 4 – Saúde e Qualidade de Vida no Sistema Prisional – quatro fatores se asso-
ciam e afetam a saúde do servidor: precárias condições de trabalho; insuficiência do qua-
dro funcional; turno de 24 horas de trabalho por 72 de descanso; e baixo reconhecimento
social do valor do trabalho do servidor. Com isso, o prazer de trabalhar diminui e a tensão
laboral aumenta. A sensação de bem-estar no trabalho é baixa e não raro a sensação é
de sofrimento. Em razão disso, as enfermidades psicológicas afetam expressiva porção dos
servidores do sistema. Por vezes, o grau de infelicidade é tão grande que leva ao suicídio.
Concentramos, portanto, nossas observações nesse tema: a questão da saúde psicológica
do servidor. Os quatro elementos acima contribuem para a depressão, a angústia ou a ansie-
dade do preso.
Por fim, ao longo de todas as Unidades, você será solicitado a desenvolver atividades no
Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA. O desenvolvimento destas atividades é impor-
tante, porque permite a você refletir a respeito dos temas tratados. Além disso, elas são
avaliativas: fique atento para não perder os prazos de realização de cada atividade no AVA.
TEMPO DE DEDICAÇÃO AO CURSO
O curso Políticas Públicas no Sistema Prisional, com carga horária prevista de 60 (sessenta)
horas, exige de você 01 (uma) hora por dia de dedicação durante 08 (oito) semanas.
AVALIAÇÃO E APROVAÇÃO
As atividades avaliativas serão realizadas ao longo de todo o curso. Elas serão divididas
em questões abertas, fechadas e de interação, totalizando 100 (cem) pontos. A pontuação
mínima para aprovação é de 60 (sessenta) pontos.
Bom estudo!
O autor
UNIDADE
1POLÍTICAS PÚBLICAS NO
SISTEMA PRISIONAL
UNIDADE 1
13
UNIDADE 1 – POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA
PRISIONAL
As políticas públicas correspondem a um direito que está positivado e assegurado na
Constituição Federal. O conteúdo da nossa Constituição Federal (CF/1988), assim como em
inúmeros outros países, é o produto de conquistas históricas do homem. São conquistas
que asseguram ao ser humano ou a um grupo de pessoas contra a ingerência do Estado.
A origem remota dessas conquistas está na primeira democracia de que se tem notícia:
a democracia ateniense, que é a matriz da democracia moderna. Muitos saberes da
Antiguidade também serviram de matriz ou protótipo daquilo que viriam a ser direitos
fundamentais.
Um expressivo marco dos direitos fundamentais é o princípio da legalidade, cuja origem
é apontada com a promulgação da Magna Carta, de João Sem Terra, no ano de 1215, na
Inglaterra. Pela primeira vez firmou-se um documento em que o Estado era obrigado a
reconhecer direitos em favor de seus governados.
FIQUE ATENTO
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
Na tentativa de organizar a discussão, esta Unidade está dividida em cinco itens:
1. Política: fins e sistema
2. Política criminal e política penitenciária
3. Sujeitos da política penitenciária
4. Finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade
5. Práticas de alternativas penais
6. Arquitetura prisional – a evolução da arquitetura prisional
7. Modernização do sistema prisional
OBJETIVOS
Esperamos que você, ao final do estudo desta Unidade, seja capaz de:
•	 Reconhecer a organização das políticas públicas no sistema prisional.
•	 Identificar os sujeitos da política penitenciária.
•	 Compreender as finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de
liberdade.
•	Compreender a organização do sistema prisional.
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 214
São exemplos de políticas públicas a educação, a saúde e a habitação, todos reconhecidos
na Constituição Federal. Existem, hoje, muitos direitos novos inseridos nas constituições
das nações ao redor do mundo. Os juristas costumam classificar estes novos direitos
conforme seu surgimento em gerações. Estamos na quarta geração de direitos
fundamentais e é aqui que encontramos uma série de novas garantias de todo e cada
cidadão contra o Estado, as quais devem ser efetivadas através das políticas públicas.
Não estamos nos referindo à política no sentido de “politicagem”, que é uma prática
antiética e desviada do bem público, pouco preocupada com o bem-estar da sociedade.
Tratamos, aqui, da política no seu sentido original, que deriva da antiga polis grega, onde
o trato da coisa pública era uma atividade muito ética e respeitosa.
Para o desenvolvimento deste curso faremos uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem
Moodle – AVA – e suas ferramentas de interação, as quais nos permitem momentos de
interação síncrono e assíncrono. Por meio do AVA, compartilharemos nossas dúvidas,
saberes, expectativas referentes à questão dos direitos humanos e da diversidade social.
Além disso, estarão disponibilizados no AVA outros referenciais teóricos que abordam
esta temática. Por fim, ao final da Unidade será solicitado a você que realize atividades
avaliativas neste ambiente.
UNIDADE 1
15
AGENDA
A agenda é um instrumento importante para você planejar melhor sua participação em
nosso curso, pois apresenta a sequência de atividades previstas para a Unidade. Marque
com um “X” as datas em que pretende realizar as atividades descritas, bem como as
atividades já concluídas.
Período Atividade Seg Ter Qua Qui Sex
Concluída
Semana
De ___/___
a ___/___
1 Leitura da Unidade 1 do Guia de Estudos.
2
Visualização da Videoaula “Aspectos gerais
do sistema prisional”
3
Visualização da videoaula “Modernização
do Sistema Prisional”
4 Leitura do texto 01 disponível no AVA
5
Visualização de Vídeo “Arquitetura dos
limites – APAC Contagem”. Disponível
em: https://www.youtube.com/
watch?v=9VM9Vy7OsGk
6
Visualização do Vídeo “Ótima aula de
políticas públicas”
Leitura do Texto Complementar 1:
“Resolução nº 09/2011, que trata das novas
diretrizes para a arquitetura prisional.
Disponivel em: http://www.criminal.mppr.
mp.br/arquivos/File/ExecucaoPenal/
CNPCP/2011Diretrizes_ArquiteturaPenal_
resolucao_09_11_CNPCP.pdf
8 Atividade de Reflexão no Guia
9 Atividade Avaliativa no AVA
Procure se organizar para concluir estas atividades em duas semanas, conforme
cronograma de atividade. Sugerimos uma dedicação diária de 45 (quarenta e cinco)
minutos durante os dias úteis.
ATIVIDADE DE FIXAÇÃO
Procure fazer uma busca na Internet ou em outras fontes de consulta e depois
nos fale se você acha possível o tratamento ético da coisa pública no Brasil. Temos
exemplos positivos? Se os temos, então é possível a prática das melhores políticas
no Brasil? Como?
Pense e espresse suas análises e expectativas a respeito do assunto no fórum no
AVA.
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 216
1. POLÍTICA: FINS E SISTEMA
Em sua dinâmica, a política é um processo de diálogo. Por meio de sucessivos tratos éticos
em busca do bem comum, escolhem-se quais são as ações e processos que melhorarão a
vida em sociedade, garantindo um direito constitucionalmente reconhecido.
A finalidade da política pública é melhorar a vida da sociedade como um todo. Uma
política pública não deve ser contraproducente, isto é, não pode ter mais resultados
negativos que positivos, sendo que estes devem superar em larga margem a quantidade
de resultados negativos.
Nesse sentido, a finalidade das políticas públicas de educação consiste em melhorar a
qualidade e a quantidade de aquisição de conhecimentos das pessoas para a vida em
comum através da educação formal, informal e profissionalizante. Se isso não ocorrer,
isto é, se o sistema de educação forma pessoas sem os conhecimentos suficientes e
adequados será contraproducente.
Já a finalidade das políticas públicas de saúde tem como objetivo melhorar as condições
de vida das pessoas por meio da prevenção de enfermidades, bem como curar os cidadãos
que vierem a ser acometidos por doenças.
ATIVIDADE DE FIXAÇÃO
Você já pensou qual é a finalidade das políticas aplicadas ao sistema prisional?
Voltaremos a isso adiante. Por enquanto, dê uma pausa, pense a respeito e escreva
um texto de cinco a dez linhas no fórum da unidade no AVA sobre o que concluiu
para que possa comparar com o que será exposto mais adiante. Para refletir sobre
o assunto, tenha em mente que toda política pública deve melhorar a vida em
sociedade.
2. POLÍTICA CRIMINAL E POLÍTICA PENITENCIÁRIA
A segurança é um dos direitos que o Estado assegura a todos nós, cidadãos brasileiros.
Esta garantia está inscrita numa posição tópica de nossa Constituição Federal de 1988,
no Art. 5º, caput. Isso significa que ocupa uma posição muito importante dentre tantos
direitos que constam na nossa Carta Maior. Veja o que ela diz: “Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes: (...)”.
O significado da expressão segurança é muito amplo; é interpretado com maior ou menor
amplitude, mas sempre de modo amplo. Todavia, existe um significado que está fora de
dúvidas: o direito à segurança se expressa no direito que todos têm de viver em sociedade
sem perturbações severas ou violentas em sociedade. Claro que conviver em sociedade é
sempre complicado e exige concessões de todos para que haja paz. Referimo-nos, aqui,
àquelas perturbações graves da vida em comunidade, como insurreições, violência e crime.
UNIDADE 1
17
A nós nos interessa, precisamente, o direito à segurança como expressão de combate à
criminalidade. Todos nós temos o direito de exigir do Estado ações voltadas ao combate
contra a criminalidade. As estratégias e ações que o Estado usa para afrontar a criminalidade
são chamadas de políticas criminais e estas se desenvolvem nos mais diversos âmbitos e
graus de atuação.
Podemos, por exemplo, falar em políticas criminais que são aplicadas já no âmbito da escola
e da assistência social – sempre as mais eficientes de todas. Ou ainda, podemos ter políticas
criminais realizadas através da promulgação de leis, das decisões do poder judiciário
interpretando a lei penal, de ações administrativas dos Estados etc.
VOCÊ SABIA?
O combate contra o crime ocorre de duas formas: por meio de ações preventivas ou
por meio de ações repressivas.
As ações preventivas tentam evitar que um crime venha a ser praticado e estas
devem ser sempre prioritárias. Portanto, em termo de política criminal, o ideal é que
os crimes não sejam cometidos. Se houve crime, isso significa que o Estado falhou na
etapa mais importante da política criminal, que é a preventiva.
As segundas, isto é, as políticas criminais repressivas, atuam depois que o crime é
praticado e têm por finalidade:
•	Identificar o autor do delito;
•	Encontrar o corpo do delito, isto é, os vestígios materiais que um crime pode
deixar;
•	Obter uma condenação criminal; e
•	Executar esta condenação, ou seja, dar cumprimento à sentença penal
condenatória.
Na ponta final dessa política criminal, portanto, existe uma condenação que se
deseja ser alcançada e executada. Para que isso seja possível, é preciso que a polí-
cia que investiga o crime seja eficiente, bem como que o Ministério Público esteja
munido de provas incontestáveis.
Na condenação criminal, através da aplicação de uma pena privativa de liberdade, surge
um desmembramento da política criminal, que tem praticamente um significado próprio.
Trata-se da política penitenciária, que são as ações e os processos realizados para que o
encarceramento seja realizado de acordo com os fins socialmente úteis perseguidos pela
CF/1988.
Note-se que a política penitenciária também pode ser necessária antes da sentença
penal condenatória. Isso ocorre, com frequência, nas chamadas prisões provisórias ou
cautelares.
Vejamos: A regra é que alguém somente seja preso criminalmente após ser considerado
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 218
culpado por um crime, através de uma sentença penal condenatória com trânsito em
julgado. Mas muitos presos não possuem condenação. Eles estão aguardando o seu
julgamento, ou seja, são inocentes, pois não foram condenados e estão à espera de sua
sentença, que pode ser, inclusive, de absolvição.
Esse tipo de prisão é denominada provisória, cautelar, processual, não-penal, ou ainda,
não-defintiva. A respectiva população carcerária corresponde aproximadamente 40% dos
presos no Brasil e também está sujeita às políticas penitenciárias.
Assim, as políticas penitenciárias aplicam-se tanto aos presos que já possuem condenação
definitiva e contra a qual não cabe mais recurso, como também aos presos provisórios.
PARA REFLETIR
Você acha fácil ver numa pessoa presa provisoriamente um inocente, isto é, alguém
que não foi condenado e pode ser que não o seja? O que pode ser feito em relação
a esta situação paradoxal?
E o que pensar sobre aquele indivíduo que está cumprindo pena em meio aberto, por
exemplo, em livramento condicional, mas vem a cometer um fato criminoso novo e
aguarda preso provisoriamente o seu julgamento por este novo fato? Veja que ele
também está condenado definitivamente pelo fato anterior, em razão do qual estava
em livramento condicional. Pense nisso!
3. SUJEITOS DA POLÍTICA PENITENCIÁRIA
Devido à insuficiente profissionalização e produção de conhecimento sobre as questões
criminais no Brasil, existe tendência a acreditar que a política penitenciária é voltada
apenas aos presos, definitivos ou cautelares.
Não o é. Aplica-se igualmente aos trabalhadores de todo o sistema: agentes penitenciários,
agentes administrativos, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, médicos, cirurgiões-
dentistas, nutricionistas, dentre muitos.
Assim, por exemplo, quando a administração penitenciária adquire materiais ou
equipamentos para que os funcionários do sistema trabalhem em melhores condições,
isso também é uma política pública.
Mas não podemos esquecer que toda política pública tem por meta melhorar a vida
em sociedade. Por isso, embora a política penitenciária seja aplicada sobre a população
prisional e os trabalhadores do sistema, todos nós somos diretamente afetados por tais
políticas. Sendo assim, toda a sociedade é afetada pelas políticas penitenciárias, todos
nós sentimos os bons e os maus resultados do que é feito na condução das questões
carcerárias.
UNIDADE 1
19
PARA REFLETIR
Como você acha que a sociedade brasileira é afetada pela política penitenciária?
Como você vê a sociedade brasileira sendo afetada pela política penitenciária? Em
que extensão isso ocorre? De que modo isso ocorre? Como tem se comportado a
mídia em relação ao tipo e extensão dessa afetação social?
Pense sobre este assunto, pois ele será importante para o desenvolvimento deste
curso.
4. FINALIDADES DO SISTEMA E FINALIDADES DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE
Para que você possa entender melhor o que se passa em termos de política penitenciária
no Brasil, é preciso que nós façamos um breve excurso sobre as finalidades da pena, isto
é, precisamos nos perguntar: Para que serve a pena? Porque se pune alguém?
Dizer que se pune para fazer justiça é uma resposta muito simplista e não permite
compreender a dignidade do problema prisional. Então vejamos a seguir.
4.1. A pena como castigo
Desde a Revolução Francesa o sistema penal
passou a ser amplamente criticado, pois até
então o sistema era cruel, arbitrário e pouco
racional.ApósaRevolução,estabeleceram-se
as bases que permitiram evoluir em direção
a um sistema mais coerente e humano.
“A Liberdade Guiando o Povo”, de Eugène Delacroix
Até meados do século XIX, defendia-se que a pena não tinha finalidade alguma. Era um
castigo, uma retribuição, uma expiação. A pena significava um mal, que era aplicado ao
delinquente como retribuição a outro mal, que era o crime praticado por este infrator.
Usava-se a expressão “pagar um mal (o crime) com outro mal (a pena)”. Nós chamamos
estas teorias de absolutas ou retributivas.
Esse pensamento está superado há muito tempo e esta superação ocorreu por uma
razão simples: a pena criminal representa o uso legítimo da violência. Ademais, a pena é
monopólio do Estado, isto é, uma pessoa em particular não pode aplicar uma pena à outra
pessoa. Isso seria vingança privada e não pena. Algo tão importante como a pena criminal
não poderia ser destituído de finalidades práticas.
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 220
4.2. A pena como prevenção geral
A natural reação foi o surgimento de correntes de pensamento que vislumbraram na pena
criminal algo que deveria ter uma finalidade útil. Esta finalidade nada mais é que prevenir
crimes futuros. Surgem então as teorias relativas da pena. Desde então, estabeleceu-se que
a missão da pena é evitar a prática de crimes futuros.
No entanto, isso pode ser feito de diversas maneiras. A primeira delas seria através da
intimidação. Ou seja, a pena existe porque os cidadãos, sabendo de sua existência, iriam se
sentir intimidados e deixariam de praticar delitos. A isso chamamos de “coação psicológica”
do potencial delinquente. Todavia, este pensamento durou muito pouco. Ninguém é tão
calculista a ponto de, no momento em que decide praticar um crime, pensar na pena que
está prevista em um código ou uma lei penal a qual poderia lhe ser aplicada.
A segunda forma de prevenir o crime através da pena seria por meio da sua aplicação, isto
é, por sua inflição pelo juiz, no momento da sentença penal condenatória, reforçando em
todos os demais cidadãos o sentimento de confiança no ordenamento jurídico que fora
violado pelo infrator com sua conduta. A pena serviria para prevenir delitos futuros através
da mensagem que passa para toda a sociedade, dizendo-lhe que a norma que foi violada
pelo criminoso, naquele caso concreto, é válida e deve ser respeitada por todos.
Essa é uma teoria muito aceita, mas serve muito mais para o momento da aplicação da pena
que para o de sua execução.
4.3. A pena como prevenção especial
Algumas teorias afirmaram que a pena é dirigida ao infrator
que cometeu o delito no sentido de impedi-lo de voltar
a delinquir, isto é, evitar a reincidência. Aqui, a pena não
seria mais atuante sobre a sociedade como um todo, mas
restringe-se a atuar sobre o autor do crime.
O precedente deste pensamento está em Franz Von Liszt e
seu famoso Programa de Marburgo (1883). Todavia, somente
retomou vigor após a Segunda Guerra Mundial, quando então
nasce o ideal de ressocialização através da execução da pena.
Franz Von Liszt - Fonte: wikipedia
A ressocialização poderia ser feita de duas formas. Uma, obrigando o condenado ao
tratamento penitenciário, dispensando-se, portanto, o seu consentimento para ser
tratado. Medidas extremas, inclusive, defendiam a ideia de intervenções cirúrgicas no
delinquente, a fim de extirpar as tendências criminosas, como lobotomia, castração de
criminosossexuaisetc.Jápromoveraressocializaçãoatravésdapenaéomodoatualmente
mais aceito. Isso ocorre por meio de um processo dialógico com o condenado, dirigido a
convencê-lo a agir conforme o direito, isto é, estimulando no condenado as condições
para que ele entenda, por suas próprias conclusões, que existem mais vantagens em
retornar à sociedade e conviver sem cometer delitos que voltar a praticá-los.
UNIDADE 1
21
4.4. A ressocialização como política penitenciária de sobreposição
Essa é a finalidade da execução da pena: a ressocialização do condenado, alcançada de
modo não impositivo. Todo o sistema e todas as políticas penitenciárias devem estar
voltados a esse fim: ressocializar o condenado para que retorne à sociedade em condições
de conviver sem praticar novos delitos. Por isso a ressocialização é política penitenciária
que orienta todas as demais em tema carcerário.
Vamos entender bem isso: não será obrigatoriamente a privação de liberdade que irá
convencer o delinquente de que não deve cometer crimes novamente. Pode até ser
que isso seja alcançado através da privação de liberdade. Mas o que de fato convence
o condenado a agir conforme o direito são os estímulos e proposições que o incitam a
refletir sobre sua conduta passada e seus prognósticos futuros de comportamento.
O mais importante é que o tempo de privação de liberdade seja utilizado para que se
estabeleça um diálogo funcional com o preso, seja ele condenado ou provisório. No caso
do primeiro, essa funcionalidade está nas tentativas de convencê-lo a não agir contra
o direito e a ordem. Sendo preso provisório, esse diálogo deverá estimulá-lo a não se
deixar contaminar pelo ambiente de privação de liberdade, dando continuidade a todas
as atividades que não foram objetivamente limitadas pela decisão judicial que reduziu sua
liberdade.
O processo de convencimento não é necessariamente realizado verbalmente. Isto é, não
se trata apenas de uma conversa entre um psicólogo ou pedagogo e o preso, na qual os
primeiros tentam convencer o segundo. Esta é uma visão apequenada da ressocialização.
A dialética de ressocialização de convencimento é realizada por meio das mais variadas
formas; por exemplo, de assistências sociais e à saúde, por meio do lazer, dos contatos
com a família, da realização de projetos sociais, do trabalho edificante, da educação
profissionalizante etc.
Todos esses recursos acabam por “dialogar” com o preso e são sempre capazes de
demonstrar a ele o quão saudável é a sociabilidade e como ela pode ser bem realizada.
PARA REFLETIR
Você já pensou na seguinte situação: Um conhecido seu lhe diz que “o preso que
cometeu tráfico tem mais é que ficar 50 anos na cadeia!”. Como ele está pensado em
relação ao tema prisional? Você lhe diria algo nesse momento? O quê?
Temos outra situação: Alguém faz algo contra a sua vontade por muito tempo se não
estiver bem convencido de que o melhor a ser feito é agir deste modo? Como isso se
aplica a ressocialização prisional?
Algumas teorias dizem que a pena é castigo e também prevenção. São chamadas
teorias ecléticas ou mistas da pena. A crítica que tais teorias sofrem é que algo não
poderia, ao mesmo tempo, não ter uma finalidade útil (retribuição do mal com um
mal) e ter uma finalidade útil (prevenção). Esta, aliás, é a teoria que o código penal
brasileiro adotou. O que você acha?
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 222
5. PRÁTICAS DE ALTERNATIVAS PENAIS
Quando falamos em práticas de alternativas penais, trazemos para o nosso curso uma
questão mais ampla, pois não se resume à utilização de penas restritivas de direitos em
substituição às penas privativas de liberdade.
O que precisamos ter em conta nessa parte do nosso curso – e isso é da maior relevância
– é o fato de que existem diversas práticas, chamadas alternativas penais, que podem ser
tanto quanto ou mais eficientes e úteis que as penas restritivas de direitos.
Portanto, o correto é dizer que as penas restritivas de direitos são penas alternativas, mas
as penas alternativas não são todas as práticas alternativas de que se dispõe.
Veremos adiante as práticas penais alternativas de que o mundo já dispõe, as quais podem
ser aplicadas a todos os momentos do sistema de justiça (pré-processual, processual e
executiva), começando pela pena restritiva de direito.
5.1. As penas restritivas de direitos
Está absolutamente fora de dúvida que a utilização de penas não privativas de liberdade é
umrecursofundamentalparaamelhoriadosistemadejustiçapenale,consequentemente,
para a vida em sociedade. Tratados internacionais, diversas leis, obras jurídicas,
orientações jurisprudenciais já afirmaram por diversas vezes a utilidade e os benefícios
da utilização das penas restritivas de direitos ou como costumam ser também chamadas
penas alternativas.
A utilidade de sua aplicação é resultado da comprovação científica de que toda forma de
encarceramento dessocializa o indivíduo em algum grau. Por isso, especialmente para
criminosos primários autores de delitos praticados sem violência ou grave ameaça, a
medida correta a ser tomada é a aplicação de penas alternativas.
São diversas as suas vantagens:
•	Tal pena reveste-se de seriedade, pois sendo pena, o descumprimento levará à sua
conversão em pena privativa de liberdade.
•	Em algum grau colabora para minimizar o problema da superlotação nas unidades
prisionais.
•	Também evita o contato de delinquentes primários com a nocividade do ambiente
carcerário.
•	O custo financeiro da execução das penas alternativas é bem menor que o da pena
privativa de liberdade.
•	O processo de ressocialização é mais fácil.
O que se exige hoje do legislador brasileiro é o aumento das hipóteses de aplicação das
penas restritivas de direitos, alargando o espectro de situações em que seja permitida a
substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, ou aumentando
o grau de discricionariedade judicial na aplicação da pena. Veja, por exemplo: foi graças
ao engessamento da legislação que o Supremo Tribunal Federal afirmou a possibilidade
UNIDADE 1
23
de aplicação de penas restritivas de direitos para alguns casos de tráfico de drogas (para
pequenos traficantes, em casos de tráfico eventual e não habitual).
As penas restritivas de direitos não se resumem a prestação de serviços à comunidade.
Podem ser diversas outras e até mesmo a multa (com a particularidade de que esta não
se converte em pena privativa de liberdade se for descumprida).
As penas restritivas de direitos podem ser de prestação pecuniária à vítima ou entidade
pública ou particular de fins sociais, perda de bens e valores, prestação de serviços à
comunidade ou às entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de
fim de semana.
A interdição temporária de direitos consiste na proibição do exercício de cargo, função
ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, proibição do exercício de profissão,
atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do
poder público, suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e proibição
de frequentar determinados lugares.
E a limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e
domingos, por 05 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento
adequado. Aqui, embora tecnicamente seja um modo de privação de liberdade, não tem
o mesmo grau impactante das penas de reclusão ou detenção.
5.2. As práticas de justiça restaurativa
Já está cientificamente comprovado que existem outras formas de pacificação social, sem
que seja necessário recorrer à pena clássica ou ao processo penal clássico. São práticas
muito pouco utilizadas no Brasil, ou melhor, quase nada usadas.
A escassa utilização de meios alternativos ocorre, principalmente, devido à cultura jurídica
nacional. Toda vez que ocorre um delito, a sociedade se vê abalada em algum grau. A
cultura jurídica nacional dominante não arreda pé da posição de que a paz social abalada
pela prática do delito somente pode ser alcançada através do processo penal clássico e da
pena executada em sua inteireza. Contudo, essa é uma visão míope.
A justiça restaurativa – que também teve sua utilidade cientificamente comprovada –
colabora para:
•	Redução do número de sentenças e custos nos tribunais;
•	Facilitação do acesso à justiça;
•	Aumento da qualidade da justiça; e
•	Pacificação social.
Os procedimentos da restorative justice partem do pressuposto conceitual de que o delito
é uma ofensa não somente contra o Estado, mas também contra a vítima individual,
concretamente prejudicada pelo ato criminoso. A satisfação em sentido amplo da vítima
ajudará a alcançar a paz jurídica afetada pela prática do delito. Não basta a reparação
do dano para o restabelecimento da paz jurídica. É preciso também que autor e vítima
neutralizem suas animosidades.
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 224
As situações em que as vítimas de crimes – principalmente de crimes patrimoniais e
crimes de menor gravidade – desejam encontrar-se com seus ofensores em presença de
um mediador treinado têm aumentado sensivelmente nos Estados Unidos desde 1970,
quando foram criados os primeiros programas de mediação vítima-delinquente. Hoje,
milhares de vítimas em quase 300 comunidades espalhadas por todos os Estados Unidos
utilizam-se dos referidos programas.
Em tais encontros não somente se tem conseguido com algum sucesso que os ofensores
saibamdequeformaocrimeafetouasvítimaserespondamaalgumasquestõesformuladas
pelas vítimas, mas também se tem conseguido desenvolver um plano de restituição, onde
o autor do fato assume responsabilidade na reparação dos danos causados à vítima. No
caso do autor do fato não cumprir o acordo de restituição, sofrerá consequências mais
gravosas no âmbito penal e processual penal.
Sendo um programa de diversion, se é obtido um acordo satisfatório não se inicia
o processo, ou este é encerrado caso já tenha sido iniciado. Se o autor do fato vier a
descumprir o acordo, o processo judicial retomará o seu curso normal.
Tudo impulsiona o autor do fato a assumir a responsabilidade pelo fato praticado, com
benefícios diversos à vítima, sem que recorra ao caro e moroso processo criminal. A
mediação vítima-delinquente é uma das expressões mais claras da restorative justice.
Para o sucesso de tais programas exige-se, contudo, que haja:
•	Voluntariedade de participação no procedimento conciliatório;
•	Garantia de sigilo sobre as negociações;
•	Intermediação feita por um terceiro imparcial;
•	Seleção dos casos passíveis de serem submetidos ao programa; e
•	Obrigatoriedade de cumprimento do acordo que vier a ser homologado.
Normalmente, o objeto do acordo obtido nos programas é uma soma em dinheiro.
Mas pode ser também uma prestação à vítima de caráter diverso ou uma prestação de
serviços à comunidade. Permite-se, até mesmo, que o acordo consista no mero pedido
de desculpas.
Pode ocorrer que a vítima não seja um sujeito individual, uma pessoa física determinada.
Assim, por exemplo, nos casos de tráfico de drogas não existe um indivíduo
especificamente afetado pelo crime, mas, sim, toda a comunidade. Mas, mesmo nesses
casos, a justiça restaurativa se aplica. O procedimento consiste no confronto do infrator
com as consequências de seu fato, seguindo-se a prestação de serviços à comunidade por
parte do traficante.
Veja-se, por exemplo, o caso de um indivíduo detido por tráfico de drogas, sendo
classificado como pequeno traficante e que realizou o tráfico de modo não habitual e
eventual. Em procedimento de justiça restaurativa, ele frequentará continuamente
instituições para tratamento e recuperação de adictos, verá as consequências da venda
e uso de drogas, seguindo-se da prestação de serviços à comunidade, preferencialmente
em tais instituições ou congêneres.
UNIDADE 1
25
Alguém duvidaria que em tais casos o recurso ao sistema de justiça formal seria
desnecessário? Que a aplicação de uma pena privativa de liberdade seria desnecessária
e contraproducente? A literatura registra casos de pessoas nessas condições que se
tornaram dirigentes de missões religiosas ou instituições dedicadas ao tratamento e
recuperação de drogados.
5.3. A reparação do dano antes do oferecimento da denúncia
OCódigoPenalbrasileiro,emseuArtigo16,dispõeque“noscrimescometidossemviolência
ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da
denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois
terços”.
Ou seja, mesmo reparando o dano, o agente é processado e condenado. Apenas se reduz
sua pena. Todavia, a sociedade já está madura o suficiente para reconhecer que em tais
casos é possível a extinção da punibilidade do infrator, impedindo-se o início do processo
penal. Isto é, o agente sequer é processado.
Não custa lembrar que, em crimes tributários, o pagamento do tributo pelo infrator,
mesmo já iniciado o processo (logo, durante o processo) ou ainda que este processo
esteja em grau de recurso (já havendo condenação em primeiro grau, portanto), extingue
a punibilidade do agente. Basta pagar o tributo, que o processo criminal se encerra.
Essa mesma lógica (qual seja, a reparação do dano em casos de delitos não violentos e
de modo voluntário, não necessariamente espontâneo) deve ser levada em conta pelo
legislador como prática alternativa ao processo penal e à pena clássica.
5.4. Os mecanismos de suspensão condicional do processo penal
Outra prática penal alternativa que é eficiente consiste em suspender o andamento do
processo penal já iniciado, por determinado período de tempo, durante o qual o réu fica
sujeito a determinadas condições. O período é chamado de período de prova. Caso as
condições sejam cumpridas até o final do período de prova, extingue-se a punibilidade do
acusado e, consequentemente, extingue-se também o processo. A suspensão condicional
do processo é também chamada de sursis processual.
As condições a serem estabelecidas durante o período de prova devem ser as mais aptas
possíveis para restabelecimento da paz social e, ao mesmo tempo, verificar a seriedade
do acusado em manter-se dentro da ordem jurídica.
No Brasil essa possibilidade existe. Todavia, da mesma forma que na pena restritiva de
direito, as hipóteses de suspensão condicional do processo já poderiam ser ampliadas.
Atualmente, o sursis processual está regrado pelo Artigo 89 da Lei nº 9.099/95. Lá está
disposto que nos crimes cuja pena mínima prevista for igual ou inferior a um ano, o
promotor de justiça poderá propor a suspensão do processo, pelo período de dois a quatro
anos, desde que o acusado não esteja sendo processado por outro delito ou não tenha
sido condenado por outro crime. Ademais, devem estar presentes os demais requisitos
que autorizariam a suspensão condicional da pena (sursis).
Éprecisoqueapropostasejaaceitapeloacusadoeseudefensornapresençadojuiz.Eeste,
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 226
ao receber a denúncia, suspende o andamento do processo pelo período estabelecido.
Durante este período, o acusado ficará submetido às seguintes condições, sob pena de
revogação do sursis processual e retomada do curso do processo:
•	Reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
•	Proibição de frequentar determinados lugares;
•	Proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; e
•	Comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades.
O juiz também poderá determinar outras condições desde que sejam adequadas ao fato
e à situação pessoal do acusado. Ao final do período de prova, sem revogação, o juiz
declarará extinta a punibilidade do acusado.
5.5. O abreviamento do tempo de pena privativa de liberdade
A lei penal prevê diversas hipóteses em que há o abreviamento do tempo de prisão
durante o cumprimento de pena. Assim, a pena pode ser reduzida através da remissão
pelo trabalho, pelo estudo, através do livramento condicional etc.
Contudo, as medidas de abreviação do tempo de pena privativa de liberdade não deve
ser monopólio da lei. Para isso existe um juiz presidindo o processo de execução penal.
Ele está presente na execução justamente para evitar as disfunções de ressocialização.
Faria sentido que o juiz da execução tivesse sua função limitada a ser mero repetidor das
disposições legais da execução? Não. As inusitadas e corriqueiras situações da execução
da pena de prisão exigem da criatividade humana do juiz que sejam encontradas soluções
que atendam ao ideal de ressocialização, sem denegrir a confiança na integridade do
sistema de justiça penal.
São inúmeras e imponderáveis as situações não previstas em lei que poderão exigir uma
decisão judicial de encurtamento da pena privativa de liberdade, abreviamento do tempo
de encarceramento, sua suspensão ou até mesmo sua extinção.
Assim, seria desarrazoado declarar extinta a pena privativa de liberdade de uma presa
condenada que sofreu aborto porque, durante a gestação, houve falta de exames pré-
natais de responsabilidade da administração penitenciária? Não teria ela sofrido uma pena
muitíssimo mais grave que aquela traçada no título penal condenatório? Certamente.
E quanto à suspensão da pena privativa de liberdade por motivo de hiperlotação do
estabelecimento penal? O correto não seria suspendê-la até que a administração
penitenciária ofertasse condições de cumprimento de pena em conformidade com a lei?
No direito italiano, por exemplo, existem dois tipos de suspensão da pena: obrigatório e
facultativo. Em ambos os casos, dentre as excepcionais razões que autorizam tal medida,
estão as questões graves de saúde do condenado. As hipóteses de suspensão obrigatória
são divididas em dois grupos: questões de maternidade e graves condições de saúde. As
situações que autorizam a suspensão obrigatória são três: pendência de pedido de graça;
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grave enfermidade física; e mãe com filhos de idade inferior a três anos.
Essas soluções não devem causar espanto. Está na consciência da sociedade que a prisão
a ninguém ressocializa, e que o sistema de justiça penal tem sua confiabilidade mais
comprometida com a ultradesconformidade da execução da pena de prisão que com sua
suspensão por motivos de iniquidade ou intensa disfunção da pena.
Nos casos em que o cumprimento da pena desde logo se apresente intoleravelmente
contraproducente ou desumano, deverá ser feita a substituição por formas não reclusivas
de seu cumprimento. Caberá ao julgador a espinhosa missão de encontrar uma forma
para que o condenado cumpra a pena em meio aberto, sem que a sociedade perca a
confiança na capacidade do sistema de justiça penal.
5.6. As medidas cautelares penais de natureza pessoal
Como já dissemos, a prisão de alguém pode ocorrer no curso do processo, ou mesmo
antes dele. São os casos de prisão preventiva e temporária. Vamos nos deter na prisão
preventiva, cuja duração é muitíssimo superior a da temporária. Enquanto a temporária
dura em regra de cinco a dez dias (em casos excepcionalíssimos, 60 dias), a preventiva
pode durar mais de um ano. E se já houver sentença condenatória pode chegar a dois
anos ou mais.
As prisões preventivas são decretadas sempre que necessárias para o resguardo da
ordem pública, da ordem econômica, da instrução criminal e da aplicação da lei penal.
São motivos cautelares, portanto.
Entretanto, a prisão preventiva não pode ser o único remédio para as situações que
exigem da justiça a aplicação de uma cautela sobre o indiciado ou réu. Tampouco deve
ser o principal. Antes, deve ser o último recurso de que o magistrado lança mão para
assegurar a instrução criminal. É o que determina expressamente o Artigo 282, Parágrafo
6º, do Código de Processo Penal.
Justamente por isso, o CPP prevê diversas alternativas à prisão preventiva, às quais o juiz
deve recorrer, somente aplicando a prisão preventiva caso nenhuma das alternativas seja
adequada e suficiente.
Essas alternativas são:
•	Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz,
para informar e justificar atividades.
•	Proibiçãodeacessooufrequênciaadeterminadoslugaresquando,porcircunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses
locais para evitar o risco de novas infrações.
•	Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante.
•	Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou
necessária para a investigação ou instrução.
•	Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 228
investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos.
•	Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou
financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações
penais.
•	Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência
ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável
(Art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração.
•	Fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos
do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou, em caso de resistência
injustificada, a ordem judicial.
•	Obrigação de comparecimento a todos os atos do processo.
•	Proibição de mudar de endereço.
A todas essas alternativas à prisão preventiva pode ser combinada monitoração eletrônica
como mecanismo de controle. Note-se, portanto, que a monitoração eletrônica em si
considerada não é uma alternativa penal, mas, sim, um mecanismo de controle destas
alternativas.
5.7. A transação penal
No ano de 1995 foi promulgada a Lei nº 9.099/95, que deu disciplina àquilo que a
Constituição Federal chamou de delitos de menor potencial ofensivo. Tais delitos possuem
menor lesividade social, menor impacto sobre a sociedade. Por isso, podem ser objeto de
transação. Trata-se de um acordo penal e por isso é chamada de transação penal.
Atualmente, estão definidos como delitos de menor potencial ofensivo os crimes cuja
pena máxima prevista é de dois anos de pena privativa de liberdade (cumulada ou não
com multa) e todas as contravenções, independentemente da pena máxima prevista.
Nesses casos, o promotor de justiça propõe a aplicação de uma pena não privativa de
liberdade ao autor do fato, que poderá aceitá-la ou não. A vantagem é que, caso seja
aceita, o processo penal não poderá iniciar-se.
Ademais, é uma pena especial, pois não induz em reincidência, não implica no
reconhecimento do fato pelo suposto autor, não constará nos bancos de dados da polícia
para fins de antecedentes e, em caso de descumprimento, não poderá ser convertida em
pena privativa de liberdade, tendo como consequência a retomada do curso do processo.
O representante do Ministério Público não poderá oferecer proposta de transação penal
caso o autor da infração houver sido condenado, pela prática de crime, à pena privativa
de liberdade por sentença definitiva; tenha sido beneficiado nos cinco anos antecedentes,
pela transação penal. Também deverá ser indicado os antecedentes, a conduta social
e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias necessárias e
suficientes para a adoção da medida.
A crítica que se faz é que já poderiam ter sido ampliadas, e muito, as hipóteses de transação
penal, alcançando crimes não violentos, cuja pena máxima prevista é maior que dois anos;
por exemplo, o furto.
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5.8. A suspensão condicional da pena
Afinal, vejamos a mais clássica forma de alternativa penal, que é a suspensão condicional
da pena, conhecida como sursis.
No sursis, o juiz aplica uma pena privativa de liberdade, através de sentença penal
condenatória. Todavia, a execução desta pena fica suspensa por um determinado período
chamado de período de prova. Ao final deste período, caso o condenado tenha cumprido
determinadas condições, a pena será considerada extinta, sem que o condenado fosse
recolhido à prisão.
No direito brasileiro a execução da pena privativa de liberdade, pode ser suspensa quando
não for superior a dois anos. O período de prova é de dois a quatro anos. São requisitos
para a concessão do sursis:
•	O condenado não ser reincidente em crime doloso.
•	A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício.
•	Não seja indicada ou cabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas
restritivas de direitos, conforme prevista no Artigo 44 do Código Penal.
A condenação anterior à pena de multa não impede a concessão do benefício.
Há também a previsão no direito brasileiro do sursis etário. Nessa hipótese, desde
que o condenado seja maior de setenta anos de idade ou razões de saúde justifiquem,
permite-se a suspensão da execução da pena privativa de liberdade de até quatro anos, a
qual poderá ser suspensa por quatro a seis anos.
No período de prova o condenado ficará sujeito às condições estabelecidas pelo Juiz. No
primeiroanodoprazo,deveráocondenadoprestarserviçosàcomunidadeousubmeter-se
à limitação de fim de semana.
Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as
circunstâncias do crime lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a
exigência acima pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente:
•	Proibição de frequentar determinados lugares.
•	Proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz.
•	Comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades.
O juiz poderá especificar outras condições, desde que adequadas ao fato e à situação
pessoal do condenado. O sursis não se aplica às penas restritivas de direitos nem às multas.
Há revogação obrigatória do sursis caso o condenado, no período de prova:
•	Seja condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso.
•	Frustre, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetue, sem motivo
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 230
justificado, a reparação do dano.
•	Descumpre a condição de prestação de serviços à comunidade ou de limitação de
fim se semana.
Ocorre revogação facultativa, isto é, a critério do juiz, se o condenado descumpre
qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou
por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.
Ao fim do período de prova, sem que tenha havido revogação, considera-se extinta a pena
privativa de liberdade.
ATIVIDADE DE FIXAÇÃO
1) Como você pode ver, não faltam práticas alternativas penais. São várias. Apesar
disso, as unidades prisionais continuam superlotadas e a ressocialização é precária.
Fale-nos por quais razões isso ocorre.
2) A Sra. “X” é esposa do preso “Y”, condenado a 10 anos de reclusão. Certa oca-
sião, “X” foi surpreendida tentando entrar numa unidade prisional, em dia de visita,
carregando drogas. Se vier a ser condenada por tráfico, o que geralmente ocorre,
sua pena provavelmente será de cinco anos de reclusão, em regime fechado. Seria
suficiente, como prática penal alternativa à prisão de “X” que o seu direito de visita,
bem como o de “Y” fossem suspensos durante dois ou três anos? Por quê?
Vá ao fórum da unidade e apresente suas reflexões.
6. ARQUITETURA PRISIONAL – A EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA PRISIONAL
Na Antiguidade, a prisão servia para aguardar o julgamento. Não existia, propriamente, a
noção de prisão como pena privativa de liberdade, salvo raras exceções. As penas eram, em
geral, cruéis ou de morte. Logo, a ideia de ressocialização não existia. Assim, os espaços
destinados ao aprisionamento não necessitavam de uma estrutura maior ou melhor que
uma cela, com pequena abertura para o lado externo, a qual permitisse a passagem de ar
e um pouco de luz.
A primeira arquitetura prisional pensada com cientificidade somente ocorreu no século
XVIII. Isso se deveu à importante figura de Jeremias Bentham (1748-1832), filósofo e
jurisconsulto inglês, que criou o utilitarismo. Bentham afirmava que o objetivo existencial
era alcançar “a maior felicidade possível para o maior número de pessoas”. Logo, este
era também o objetivo de toda legislação. A transposição dessa lição para a área penal
assumiu relevante aspecto, qual seja, o de que os presos deveriam cumprir a pena em
condições dignas e favoráveis à sua recuperação, o que também traria diversos benefícios
à sociedade.
Bentham preocupou-se com a arquitetura penitenciária. Afirmava que eram necessários
dois fatores para uma boa arquitetura prisional: a estrutura e o governo interior, isto é,
o regime. Estas duas ideias conjugadas produziram o modelo panóptico de prisão (1789),
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cujo projeto permite que um só vigilante possa observar todos os detentos sem que estes
saibam. Tratava-se de um modelo mais econômico que o das prisões da época, uma vez
que demandava menos empregados. O modelo panóptico também se aplica a outros
locais de detenção, como manicômios e locais de estudo ou trabalho com rigidez de
regras comportamentais; por exemplo, escolas, hospitais e fábricas.
Uma importante característica desse modelo é a existência de uma torre de observação
localizada no pátio central, capaz de permitir a observação de tudo. Os ambientes sujeitos
à vigilância situam-se em um edifício anelar, ao redor do posto de observação. Os locais
vigiados deste entorno são divididos em celas, cujo tamanho permita duas janelas, sendo
uma para a entrada de luz externa e outra voltada para a torre de vigilância, permitindo a
visualização do que se passa no seu interior. Bentham também previa o isolamento celular
dos presos.
A planta abaixo corresponde ao modelo panóptico clássico:
Fonte: FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1996. P. 32
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 232
A imagem a seguir apresenta um presídio modelo:
Fonte: Wikipedia: panopticon
Nessa mesma época ingressam na ciência penal os fins preventivos da pena. Desde então,
aqueles que pensaram seriamente sobre arquitetura prisional, não puderam ignorar o fim
útil da pena, o que deveria se refletir na arquitetura.
No decorrer dos anos, as técnicas de arquitetura prisional evoluíram significativamente.
Diversos modelos foram aplicados ao redor do mundo, cada qual atendendo às
peculiaridades do cumprimento de pena e da geografia. Até hoje, muitos aspectos do
modelo panóptico são utilizados.
6.1. A unidade prisional como estrutura complexa
Uma constante se faz presente em toda a arquitetura prisional desde mais de um século:
o estabelecimento penal é uma unidade estrutural complexa. Isso significa que um prédio
destinado a ser estabelecimento penal não é usado apenas para o encarceramento.
Ele serve também aos funcionários que lá trabalham, pois é o próprio ambiente de
trabalho destes profissionais. A mesma estrutura que serve para o cumprimento de pena
de detenção para uns, é o ambiente de trabalho para outros. Isso, por si só, já é uma
complexidade. O mesmo conceito se aplica a hospitais e manicômios, por exemplo.
A ambiência profissional exige instalações próprias para os profissionais, as quais
assegurem o exercício pleno da profissão. São necessários todos os espaços específicos
e indispensáveis para tal atividade, como banheiros (com chuveiros), vestiário, refeitório
etc. Também são necessários ambientes para as atividades administrativas, guarda de
materiais de escritório, armazenamento de materiais de limpeza, de armamentos etc.
Ainda, é preciso que existam espaços específicos para a prestação das assistências
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asseguradas pela LEP. Assim, exige-se que o estabelecimento penal esteja provido de
ambientes para serviços de assistência social, psicológica, jurídica, médica etc.
Mas a complexidade da estrutura prisional não se limita a dualidade detento-profissional.
Além dela, a unidade prisional deve estar aparelhada para receber os visitantes dos
presos. Isso implica na existência de sala de espera, local adequado para anotações e
controle típicos de portaria, ambiente para revistas pessoais etc. São espaços destinados
à instrumentalização dos contatos externos que a sociedade, familiares e amigos
estabelecem com a população prisional.
Desse modo, podemos resumir que existem três dimensões funcionais dentro de um
prédiodestinadoaoencarceramentodepessoas,ouditodeoutromodo:aestruturadeum
estabelecimento penal deve possuir ao menos três subsistemas internos. Um destinado
ao cumprimento de pena privativa de liberdade em condições de ressocialização.
Outro, que objetiva o adequado desempenho das profissões e respectivas funções que
atuam na unidade prisional. E um terceiro, relativo à viabilização dos fatores externos
de ressocialização (sejam estes fatores pessoas ou objetos) que devem penetrar no
estabelecimento penal.
Essaperspectivadaunidadeprisionalé,portanto,deordemfuncional. Econformeexposto,
é tridimensional. Certamente, existem outros aspectos que devem estar presentes numa
unidade prisional, mas que, bem observados, irão necessariamente se encaixar em um
dos três subsistemas funcionais acima referidos. Assim, por exemplo, se afirmarmos que
todo estabelecimento penal deve ter uma copa, este ambiente será respectivo à segunda
funcionalidade do prédio, isto é, o exercício adequado das atividades profissionais.
Alguns ambientes podem ser elegíveis ou não obrigatórios, dependendo da política
penitenciária adotada pela unidade prisional. É o caso, por exemplo, da cozinha para
preparo das refeições dos presos. A existência desta instalação dependerá da opção de
assistência material de alimentação dada ao preso, isto é, se haverá manuseio e preparo
de toda a alimentação na própria unidade, ou se ocorrerá fornecimento terceirizado de
alimentos.
A questão da segurança da unidade prisional é inerente à sua arquitetura. Não deve
permitir fugas. As soluções encontradas são as mais diversas, cada uma com as suas
vantagens e desvantagens.
Oqueumprofissionaldosistemaprecisatersempreemmenteéquenãoexistearquitetura
prisional a prova de fugas e/ou resgates. Existe, isso sim, estruturas que dificultam muito
estas ações. Todavia, não há unidade prisional 100% segura. Isso deve servir, também,
para que o profissional esteja sempre atento aos procedimentos de segurança, que devem
ser respeitados de modo inexorável.
Vocêconsegueperceber,agora,porqueamelhordenominaçãoparaumaunidadeprisional
é a de que se trata de uma estrutura complexa? Veja a quantidade de funcionalidades,
atividades e contatos que uma mesma unidade deve ter em funcionamento. São diversas
e nenhuma delas pode ser considerada simples.
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 234
6.2. A Resolução nº 09/2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
– CNPCP
Atualmente, no Brasil, existe normativa que regula de modo bastante detalhado como
devem ser erguidas as novas unidades prisionais. Trata-se de Resolução nº 09/2011 do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP.
A referida norma dispõe sobre orientações gerais para a construção, ampliação e
reforma de estabelecimentos penais em parceria com o governo federal, normas para
a apresentação de projetos de construção, ampliação e reforma de estabelecimentos
penais e para a celebração de convênios com a União, conceituação e classificação de
estabelecimentos penais, elaboração de projetos arquitetônicos e projetos específicos,
tipologia arquitetônica, programas para estabelecimentos penais, critérios gerais de
medição para a elaboração do orçamento, e conceituação dos projetos de arquitetura e
engenharia para estabelecimentos penais.
A atual normativa agregou novos e importantes elementos às normas arquitetônicas
anteriores (Resoluções de 1994 e 2005) e aperfeiçoou a forma de dimensionamento
usando o critério de proporcionalidade do uso. Além disso, inseriu novos conceitos como
acessibilidade, permeabilidade do solo, conforto bioclimático e impacto ambiental.
Também considerou recomendações de outros órgãos governamentais e ministérios, em
especial da saúde e da educação, bem como da sociedade que se manifestou por meio de
uma consulta pública.
A Resolução nº 09/2011 do CNPCP prevê as lotações máximas para as unidades prisionais,
isto é, o máximo de vagas que uma unidade prisional deve ter para que seja mantida sua
funcionalidade. Ficou assim estabelecido o número máximo de pessoas presas conforme
a unidade: penitenciária de segurança máxima – 300; penitenciária de segurança média
– 800; colônia agrícola, industrial ou similar – 1.000; casa do albergado ou similar – 120;
centro de observação criminológica – 300; cadeia pública – 800.
Ademais, ficou estabelecido que “em nenhuma hipótese um módulo de celas poderá
ultrapassar a capacidade de 200 pessoas presas”. Isso significa que aquilo que se
convencionou chamar de raio, pavilhão ou ala de celas não pode ter capacidade superior
a 200 pessoas presas.
Também estão previstas situações especiais. Consta na norma que “em todas as
penitenciárias e cadeias públicas que possuam celas coletivas, deverá ser previsto um
mínimo de celas individuais (2% da capacidade total), para o caso de necessidade de
separação da pessoa presa que apresente problemas de convívio com os demais por
período determinado (Portaria Ministério da Justiça/DEPEN nº 01, de 27.01.2004) e pelo
menos uma cela com instalação sanitária, por módulo, obedecendo aos parâmetros de
acessibilidade (NBR 9050/2004)”.
No tocante à localização, uma unidade prisional deve estar situada em local que
não restrinja a visitação. Isso ocorre porque a pessoa presa deve ser estimulada os
contatos não apenas com a família e amigos, mas também com a própria sociedade. Os
estabelecimentos penais também devem estar situados em locais funcionais, isto é, não
alijados do cotidiano, de maneira que estejam “asseguradas a presteza das comunicações
UNIDADE 1
35
e a conveniência socioeconômica”, isto é, que possam ser aproveitados os serviços
básicos e de comunicação existentes (meios de transportes, rede de distribuição de água,
de energia e serviço de esgoto etc.), bem como possam ser aproveitadas as reservas
disponíveis (hídricas, vegetais, minerais etc.) e as peculiaridades do entorno.
De maneira geral, os complexos ou estabelecimentos penais não devem situar-se em
zona central da cidade ou em bairro predominantemente residencial. Ao mesmo tempo,
os estabelecimentos penais “deverão estar localizados de modo a facilitar o acesso e a
apresentação das pessoas presas e processadas em juízo”.
A normativa em referência se preocupa com a disposição das muralhas e respectivos
recuos, vagas de estacionamento para servidores e autoridades, segurança contra
incêndios, conforto ambiental projetado conforme a zona bioclimática brasileira,
iluminação artificial, instalações sanitárias e elétricas, material para o revestimento de
paredes e pisos etc.
Ressalvadas as características e fins de cada estabelecimento penal, atualmente
está, portanto, estabelecido de modo detalhado como devem ser projetadas as
estruturas funcionais inerentes à nova arquitetura prisional, no tocante às instalações
administrativas, de almoxarifado, de atuação de estagiários, de serviços (alimentação,
lavanderia, manutenção – observando-se que podem ser terceirizados), de convivência,
de solário, de refeição, de visitas às pessoas, de visita íntima, de atendimento médico,
de atendimento odontológico, de atendimento psicológico, de atendimento do serviço
social, de atendimento jurídico, de comunicação reservada entre a pessoa presa e seu
advogado, de enfermaria, de alojamento para agentes ou monitores, de alojamento
para guarda externa, de berçário e/ou creche, além de instalações religiosas, educativas,
laborais e esportivas e de lazer.
São consideradas parte das instalações da administração, ainda que não localizados
no módulo específico, o alojamento e as demais dependências para profissionais que
pernoitam no estabelecimento. O alojamento dos agentes penitenciários situa-se junto à
entrada do estabelecimento ou do edifício. O alojamento dos vigilantes externos deverá
“estar situado de modo a impedir trânsito de seus componentes dentro do recinto do
estabelecimento, ou seu contato com as pessoas presas”.
A LEP não traz metragem mínima para celas coletivas. O Artigo 88 da referida lei limita-se
a dizer qual é a metragem mínima para celas individuais (6,00 m2). A explicação provável
para isso é o fato de que comissão que a redigiu, em 1984, era composta exclusivamente
por juristas. Havia um só membro não jurista, um religioso. A comissão de 1984 acabou
trabalhando apenas sobre uma planta baixa para celas.
A Resolução nº 09/2011, por sua vez, dispõe metragens mínimas para as celas coletivas:
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 236
Capacidade Tipo de cela Área mínima (m2
)
Cubagem mínima
(m3
)
01 celas individuais 6,00 15,00
02
celas coletivas
7,00 15,00
03 7,70 19,25
04 8,40 21,00
05 12,75 31,88
06 13,85 34,60
07 13,85 34,60
08 13,85 34,60
Quanto ao local destinado ao banho de sol, deve ser um pátio com diâmetro mínimo de
10,00m e com área de 6,00m2
, acrescidos de 1,50m2
por pessoa presa. O pátio de sol
poderá ser utilizado em forma de rodízio pelas diversas pessoas presas dos módulos.
VejaalgunsdosespaçosqueestánormatizadoeprevistonaResoluçãonº09/2011doCNPCP:
comando de guarda; guarita com instalação sanitária; sala de armas; copa; dormitório da
guarda (masculino e feminino); acesso único para a passarela localizado nos muros de
segurança de guaritas de proteção; dormitórios dos agentes penitenciários; vestiários; sala
de espera da portaria (externa e com bancos); sala de administração e controle; sanitários
paravisitantes(masculinoefeminino);saladepertences; depósitodemateriaisdelimpeza;
portaria de acesso e recepção; vestiário para presos com armários (no caso de presos que
realizam trabalho externo); salas de atendimento familiar; central de monitoramento e
apoio administrativo; sala para o diretor; sala de reuniões; instalação sanitária do diretor;
sala do secretário ou da recepção; sala para o vice-diretor; sala para o prontuário; sala
para apoio administrativo; sala administrativa da equipe técnica; almoxarifado central;
oficina de reparos e manutenção; eclusa para desembarque de veículos; sala da chefia dos
agentes; sala de identificação e biometria; sala de pertences pessoais das pessoas presas;
sala de recepção e espera; sala de acolhimento multiprofissional; sala de atendimento
clínico multiprofissional; consultório de atendimento ginecológico com sanitário; estoque;
dispensação de medicamentos e estoque; cela enfermaria; sanitário para pacientes;
solário para pacientes; consultório de atendimento odontológico; sala multiuso; sala de
procedimentos; laboratório de diagnóstico; sala de coleta de material para laboratório;
sala de raio x; cela de espera; consultório médico; sala de curativos, suturas e posto de
enfermagem; cela de observação; central de material esterilizado/expurgo; rouparia;
depósito de material de limpeza; sanitários para equipe de saúde; etc.
UNIDADE 1
37
ATIVIDADE DE FIXAÇÃO
Assista ao Vídeo “Arquitetura dos limites: APAC Contagem” e veja um modelo de
presídio que atende a alguns aspectos da Resolução nº 09/2011.
Leia a Resolução nº 09/2011 do CNPCP, responda o que você acha que poderia ser
melhorado. De que modo?
7. MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL
Após o advento da Revolução Industrial, a humanidade ingressou numa via de
desenvolvimento vertiginosa. Muitos estudiosos dizem que não estamos mais na era
moderna, mas, sim, na pós-modernidade ou na modernidade madura.
De todo modo, o que importa frisar é que na atualidade – e já faz algum tempo – a
sociedade é altamente heterogênea, os valores são constante e velozmente relativizados,
a contracultura é inexorável, o desenvolvimento e o conhecimento tecnológico são
objetivos eminentes e perenes, as fronteiras geográficas romperam-se, a lei de mercado
se sobrepõe às regras jurídicas, o clássico eixo tempo-espaço rompeu-se etc.
Nessa surpreendente sociedade pós-moderna, o dinheiro não é mais sinônimo de riqueza,
tampouco a posse de bens imóveis, carros luxuosos etc. Informação é riqueza. Mas não
um tipo qualquer de informação: a informação capaz de ser rapidamente transferida e
informação de boa qualidade, isto é, que encontra lastro na realidade.
Portanto, qualquer sistema que se pretenda moderno deve obedecer a essa lógica. O
sistema prisional não foge à regra.
A modernização do sistema prisional passa, necessariamente, pelo uso maciço da
Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC. Isso implica na informatização de todo o
sistema prisional e das instituições com as quais ele se relaciona. Isto é, é preciso também
a informatização dos demais sistemas relacionados ao prisional, como o de justiça penal,
segurança pública, Ministério Público, OAB, Secretarias de Estado etc.
A implementação das medidas necessárias para a completa informatização do sistema
prisional exige conhecimentos, procedimentos e tecnologia que não representam
novidade, tampouco são especiais obstáculos.
Isso não significa que não existiriam dificuldades. Estas existiriam, certamente. Por
exemplo, a migração de dados de outros sistemas eventualmente já existentes. Mas
mesmo isso não poderia ser seriamente considerado como óbice intransponível.
Não há desafio excessivamente desconhecido ou de difícil superação, pois a efetivação da
aplicaçãodeTICaosistemaprisionalbrasileirodemandarátarefascomunsàimplementação
de qualquer novo sistema de grande porte. Ou seja, um projeto trabalhoso, mas nada
difícil.
Os necessários contatos e trocas de informações entre os agentes e instituições que
participam da questão prisional exigem, obviamente, adequadas interfaces entre as
POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 238
instituições e órgãos que interagem entre si (varas de execuções penais, Secretarias de
Estado afins ao tema, todas as unidades prisionais, Ministério Público, Defensoria Pública,
cartórios criminais etc.).
Embora volumosos, os tipos de informações a serem trocados entre essas instituições
têm formato simples. Os agentes que atuam nos sistemas devem, basicamente, trocar
documentos, a fim de que o sistema seja alimentado com as manifestações pertinentes;
por exemplo: pedidos de benefícios, incidentes processuais, remoções, andamento
de processos criminais, inquéritos policiais, comportamento carcerário do detento,
informações sobre a conclusão de sindicâncias que apuram faltas de presos, exame
criminológico (quando exigido) etc.
Impressiona que o Brasil ainda não tenha um cadastro único de pessoas presas, com
seus respectivos históricos criminais e prisionais. A remoção de presos entre unidades
prisionais e o acesso ao histórico poderia ser feito por simples leitura biométrica. Bastaria
que o preso colocasse seu dedo no leitor para que se tenha acesso a uma enormidade de
funcionalidades aplicáveis ao seu encarceramento.
Note-se que até não muito tempo atrás não havia controle informatizado do número de
presos no Brasil, conforme sexo e situação processual.
SAIBA MAIS
O Infopen ainda é uma ferramenta relativamente recente. Nele você encontrará
dados ainda parciais, mas vale a pena conhecer. Visite a página http://www.infopen.
gov.br/ e faça pesquisas e conheça a ferramenta de informações!
Seria o adeus a morosidade que a troca de papéis e documentos provoca. Como
consequência da aplicação de TIC, o próprio processo de execução de penas seria todo
informatizado. Os benefícios para o sistema seriam expressivos, a começar pela redução
do número de rebeliões.
Como sabemos, com a forma física de tramitação de autos de execução penal, tudo
conspiraparaque,nadatadovencimentodobenefíciodosentenciado,inicie-sedemorado
processamento físico para a verificação dos requisitos necessários para a prestação
jurisdicional. Toda esta demora intrínseca ao formato clássico da tramitação dos autos de
execução gera tempo suficiente para o recluso revoltar-se ou insurgir-se contra o sistema
penitenciário.
Não é demais lembrar o que a experiência ensina. O que acontece quando estamos em
um estabelecimento prisional? O que mais se ouve dos presos? Como um coro, todos
afirmam que já têm direito a algum benefício e que estão ali mais tempo do que deveriam
estar. Uma vez que o acesso aos autos eletrônicos poderá ser feito fora das relações
clássicas de tempo-espaço, será possível ao recluso saber de sua situação processual
dentro do próprio estabelecimento em que cumpre pena. As rebeliões deixarão de ter,
como pretexto, a alegação de que “os benefícios dos presos estão atrasados”.
UNIDADE 1
39
Vejamos, agora, aquele que talvez seja o argumento mais forte. Fundamentalmente,
o crime organizado pelas facções criminosas – que atuam dentro e fora das unidades
prisionais – teria minada uma de suas bases de sustentação.
É voz unânime na doutrina e na experiência mundial que a criminogênese específica do
crime organizado é a ausência do Estado. Não é novidade: o crime organizado germina
onde o Estado é omisso ou dividido.
No Brasil, os líderes de facções presos se utilizam da falta de informações dos demais
detentos sobre suas respectivas situações processuais. Dito de outro modo: a
desinformação dos demais presos é fator de fragilização dos mesmos, a qual é usada
como alavanca pelos líderes de facção, que, por sua vez, utilizam argumentos de presença
e força para suprir o discurso de segurança ontológica (conhecimento no mundo) que o
Estado deveria dar ao condenado que, afinal, é seu custodiado.
Ora, a partir do instante que o detento comum tem no líder de facção o seu único
referencial de segurança e expectativas, a este dará obediência. Ao Estado, não.
A TIC aplicada maciçamente ao sistema prisional surge como poderosa ferramenta que
possibilita ao Estado se fazer efetivamente presente no cumprimento da pena em seus
aspectos principais previstos na LEP. A possibilidade de o preso ter conhecimento de sua
efetiva situação processual é aspecto fundamental para diminuir sua susceptibilidade aos
líderes das unidades prisionais.
Do ponto de vista econômico, a redução do tempo para apreciação de benefícios
provocaria sensível diminuição de gastos para o Estado, posto que o sentenciado deixaria
o cárcere meses antes do que isso normalmente ocorreria. Pesquisas recentes informam
que a economia anual seria da ordem de bilhões de reais.
A certificação digital será necessária. Aconselha-se a criação de uma Secretaria de
Fiscalização da TI para o sistema. Não custa lembrar que a atual movimentação física
de papéis é mais susceptível a fraudes e falsificações, como nos revela a experiência.
O passado recente registra a falsificação de assinaturas de magistrados em alvarás de
soltura de presos.
AcriaçãoeimplementaçãodeTICaosistematambémexige,comopontofundamentalpara
o sucesso, uma equipe de trabalho de caráter multidisciplinar, formada por profissionais
técnicos, administradores e representantes de todas as instituições que operam no ou
junto ao sistema prisional.
PARA REFLETIR
Afinal, adotamos o uso da tecnologia para o ensino a distância, a fim de prover
mais amplo alcance de cursos de formação e reciclagem de profissionais do sistema
penitenciário. Em que outros aspectos mais a aplicação de TIC ao sistema prisional
trariam benefícios?
UNIDADE
2 ASSISTÊNCIA E GÊNERO
NO SISTEMA PRISIONAL
UNIDADE 2
41
UNIDADE 2 – ASSISTÊNCIA E GÊNERO NO SISTEMA
PRISIONAL
A prisão é um espaço de angústia e paixões. É também uma instituição totalizante e
despersonalizadora. Aqueles que estão dentro de uma unidade prisional tendem a ceder
parte de sua individualidade para o todo. Costuma-se dizer que há perda da personalidade
do detento ou de parte dela.
Isso ocorre porque a convivência forçosa num mesmo ambiente com diversas pessoas,
diferentes entre si e cada qual com sua individualidade será conflituosa caso todos não
abram mão de certos comportamentos. Isso significa que os presos precisam abrir mão de
parcela de sua individualidade, em maior ou menor grau, a fim de que o convívio dentro
da prisão seja menos violento.
FIQUE ATENTO
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
Na tentativa de organizar a discussão, esta Unidade está dividida em seis itens:
1. O gênero no sistema prisional
2. O gênero feminino
3. O gênero conforme a opção afetiva
4. Separação etária
5. Separação conforme a situação jurídica
6. Separação conforme a natureza do crime
OBJETIVOS
Esperamos que você, ao final do estudo desta Unidade, seja capaz de:
•	Identificar a questão do gênero no sistema.
•	Compreender as relações entre gênero, natureza do crime e condições da
pessoa presa
Para o desenvolvimento desse curso faremos uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem
Moodle – AVA – e suas ferramentas de interação, as quais nos permitem momentos de
interação síncrono e assíncrono. Por meio do AVA, compartilharemos nossas dúvidas,
saberes, expectativas referentes à questão dos direitos humanos e da diversidade social.
Além disso, serão disponibilizados no AVA outros referenciais teóricos que abordam
essa temática. Por fim, ao final da Unidade será solicitado a você que realize atividades
avaliativas nesse ambiente.
42 POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 2
AGENDA
A agenda é um instrumento importante para você planejar melhor sua participação em
nosso curso, pois apresenta a sequência de atividades previstas para a Unidade. Marque
com um “X” as datas em que pretende realizar as atividades descritas, bem como as
atividades já concluídas.
Período Atividade Seg Ter Qua Qui Sex
Concluída
Semana
De ___/___
a ___/___
1 Leitura da Unidade 2 do Guia de Estudos.
2
Visualização da videoaula “Gênero no
Sistema Prisional”		
3
Visualização de Vídeo “Ala GLBT em
presídio da Paraíba é destaque em matéria
do jornalista Fernando Gabeira da Globo
News”.
Disponivel em: https://www.youtube.com/
watch?v=d1R-v4JWQaE
4
Leitura dos Textos Complementares 2 e
3 	
5 Atividade de Reflexão no Guia
6 Atividade Avaliativa no AVA
Procure se organizar para concluir estas atividades em duas semanas, conforme
cronograma de atividades. Sugerimos uma dedicação diária de 45 (quarenta e cinco)
minutos durante os dias úteis.
1. O GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL
O perfil da personalidade da pessoa presa em geral é o de um indivíduo que dificilmente
cede. Logo, o convívio entre pessoas presas gerará violência, conflitos e violações.
Uma medida que tende a diminuir a violência e a alienação pessoal de si mesmo _ isto
é, que ajuda a diminuir os conflitos e a perda de individualidade – é o agrupamento de
pessoas presas com características semelhantes ou comuns. Estas características podem
ser físicas, étnicas, psicológicas, sexuais, etárias etc.
As pessoas com as mesmas características formam grupos que podem representar um
gênero. A expressão gênero é vaga. Ademais, é uma noção tridimensional, pois emerge
do conceito de gênero, das relações de gênero e do sistema de gênero. Trata-se de um
conceito nada simples.
Não vamos ingressar na tormentosa questão do que significa gênero. Interessa a nós,
aqui, sublinhar que o gênero representa a forma e o modo de ser de algo. A transposição
dessa ideia para o meio carcerário ensina que os grupos de detentos devem ser separados
conforme suas características comuns, pois isso assegurará maior ressocialização, graças
UNIDADE 2
43
à menor violência interna e menor perda da individualidade de cada pessoa presa.
Certamente, trará maior segurança à unidade prisional e um ambiente de trabalho menos
tenso.
Costuma-se identificar a questão de gênero no sistema prisional com a problemática
sexista, isto é, relacioná-la à problemática do encarceramento feminino. Embora a
prisionalização de mulheres seja um grave e grande problema do sistema prisional, é
apenas um dos problemas de gênero. Outros existem.
Vejamos, assim, primeiramente a questão de gênero feminina e, a seguir, outras.
2. O GÊNERO FEMININO
A Constituição Federal, já em seu Artigo 5º, positiva garantias em favor da presa. Consta
no inciso XLVIII que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com
a natureza do delito, a idade e o sexo da pessoa presa”. As garantias inscritas no Artigo 5º
da Constituição Federal revelam também a relevância do tratamento de gênero adequado
no sistema prisional, que assumiu nível e dignidade constitucional.
O aumento da prisionalização de mulheres é desproporcionalmente maior em relação
a dos homens. O motivo é, principalmente, a prática de tráfico de drogas por mulheres.
As pesquisas são unânimes ao concluir que os motivos que tem levado ao aumento da
criminalidade entre mulheres é a pobreza.
O tratamento penal que é dado a uma pessoa do sexo feminino não pode ser igual a uma
pessoa do sexo masculino. Em todos os aspectos deve ser adequado ao gênero feminino.
Assim, os profissionais da unidade prisional devem ser, em sua grande maioria, do sexo
feminino. Os homens eventualmente trabalhando em uma unidade prisional feminina
deverão estar lotados em atividades que exijam menor contato com as detentas. O ideal
é que todos os profissionais que trabalham diretamente no trato penitenciário sejam
femininos.
Em tema de atenção à saúde não basta um médico clínico geral atuando numa unidade
prisional feminina. É preciso, também, um ginecologista. E exames de rotina específicos,
como mamografia e papanicolau, devem ser realizados periódica e continuamente.
Questões como visita íntima e preservação dos laços de família são especialmente
importantes durante o aprisionamento feminino. Não podem ser esquecidos os papéis
importantes e de referência que uma mãe ou dona de casa exercem na dinâmica familiar.
O Artigo 5º, inciso L da Constituição Federal consigna que “às presidiárias serão
asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período
de amamentação”. Logo, deve haver espaço apropriado para que as mães presas possam
estar com os filhos até os seis meses de vida.
É de especial relevância a necessidade de educação, profissionalização e trabalho
dispensados à população carcerária feminina. Tais tratamentos aumentarão a
probabilidade de emprego para as egressas, reduzirão os níveis de reincidência e
melhorarão a sociabilidade. O trabalho realizado já dentro da unidade prisional permitirá
ganhos financeiros e remição.
44 POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 2
As atividades de educação, profissionalização e trabalho tem o poder de, principalmente,
conferir maior independência à egressa, a fim de que consiga livrar-se da dependência ou
submissão ao gênero masculino.
Podemos resumir o tratamento penal para o gênero feminino com a conclusão de que se
trata de processo diferenciado, com especial atenção à saúde, à manutenção dos laços de
família e ao asseguramento de meios que possibilitem à egressa alcançar independência.
3. O GÊNERO CONFORME A OPÇÃO AFETIVA
Ainda em tema de questões de gênero de ordem sexista, outro aspecto importante está
no aprisionamento de pessoas com opções sexuais quantitativamente minoritárias, que
designaremos por GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transexuais). Trata-se de grupo que
frequentemente é vitimizado quando inseridos nas celas com presos de gênero masculino
ou feminino. Por isso, é preciso que a população GLBT tenha o seu encarceramento
realizado em ala ou celas separadas das demais.
Mas não é só. O tratamento respectivo também deve ser adequado à opção afetiva desses
indivíduos. Caso uma dessas pessoas seja inserida em cela comum, isto é, juntamente
com os demais encarcerados de opões heterossexuais, surge alta probabilidade de que
sejam praticados crimes sexuais contra os primeiros, além de tumultos e violências de
toda ordem.
Não se esqueça de que a dominação sexista entre os seres humanos é tão antiga quanto a
história do homem. Especialmente no ambiente carcerário, qualquer forma de dominação
entre detentos deve ser evitada, a fim de se assegurar melhor convivência, maiores
condições de ressocialização e menor violência.
Atualmente, existe norma que regulamenta o tratamento que deve ser dado à comunidade
LGBTnasprisões.Trata-sedeResoluçãoconjuntanº01,de15deabrilde2014,doConselho
Nacional de Combate à Discriminação – CNCD/LGBT – e pelo Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária – CNPCP. A referida norma assegura, entre outros direitos, que
os presos de opção LGBT tenham “oferecidos espaços de vivência específicos” para a
garantia das suas integridades físicas e psicológicas, sendo que a transferência da pessoa
presa para o espaço de vivência apropriado fica condicionada à expressa manifestação de
vontade do interessado.
Também as pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para
as unidades prisionais femininas. O Estado deverá assegurar às mulheres transexuais
tratamento igual ao das demais mulheres em privação de liberdade.
Ainda conforme a Resolução, a pessoa travestis ou transexual em privação de liberdade
tem direito de ser chamada pelo seu nome social, de acordo com a sua identidade de
gênero.
UNIDADE 2
45
16ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, Brasil, 2012. Fonte: www.wikipedia.org.br.
4. SEPARAÇÃO ETÁRIA
A Constituição Federal de 1988, a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Lei de
Execução Penal determinam que os presos sejam separados conforme: o sexo; a idade; a
situação jurídica (definitivos e provisórios); e a natureza do delito.
Da primeira (separação conforme o sexo) já tratamos. As demais separações obrigatórias
são, também, ditadas em razão do gênero. Como já dissemos acima: a questão de gênero
em tema prisional é mais conhecida como aquela respectiva ao encarceramento feminino.
Todavia, existem outras muito importantes. Vejamos.
A separação dos presos conforme a idade é obrigatória e está prevista na Constituição
Federal em seu Artigo 5º, inciso XLVIII, acima citado. A razão de ser deste dispositivo está
na tendência natural que o ser humano tem para agrupar-se em razão da faixa etária.
É da natureza do homem formar grupos de pessoas cujas idades dos integrantes sejam
mais próximas entre si. Estes grupamentos convivem de modo mais pacífico e ao mesmo
tempo constituem um meio no qual as individualidades são mais preservadas, pois entre
os seus membros as preferências costumam ser semelhantes, assim como as abjeções, os
costumes, os valores etc.
Ademais, grupos mais jovens, fortes e impulsivos, serão mais violentos e tentarão dominar
os demais pela força, enquanto grupos de idade mais avançada tentarão subjugar os
demais grupos usando a força da argumentação, isto é, a experiência de vida. Uma vez
que deve ser evitada toda forma de dominação entre detentos em uma unidade prisional,
a separação dos detentos conforme a idade é medida fundamental.
46 POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 2
Recomenda-se que sejam separados os grupos conforme a faixa etária que vai dos 18 aos
21 anos; dos 22 aos 30 anos; dos 31 aos 40 anos; dos 41 aos 55 anos; dos 55 aos 69 anos;
e dos 70 anos em diante.
Essa é uma recomendação conforme fases de maturidade psicológica e capacidade de
interações e contatos sociais. Veja bem, é uma recomendação e nada impede que outros
modelos sejam adotados, desde que preservem as semelhanças comportamentais dos
grupos etários. Por exemplo, existem classificações de apenas três níveis: dos 18 aos 21
anos; dos 22 anos aos 69 anos; e dos 70 anos em diante.
Nota-se que, no caso da separação obrigatória da mulher e do preso maior de 70 anos,
a LEP dá providência específica: “Artigo 82, § 1° – A mulher e o maior de sessenta anos,
separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição
pessoal”.
5. SEPARAÇÃO CONFORME A SITUAÇÃO JURÍDICA
A separação conforme a situação jurídica (presos provisórios e presos definitivos) decorre
da Lei de Execução Penal (Artigo 84) e, antes dela, da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Artigo 5º, nº 4).
A razão desta separação reside no fato de que o preso provisório é um inocente, isto é, é
uma pessoa que está respondendo a um processo criminal no qual sofre uma acusação e
onde está se defendendo. Logo, não é uma pessoa condenada e pode ser que não o seja,
isto é, pode ser que venha a ser absolvida no julgamento ao fim do processo.
A separação entre tais pessoas presas não deve ser apenas física. O tratamento penal
também deve ser diferenciado. O indivíduo em relação a quem se tem a certeza de ter
praticado um delito deve receber um tratamento de ressocialização que objetive sua
melhoria pessoal em relação ao injusto praticado.
Diversamente, o indivíduo que aguarda julgamento não pode ser apontado como alguém
que praticou um delito. Logo, o respectivo trato deve objetivar uma ressocialização
voltada à política de redução de danos. Uma vez que toda forma de encarceramento
provoca algum grau de dessocialização, o preso provisório tem que ser alvo de ações que
impeçam sua dessocialização ou que somente a permitam no menor grau.
Enquantoopresodefinitivotemquesertratadocomodelinquenteautordeatoinfracional,
o preso provisório tem que ser tratado como inocente. Isso é um desafio para todos que
atuam junto ao sistema prisional. Não deve ser permitida convivência intracarcerária entre
pessoas que comprovadamente praticaram delitos e pessoas que não foram condenadas
e devem ser tratadas do modo respectivo. Isso exige especial esforço do gestor e dos
profissionais do sistema prisional.
O contato entre ambos os grupos significa a mistura indevida de gêneros, com todas as
mazelas que este tipo de contato gera, conforme acima exposto: dominação, violência,
prejuízos de ressocialização etc.
6. SEPARAÇÃO CONFORME A NATUREZA DO CRIME
Afinal, o último aspecto da questão de gênero que trataremos diz respeito à natureza do
crime praticado. Os presos devem ser separados conforme a natureza do delito praticado.
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  • 1. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL VOLUME 1
  • 2.
  • 3. CLÁUDIO DO PRADO AMARAL CAED - UFMG Belo Horizonte, MG 2014 POLÍTICAS PUBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL VOLUME 1
  • 4. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Presidenta da República Federativa do Brasil Dilma Vana Rousseff MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Ministro de Estado da Justiça José Eduardo Cardozo DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional Augusto Eduardo de Souza Rossini DIRETORIA DE POLÍTICAS PENITENCIÁRIAS Diretor de Políticas Penitenciárias Luiz Fabrício Vieira Neto ESCOLA NACIONAL DE SERVIÇOS PENAIS Diretora da Escola Nacional de Serviços Penais Mara Fregapani Barreto UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor Prof. Jaime Arturo Ramirez Vice-Reitoria Profª. Sandra Regina Goulart Almeida Pró Reitor de Graduação Prof. Ricardo Hiroshi Caldeira Takahashi Pró Reitor Adjunto de Graduação Prof. Walmir Matos Caminhas Pró-Reitora de Extensão Profª. Benigna Maria de Oliveira Pró-Reitora Adjunta de Extensão Profª. Cláudia Andrea Mayorga Borges EQUIPE CASSP / UFMG Coordenação geral Prof. Fernando Selmar Rocha Fidalgo Coordenação pedagógica Prof. Eucidio Pimenta Arruda Coordenação tecnológica Prof. Wagner José Corradi Barbosa Coordenação de produção audiovisual Prof. Evandro José Lemos da Cunha Coordenação administrativa Thatiana Marques dos Santos CENTRO DE APOIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretor de Educação a Distância Prof. Wagner José Corradi Barbosa Coordenador da Univesidade Aberta do Brasil - UAB/UFMG Prof. Eucídio Pimenta Arruda EDITORA CAED-UFMG Editor Prof. Fernando Selmar Rocha Fidalgo Produção Editorial Marcos Vinícius Tarquinio Autoria Cláudio do Prado Amaral Colaboração Eucídio Arruda Gisela Colaço Geraldi Patrícia Sommer Sara Coutinho Design Educacional Durcelina Ereni Pimenta Arruda Revisão de Texto Jussara Frizzera Projeto Gráfico Departamento de Design/Caed Formatação Pedro Peixoto CONSELHO EDITORIAL Prof. André Márcio Picanço Favacho Profª Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben Prof. Dan Avritzer Profª Eliane Novato Silva Prof. Eucídio Pimenta Arruda Prof. Hormindo Pereira de Souza Profª Paulina Maria Maia Barbosa Profª Simone de Fátima Barbosa Tófani Profª Vilma Lúcia Macagnan Carvalho Prof. Vito Modesto de Bellis Prof. Wagner José Corradi Barbosa
  • 5. NOTA DO EDITOR A Universidade Federal de Minas Gerais atua em diversos projetos de Educação a Distância que incluem atividades de ensino, pesquisa e extensão. Dentre elas, destacam-se as ações vincula- das ao Centro de Apoio à Educação a Distância – CAED –, que iniciou suas atividades em 2003, credenciando a UFMG junto ao Ministério da Educação para a oferta de cursos a distância. O CAED-UFMG, Unidade Administrativa da Pró-Reitoria de Graduação, tem por objetivo admi- nistrar, coordenar e assessorar o desenvolvimento de cursos de graduação, de pós-graduação e de extensão na modalidade a distância, desenvolver estudos e pesquisas sobre educação a distância, promover a articulação da UFMG com os polos de apoio presencial, como também produzir e editar livros acadêmicos e/ou didáticos, impressos e digitais, bem como a produção de outros materiais pedagógicos sobre Educação a Distância - EAD. A Editora CAED-UFMG tem a honra de publicar esta obra que foi demandada pela Escola de Serviços Penais do DEPEN-MJ que será utilizada para a Capacitação de Servidores do Sistema Prisional. Esperamos que todos possam aproveitar bastante o que, neste momento, tornamos disponível para sua leitura, comentários e sugestões. Fernando Selmar Rocha Fidalgo Editor
  • 6. SOBRE OS AUTORES CLÁUDIO DO PRADO AMARAL Professor associado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto-USP. Coordenador do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP. Pesquisador e membro da equipe ins- titucional do Observatório Nacional do Sistema Prisional - Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça/UFMG. Graduado em direito pela USP, especialista em direito penal pela USP, mestre em direito penal pela USP, doutor em direito penal pela USP e Livre Docente em direito processual penal pela USP. Juiz de direito desde janeiro de 1991. Juiz corregedor da policia judiciária e Juiz corregedor dos Presídios de Piracicaba-SP de março/1995 a novembro/2003. Juiz corregedor dos Presídios de São Paulo-SP e dos Presídios de Segurança Máxima do Estado deSãoPaulodeabril/2007amarço/2009.Juizda2ªCâmara Criminal Extraordinária – “D”, do Tribunal de Justiça de São Paulo de fevereiro de 2008 a agosto de 2009.
  • 7. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas ACUDA – Associação Cultural de Desenvolvimento do Apenado e Egresso ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental CAHMP – Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa CF – Constituição Federal CIMI – Conselho Indigenista Missionário CNCD/LGBT – Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNJ – Conselho Nacional de Justiça CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CREAS – Centros de Referência Especializados de Assistência Social DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional DST – Doenças Sexualmente Transmitidas FUNAI – Fundação Nacional do Índio HIV/AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística InfoPen – Sistema de Informações Penitenciárias LEP – Lei de Execução Penal LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros LGBTTT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais, Travestis e Transgêneros NBR – Normas Brasileiras de Normatização OEA – Organização dos Estados Americanos OIT – Organização Internacional do Trabalho OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PNAISP – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Privada de Liberdade no Sistema Prisional PNAMPE – Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional PNGATI – Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas RAPS – Rede de Atenção Psicossocial SIC – Serviço de Informação ao Cidadão SPI – Serviço de Proteção aos Índios SUS – Sistema Único de Saúde USP – Universidade de São Paulo
  • 8.
  • 9. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 10 UNIDADE 1 – POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL 13 1. Política: fins e sistema 16 2. Política criminal e política penitenciária 16 3. Sujeitos da política penitenciária 18 4. Finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade 19 5. Práticas de alternativas penais 22 6. Arquitetura prisional – a evolução da arquitetura prisional 30 7. Modernização do sistema prisional 37 UNIDADE 2 – ASSISTÊNCIA E GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL 41 1. O gênero no sistema prisional 42 2. O gênero feminino 43 3. O gênero conforme a opção afetiva 44 4. Separação etária 45 5. Separação conforme a situação jurídica 46 6. Separação conforme a natureza do crime 46 UNIDADE 3 – A EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL 49 1. Educação e qualificação profissional de pessoas presas 50 2. Formação e qualificação profissional de servidores do sistema prisional 59 UNIDADE 4 – SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA 67 1. Saúde no contexto carcerário 68 2. Qualidade de vida do servidor penitenciário 72 REFERÊNCIAS 81
  • 10. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 210 APRESENTAÇÃO Olá, seja bem-vindo ao curso Políticas Públicas no Sistema Prisional! Saiba que políticas públicas são conjuntos de ações e programas realizados, desenvolvidos e mantidos direta ou indiretamente pelo Estado, com a participação de entes públicos ou pri- vados; é assegurar um ou alguns direitos de cidadania, de forma ampla ou especificamente direcionada, para determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico. Nesse sentido, a realização deste curso tem o intuito de apresentar e provocar uma ampla discussão a respeito das políticas públicas no sistema prisional. OBJETIVOS Ao final deste curso, espera-se que você seja capaz de: • Reconhecer a organização das políticas públicas no sistema prisional. • Identificar os sujeitos da política penitenciária. • Compreender as finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade. • Compreender a organização do sistema prisional. • Identificar a questão do gênero no sistema prisional. • Considerar a educação e qualificação profissional de pessoas presas. • Recomendaraformaçãoequalificaçãoprofissionaldeservidoresdosistemaprisional. • Analisar a saúde no contexto carcerário. • Discutir a situação da saúde dos envolvidos no sistema prisional. O material didático do curso Políticas Públicas no Sistema Prisional está estruturado em cinco Unidades, de modo a possibilitar a você oportunidade de debater e construir embasa- mento teórico e prático a respeito das políticas públicas no sistema prisional. Unidade 1 – A Política Pública no Sistema Prisional – consiste em apresentar o conceito de política, seus fins e sistema; a política criminal e a política penitenciária; os sujeitos da polí- tica penitenciária e as finalidades do sistema e da pena privativa de liberdade; A evolução da arquitetura prisional desde o início até os dias de hoje, bem como a unidade prisional como estrutura complexa; e a Resolução nº 09/2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP – que regulamenta como devem ser erguidas as novas unidades prisionais. Unidade 2 – A Questão do Gênero no Sistema Prisional – é apresentada nesta unidade o Artigo 5º da Constituição Federal, o qual versa sobre as garantias em favor da presa de maneira mais digna: “A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo da pessoa presa”. O tratamento penal que é dado a
  • 11. UNIDADE 1 11 uma pessoa do sexo feminino não pode ser igual a uma pessoa do sexo masculino. Em todos os aspectos deve ser adequado ao gênero feminino. Também será debatido o aumento da prisionalização de mulheres, hoje desproporcionalmente maior em relação o dos homens. Unidade 3 – A Educação no Sistema Prisional – assim como em qualquer outro ambiente, surge com o objetivo de ofertar os processos educativos promotores da vida humana, que são elementares para o desenvolvimento político e econômico e para o alcance da demo- cracia e da igualdade social. Constitui-se ainda em importante recurso para a ressocialização de pessoas em privação de liberdade, da mesma forma que o trabalho. O exercício de qual- quer profissão requer, ao menos, o aprendizado fundamental e o aprendizado profissionali- zante. Essa exigência pode aumentar conforme o grau de especialização da profissão, isto é, conforme suas particularidades. Por isso, em muitos casos, exige-se a educação formal em nível médio, em outros tantos o ensino técnico e, afinal, para muitas profissões exige-se o ensino superior. Unidade 4 – Saúde e Qualidade de Vida no Sistema Prisional – quatro fatores se asso- ciam e afetam a saúde do servidor: precárias condições de trabalho; insuficiência do qua- dro funcional; turno de 24 horas de trabalho por 72 de descanso; e baixo reconhecimento social do valor do trabalho do servidor. Com isso, o prazer de trabalhar diminui e a tensão laboral aumenta. A sensação de bem-estar no trabalho é baixa e não raro a sensação é de sofrimento. Em razão disso, as enfermidades psicológicas afetam expressiva porção dos servidores do sistema. Por vezes, o grau de infelicidade é tão grande que leva ao suicídio. Concentramos, portanto, nossas observações nesse tema: a questão da saúde psicológica do servidor. Os quatro elementos acima contribuem para a depressão, a angústia ou a ansie- dade do preso. Por fim, ao longo de todas as Unidades, você será solicitado a desenvolver atividades no Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA. O desenvolvimento destas atividades é impor- tante, porque permite a você refletir a respeito dos temas tratados. Além disso, elas são avaliativas: fique atento para não perder os prazos de realização de cada atividade no AVA. TEMPO DE DEDICAÇÃO AO CURSO O curso Políticas Públicas no Sistema Prisional, com carga horária prevista de 60 (sessenta) horas, exige de você 01 (uma) hora por dia de dedicação durante 08 (oito) semanas. AVALIAÇÃO E APROVAÇÃO As atividades avaliativas serão realizadas ao longo de todo o curso. Elas serão divididas em questões abertas, fechadas e de interação, totalizando 100 (cem) pontos. A pontuação mínima para aprovação é de 60 (sessenta) pontos. Bom estudo! O autor
  • 13. UNIDADE 1 13 UNIDADE 1 – POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL As políticas públicas correspondem a um direito que está positivado e assegurado na Constituição Federal. O conteúdo da nossa Constituição Federal (CF/1988), assim como em inúmeros outros países, é o produto de conquistas históricas do homem. São conquistas que asseguram ao ser humano ou a um grupo de pessoas contra a ingerência do Estado. A origem remota dessas conquistas está na primeira democracia de que se tem notícia: a democracia ateniense, que é a matriz da democracia moderna. Muitos saberes da Antiguidade também serviram de matriz ou protótipo daquilo que viriam a ser direitos fundamentais. Um expressivo marco dos direitos fundamentais é o princípio da legalidade, cuja origem é apontada com a promulgação da Magna Carta, de João Sem Terra, no ano de 1215, na Inglaterra. Pela primeira vez firmou-se um documento em que o Estado era obrigado a reconhecer direitos em favor de seus governados. FIQUE ATENTO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO Na tentativa de organizar a discussão, esta Unidade está dividida em cinco itens: 1. Política: fins e sistema 2. Política criminal e política penitenciária 3. Sujeitos da política penitenciária 4. Finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade 5. Práticas de alternativas penais 6. Arquitetura prisional – a evolução da arquitetura prisional 7. Modernização do sistema prisional OBJETIVOS Esperamos que você, ao final do estudo desta Unidade, seja capaz de: • Reconhecer a organização das políticas públicas no sistema prisional. • Identificar os sujeitos da política penitenciária. • Compreender as finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade. • Compreender a organização do sistema prisional.
  • 14. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 214 São exemplos de políticas públicas a educação, a saúde e a habitação, todos reconhecidos na Constituição Federal. Existem, hoje, muitos direitos novos inseridos nas constituições das nações ao redor do mundo. Os juristas costumam classificar estes novos direitos conforme seu surgimento em gerações. Estamos na quarta geração de direitos fundamentais e é aqui que encontramos uma série de novas garantias de todo e cada cidadão contra o Estado, as quais devem ser efetivadas através das políticas públicas. Não estamos nos referindo à política no sentido de “politicagem”, que é uma prática antiética e desviada do bem público, pouco preocupada com o bem-estar da sociedade. Tratamos, aqui, da política no seu sentido original, que deriva da antiga polis grega, onde o trato da coisa pública era uma atividade muito ética e respeitosa. Para o desenvolvimento deste curso faremos uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle – AVA – e suas ferramentas de interação, as quais nos permitem momentos de interação síncrono e assíncrono. Por meio do AVA, compartilharemos nossas dúvidas, saberes, expectativas referentes à questão dos direitos humanos e da diversidade social. Além disso, estarão disponibilizados no AVA outros referenciais teóricos que abordam esta temática. Por fim, ao final da Unidade será solicitado a você que realize atividades avaliativas neste ambiente.
  • 15. UNIDADE 1 15 AGENDA A agenda é um instrumento importante para você planejar melhor sua participação em nosso curso, pois apresenta a sequência de atividades previstas para a Unidade. Marque com um “X” as datas em que pretende realizar as atividades descritas, bem como as atividades já concluídas. Período Atividade Seg Ter Qua Qui Sex Concluída Semana De ___/___ a ___/___ 1 Leitura da Unidade 1 do Guia de Estudos. 2 Visualização da Videoaula “Aspectos gerais do sistema prisional” 3 Visualização da videoaula “Modernização do Sistema Prisional” 4 Leitura do texto 01 disponível no AVA 5 Visualização de Vídeo “Arquitetura dos limites – APAC Contagem”. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=9VM9Vy7OsGk 6 Visualização do Vídeo “Ótima aula de políticas públicas” Leitura do Texto Complementar 1: “Resolução nº 09/2011, que trata das novas diretrizes para a arquitetura prisional. Disponivel em: http://www.criminal.mppr. mp.br/arquivos/File/ExecucaoPenal/ CNPCP/2011Diretrizes_ArquiteturaPenal_ resolucao_09_11_CNPCP.pdf 8 Atividade de Reflexão no Guia 9 Atividade Avaliativa no AVA Procure se organizar para concluir estas atividades em duas semanas, conforme cronograma de atividade. Sugerimos uma dedicação diária de 45 (quarenta e cinco) minutos durante os dias úteis. ATIVIDADE DE FIXAÇÃO Procure fazer uma busca na Internet ou em outras fontes de consulta e depois nos fale se você acha possível o tratamento ético da coisa pública no Brasil. Temos exemplos positivos? Se os temos, então é possível a prática das melhores políticas no Brasil? Como? Pense e espresse suas análises e expectativas a respeito do assunto no fórum no AVA.
  • 16. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 216 1. POLÍTICA: FINS E SISTEMA Em sua dinâmica, a política é um processo de diálogo. Por meio de sucessivos tratos éticos em busca do bem comum, escolhem-se quais são as ações e processos que melhorarão a vida em sociedade, garantindo um direito constitucionalmente reconhecido. A finalidade da política pública é melhorar a vida da sociedade como um todo. Uma política pública não deve ser contraproducente, isto é, não pode ter mais resultados negativos que positivos, sendo que estes devem superar em larga margem a quantidade de resultados negativos. Nesse sentido, a finalidade das políticas públicas de educação consiste em melhorar a qualidade e a quantidade de aquisição de conhecimentos das pessoas para a vida em comum através da educação formal, informal e profissionalizante. Se isso não ocorrer, isto é, se o sistema de educação forma pessoas sem os conhecimentos suficientes e adequados será contraproducente. Já a finalidade das políticas públicas de saúde tem como objetivo melhorar as condições de vida das pessoas por meio da prevenção de enfermidades, bem como curar os cidadãos que vierem a ser acometidos por doenças. ATIVIDADE DE FIXAÇÃO Você já pensou qual é a finalidade das políticas aplicadas ao sistema prisional? Voltaremos a isso adiante. Por enquanto, dê uma pausa, pense a respeito e escreva um texto de cinco a dez linhas no fórum da unidade no AVA sobre o que concluiu para que possa comparar com o que será exposto mais adiante. Para refletir sobre o assunto, tenha em mente que toda política pública deve melhorar a vida em sociedade. 2. POLÍTICA CRIMINAL E POLÍTICA PENITENCIÁRIA A segurança é um dos direitos que o Estado assegura a todos nós, cidadãos brasileiros. Esta garantia está inscrita numa posição tópica de nossa Constituição Federal de 1988, no Art. 5º, caput. Isso significa que ocupa uma posição muito importante dentre tantos direitos que constam na nossa Carta Maior. Veja o que ela diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”. O significado da expressão segurança é muito amplo; é interpretado com maior ou menor amplitude, mas sempre de modo amplo. Todavia, existe um significado que está fora de dúvidas: o direito à segurança se expressa no direito que todos têm de viver em sociedade sem perturbações severas ou violentas em sociedade. Claro que conviver em sociedade é sempre complicado e exige concessões de todos para que haja paz. Referimo-nos, aqui, àquelas perturbações graves da vida em comunidade, como insurreições, violência e crime.
  • 17. UNIDADE 1 17 A nós nos interessa, precisamente, o direito à segurança como expressão de combate à criminalidade. Todos nós temos o direito de exigir do Estado ações voltadas ao combate contra a criminalidade. As estratégias e ações que o Estado usa para afrontar a criminalidade são chamadas de políticas criminais e estas se desenvolvem nos mais diversos âmbitos e graus de atuação. Podemos, por exemplo, falar em políticas criminais que são aplicadas já no âmbito da escola e da assistência social – sempre as mais eficientes de todas. Ou ainda, podemos ter políticas criminais realizadas através da promulgação de leis, das decisões do poder judiciário interpretando a lei penal, de ações administrativas dos Estados etc. VOCÊ SABIA? O combate contra o crime ocorre de duas formas: por meio de ações preventivas ou por meio de ações repressivas. As ações preventivas tentam evitar que um crime venha a ser praticado e estas devem ser sempre prioritárias. Portanto, em termo de política criminal, o ideal é que os crimes não sejam cometidos. Se houve crime, isso significa que o Estado falhou na etapa mais importante da política criminal, que é a preventiva. As segundas, isto é, as políticas criminais repressivas, atuam depois que o crime é praticado e têm por finalidade: • Identificar o autor do delito; • Encontrar o corpo do delito, isto é, os vestígios materiais que um crime pode deixar; • Obter uma condenação criminal; e • Executar esta condenação, ou seja, dar cumprimento à sentença penal condenatória. Na ponta final dessa política criminal, portanto, existe uma condenação que se deseja ser alcançada e executada. Para que isso seja possível, é preciso que a polí- cia que investiga o crime seja eficiente, bem como que o Ministério Público esteja munido de provas incontestáveis. Na condenação criminal, através da aplicação de uma pena privativa de liberdade, surge um desmembramento da política criminal, que tem praticamente um significado próprio. Trata-se da política penitenciária, que são as ações e os processos realizados para que o encarceramento seja realizado de acordo com os fins socialmente úteis perseguidos pela CF/1988. Note-se que a política penitenciária também pode ser necessária antes da sentença penal condenatória. Isso ocorre, com frequência, nas chamadas prisões provisórias ou cautelares. Vejamos: A regra é que alguém somente seja preso criminalmente após ser considerado
  • 18. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 218 culpado por um crime, através de uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Mas muitos presos não possuem condenação. Eles estão aguardando o seu julgamento, ou seja, são inocentes, pois não foram condenados e estão à espera de sua sentença, que pode ser, inclusive, de absolvição. Esse tipo de prisão é denominada provisória, cautelar, processual, não-penal, ou ainda, não-defintiva. A respectiva população carcerária corresponde aproximadamente 40% dos presos no Brasil e também está sujeita às políticas penitenciárias. Assim, as políticas penitenciárias aplicam-se tanto aos presos que já possuem condenação definitiva e contra a qual não cabe mais recurso, como também aos presos provisórios. PARA REFLETIR Você acha fácil ver numa pessoa presa provisoriamente um inocente, isto é, alguém que não foi condenado e pode ser que não o seja? O que pode ser feito em relação a esta situação paradoxal? E o que pensar sobre aquele indivíduo que está cumprindo pena em meio aberto, por exemplo, em livramento condicional, mas vem a cometer um fato criminoso novo e aguarda preso provisoriamente o seu julgamento por este novo fato? Veja que ele também está condenado definitivamente pelo fato anterior, em razão do qual estava em livramento condicional. Pense nisso! 3. SUJEITOS DA POLÍTICA PENITENCIÁRIA Devido à insuficiente profissionalização e produção de conhecimento sobre as questões criminais no Brasil, existe tendência a acreditar que a política penitenciária é voltada apenas aos presos, definitivos ou cautelares. Não o é. Aplica-se igualmente aos trabalhadores de todo o sistema: agentes penitenciários, agentes administrativos, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, médicos, cirurgiões- dentistas, nutricionistas, dentre muitos. Assim, por exemplo, quando a administração penitenciária adquire materiais ou equipamentos para que os funcionários do sistema trabalhem em melhores condições, isso também é uma política pública. Mas não podemos esquecer que toda política pública tem por meta melhorar a vida em sociedade. Por isso, embora a política penitenciária seja aplicada sobre a população prisional e os trabalhadores do sistema, todos nós somos diretamente afetados por tais políticas. Sendo assim, toda a sociedade é afetada pelas políticas penitenciárias, todos nós sentimos os bons e os maus resultados do que é feito na condução das questões carcerárias.
  • 19. UNIDADE 1 19 PARA REFLETIR Como você acha que a sociedade brasileira é afetada pela política penitenciária? Como você vê a sociedade brasileira sendo afetada pela política penitenciária? Em que extensão isso ocorre? De que modo isso ocorre? Como tem se comportado a mídia em relação ao tipo e extensão dessa afetação social? Pense sobre este assunto, pois ele será importante para o desenvolvimento deste curso. 4. FINALIDADES DO SISTEMA E FINALIDADES DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE Para que você possa entender melhor o que se passa em termos de política penitenciária no Brasil, é preciso que nós façamos um breve excurso sobre as finalidades da pena, isto é, precisamos nos perguntar: Para que serve a pena? Porque se pune alguém? Dizer que se pune para fazer justiça é uma resposta muito simplista e não permite compreender a dignidade do problema prisional. Então vejamos a seguir. 4.1. A pena como castigo Desde a Revolução Francesa o sistema penal passou a ser amplamente criticado, pois até então o sistema era cruel, arbitrário e pouco racional.ApósaRevolução,estabeleceram-se as bases que permitiram evoluir em direção a um sistema mais coerente e humano. “A Liberdade Guiando o Povo”, de Eugène Delacroix Até meados do século XIX, defendia-se que a pena não tinha finalidade alguma. Era um castigo, uma retribuição, uma expiação. A pena significava um mal, que era aplicado ao delinquente como retribuição a outro mal, que era o crime praticado por este infrator. Usava-se a expressão “pagar um mal (o crime) com outro mal (a pena)”. Nós chamamos estas teorias de absolutas ou retributivas. Esse pensamento está superado há muito tempo e esta superação ocorreu por uma razão simples: a pena criminal representa o uso legítimo da violência. Ademais, a pena é monopólio do Estado, isto é, uma pessoa em particular não pode aplicar uma pena à outra pessoa. Isso seria vingança privada e não pena. Algo tão importante como a pena criminal não poderia ser destituído de finalidades práticas.
  • 20. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 220 4.2. A pena como prevenção geral A natural reação foi o surgimento de correntes de pensamento que vislumbraram na pena criminal algo que deveria ter uma finalidade útil. Esta finalidade nada mais é que prevenir crimes futuros. Surgem então as teorias relativas da pena. Desde então, estabeleceu-se que a missão da pena é evitar a prática de crimes futuros. No entanto, isso pode ser feito de diversas maneiras. A primeira delas seria através da intimidação. Ou seja, a pena existe porque os cidadãos, sabendo de sua existência, iriam se sentir intimidados e deixariam de praticar delitos. A isso chamamos de “coação psicológica” do potencial delinquente. Todavia, este pensamento durou muito pouco. Ninguém é tão calculista a ponto de, no momento em que decide praticar um crime, pensar na pena que está prevista em um código ou uma lei penal a qual poderia lhe ser aplicada. A segunda forma de prevenir o crime através da pena seria por meio da sua aplicação, isto é, por sua inflição pelo juiz, no momento da sentença penal condenatória, reforçando em todos os demais cidadãos o sentimento de confiança no ordenamento jurídico que fora violado pelo infrator com sua conduta. A pena serviria para prevenir delitos futuros através da mensagem que passa para toda a sociedade, dizendo-lhe que a norma que foi violada pelo criminoso, naquele caso concreto, é válida e deve ser respeitada por todos. Essa é uma teoria muito aceita, mas serve muito mais para o momento da aplicação da pena que para o de sua execução. 4.3. A pena como prevenção especial Algumas teorias afirmaram que a pena é dirigida ao infrator que cometeu o delito no sentido de impedi-lo de voltar a delinquir, isto é, evitar a reincidência. Aqui, a pena não seria mais atuante sobre a sociedade como um todo, mas restringe-se a atuar sobre o autor do crime. O precedente deste pensamento está em Franz Von Liszt e seu famoso Programa de Marburgo (1883). Todavia, somente retomou vigor após a Segunda Guerra Mundial, quando então nasce o ideal de ressocialização através da execução da pena. Franz Von Liszt - Fonte: wikipedia A ressocialização poderia ser feita de duas formas. Uma, obrigando o condenado ao tratamento penitenciário, dispensando-se, portanto, o seu consentimento para ser tratado. Medidas extremas, inclusive, defendiam a ideia de intervenções cirúrgicas no delinquente, a fim de extirpar as tendências criminosas, como lobotomia, castração de criminosossexuaisetc.Jápromoveraressocializaçãoatravésdapenaéomodoatualmente mais aceito. Isso ocorre por meio de um processo dialógico com o condenado, dirigido a convencê-lo a agir conforme o direito, isto é, estimulando no condenado as condições para que ele entenda, por suas próprias conclusões, que existem mais vantagens em retornar à sociedade e conviver sem cometer delitos que voltar a praticá-los.
  • 21. UNIDADE 1 21 4.4. A ressocialização como política penitenciária de sobreposição Essa é a finalidade da execução da pena: a ressocialização do condenado, alcançada de modo não impositivo. Todo o sistema e todas as políticas penitenciárias devem estar voltados a esse fim: ressocializar o condenado para que retorne à sociedade em condições de conviver sem praticar novos delitos. Por isso a ressocialização é política penitenciária que orienta todas as demais em tema carcerário. Vamos entender bem isso: não será obrigatoriamente a privação de liberdade que irá convencer o delinquente de que não deve cometer crimes novamente. Pode até ser que isso seja alcançado através da privação de liberdade. Mas o que de fato convence o condenado a agir conforme o direito são os estímulos e proposições que o incitam a refletir sobre sua conduta passada e seus prognósticos futuros de comportamento. O mais importante é que o tempo de privação de liberdade seja utilizado para que se estabeleça um diálogo funcional com o preso, seja ele condenado ou provisório. No caso do primeiro, essa funcionalidade está nas tentativas de convencê-lo a não agir contra o direito e a ordem. Sendo preso provisório, esse diálogo deverá estimulá-lo a não se deixar contaminar pelo ambiente de privação de liberdade, dando continuidade a todas as atividades que não foram objetivamente limitadas pela decisão judicial que reduziu sua liberdade. O processo de convencimento não é necessariamente realizado verbalmente. Isto é, não se trata apenas de uma conversa entre um psicólogo ou pedagogo e o preso, na qual os primeiros tentam convencer o segundo. Esta é uma visão apequenada da ressocialização. A dialética de ressocialização de convencimento é realizada por meio das mais variadas formas; por exemplo, de assistências sociais e à saúde, por meio do lazer, dos contatos com a família, da realização de projetos sociais, do trabalho edificante, da educação profissionalizante etc. Todos esses recursos acabam por “dialogar” com o preso e são sempre capazes de demonstrar a ele o quão saudável é a sociabilidade e como ela pode ser bem realizada. PARA REFLETIR Você já pensou na seguinte situação: Um conhecido seu lhe diz que “o preso que cometeu tráfico tem mais é que ficar 50 anos na cadeia!”. Como ele está pensado em relação ao tema prisional? Você lhe diria algo nesse momento? O quê? Temos outra situação: Alguém faz algo contra a sua vontade por muito tempo se não estiver bem convencido de que o melhor a ser feito é agir deste modo? Como isso se aplica a ressocialização prisional? Algumas teorias dizem que a pena é castigo e também prevenção. São chamadas teorias ecléticas ou mistas da pena. A crítica que tais teorias sofrem é que algo não poderia, ao mesmo tempo, não ter uma finalidade útil (retribuição do mal com um mal) e ter uma finalidade útil (prevenção). Esta, aliás, é a teoria que o código penal brasileiro adotou. O que você acha?
  • 22. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 222 5. PRÁTICAS DE ALTERNATIVAS PENAIS Quando falamos em práticas de alternativas penais, trazemos para o nosso curso uma questão mais ampla, pois não se resume à utilização de penas restritivas de direitos em substituição às penas privativas de liberdade. O que precisamos ter em conta nessa parte do nosso curso – e isso é da maior relevância – é o fato de que existem diversas práticas, chamadas alternativas penais, que podem ser tanto quanto ou mais eficientes e úteis que as penas restritivas de direitos. Portanto, o correto é dizer que as penas restritivas de direitos são penas alternativas, mas as penas alternativas não são todas as práticas alternativas de que se dispõe. Veremos adiante as práticas penais alternativas de que o mundo já dispõe, as quais podem ser aplicadas a todos os momentos do sistema de justiça (pré-processual, processual e executiva), começando pela pena restritiva de direito. 5.1. As penas restritivas de direitos Está absolutamente fora de dúvida que a utilização de penas não privativas de liberdade é umrecursofundamentalparaamelhoriadosistemadejustiçapenale,consequentemente, para a vida em sociedade. Tratados internacionais, diversas leis, obras jurídicas, orientações jurisprudenciais já afirmaram por diversas vezes a utilidade e os benefícios da utilização das penas restritivas de direitos ou como costumam ser também chamadas penas alternativas. A utilidade de sua aplicação é resultado da comprovação científica de que toda forma de encarceramento dessocializa o indivíduo em algum grau. Por isso, especialmente para criminosos primários autores de delitos praticados sem violência ou grave ameaça, a medida correta a ser tomada é a aplicação de penas alternativas. São diversas as suas vantagens: • Tal pena reveste-se de seriedade, pois sendo pena, o descumprimento levará à sua conversão em pena privativa de liberdade. • Em algum grau colabora para minimizar o problema da superlotação nas unidades prisionais. • Também evita o contato de delinquentes primários com a nocividade do ambiente carcerário. • O custo financeiro da execução das penas alternativas é bem menor que o da pena privativa de liberdade. • O processo de ressocialização é mais fácil. O que se exige hoje do legislador brasileiro é o aumento das hipóteses de aplicação das penas restritivas de direitos, alargando o espectro de situações em que seja permitida a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, ou aumentando o grau de discricionariedade judicial na aplicação da pena. Veja, por exemplo: foi graças ao engessamento da legislação que o Supremo Tribunal Federal afirmou a possibilidade
  • 23. UNIDADE 1 23 de aplicação de penas restritivas de direitos para alguns casos de tráfico de drogas (para pequenos traficantes, em casos de tráfico eventual e não habitual). As penas restritivas de direitos não se resumem a prestação de serviços à comunidade. Podem ser diversas outras e até mesmo a multa (com a particularidade de que esta não se converte em pena privativa de liberdade se for descumprida). As penas restritivas de direitos podem ser de prestação pecuniária à vítima ou entidade pública ou particular de fins sociais, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou às entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. A interdição temporária de direitos consiste na proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público, suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e proibição de frequentar determinados lugares. E a limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 05 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Aqui, embora tecnicamente seja um modo de privação de liberdade, não tem o mesmo grau impactante das penas de reclusão ou detenção. 5.2. As práticas de justiça restaurativa Já está cientificamente comprovado que existem outras formas de pacificação social, sem que seja necessário recorrer à pena clássica ou ao processo penal clássico. São práticas muito pouco utilizadas no Brasil, ou melhor, quase nada usadas. A escassa utilização de meios alternativos ocorre, principalmente, devido à cultura jurídica nacional. Toda vez que ocorre um delito, a sociedade se vê abalada em algum grau. A cultura jurídica nacional dominante não arreda pé da posição de que a paz social abalada pela prática do delito somente pode ser alcançada através do processo penal clássico e da pena executada em sua inteireza. Contudo, essa é uma visão míope. A justiça restaurativa – que também teve sua utilidade cientificamente comprovada – colabora para: • Redução do número de sentenças e custos nos tribunais; • Facilitação do acesso à justiça; • Aumento da qualidade da justiça; e • Pacificação social. Os procedimentos da restorative justice partem do pressuposto conceitual de que o delito é uma ofensa não somente contra o Estado, mas também contra a vítima individual, concretamente prejudicada pelo ato criminoso. A satisfação em sentido amplo da vítima ajudará a alcançar a paz jurídica afetada pela prática do delito. Não basta a reparação do dano para o restabelecimento da paz jurídica. É preciso também que autor e vítima neutralizem suas animosidades.
  • 24. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 224 As situações em que as vítimas de crimes – principalmente de crimes patrimoniais e crimes de menor gravidade – desejam encontrar-se com seus ofensores em presença de um mediador treinado têm aumentado sensivelmente nos Estados Unidos desde 1970, quando foram criados os primeiros programas de mediação vítima-delinquente. Hoje, milhares de vítimas em quase 300 comunidades espalhadas por todos os Estados Unidos utilizam-se dos referidos programas. Em tais encontros não somente se tem conseguido com algum sucesso que os ofensores saibamdequeformaocrimeafetouasvítimaserespondamaalgumasquestõesformuladas pelas vítimas, mas também se tem conseguido desenvolver um plano de restituição, onde o autor do fato assume responsabilidade na reparação dos danos causados à vítima. No caso do autor do fato não cumprir o acordo de restituição, sofrerá consequências mais gravosas no âmbito penal e processual penal. Sendo um programa de diversion, se é obtido um acordo satisfatório não se inicia o processo, ou este é encerrado caso já tenha sido iniciado. Se o autor do fato vier a descumprir o acordo, o processo judicial retomará o seu curso normal. Tudo impulsiona o autor do fato a assumir a responsabilidade pelo fato praticado, com benefícios diversos à vítima, sem que recorra ao caro e moroso processo criminal. A mediação vítima-delinquente é uma das expressões mais claras da restorative justice. Para o sucesso de tais programas exige-se, contudo, que haja: • Voluntariedade de participação no procedimento conciliatório; • Garantia de sigilo sobre as negociações; • Intermediação feita por um terceiro imparcial; • Seleção dos casos passíveis de serem submetidos ao programa; e • Obrigatoriedade de cumprimento do acordo que vier a ser homologado. Normalmente, o objeto do acordo obtido nos programas é uma soma em dinheiro. Mas pode ser também uma prestação à vítima de caráter diverso ou uma prestação de serviços à comunidade. Permite-se, até mesmo, que o acordo consista no mero pedido de desculpas. Pode ocorrer que a vítima não seja um sujeito individual, uma pessoa física determinada. Assim, por exemplo, nos casos de tráfico de drogas não existe um indivíduo especificamente afetado pelo crime, mas, sim, toda a comunidade. Mas, mesmo nesses casos, a justiça restaurativa se aplica. O procedimento consiste no confronto do infrator com as consequências de seu fato, seguindo-se a prestação de serviços à comunidade por parte do traficante. Veja-se, por exemplo, o caso de um indivíduo detido por tráfico de drogas, sendo classificado como pequeno traficante e que realizou o tráfico de modo não habitual e eventual. Em procedimento de justiça restaurativa, ele frequentará continuamente instituições para tratamento e recuperação de adictos, verá as consequências da venda e uso de drogas, seguindo-se da prestação de serviços à comunidade, preferencialmente em tais instituições ou congêneres.
  • 25. UNIDADE 1 25 Alguém duvidaria que em tais casos o recurso ao sistema de justiça formal seria desnecessário? Que a aplicação de uma pena privativa de liberdade seria desnecessária e contraproducente? A literatura registra casos de pessoas nessas condições que se tornaram dirigentes de missões religiosas ou instituições dedicadas ao tratamento e recuperação de drogados. 5.3. A reparação do dano antes do oferecimento da denúncia OCódigoPenalbrasileiro,emseuArtigo16,dispõeque“noscrimescometidossemviolência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”. Ou seja, mesmo reparando o dano, o agente é processado e condenado. Apenas se reduz sua pena. Todavia, a sociedade já está madura o suficiente para reconhecer que em tais casos é possível a extinção da punibilidade do infrator, impedindo-se o início do processo penal. Isto é, o agente sequer é processado. Não custa lembrar que, em crimes tributários, o pagamento do tributo pelo infrator, mesmo já iniciado o processo (logo, durante o processo) ou ainda que este processo esteja em grau de recurso (já havendo condenação em primeiro grau, portanto), extingue a punibilidade do agente. Basta pagar o tributo, que o processo criminal se encerra. Essa mesma lógica (qual seja, a reparação do dano em casos de delitos não violentos e de modo voluntário, não necessariamente espontâneo) deve ser levada em conta pelo legislador como prática alternativa ao processo penal e à pena clássica. 5.4. Os mecanismos de suspensão condicional do processo penal Outra prática penal alternativa que é eficiente consiste em suspender o andamento do processo penal já iniciado, por determinado período de tempo, durante o qual o réu fica sujeito a determinadas condições. O período é chamado de período de prova. Caso as condições sejam cumpridas até o final do período de prova, extingue-se a punibilidade do acusado e, consequentemente, extingue-se também o processo. A suspensão condicional do processo é também chamada de sursis processual. As condições a serem estabelecidas durante o período de prova devem ser as mais aptas possíveis para restabelecimento da paz social e, ao mesmo tempo, verificar a seriedade do acusado em manter-se dentro da ordem jurídica. No Brasil essa possibilidade existe. Todavia, da mesma forma que na pena restritiva de direito, as hipóteses de suspensão condicional do processo já poderiam ser ampliadas. Atualmente, o sursis processual está regrado pelo Artigo 89 da Lei nº 9.099/95. Lá está disposto que nos crimes cuja pena mínima prevista for igual ou inferior a um ano, o promotor de justiça poderá propor a suspensão do processo, pelo período de dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado por outro delito ou não tenha sido condenado por outro crime. Ademais, devem estar presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (sursis). Éprecisoqueapropostasejaaceitapeloacusadoeseudefensornapresençadojuiz.Eeste,
  • 26. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 226 ao receber a denúncia, suspende o andamento do processo pelo período estabelecido. Durante este período, o acusado ficará submetido às seguintes condições, sob pena de revogação do sursis processual e retomada do curso do processo: • Reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; • Proibição de frequentar determinados lugares; • Proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; e • Comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. O juiz também poderá determinar outras condições desde que sejam adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. Ao final do período de prova, sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade do acusado. 5.5. O abreviamento do tempo de pena privativa de liberdade A lei penal prevê diversas hipóteses em que há o abreviamento do tempo de prisão durante o cumprimento de pena. Assim, a pena pode ser reduzida através da remissão pelo trabalho, pelo estudo, através do livramento condicional etc. Contudo, as medidas de abreviação do tempo de pena privativa de liberdade não deve ser monopólio da lei. Para isso existe um juiz presidindo o processo de execução penal. Ele está presente na execução justamente para evitar as disfunções de ressocialização. Faria sentido que o juiz da execução tivesse sua função limitada a ser mero repetidor das disposições legais da execução? Não. As inusitadas e corriqueiras situações da execução da pena de prisão exigem da criatividade humana do juiz que sejam encontradas soluções que atendam ao ideal de ressocialização, sem denegrir a confiança na integridade do sistema de justiça penal. São inúmeras e imponderáveis as situações não previstas em lei que poderão exigir uma decisão judicial de encurtamento da pena privativa de liberdade, abreviamento do tempo de encarceramento, sua suspensão ou até mesmo sua extinção. Assim, seria desarrazoado declarar extinta a pena privativa de liberdade de uma presa condenada que sofreu aborto porque, durante a gestação, houve falta de exames pré- natais de responsabilidade da administração penitenciária? Não teria ela sofrido uma pena muitíssimo mais grave que aquela traçada no título penal condenatório? Certamente. E quanto à suspensão da pena privativa de liberdade por motivo de hiperlotação do estabelecimento penal? O correto não seria suspendê-la até que a administração penitenciária ofertasse condições de cumprimento de pena em conformidade com a lei? No direito italiano, por exemplo, existem dois tipos de suspensão da pena: obrigatório e facultativo. Em ambos os casos, dentre as excepcionais razões que autorizam tal medida, estão as questões graves de saúde do condenado. As hipóteses de suspensão obrigatória são divididas em dois grupos: questões de maternidade e graves condições de saúde. As situações que autorizam a suspensão obrigatória são três: pendência de pedido de graça;
  • 27. UNIDADE 1 27 grave enfermidade física; e mãe com filhos de idade inferior a três anos. Essas soluções não devem causar espanto. Está na consciência da sociedade que a prisão a ninguém ressocializa, e que o sistema de justiça penal tem sua confiabilidade mais comprometida com a ultradesconformidade da execução da pena de prisão que com sua suspensão por motivos de iniquidade ou intensa disfunção da pena. Nos casos em que o cumprimento da pena desde logo se apresente intoleravelmente contraproducente ou desumano, deverá ser feita a substituição por formas não reclusivas de seu cumprimento. Caberá ao julgador a espinhosa missão de encontrar uma forma para que o condenado cumpra a pena em meio aberto, sem que a sociedade perca a confiança na capacidade do sistema de justiça penal. 5.6. As medidas cautelares penais de natureza pessoal Como já dissemos, a prisão de alguém pode ocorrer no curso do processo, ou mesmo antes dele. São os casos de prisão preventiva e temporária. Vamos nos deter na prisão preventiva, cuja duração é muitíssimo superior a da temporária. Enquanto a temporária dura em regra de cinco a dez dias (em casos excepcionalíssimos, 60 dias), a preventiva pode durar mais de um ano. E se já houver sentença condenatória pode chegar a dois anos ou mais. As prisões preventivas são decretadas sempre que necessárias para o resguardo da ordem pública, da ordem econômica, da instrução criminal e da aplicação da lei penal. São motivos cautelares, portanto. Entretanto, a prisão preventiva não pode ser o único remédio para as situações que exigem da justiça a aplicação de uma cautela sobre o indiciado ou réu. Tampouco deve ser o principal. Antes, deve ser o último recurso de que o magistrado lança mão para assegurar a instrução criminal. É o que determina expressamente o Artigo 282, Parágrafo 6º, do Código de Processo Penal. Justamente por isso, o CPP prevê diversas alternativas à prisão preventiva, às quais o juiz deve recorrer, somente aplicando a prisão preventiva caso nenhuma das alternativas seja adequada e suficiente. Essas alternativas são: • Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades. • Proibiçãodeacessooufrequênciaadeterminadoslugaresquando,porcircunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações. • Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante. • Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução. • Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o
  • 28. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 228 investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos. • Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. • Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (Art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração. • Fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou, em caso de resistência injustificada, a ordem judicial. • Obrigação de comparecimento a todos os atos do processo. • Proibição de mudar de endereço. A todas essas alternativas à prisão preventiva pode ser combinada monitoração eletrônica como mecanismo de controle. Note-se, portanto, que a monitoração eletrônica em si considerada não é uma alternativa penal, mas, sim, um mecanismo de controle destas alternativas. 5.7. A transação penal No ano de 1995 foi promulgada a Lei nº 9.099/95, que deu disciplina àquilo que a Constituição Federal chamou de delitos de menor potencial ofensivo. Tais delitos possuem menor lesividade social, menor impacto sobre a sociedade. Por isso, podem ser objeto de transação. Trata-se de um acordo penal e por isso é chamada de transação penal. Atualmente, estão definidos como delitos de menor potencial ofensivo os crimes cuja pena máxima prevista é de dois anos de pena privativa de liberdade (cumulada ou não com multa) e todas as contravenções, independentemente da pena máxima prevista. Nesses casos, o promotor de justiça propõe a aplicação de uma pena não privativa de liberdade ao autor do fato, que poderá aceitá-la ou não. A vantagem é que, caso seja aceita, o processo penal não poderá iniciar-se. Ademais, é uma pena especial, pois não induz em reincidência, não implica no reconhecimento do fato pelo suposto autor, não constará nos bancos de dados da polícia para fins de antecedentes e, em caso de descumprimento, não poderá ser convertida em pena privativa de liberdade, tendo como consequência a retomada do curso do processo. O representante do Ministério Público não poderá oferecer proposta de transação penal caso o autor da infração houver sido condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade por sentença definitiva; tenha sido beneficiado nos cinco anos antecedentes, pela transação penal. Também deverá ser indicado os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias necessárias e suficientes para a adoção da medida. A crítica que se faz é que já poderiam ter sido ampliadas, e muito, as hipóteses de transação penal, alcançando crimes não violentos, cuja pena máxima prevista é maior que dois anos; por exemplo, o furto.
  • 29. UNIDADE 1 29 5.8. A suspensão condicional da pena Afinal, vejamos a mais clássica forma de alternativa penal, que é a suspensão condicional da pena, conhecida como sursis. No sursis, o juiz aplica uma pena privativa de liberdade, através de sentença penal condenatória. Todavia, a execução desta pena fica suspensa por um determinado período chamado de período de prova. Ao final deste período, caso o condenado tenha cumprido determinadas condições, a pena será considerada extinta, sem que o condenado fosse recolhido à prisão. No direito brasileiro a execução da pena privativa de liberdade, pode ser suspensa quando não for superior a dois anos. O período de prova é de dois a quatro anos. São requisitos para a concessão do sursis: • O condenado não ser reincidente em crime doloso. • A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício. • Não seja indicada ou cabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, conforme prevista no Artigo 44 do Código Penal. A condenação anterior à pena de multa não impede a concessão do benefício. Há também a previsão no direito brasileiro do sursis etário. Nessa hipótese, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade ou razões de saúde justifiquem, permite-se a suspensão da execução da pena privativa de liberdade de até quatro anos, a qual poderá ser suspensa por quatro a seis anos. No período de prova o condenado ficará sujeito às condições estabelecidas pelo Juiz. No primeiroanodoprazo,deveráocondenadoprestarserviçosàcomunidadeousubmeter-se à limitação de fim de semana. Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do crime lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência acima pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: • Proibição de frequentar determinados lugares. • Proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz. • Comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. O juiz poderá especificar outras condições, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado. O sursis não se aplica às penas restritivas de direitos nem às multas. Há revogação obrigatória do sursis caso o condenado, no período de prova: • Seja condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso. • Frustre, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetue, sem motivo
  • 30. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 230 justificado, a reparação do dano. • Descumpre a condição de prestação de serviços à comunidade ou de limitação de fim se semana. Ocorre revogação facultativa, isto é, a critério do juiz, se o condenado descumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. Ao fim do período de prova, sem que tenha havido revogação, considera-se extinta a pena privativa de liberdade. ATIVIDADE DE FIXAÇÃO 1) Como você pode ver, não faltam práticas alternativas penais. São várias. Apesar disso, as unidades prisionais continuam superlotadas e a ressocialização é precária. Fale-nos por quais razões isso ocorre. 2) A Sra. “X” é esposa do preso “Y”, condenado a 10 anos de reclusão. Certa oca- sião, “X” foi surpreendida tentando entrar numa unidade prisional, em dia de visita, carregando drogas. Se vier a ser condenada por tráfico, o que geralmente ocorre, sua pena provavelmente será de cinco anos de reclusão, em regime fechado. Seria suficiente, como prática penal alternativa à prisão de “X” que o seu direito de visita, bem como o de “Y” fossem suspensos durante dois ou três anos? Por quê? Vá ao fórum da unidade e apresente suas reflexões. 6. ARQUITETURA PRISIONAL – A EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA PRISIONAL Na Antiguidade, a prisão servia para aguardar o julgamento. Não existia, propriamente, a noção de prisão como pena privativa de liberdade, salvo raras exceções. As penas eram, em geral, cruéis ou de morte. Logo, a ideia de ressocialização não existia. Assim, os espaços destinados ao aprisionamento não necessitavam de uma estrutura maior ou melhor que uma cela, com pequena abertura para o lado externo, a qual permitisse a passagem de ar e um pouco de luz. A primeira arquitetura prisional pensada com cientificidade somente ocorreu no século XVIII. Isso se deveu à importante figura de Jeremias Bentham (1748-1832), filósofo e jurisconsulto inglês, que criou o utilitarismo. Bentham afirmava que o objetivo existencial era alcançar “a maior felicidade possível para o maior número de pessoas”. Logo, este era também o objetivo de toda legislação. A transposição dessa lição para a área penal assumiu relevante aspecto, qual seja, o de que os presos deveriam cumprir a pena em condições dignas e favoráveis à sua recuperação, o que também traria diversos benefícios à sociedade. Bentham preocupou-se com a arquitetura penitenciária. Afirmava que eram necessários dois fatores para uma boa arquitetura prisional: a estrutura e o governo interior, isto é, o regime. Estas duas ideias conjugadas produziram o modelo panóptico de prisão (1789),
  • 31. UNIDADE 1 31 cujo projeto permite que um só vigilante possa observar todos os detentos sem que estes saibam. Tratava-se de um modelo mais econômico que o das prisões da época, uma vez que demandava menos empregados. O modelo panóptico também se aplica a outros locais de detenção, como manicômios e locais de estudo ou trabalho com rigidez de regras comportamentais; por exemplo, escolas, hospitais e fábricas. Uma importante característica desse modelo é a existência de uma torre de observação localizada no pátio central, capaz de permitir a observação de tudo. Os ambientes sujeitos à vigilância situam-se em um edifício anelar, ao redor do posto de observação. Os locais vigiados deste entorno são divididos em celas, cujo tamanho permita duas janelas, sendo uma para a entrada de luz externa e outra voltada para a torre de vigilância, permitindo a visualização do que se passa no seu interior. Bentham também previa o isolamento celular dos presos. A planta abaixo corresponde ao modelo panóptico clássico: Fonte: FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1996. P. 32
  • 32. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 232 A imagem a seguir apresenta um presídio modelo: Fonte: Wikipedia: panopticon Nessa mesma época ingressam na ciência penal os fins preventivos da pena. Desde então, aqueles que pensaram seriamente sobre arquitetura prisional, não puderam ignorar o fim útil da pena, o que deveria se refletir na arquitetura. No decorrer dos anos, as técnicas de arquitetura prisional evoluíram significativamente. Diversos modelos foram aplicados ao redor do mundo, cada qual atendendo às peculiaridades do cumprimento de pena e da geografia. Até hoje, muitos aspectos do modelo panóptico são utilizados. 6.1. A unidade prisional como estrutura complexa Uma constante se faz presente em toda a arquitetura prisional desde mais de um século: o estabelecimento penal é uma unidade estrutural complexa. Isso significa que um prédio destinado a ser estabelecimento penal não é usado apenas para o encarceramento. Ele serve também aos funcionários que lá trabalham, pois é o próprio ambiente de trabalho destes profissionais. A mesma estrutura que serve para o cumprimento de pena de detenção para uns, é o ambiente de trabalho para outros. Isso, por si só, já é uma complexidade. O mesmo conceito se aplica a hospitais e manicômios, por exemplo. A ambiência profissional exige instalações próprias para os profissionais, as quais assegurem o exercício pleno da profissão. São necessários todos os espaços específicos e indispensáveis para tal atividade, como banheiros (com chuveiros), vestiário, refeitório etc. Também são necessários ambientes para as atividades administrativas, guarda de materiais de escritório, armazenamento de materiais de limpeza, de armamentos etc. Ainda, é preciso que existam espaços específicos para a prestação das assistências
  • 33. UNIDADE 1 33 asseguradas pela LEP. Assim, exige-se que o estabelecimento penal esteja provido de ambientes para serviços de assistência social, psicológica, jurídica, médica etc. Mas a complexidade da estrutura prisional não se limita a dualidade detento-profissional. Além dela, a unidade prisional deve estar aparelhada para receber os visitantes dos presos. Isso implica na existência de sala de espera, local adequado para anotações e controle típicos de portaria, ambiente para revistas pessoais etc. São espaços destinados à instrumentalização dos contatos externos que a sociedade, familiares e amigos estabelecem com a população prisional. Desse modo, podemos resumir que existem três dimensões funcionais dentro de um prédiodestinadoaoencarceramentodepessoas,ouditodeoutromodo:aestruturadeum estabelecimento penal deve possuir ao menos três subsistemas internos. Um destinado ao cumprimento de pena privativa de liberdade em condições de ressocialização. Outro, que objetiva o adequado desempenho das profissões e respectivas funções que atuam na unidade prisional. E um terceiro, relativo à viabilização dos fatores externos de ressocialização (sejam estes fatores pessoas ou objetos) que devem penetrar no estabelecimento penal. Essaperspectivadaunidadeprisionalé,portanto,deordemfuncional. Econformeexposto, é tridimensional. Certamente, existem outros aspectos que devem estar presentes numa unidade prisional, mas que, bem observados, irão necessariamente se encaixar em um dos três subsistemas funcionais acima referidos. Assim, por exemplo, se afirmarmos que todo estabelecimento penal deve ter uma copa, este ambiente será respectivo à segunda funcionalidade do prédio, isto é, o exercício adequado das atividades profissionais. Alguns ambientes podem ser elegíveis ou não obrigatórios, dependendo da política penitenciária adotada pela unidade prisional. É o caso, por exemplo, da cozinha para preparo das refeições dos presos. A existência desta instalação dependerá da opção de assistência material de alimentação dada ao preso, isto é, se haverá manuseio e preparo de toda a alimentação na própria unidade, ou se ocorrerá fornecimento terceirizado de alimentos. A questão da segurança da unidade prisional é inerente à sua arquitetura. Não deve permitir fugas. As soluções encontradas são as mais diversas, cada uma com as suas vantagens e desvantagens. Oqueumprofissionaldosistemaprecisatersempreemmenteéquenãoexistearquitetura prisional a prova de fugas e/ou resgates. Existe, isso sim, estruturas que dificultam muito estas ações. Todavia, não há unidade prisional 100% segura. Isso deve servir, também, para que o profissional esteja sempre atento aos procedimentos de segurança, que devem ser respeitados de modo inexorável. Vocêconsegueperceber,agora,porqueamelhordenominaçãoparaumaunidadeprisional é a de que se trata de uma estrutura complexa? Veja a quantidade de funcionalidades, atividades e contatos que uma mesma unidade deve ter em funcionamento. São diversas e nenhuma delas pode ser considerada simples.
  • 34. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 234 6.2. A Resolução nº 09/2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP Atualmente, no Brasil, existe normativa que regula de modo bastante detalhado como devem ser erguidas as novas unidades prisionais. Trata-se de Resolução nº 09/2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. A referida norma dispõe sobre orientações gerais para a construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais em parceria com o governo federal, normas para a apresentação de projetos de construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e para a celebração de convênios com a União, conceituação e classificação de estabelecimentos penais, elaboração de projetos arquitetônicos e projetos específicos, tipologia arquitetônica, programas para estabelecimentos penais, critérios gerais de medição para a elaboração do orçamento, e conceituação dos projetos de arquitetura e engenharia para estabelecimentos penais. A atual normativa agregou novos e importantes elementos às normas arquitetônicas anteriores (Resoluções de 1994 e 2005) e aperfeiçoou a forma de dimensionamento usando o critério de proporcionalidade do uso. Além disso, inseriu novos conceitos como acessibilidade, permeabilidade do solo, conforto bioclimático e impacto ambiental. Também considerou recomendações de outros órgãos governamentais e ministérios, em especial da saúde e da educação, bem como da sociedade que se manifestou por meio de uma consulta pública. A Resolução nº 09/2011 do CNPCP prevê as lotações máximas para as unidades prisionais, isto é, o máximo de vagas que uma unidade prisional deve ter para que seja mantida sua funcionalidade. Ficou assim estabelecido o número máximo de pessoas presas conforme a unidade: penitenciária de segurança máxima – 300; penitenciária de segurança média – 800; colônia agrícola, industrial ou similar – 1.000; casa do albergado ou similar – 120; centro de observação criminológica – 300; cadeia pública – 800. Ademais, ficou estabelecido que “em nenhuma hipótese um módulo de celas poderá ultrapassar a capacidade de 200 pessoas presas”. Isso significa que aquilo que se convencionou chamar de raio, pavilhão ou ala de celas não pode ter capacidade superior a 200 pessoas presas. Também estão previstas situações especiais. Consta na norma que “em todas as penitenciárias e cadeias públicas que possuam celas coletivas, deverá ser previsto um mínimo de celas individuais (2% da capacidade total), para o caso de necessidade de separação da pessoa presa que apresente problemas de convívio com os demais por período determinado (Portaria Ministério da Justiça/DEPEN nº 01, de 27.01.2004) e pelo menos uma cela com instalação sanitária, por módulo, obedecendo aos parâmetros de acessibilidade (NBR 9050/2004)”. No tocante à localização, uma unidade prisional deve estar situada em local que não restrinja a visitação. Isso ocorre porque a pessoa presa deve ser estimulada os contatos não apenas com a família e amigos, mas também com a própria sociedade. Os estabelecimentos penais também devem estar situados em locais funcionais, isto é, não alijados do cotidiano, de maneira que estejam “asseguradas a presteza das comunicações
  • 35. UNIDADE 1 35 e a conveniência socioeconômica”, isto é, que possam ser aproveitados os serviços básicos e de comunicação existentes (meios de transportes, rede de distribuição de água, de energia e serviço de esgoto etc.), bem como possam ser aproveitadas as reservas disponíveis (hídricas, vegetais, minerais etc.) e as peculiaridades do entorno. De maneira geral, os complexos ou estabelecimentos penais não devem situar-se em zona central da cidade ou em bairro predominantemente residencial. Ao mesmo tempo, os estabelecimentos penais “deverão estar localizados de modo a facilitar o acesso e a apresentação das pessoas presas e processadas em juízo”. A normativa em referência se preocupa com a disposição das muralhas e respectivos recuos, vagas de estacionamento para servidores e autoridades, segurança contra incêndios, conforto ambiental projetado conforme a zona bioclimática brasileira, iluminação artificial, instalações sanitárias e elétricas, material para o revestimento de paredes e pisos etc. Ressalvadas as características e fins de cada estabelecimento penal, atualmente está, portanto, estabelecido de modo detalhado como devem ser projetadas as estruturas funcionais inerentes à nova arquitetura prisional, no tocante às instalações administrativas, de almoxarifado, de atuação de estagiários, de serviços (alimentação, lavanderia, manutenção – observando-se que podem ser terceirizados), de convivência, de solário, de refeição, de visitas às pessoas, de visita íntima, de atendimento médico, de atendimento odontológico, de atendimento psicológico, de atendimento do serviço social, de atendimento jurídico, de comunicação reservada entre a pessoa presa e seu advogado, de enfermaria, de alojamento para agentes ou monitores, de alojamento para guarda externa, de berçário e/ou creche, além de instalações religiosas, educativas, laborais e esportivas e de lazer. São consideradas parte das instalações da administração, ainda que não localizados no módulo específico, o alojamento e as demais dependências para profissionais que pernoitam no estabelecimento. O alojamento dos agentes penitenciários situa-se junto à entrada do estabelecimento ou do edifício. O alojamento dos vigilantes externos deverá “estar situado de modo a impedir trânsito de seus componentes dentro do recinto do estabelecimento, ou seu contato com as pessoas presas”. A LEP não traz metragem mínima para celas coletivas. O Artigo 88 da referida lei limita-se a dizer qual é a metragem mínima para celas individuais (6,00 m2). A explicação provável para isso é o fato de que comissão que a redigiu, em 1984, era composta exclusivamente por juristas. Havia um só membro não jurista, um religioso. A comissão de 1984 acabou trabalhando apenas sobre uma planta baixa para celas. A Resolução nº 09/2011, por sua vez, dispõe metragens mínimas para as celas coletivas:
  • 36. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 236 Capacidade Tipo de cela Área mínima (m2 ) Cubagem mínima (m3 ) 01 celas individuais 6,00 15,00 02 celas coletivas 7,00 15,00 03 7,70 19,25 04 8,40 21,00 05 12,75 31,88 06 13,85 34,60 07 13,85 34,60 08 13,85 34,60 Quanto ao local destinado ao banho de sol, deve ser um pátio com diâmetro mínimo de 10,00m e com área de 6,00m2 , acrescidos de 1,50m2 por pessoa presa. O pátio de sol poderá ser utilizado em forma de rodízio pelas diversas pessoas presas dos módulos. VejaalgunsdosespaçosqueestánormatizadoeprevistonaResoluçãonº09/2011doCNPCP: comando de guarda; guarita com instalação sanitária; sala de armas; copa; dormitório da guarda (masculino e feminino); acesso único para a passarela localizado nos muros de segurança de guaritas de proteção; dormitórios dos agentes penitenciários; vestiários; sala de espera da portaria (externa e com bancos); sala de administração e controle; sanitários paravisitantes(masculinoefeminino);saladepertences; depósitodemateriaisdelimpeza; portaria de acesso e recepção; vestiário para presos com armários (no caso de presos que realizam trabalho externo); salas de atendimento familiar; central de monitoramento e apoio administrativo; sala para o diretor; sala de reuniões; instalação sanitária do diretor; sala do secretário ou da recepção; sala para o vice-diretor; sala para o prontuário; sala para apoio administrativo; sala administrativa da equipe técnica; almoxarifado central; oficina de reparos e manutenção; eclusa para desembarque de veículos; sala da chefia dos agentes; sala de identificação e biometria; sala de pertences pessoais das pessoas presas; sala de recepção e espera; sala de acolhimento multiprofissional; sala de atendimento clínico multiprofissional; consultório de atendimento ginecológico com sanitário; estoque; dispensação de medicamentos e estoque; cela enfermaria; sanitário para pacientes; solário para pacientes; consultório de atendimento odontológico; sala multiuso; sala de procedimentos; laboratório de diagnóstico; sala de coleta de material para laboratório; sala de raio x; cela de espera; consultório médico; sala de curativos, suturas e posto de enfermagem; cela de observação; central de material esterilizado/expurgo; rouparia; depósito de material de limpeza; sanitários para equipe de saúde; etc.
  • 37. UNIDADE 1 37 ATIVIDADE DE FIXAÇÃO Assista ao Vídeo “Arquitetura dos limites: APAC Contagem” e veja um modelo de presídio que atende a alguns aspectos da Resolução nº 09/2011. Leia a Resolução nº 09/2011 do CNPCP, responda o que você acha que poderia ser melhorado. De que modo? 7. MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL Após o advento da Revolução Industrial, a humanidade ingressou numa via de desenvolvimento vertiginosa. Muitos estudiosos dizem que não estamos mais na era moderna, mas, sim, na pós-modernidade ou na modernidade madura. De todo modo, o que importa frisar é que na atualidade – e já faz algum tempo – a sociedade é altamente heterogênea, os valores são constante e velozmente relativizados, a contracultura é inexorável, o desenvolvimento e o conhecimento tecnológico são objetivos eminentes e perenes, as fronteiras geográficas romperam-se, a lei de mercado se sobrepõe às regras jurídicas, o clássico eixo tempo-espaço rompeu-se etc. Nessa surpreendente sociedade pós-moderna, o dinheiro não é mais sinônimo de riqueza, tampouco a posse de bens imóveis, carros luxuosos etc. Informação é riqueza. Mas não um tipo qualquer de informação: a informação capaz de ser rapidamente transferida e informação de boa qualidade, isto é, que encontra lastro na realidade. Portanto, qualquer sistema que se pretenda moderno deve obedecer a essa lógica. O sistema prisional não foge à regra. A modernização do sistema prisional passa, necessariamente, pelo uso maciço da Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC. Isso implica na informatização de todo o sistema prisional e das instituições com as quais ele se relaciona. Isto é, é preciso também a informatização dos demais sistemas relacionados ao prisional, como o de justiça penal, segurança pública, Ministério Público, OAB, Secretarias de Estado etc. A implementação das medidas necessárias para a completa informatização do sistema prisional exige conhecimentos, procedimentos e tecnologia que não representam novidade, tampouco são especiais obstáculos. Isso não significa que não existiriam dificuldades. Estas existiriam, certamente. Por exemplo, a migração de dados de outros sistemas eventualmente já existentes. Mas mesmo isso não poderia ser seriamente considerado como óbice intransponível. Não há desafio excessivamente desconhecido ou de difícil superação, pois a efetivação da aplicaçãodeTICaosistemaprisionalbrasileirodemandarátarefascomunsàimplementação de qualquer novo sistema de grande porte. Ou seja, um projeto trabalhoso, mas nada difícil. Os necessários contatos e trocas de informações entre os agentes e instituições que participam da questão prisional exigem, obviamente, adequadas interfaces entre as
  • 38. POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 238 instituições e órgãos que interagem entre si (varas de execuções penais, Secretarias de Estado afins ao tema, todas as unidades prisionais, Ministério Público, Defensoria Pública, cartórios criminais etc.). Embora volumosos, os tipos de informações a serem trocados entre essas instituições têm formato simples. Os agentes que atuam nos sistemas devem, basicamente, trocar documentos, a fim de que o sistema seja alimentado com as manifestações pertinentes; por exemplo: pedidos de benefícios, incidentes processuais, remoções, andamento de processos criminais, inquéritos policiais, comportamento carcerário do detento, informações sobre a conclusão de sindicâncias que apuram faltas de presos, exame criminológico (quando exigido) etc. Impressiona que o Brasil ainda não tenha um cadastro único de pessoas presas, com seus respectivos históricos criminais e prisionais. A remoção de presos entre unidades prisionais e o acesso ao histórico poderia ser feito por simples leitura biométrica. Bastaria que o preso colocasse seu dedo no leitor para que se tenha acesso a uma enormidade de funcionalidades aplicáveis ao seu encarceramento. Note-se que até não muito tempo atrás não havia controle informatizado do número de presos no Brasil, conforme sexo e situação processual. SAIBA MAIS O Infopen ainda é uma ferramenta relativamente recente. Nele você encontrará dados ainda parciais, mas vale a pena conhecer. Visite a página http://www.infopen. gov.br/ e faça pesquisas e conheça a ferramenta de informações! Seria o adeus a morosidade que a troca de papéis e documentos provoca. Como consequência da aplicação de TIC, o próprio processo de execução de penas seria todo informatizado. Os benefícios para o sistema seriam expressivos, a começar pela redução do número de rebeliões. Como sabemos, com a forma física de tramitação de autos de execução penal, tudo conspiraparaque,nadatadovencimentodobenefíciodosentenciado,inicie-sedemorado processamento físico para a verificação dos requisitos necessários para a prestação jurisdicional. Toda esta demora intrínseca ao formato clássico da tramitação dos autos de execução gera tempo suficiente para o recluso revoltar-se ou insurgir-se contra o sistema penitenciário. Não é demais lembrar o que a experiência ensina. O que acontece quando estamos em um estabelecimento prisional? O que mais se ouve dos presos? Como um coro, todos afirmam que já têm direito a algum benefício e que estão ali mais tempo do que deveriam estar. Uma vez que o acesso aos autos eletrônicos poderá ser feito fora das relações clássicas de tempo-espaço, será possível ao recluso saber de sua situação processual dentro do próprio estabelecimento em que cumpre pena. As rebeliões deixarão de ter, como pretexto, a alegação de que “os benefícios dos presos estão atrasados”.
  • 39. UNIDADE 1 39 Vejamos, agora, aquele que talvez seja o argumento mais forte. Fundamentalmente, o crime organizado pelas facções criminosas – que atuam dentro e fora das unidades prisionais – teria minada uma de suas bases de sustentação. É voz unânime na doutrina e na experiência mundial que a criminogênese específica do crime organizado é a ausência do Estado. Não é novidade: o crime organizado germina onde o Estado é omisso ou dividido. No Brasil, os líderes de facções presos se utilizam da falta de informações dos demais detentos sobre suas respectivas situações processuais. Dito de outro modo: a desinformação dos demais presos é fator de fragilização dos mesmos, a qual é usada como alavanca pelos líderes de facção, que, por sua vez, utilizam argumentos de presença e força para suprir o discurso de segurança ontológica (conhecimento no mundo) que o Estado deveria dar ao condenado que, afinal, é seu custodiado. Ora, a partir do instante que o detento comum tem no líder de facção o seu único referencial de segurança e expectativas, a este dará obediência. Ao Estado, não. A TIC aplicada maciçamente ao sistema prisional surge como poderosa ferramenta que possibilita ao Estado se fazer efetivamente presente no cumprimento da pena em seus aspectos principais previstos na LEP. A possibilidade de o preso ter conhecimento de sua efetiva situação processual é aspecto fundamental para diminuir sua susceptibilidade aos líderes das unidades prisionais. Do ponto de vista econômico, a redução do tempo para apreciação de benefícios provocaria sensível diminuição de gastos para o Estado, posto que o sentenciado deixaria o cárcere meses antes do que isso normalmente ocorreria. Pesquisas recentes informam que a economia anual seria da ordem de bilhões de reais. A certificação digital será necessária. Aconselha-se a criação de uma Secretaria de Fiscalização da TI para o sistema. Não custa lembrar que a atual movimentação física de papéis é mais susceptível a fraudes e falsificações, como nos revela a experiência. O passado recente registra a falsificação de assinaturas de magistrados em alvarás de soltura de presos. AcriaçãoeimplementaçãodeTICaosistematambémexige,comopontofundamentalpara o sucesso, uma equipe de trabalho de caráter multidisciplinar, formada por profissionais técnicos, administradores e representantes de todas as instituições que operam no ou junto ao sistema prisional. PARA REFLETIR Afinal, adotamos o uso da tecnologia para o ensino a distância, a fim de prover mais amplo alcance de cursos de formação e reciclagem de profissionais do sistema penitenciário. Em que outros aspectos mais a aplicação de TIC ao sistema prisional trariam benefícios?
  • 40. UNIDADE 2 ASSISTÊNCIA E GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL
  • 41. UNIDADE 2 41 UNIDADE 2 – ASSISTÊNCIA E GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL A prisão é um espaço de angústia e paixões. É também uma instituição totalizante e despersonalizadora. Aqueles que estão dentro de uma unidade prisional tendem a ceder parte de sua individualidade para o todo. Costuma-se dizer que há perda da personalidade do detento ou de parte dela. Isso ocorre porque a convivência forçosa num mesmo ambiente com diversas pessoas, diferentes entre si e cada qual com sua individualidade será conflituosa caso todos não abram mão de certos comportamentos. Isso significa que os presos precisam abrir mão de parcela de sua individualidade, em maior ou menor grau, a fim de que o convívio dentro da prisão seja menos violento. FIQUE ATENTO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO Na tentativa de organizar a discussão, esta Unidade está dividida em seis itens: 1. O gênero no sistema prisional 2. O gênero feminino 3. O gênero conforme a opção afetiva 4. Separação etária 5. Separação conforme a situação jurídica 6. Separação conforme a natureza do crime OBJETIVOS Esperamos que você, ao final do estudo desta Unidade, seja capaz de: • Identificar a questão do gênero no sistema. • Compreender as relações entre gênero, natureza do crime e condições da pessoa presa Para o desenvolvimento desse curso faremos uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle – AVA – e suas ferramentas de interação, as quais nos permitem momentos de interação síncrono e assíncrono. Por meio do AVA, compartilharemos nossas dúvidas, saberes, expectativas referentes à questão dos direitos humanos e da diversidade social. Além disso, serão disponibilizados no AVA outros referenciais teóricos que abordam essa temática. Por fim, ao final da Unidade será solicitado a você que realize atividades avaliativas nesse ambiente.
  • 42. 42 POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 2 AGENDA A agenda é um instrumento importante para você planejar melhor sua participação em nosso curso, pois apresenta a sequência de atividades previstas para a Unidade. Marque com um “X” as datas em que pretende realizar as atividades descritas, bem como as atividades já concluídas. Período Atividade Seg Ter Qua Qui Sex Concluída Semana De ___/___ a ___/___ 1 Leitura da Unidade 2 do Guia de Estudos. 2 Visualização da videoaula “Gênero no Sistema Prisional” 3 Visualização de Vídeo “Ala GLBT em presídio da Paraíba é destaque em matéria do jornalista Fernando Gabeira da Globo News”. Disponivel em: https://www.youtube.com/ watch?v=d1R-v4JWQaE 4 Leitura dos Textos Complementares 2 e 3 5 Atividade de Reflexão no Guia 6 Atividade Avaliativa no AVA Procure se organizar para concluir estas atividades em duas semanas, conforme cronograma de atividades. Sugerimos uma dedicação diária de 45 (quarenta e cinco) minutos durante os dias úteis. 1. O GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL O perfil da personalidade da pessoa presa em geral é o de um indivíduo que dificilmente cede. Logo, o convívio entre pessoas presas gerará violência, conflitos e violações. Uma medida que tende a diminuir a violência e a alienação pessoal de si mesmo _ isto é, que ajuda a diminuir os conflitos e a perda de individualidade – é o agrupamento de pessoas presas com características semelhantes ou comuns. Estas características podem ser físicas, étnicas, psicológicas, sexuais, etárias etc. As pessoas com as mesmas características formam grupos que podem representar um gênero. A expressão gênero é vaga. Ademais, é uma noção tridimensional, pois emerge do conceito de gênero, das relações de gênero e do sistema de gênero. Trata-se de um conceito nada simples. Não vamos ingressar na tormentosa questão do que significa gênero. Interessa a nós, aqui, sublinhar que o gênero representa a forma e o modo de ser de algo. A transposição dessa ideia para o meio carcerário ensina que os grupos de detentos devem ser separados conforme suas características comuns, pois isso assegurará maior ressocialização, graças
  • 43. UNIDADE 2 43 à menor violência interna e menor perda da individualidade de cada pessoa presa. Certamente, trará maior segurança à unidade prisional e um ambiente de trabalho menos tenso. Costuma-se identificar a questão de gênero no sistema prisional com a problemática sexista, isto é, relacioná-la à problemática do encarceramento feminino. Embora a prisionalização de mulheres seja um grave e grande problema do sistema prisional, é apenas um dos problemas de gênero. Outros existem. Vejamos, assim, primeiramente a questão de gênero feminina e, a seguir, outras. 2. O GÊNERO FEMININO A Constituição Federal, já em seu Artigo 5º, positiva garantias em favor da presa. Consta no inciso XLVIII que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo da pessoa presa”. As garantias inscritas no Artigo 5º da Constituição Federal revelam também a relevância do tratamento de gênero adequado no sistema prisional, que assumiu nível e dignidade constitucional. O aumento da prisionalização de mulheres é desproporcionalmente maior em relação a dos homens. O motivo é, principalmente, a prática de tráfico de drogas por mulheres. As pesquisas são unânimes ao concluir que os motivos que tem levado ao aumento da criminalidade entre mulheres é a pobreza. O tratamento penal que é dado a uma pessoa do sexo feminino não pode ser igual a uma pessoa do sexo masculino. Em todos os aspectos deve ser adequado ao gênero feminino. Assim, os profissionais da unidade prisional devem ser, em sua grande maioria, do sexo feminino. Os homens eventualmente trabalhando em uma unidade prisional feminina deverão estar lotados em atividades que exijam menor contato com as detentas. O ideal é que todos os profissionais que trabalham diretamente no trato penitenciário sejam femininos. Em tema de atenção à saúde não basta um médico clínico geral atuando numa unidade prisional feminina. É preciso, também, um ginecologista. E exames de rotina específicos, como mamografia e papanicolau, devem ser realizados periódica e continuamente. Questões como visita íntima e preservação dos laços de família são especialmente importantes durante o aprisionamento feminino. Não podem ser esquecidos os papéis importantes e de referência que uma mãe ou dona de casa exercem na dinâmica familiar. O Artigo 5º, inciso L da Constituição Federal consigna que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. Logo, deve haver espaço apropriado para que as mães presas possam estar com os filhos até os seis meses de vida. É de especial relevância a necessidade de educação, profissionalização e trabalho dispensados à população carcerária feminina. Tais tratamentos aumentarão a probabilidade de emprego para as egressas, reduzirão os níveis de reincidência e melhorarão a sociabilidade. O trabalho realizado já dentro da unidade prisional permitirá ganhos financeiros e remição.
  • 44. 44 POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 2 As atividades de educação, profissionalização e trabalho tem o poder de, principalmente, conferir maior independência à egressa, a fim de que consiga livrar-se da dependência ou submissão ao gênero masculino. Podemos resumir o tratamento penal para o gênero feminino com a conclusão de que se trata de processo diferenciado, com especial atenção à saúde, à manutenção dos laços de família e ao asseguramento de meios que possibilitem à egressa alcançar independência. 3. O GÊNERO CONFORME A OPÇÃO AFETIVA Ainda em tema de questões de gênero de ordem sexista, outro aspecto importante está no aprisionamento de pessoas com opções sexuais quantitativamente minoritárias, que designaremos por GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transexuais). Trata-se de grupo que frequentemente é vitimizado quando inseridos nas celas com presos de gênero masculino ou feminino. Por isso, é preciso que a população GLBT tenha o seu encarceramento realizado em ala ou celas separadas das demais. Mas não é só. O tratamento respectivo também deve ser adequado à opção afetiva desses indivíduos. Caso uma dessas pessoas seja inserida em cela comum, isto é, juntamente com os demais encarcerados de opões heterossexuais, surge alta probabilidade de que sejam praticados crimes sexuais contra os primeiros, além de tumultos e violências de toda ordem. Não se esqueça de que a dominação sexista entre os seres humanos é tão antiga quanto a história do homem. Especialmente no ambiente carcerário, qualquer forma de dominação entre detentos deve ser evitada, a fim de se assegurar melhor convivência, maiores condições de ressocialização e menor violência. Atualmente, existe norma que regulamenta o tratamento que deve ser dado à comunidade LGBTnasprisões.Trata-sedeResoluçãoconjuntanº01,de15deabrilde2014,doConselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD/LGBT – e pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. A referida norma assegura, entre outros direitos, que os presos de opção LGBT tenham “oferecidos espaços de vivência específicos” para a garantia das suas integridades físicas e psicológicas, sendo que a transferência da pessoa presa para o espaço de vivência apropriado fica condicionada à expressa manifestação de vontade do interessado. Também as pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as unidades prisionais femininas. O Estado deverá assegurar às mulheres transexuais tratamento igual ao das demais mulheres em privação de liberdade. Ainda conforme a Resolução, a pessoa travestis ou transexual em privação de liberdade tem direito de ser chamada pelo seu nome social, de acordo com a sua identidade de gênero.
  • 45. UNIDADE 2 45 16ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, Brasil, 2012. Fonte: www.wikipedia.org.br. 4. SEPARAÇÃO ETÁRIA A Constituição Federal de 1988, a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Lei de Execução Penal determinam que os presos sejam separados conforme: o sexo; a idade; a situação jurídica (definitivos e provisórios); e a natureza do delito. Da primeira (separação conforme o sexo) já tratamos. As demais separações obrigatórias são, também, ditadas em razão do gênero. Como já dissemos acima: a questão de gênero em tema prisional é mais conhecida como aquela respectiva ao encarceramento feminino. Todavia, existem outras muito importantes. Vejamos. A separação dos presos conforme a idade é obrigatória e está prevista na Constituição Federal em seu Artigo 5º, inciso XLVIII, acima citado. A razão de ser deste dispositivo está na tendência natural que o ser humano tem para agrupar-se em razão da faixa etária. É da natureza do homem formar grupos de pessoas cujas idades dos integrantes sejam mais próximas entre si. Estes grupamentos convivem de modo mais pacífico e ao mesmo tempo constituem um meio no qual as individualidades são mais preservadas, pois entre os seus membros as preferências costumam ser semelhantes, assim como as abjeções, os costumes, os valores etc. Ademais, grupos mais jovens, fortes e impulsivos, serão mais violentos e tentarão dominar os demais pela força, enquanto grupos de idade mais avançada tentarão subjugar os demais grupos usando a força da argumentação, isto é, a experiência de vida. Uma vez que deve ser evitada toda forma de dominação entre detentos em uma unidade prisional, a separação dos detentos conforme a idade é medida fundamental.
  • 46. 46 POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL – VOLUME 2 Recomenda-se que sejam separados os grupos conforme a faixa etária que vai dos 18 aos 21 anos; dos 22 aos 30 anos; dos 31 aos 40 anos; dos 41 aos 55 anos; dos 55 aos 69 anos; e dos 70 anos em diante. Essa é uma recomendação conforme fases de maturidade psicológica e capacidade de interações e contatos sociais. Veja bem, é uma recomendação e nada impede que outros modelos sejam adotados, desde que preservem as semelhanças comportamentais dos grupos etários. Por exemplo, existem classificações de apenas três níveis: dos 18 aos 21 anos; dos 22 anos aos 69 anos; e dos 70 anos em diante. Nota-se que, no caso da separação obrigatória da mulher e do preso maior de 70 anos, a LEP dá providência específica: “Artigo 82, § 1° – A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal”. 5. SEPARAÇÃO CONFORME A SITUAÇÃO JURÍDICA A separação conforme a situação jurídica (presos provisórios e presos definitivos) decorre da Lei de Execução Penal (Artigo 84) e, antes dela, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 5º, nº 4). A razão desta separação reside no fato de que o preso provisório é um inocente, isto é, é uma pessoa que está respondendo a um processo criminal no qual sofre uma acusação e onde está se defendendo. Logo, não é uma pessoa condenada e pode ser que não o seja, isto é, pode ser que venha a ser absolvida no julgamento ao fim do processo. A separação entre tais pessoas presas não deve ser apenas física. O tratamento penal também deve ser diferenciado. O indivíduo em relação a quem se tem a certeza de ter praticado um delito deve receber um tratamento de ressocialização que objetive sua melhoria pessoal em relação ao injusto praticado. Diversamente, o indivíduo que aguarda julgamento não pode ser apontado como alguém que praticou um delito. Logo, o respectivo trato deve objetivar uma ressocialização voltada à política de redução de danos. Uma vez que toda forma de encarceramento provoca algum grau de dessocialização, o preso provisório tem que ser alvo de ações que impeçam sua dessocialização ou que somente a permitam no menor grau. Enquantoopresodefinitivotemquesertratadocomodelinquenteautordeatoinfracional, o preso provisório tem que ser tratado como inocente. Isso é um desafio para todos que atuam junto ao sistema prisional. Não deve ser permitida convivência intracarcerária entre pessoas que comprovadamente praticaram delitos e pessoas que não foram condenadas e devem ser tratadas do modo respectivo. Isso exige especial esforço do gestor e dos profissionais do sistema prisional. O contato entre ambos os grupos significa a mistura indevida de gêneros, com todas as mazelas que este tipo de contato gera, conforme acima exposto: dominação, violência, prejuízos de ressocialização etc. 6. SEPARAÇÃO CONFORME A NATUREZA DO CRIME Afinal, o último aspecto da questão de gênero que trataremos diz respeito à natureza do crime praticado. Os presos devem ser separados conforme a natureza do delito praticado.