O documento discute a renovação do culto mariano na Igreja Católica. Propõe que o culto a Maria seja cristocêntrico e trinitário, com ênfase nos mistérios de Cristo e na inspiração bíblica. Também defende que a figura de Maria deve ser compreendida à luz das ciências humanas e das situações atuais, como um modelo de discipulado e serviço aos outros.
1. MARIALIS CULTUS
Paulo VI
Organização: Afonso Murad
www.maenossa.blogspot.com
2. Esquema do documento
• PARTE I: O CULTO DE MARIA NA LITURGIA
• A. Maria na liturgia romana renovada
• B. Maria, modelo da Igreja no exercício do culto
• PARTE II: PARA A RENOVAÇÃO DA PIEDADE
MARIANA
• A. Notas sobre o culto mariano
• B. Algumas orientações o culto a Virgem Maria.
• (1) Critérios
• (2) Orientação antropológica
• 2.1: Constatação
• 2.2. A figura atual de Maria
• 2.3. No rumo de um culto legítimo e coerente
• PARTE III: "ANJO DO SENHOR" E ROSÁRIO
• O rosário
• A. Fundamentação teológica
• B. Rosário, liturgia e devoção
• C. Recomendações práticas
• Conclusão: Valor teológico e pastoral do culto mariano
3. I.O culto de Maria na liturgia
a.Maria na reforma litúrgica (MC 2-13)
A reforma litúrgica após o Vaticano II inseriu Maria no ciclo anual dos mistérios de Cristo:
* Tempo do Advento: Imaculada Conceição, último domingo do Advento. Tomar Maria como
modelo e se preparar para ir ao encontro do Salvador que vem. A liturgia do Advento
apresenta um equilíbrio cultual acertado: Maria em relação a Cristo.
* Tempo do Natal: Nascimento, Epifania, Sagrada Família, e Santa Maria mãe de Deus.
* Solenidades no Tempo comum:
- Anunciação do Senhor (25 de março), festa de Cristo e de Maria.
- Assunção (15 de Agosto): festa de Maria que propõe a imagem da antecipação da nossa
glorificação plena. Prolonga-se na memória da Realeza de Maria (22 de agosto).
* Celebrações de eventos salvíficos, de Maria intimamente associada ao Filho:
- Memória da "Apresentação do Senhor"(2 de Fevereiro)
- Festa da Visitação (31 de maio)
- Festa da Natividade de Maria (8 de setembro)
- Memória de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro)
* Outras celebrações, originalmente de cunho local ou congregacional:
- Memória de N.S. de Lurdes (11 de fevereiro)
- Dedicação da Basílica de Santa Maria Maior (5 de agosto)
- Memória NS do rosário (7 de outubro)
Compete às Igrejas locais recolher e realizar as suas festas marianas. Pode-se celebrar a
memória de Santa Maria, aos sábados.
*Maria está presente nas orações eucarísticas, especialmente a Oração III
. O mesmo se dá na "liturgia das Horas", através de hinos, antífonas e preces.
4. b.Maria modelo da Igreja no culto(MC 16-22)
Maria é o modelo da Igreja, na fé, na caridade e na união
com Cristo, as disposições com a que a mesma Igreja,
intimamente associada ao seu Senhor, o invoca, e por
meio d'Ele presta o culto ao Pai:
* Maria, Virgem que sabe ouvir e acolher a palavra de
Deus com fé. Assim faz a Igreja na liturgia: escuta
com fé, acolhe, proclama e venera a Palavra de Deus e a
distribui como pão da vida. À luz da Palavra, perscruta
os sinais dos tempos, interpreta e vive os
acontecimentos da história.
* Dada à oração. A Igreja, como Maria, se dedica à
oração. Todos os dias apresenta ao Pai as necessidades
de seus filhos, louvando o Senhor e intercedendo pela
salvação de todos.
* Mãe. A Igreja pelo Batismo gera novos filhos de Deus.
* Oferente. A Igreja se oferta a Deus e oferece os dons
na eucaristia.
Maria é a mestra da vida espiritual para cada um dos
cristãos. Os cristãos olham para Maria, a fim de que,
como ela, façam de sua própria vida um culto a Deus, e
do seu culto um compromisso vital.
A Igreja traduz as múltiplas relações que a unem a Maria
em outras tantas atitudes cultuais: Veneração
profunda, Amor ardente, Invocação confiante, Serviço
amoroso, Imitação operosa, Admiração comovida.
5. II.Renovação da Piedade Mariana
As manifestações da piedade mariana aparecem de muitas
formas, de acordo com: tempo, lugar, sensibilidade dos povos e
tradições culturais.
Como são sujeitas ao desgaste do tempo, necessitam de
renovação -> para valorizar os elementos perenes e substituir
os caducos, incorporando os dados da reflexão teológica e do
magistério.
Deve-se fazer uma revisão dos exercícios de piedade mariana,
respeitando a sã tradição e estando abertos “para receber as
legítimas instâncias dos homens de nosso tempo“ (MC 24).
A. Nota trinitária, cristológica e eclesial do culto mariano
Os exercícios de piedade mariais devem ser cristológicos e
trinitários: ao Pai, por Cristo, no Espírito. Em Maria, "tudo é
relativo a Cristo e dependente dele". Por isso, o culto mariano
deve manter a orientação cristológica.
O Espírito Santo plasmou Maria como nova criatura, consagrou
e fecundou sua virgindade, tornando-a santuário dele; foi
responsável pela fé-esperança-caridade que animaram seu
coração, teve influxo no Magnificat, agiu nela e na comunidade
cristã das origens. Deve-se aprofundar sobre a obra do
Espírito na história da salvação, na relação com a Igreja e
Maria.
Os exercícios de piedade mariais têm que manifestar de modo
claro o lugar que Maria ocupa na Igreja: "depois de Cristo, o
mais alto e mais perto de nós" (LG 54). O amor pela Igreja
traduzir-se-á em amor para com Maria, e vice-versa (MC 25-
27).
6. b. Orientações para o Culto a Maria
(1) Critérios para rever/recriar exercícios de piedade mariais:
• Dar cunho bíblico. Não somente diligente uso de textos e símbolos
da Escritura, mas que "as fórmulas de oração e os textos
destinados ao canto assumam os termos e a inspiração da Bíblia". O
culto à Maria deve estar permeado pelos grandes temas da
mensagem cristã.
• Dar Cunho litúrgico. Levar em conta a recomendação do Concílio,
SC 13: "Considerando os tempos litúrgicos, estes exercícios devem
ser organizados de tal maneira que condigam com a Sagrada
Escritura, dela de alguma forma derivem, para ela encaminhem o
povo, pois que ela, por sua natureza, em muito os supera". Esta
norma sábia tem difícil aplicação prática.
• Evitar os extremos: os que desprezam os exercícios de piedade,
criando um vazio, e os que misturam exercício piedoso e ato
litúrgico, em celebrações híbridas.
• Sensibilidade ecumênica. Devido ao seu caráter eclesial, no culto a
Maria refletem-se as preocupações da própria Igreja. Entre elas, o
anseio pela unidade dos cristãos. A piedade para com a Mãe do
Senhor torna-se sensível ao Movimento ecumênico, e adquire
também um caráter ecumênico (..)
• “Sejam evitados, com todo o cuidado, quaisquer exageros, que
possam induzir em erro os outros irmãos cristãos, acerca da
verdadeira doutrina da Igreja Católica; e sejam banidas quaisquer
manifestações cultuais contrárias à reta praxe católica" .
• Existem discordâncias entre as Igrejas a respeito da função de
Maria na obra da salvação, e conseqüentemente, sobre o culto que
se presta a ela (MC 30-33).
7. (2)Orientação antropológica p/ o culto a Maria
No culto à Maria devem ser consideradas as aquisições das
ciências humanas. Isso ajudará a eliminar o desconcerto
entre os dados do culto e as atuais concepções sobre o ser
humano e sua realidade.
2.1: Distância entre imagem de Maria na devoção e as
conquistas da mulher
É difícil enquadrar a imagem de Maria em certa literatura
devocional nas condições de vida da sociedade
contemporânea, e em particular na situação da mulher. Isso
se dá em vários campos:
Ambiente doméstico: tendência para reconhecer a
igualdade e a corresponsabilidade com o homem, na direção
da vida familiar.
Campo político: a mulher conquistou em muitos países
paridade com o homem no poder de intervenção na vida
pública.
Campo social: a mulher desenvolve atividades em diversos
setores, "deixando cada dia mais o restrito ambiente do
lar“.
Campo cultural: abrem-se possibilidades novas de pesquisa
científica e de afirmação intelectual da mulher.
É normal que haja dificuldade em tomar Maria de Nazaré
como modelo, porque os horizontes de sua vida parecem
muito estreitos (MC 34).
8. 2.2. A figura de Maria hoje (MC 34-37)
Ao mesmo tempo que exortamos os teólogos, os responsáveis
pelas comunidades cristãs e os fiéis a dedicarem a devida
atenção a tais desafios, daremos uma contribuição própria.
"Antes de mais nada, a Virgem Maria foi sempre proposta pela
Igreja à imitação dos fiéis, não exatamente pelo tipo de vida que
Ela levou ou, menos ainda, por causa do ambiente sócio-cultural
em que se desenrolou a sua existência, hoje superado quase por
toda a parte; mas sim, porque, nas condições concretas da sua
vida, Ela aderiu total e responsavelmente à vontade de Deus (Lc
1,38); porque soube acolher a sua palavra e pô-la em prática,
porque a sua ação foi animada pela caridade e pelo espírito de
serviço; e porque, em suma, Ela foi a primeira e a mais perfeita
discípula de Cristo - o que, naturalmente, tem um valor exemplar
universal e permanente".
As dificuldades em reconhecer Maria como modelo de vida estão
em conexão não com a sua imagem evangélica, mas sim com
alguns traços da imagem popular e literária em vigor.
Maria "reuniu em si as situações mais características da vida
feminina, porque (é) virgem, esposa e mãe".
A leitura das Escrituras, feita sob o influxo do Espírito Santo e
tendo presente as aquisições das ciências humanas e as várias
situações do mundo contemporâneo, levará a descobrir que Maria
é um modelo do que os homens as mulheres de nosso tempo
desejam.
9. 2.2. A figura de Maria hoje
A mulher contemporânea, que quer participar com poder de
decisão nas opções da comunidade, vê em Maria a pessoa que dá
o seu consentimento ativo e responsável não para a solução de um
problema pequeno e contingente, mas para a "obra dos séculos",
a redenção da humanidade.
A escolha de ser virgem não é um ato de fechar-se aos valores
do matrimônio, mas sim uma opção corajosa de consagrar-se
totalmente ao amor de Deus.
"Maria de Nazaré, apesar de absolutamente abandonada à
vontade de Deus, longe de ser um mulher passivamente submissa
ou de uma religiosidade alienante, foi, sim, uma mulher que não
duvidou em afirmar que Deus é vingador dos humildes e dos
oprimidos e derruba dos seus tronos os poderosos do mundo".
Maria, a primeira entre os humildes e pobres do Senhor, foi
"uma mulher forte, que conheceu de perto a pobreza e o
sofrimento, a fuga e o exílio - situações estas, que não podem
escapar à atenção de quem quiser ajudar, com espírito
evangélico, as energias libertadoras do homem e da sociedade".
- Maria não se volta ciosamente para o Filho. É mulher que, com a
sua ação favoreceu, a fé da comunidade apostólica, em Cristo, e
cuja função materna se dilatou, vindo a assumir no calvário
dimensões universais.
Assim, Maria não desilude algumas das aspirações profundas dos
homens e mulheres do nosso tempo. Ao contrário, oferece o
modelo acabado do discípulo do Senhor: construtor da cidade
terrena e temporal, e simultaneamente peregrino para a cidade
celeste e eterna; promotor da justiça que liberta o oprimido e da
caridade que socorre o necessitado, mas sobretudo, testemunha
operosa do amor, que edifica Cristo nos corações (MC 37).
10. 2.3. Culto legítimo e coerente
• De acordo com o espírito do Concílio
Vaticano II, é deplorável e inadmissível,
tanto no conteúdo quanto na forma, as
manifestações cultuais e devocionais
meramente exteriores, bem como
expressões devocionais sentimentalistas
estéreis e passageiras. Tudo o que é
"manifestadamente lendário ou falso"
deve ser banido do culto mariano (MC38).
• "A finalidade última do culto à bem-
aventurada Virgem Maria é glorificar a
Deus e levar os cristãos a aplicarem-se
numa vida absolutamente conforme à sua
vontade"(MC39).
11. III. O Angelus e o Rosário
Cabe às Conferências Episcopais, aos responsáveis pelas
comunidades locais e pelas várias Famílias religiosas
realizarem uma sábia renovação da piedade mariana (40).
Deve-se manter a recitação do "Anjo do Senhor", onde e
quando for possível (41).
O rosário
A. Fundamentação teológica
O rosário inspira-se no Evangelho, busca nele o enunciado
dos mistérios e as fórmulas principais, medita a
encarnação e considera em sucessão os principais eventos
salvíficos da redenção. A tríplice divisão ( gozosos,
dolorosos e gloriosos) evoca as três fases do mistério de
Cristo: despojamento, morte, exaltação (44s)
"O Rosário é uma prece de orientação profundamente
cristológica. Aquele Jesus que cada Ave-Maria relembra
é o mesmo que a sucessão dos mistérios propõe" (46).
A contemplação constitui um elemento básico do rosário.
"Sem esta, o rosário é um corpo sem alma e a sua
recitação corre o perigo de tornar-se uma recitação
mecânica de fórmulas e achar-se em contradição com a
advertência de Jesus: na oração, não repitam as palavras
(..) Por sua natureza, a recitação do rosário requer um
ritmo tranqüilo e uma certa demora a pensar" (47).
12. • b. Rosário, liturgia e devoção
• O rosário e a liturgia, embora diferentes, apresentam
analogias. "Como a liturgia, o rosário tem uma índole
comunitária, se nutre da Sagrada Escritura e gravita em
torno do mistério de Cristo". A meditação dos mistérios
do rosário pode ser uma preparação e um eco prolongado
da celebração eucarística. Porém, as celebrações
litúrgicas e o rosário não se devem contrapor nem
equiparar (MC 48).
• c. Recomendações práticas
• Existem também outras práticas devocionais marianas,
que se inspiram no rosário, usando textos bíblicos, com
momentos de silêncio e meditação. Recomenda-se a
utilização destes recursos e a recitação a liturgia das
horas em família.
• Estimula-se a recitação do Rosário em família (51-53).
Depois da liturgia das horas, o rosário é "uma das mais
excelentes e eficazes orações em comum" para a família.
• As atuais condições de vida não são favoráveis a
momentos de reunião familiar. Mas as famílias devem
fazer um esforço para criar momentos de encontro
comunitário e de oração em comum (54).
• O rosário nunca deve ser apresentado "com inoportuno
exclusivismo". Ele é "uma oração excelente, em relação à
qual, contudo, os fiéis se devem sentir serenamente livres,
e solicitados a recitá-lo com compostura e tranqüilidade,
atraídos por sua beleza intrínseca" (55).
13. Conclusão
O culto a Maria tem raízes na Palavra revelada e sólidos
fundamentos dogmáticos:
- Singular dignidade de Mãe do Filho de Deus, filha predileta do
Pai e templo do Espírito Santo;
- Cooperação de Maria nos momentos decisivos da história da
Salvação;
- Santidade plena da Imaculada, conjugada com o sempre
crescente progresso na fé.
- Relação de Maria com o povo de Deus: membro eminente, modelo
e mãe;
- Intercessora (MC 56).
Cristo é o único caminho para o Pai. A piedade para com Maria,
subordinada à piedade para com Jesus e em conexão com ela, tem
grande eficácia pastoral e é uma força renovadora (57). A missão
de Maria em relação ao Povo de Deus é reproduzir nos filhos as
feições do Filho.
A materna missão de Maria impele o Povo de Deus a dirigir-se com
filial confiança a Ela. A devoção à Maria é "um auxílio poderoso
para o homem em marcha para a conquista da sua própria
plenitude.
Maria, a Mulher nova, está ao lado de Cristo, o Homem novo, em
cujo mistério encontra verdadeira luz o mistério do ser humano.
Nela se tornou já realidade o plano de Deus em Cristo para a
salvação de todos” (57).
Maria é sinal de vitória da esperança sobre a angústia, da
comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação, da alegria
e da beleza sobre o tédio e a náusea, das perspectivas eternas
sobre as temporais e, enfim, da vida sobre a morte" (57).