Este documento trata de uma ação civil pública proposta por um sindicato contra a União e o Estado de Mato Grosso questionando a delegação da atividade de vistoria veicular a empresas privadas. O juiz rejeita preliminares apresentadas pelos réus e mantem a liminar que suspendeu a resolução do Contran e lei estadual que permitiam tal delegação, entendendo que o poder de polícia não pode ser delegado a particulares.
Mercado de veículos semi-novos e usados Abril 2017
Ação questiona delegação de vistoria veicular a empresas privadas
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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO
Processo N° 0002731-09.2016.4.01.3600
Processo: 0002731-09.2016.4.01.3600
Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: SINDICATO DOS SERVIDORES DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRANSITO DO
ESTADO DE MATO GROSSO - SINETRAN/MT
RÉU: UNIAO FEDERAL
VISTOS EM INSPEÇÃO
(ART. 122, PARÁGRAFO 1º, INC. I, do PROV/COGER Nº 129, de 08/04/2016)
SENTENÇA Nº 203-A/2017 - Tipo A
Trata-se de ação civil pública proposta pelo SINDICATO DOS
SERVIDORES DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DO ESTADO DE
MATO GROSSO – SINETRAN/MT em face da UNIÃO E ESTADO DE MATO GROSSO,
objetivando:
a) a declaração de inconstitucionalidade da Lei Federal 7.347/85, art. 16,
especificadamente do vetor interpretativo que aponta para suposta
incompetência do Juízo da Seção Judiciária Federal de Mato Grosso para
conhecer e julgar esta demanda;
b) estabeleça eficácia erga omnes para a prestação jurisdicional, com
abrangência nos limites do Estado de Mato Grosso, no caso de indeferimento
do pedido de item a;
c) decrete a ilegalidade e inconstitucionalidade da Resolução nº 466/2013, no
que tange à possibilidade de atribuir poder de polícia a pessoas jurídicas de
direito privado não integrantes da administração pública, sob remuneração de
particulares;
d) reconheça a ilegalidade e inconstitucionalidade da Lei Estadual 9.636/2011;
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e) proíba os requeridos de delegar poder de polícia à pessoa jurídica de direito
privado não integrante da administração pública.
Fundamentos alegados pela parte autora:
1) Alega que a função da vistoria é ato no qual se outorga o poder de polícia
aos servidores do Detran/MT, aprovados em concurso, o qual não pode ser
objeto de delegação a pessoas jurídicas de direito privado.
2) A Resolução do Contran nº 466/2013 e a Lei nº 9.636/2011 incorrem em
nulidade, pois extravasam os limites da delegabilidade de atividades e
distorcem o sistema de remuneração dessas atividades.
3) Aduz que nada impede que a administração se valha do auxílio de
particulares para o desempenho do seu dever fiscalizatório, mas que nesse
caso o que ocorre é que o particular não estará fiscalizando atividades
privadas, mas atestando a objetiva ocorrência de fatos. Nesse caso o particular
apenas executa atos antecedentes aos atos de polícia administrativa.
4) Sustenta que os regramentos impugnados também violam a
compulsoriedade dos tributos e a legalidade tributária, além de causar prejuízo
ao erário.
Intimados, a União se manifestou às fls. 128/30 e o Estado de
Mato Grosso às fls. 133/7.
A União alegou não haver qualquer ilegalidade ou
inconstitucionalidade na Resolução do Contran, na medida em que a
jurisprudência do STF admite a delegação do exercício do poder de polícia do
Estado, permitindo a outorga da realização de atividades meio a pessoas
jurídicas de direito privado não integrantes da administração pública. Sustenta
que os atos operacionais, por serem de gestão e não de império, são passíveis
de delegação aos particulares, e que essa delegação não retirou a atividade de
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análise dos servidores do Detran.
O Estado de Mato Grosso sustentou que os atos materiais do
poder de polícia podem sim ser delegados, como ocorreu no presente caso, e
que as normas impugnadas não são ilegais nem inconstitucionais.
Decisão proferida às fls. 139/45 afastou a alegação de que a
ACP se consubstancia em verdadeiro sucedâneo de ADI, bem como a alegação
de falta de interesse de agir, e deferiu o pedido de liminar para determinar a
suspensão da aplicação da Resolução 466/2013 do Contran, e da Lei Estadual
10.380/2016, que revogou a 9.636/2011, no que tange ao exercício da
atividade de vistoria de identificação veicular a ser realizada por pessoas
jurídicas de direito privado, habilitadas para tanto.
Às fls. 150/68, manifestou a Associação Nacional das Empresas
de Perícias e Vistorias – ANPEVI, requerendo o ingresso na lide como assistente
dos réus.
Fundamentos alegados pela ANPEVI:
1) Sustenta que o serviço realizado pela empresa constitui em atividade
técnica instrumental em que são verificados itens obrigatórios no veículo, bem
como colhidas fotos durante o processo de vistoria, o qual é inteiramente
gravado e as informações lançadas apenas após validação da biometria do
vistoriador.
2) Com os dados no sistema, são os servidores do Detran que fiscalizam,
conferem e, se for o caso, autorizam a transferência do veículo (poder de
polícia).
3) Aduz que a atividade das empresas credenciadas constitui em delegação
para atividades materiais que precedem a expedição de ato jurídico de polícia,
que continua sendo do Detran.
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Devidamente citados, os réus apresentaram contestação.
Fundamentos alegados pela União:
1) Preliminar de ilegitimidade.
2) Sustenta que o STF possui entendimento no sentido de admitir a delegação
do exercício do poder de polícia, para que atividades dos servidores do Detran
sejam realizadas por pessoas jurídicas de direito privado.
3) Os atos delegados são operacionais de fiscalização. São atos de gestão, não
de império.
4) Questiona que a parte autora pretende uma mudança das decisões de
administração pública no que se refere à complementação de políticas
públicas.
Fundamentos alegados pelo Estado de Mato Grosso:
1) Inadequação da via eleita.
2) Perda de objeto da lide pela revogação da Lei Estadual nº 9.636/2011.
Sustenta que a Lei nº 10.380/2016, suspensa por este Juízo, não é objeto da
presente ação.
3) Validade da Resolução nº 466/2013 do Contran e constitucionalidade das leis
estaduais impugnadas. Aduz que a resolução permite a delegação de atos
operacionais materiais e prévios ao exercício de polícia propriamente dito.
4) Aduz que a resolução apenas autoriza o credenciamento de particulares
para realizar o ato material de vistoria e identificação veicular, sendo que o ato
de polícia de licenciamento é privativo dos servidores do Detran.
5) Argumenta não haver qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois a
própria União, por meio do Contran, estabeleceu os procedimentos para o
exercício da atividade de vistoria veicular, autorizando a habilitação de pessoa
jurídica de direito público ou privado para o exercício da atividade.
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Agravo de instrumento interposto pela União às fls. 212/6 e
pelo Estado de Mato Grosso às fls. 239/65. Manifestação do Ministério Público
às fls. 269/70.
Decisão proferida à fl. 272 admitiu o ingresso da ANPEVI na
lide, na qualidade de assistente simples da parte ré. Impugnação juntada às fls.
276/94.
É o relatório. Decido.
Preliminares de inadequação da via eleita e perda de objeto
Tais matérias alegadas pelo Estado de Mato Grosso em sede
de preliminar, já foram objeto de análise na decisão proferida às fls. 139/45, de
modo que mantenho o entendimento lá exposto e rejeito, portanto, as
preliminares.
Preliminar de ilegitimidade ativa do SINETRAN/MT
Representando o sindicato autor, os servidores do Detran/MT,
e considerando que no caso em apreço se questiona a delegação de atos que
seriam, em tese, de atribuição exclusiva desses servidores, a legitimidade ativa
para questionar a delegação e a terceirização do próprio trabalho é
inquestionável e integral.
Se realmente houve delegação indevida, tal questão será
tratada no mérito. O fato é que a legitimidade do sindicato está presente no
momento em que foi desenvolvida, na inicial, a tese de que estaria sendo
delegado serviço próprio dos servidores representados pelo sindicato autor.
Preliminar rejeitada, portanto.
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Mérito
O poder de polícia não pode ser delegado, como já esclarecido
na decisão que deferiu o pedido de liminar:
“(...) É o relatório. Decido.
Ressalto primeiramente que os efeitos da liminar em Ação Civil
Pública são restritos aos limites do órgão prolator da decisão, nos termos do
art. 16 da Lei 7.347/95, norma legal vigente sob a qual não pesa mácula de
inconstitucionalidade.
Para concessão da tutela provisória de urgência deve-se
perquirir a respeito de seus pressupostos: (a) probabilidade do direito, (b)
Perigo na demora e (c) inexistência de perigo de irreversibilidade.
Pois bem, o Código Nacional de Trânsito, em seu art. 22,
dispõe que a vistoria é atribuição dos órgãos estaduais de trânsito, que agem
por delegação da entidade federal.
"Art. 22 - Compete aos órgãos ou entidades executivos de
trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua
circunscrição.
I - (.....)
II - (......)
III - vistoriar, inspecionar quanto às condições de segurança
veicular, registrar, emplacar, selar a placa e licenciar veículo,
expedindo o Certificado de Registro e o Licenciamento Anual,
mediante delegação do órgão federal competente. (......)"
Nota-se, pelo dispositivo citado, que não há permissão legal
para que o ato de vistoria seja delegado a empresas particulares, autorizando-
a apenas aos órgãos e entidades de trânsito do Estados e Distrito Federal. Já
por ai não podem existir normas infra-legais, como Resoluções de qualquer
órgão, fazendo a delegação não prevista na lei. Tais normas administrativas
são simplesmente ilegais em face do dispositivo citado, mas o problema é
ainda maior, como se verá adiante.
Na medida em que a atividade limita as condutas dos
particulares que devem se submeter à fiscalização e à licença da autoridade
para trafegar em seus veículos, podemos afirmar que a vistoria veicular se
inclui no âmbito do poder de polícia, atividade típica de estado que jamais
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pode ser delegada. Assim sendo, mesmo que lei delegasse, isto não teria
validade constitucional alguma, pois não é possível delegar atividade típica de
Estado, ao contrário, é da natureza do poder de polícia sua indelegabilidade.
Isto já foi deixado claro pelo Supremo Tribunal Federal, ao
analisar a matéria que trata dos serviços de fiscalização de profissões
regulamentadas, entendendo em caráter final que a fiscalização das
profissões, por se tratar de uma atividade típica de Estado, que abrange o
poder de polícia, de tributar e de punir, não pode ser delegada (ADI 1.717 - Rel.
Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002). Com base nesse
pensamento a corte que tem a palavra final sobre a Constituição não permitiu
que fosse atribuída natureza de pessoa jurídica de direito privado para os
Conselhos Profissionais, mantendo-os como autarquias federais. O mesmo
raciocínio se aplica aqui, ou seja, não se delega poder de polícia, atividade
típica de Estado e que só pode ser exercida por servidores e órgãos públicos
que detenham competência assinalada em lei para exercer tal poder-dever.
Os Réus bem sabem que não poderiam fazer essa delegação,
mesmo que fosse por lei e, por isso, tentaram fugir do tema ao dizer que a
vistoria é mero serviço material e o poder de polícia só seria realmente
exercido quando a vistoria fosse homologada pela Administração, por isso não
estaria sendo delegado (sic).
Trata-se de uma construção fantasiosa e feita apenas para
cobrir uma delegação indevida do poder de polícia. A homologação falada é
vazia, pois o servidor da Administração não terá mais o veículo a sua
disposição para realmente, no exercício do poder de polícia, poder aferir se ele
está em condições de trafegar. Seria apenas uma verificação formal do
preenchimento de algum formulário emitido por empresa privada sabe-se lá
em que condições.
A verdadeira fiscalização, o verdadeiro exercício do poder de
polícia, analisando as condições de segurança e regularidade do veículo será
feita por particular e, portanto, não há como fugir do raciocínio de que o
próprio poder de polícia está sendo absurdamente delegado e em total prejuízo
à população, considerando os valores absurdos que se vê que serão cobrados
(tabela da lei estadual).
Seria a mesma situação de uma outra norma igualmente
absurda que viesse a estipular que a fiscalização ambiental em fazendas seria
feita com a contratação de particulares que fariam visita in loco e elaborariam
laudo em para depois o Ibama homologar (sic) ou não. Imagine-se também a
idéia de a Receita Federal passar a fiscalizar a renda e patrimônio dos
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contribuintes por intermédio de contadores privados, cujo cálculos seriam
apenas homologados ou não, sem jamais os documentos e livros fiscais serem
direta e imediatamente analisados pelo órgão público. Essa idéia nem merece
maiores considerações.
A vistoria, segundo o § 2º do art. 2º, da Resolução CONTRAN
nº 466/2013, tem como objetivo verificar: a) a autenticidade da identificação
do veículo e da sua documentação; b) a legitimidade da propriedade; c) se os
veículos dispõem dos equipamentos obrigatórios, e se estes estão funcionais; e
d) se as características originais dos veículos e seus agregados foram
modificados e, caso constatada alguma alteração, se esta foi autorizada,
regularizada e se consta no prontuário do veículo na repartição de trânsito.
Confirma-se pela leitura dessa norma, portanto, o que já falei
acima, vale dizer, que ao realizar a vistoria veicular, as empresas decidem
sobre a existência de violação às normas de trânsito, não se limitando, assim,
a simples atos operacionais, atos de gestão, atos materiais (sic) conforme
alegado pelo réu. O exercício do poder de polícia ai consiste exatamente em
presencialmente analisar o veículo e seus documentos e não apenas
homologar ou não ou parecer de algum particular que diz que as condições
legais foram preenchidas.
Por todos estes prismas se vê que há uma visível
inconstitucionalidade, estando os Réus a buscar uma delegação de
competência indevida em favor de particulares.
Vejo em sequência algumas alegações dos Réus que poderia
conduzir a solução diversa:
Alegação: Ação Civil Pública se consubstancia como verdadeiro
sucedâneo de ação direta de controle de inconstitucionalidade - ADI
Esta arguição está ligada a uma falsa visão de que o pedido,
uma vez acolhido, teria o mesmo efeito de uma ADIN, analisando e afastando
ou não, em abstrato, a validade da norma.
Ocorre que no caso concreto este pedido não passa de uma
declaração incidente para se alcançar o único e verdadeiro pedido, de natureza
condenatória, concreto e específico, que em nada se confunde com o de uma
ADIN. O pedido é de imposição de obrigação de não fazer uma delegação de
competência, pelo que o conhecimento de eventual inconstitucionalidade não
passa de controle difuso, comum e aceito corriqueiramente em nosso sistema.
Alegação: Falta de interesse de agir, porque em 11/03/2016
sobreveio a Lei Estadual 10.380/2016, que expressamente revogou a norma cuja
inconstitucionalidade foi trata na inicial.
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Essa nova Lei não muda o cenário, porque, apesar de revogar
a Lei anterior, mantém a mesma situação de fato e de direito na medida que
ela cria a Taxa de Credenciamento de Empresas Privadas de Vistoria Veicular e
a Taxa de Homologação de Laudo de Empresas Privadas de Vistoria Veicular.
Portanto, a mesma situação jurídica/fática está mantida, apenas com uma capa
nova, configurando dentro do possível, até em litigância de má fé, ao tentar
impedir o conhecimento da situação com uma Lei que pretensamente teria
revogado o ato anterior.
Exatamente por não se tratar de ação como a ADIN, cujo
objeto é o conhecimento da inconstitucionalidade de uma norma específica e
só ela, o argumento da parte se mostra vazio, pois mesmo que uma dezena de
normas venha a se suceder ainda restará incólume o pedido de imposição de
obrigação de não fazer. O que muda é apenas que tal pedido será conhecido
de acordo com a norma em vigor no momento e sua eventual
inconstitucionalidade incidental (controle difuso) em face do mesmo
fundamento básico, ou seja, não é possível delegar poder de polícia.
Perigo na demora e perigo inverso
Caso a liminar não seja deferida de imediato de modo a que a
situação seja analisada e estudada em maior profundidade, haverá
contratação de particulares para fazer as vistorias, gerando direitos que depois
terão que ser compostos no mínimo pela via da indenização pelo encerramento
prematuro de contratos administrativos. Noutro ponto a população em geral
será penalizada com o pagamento dos valores abusivos dessa vistoria
particular que se mostra desde já nula e depois precisará ser repetida por
servidor que detenha legalmente o exercício do indelegável poder de polícia.
Não há perigo inverso, pois as vistorias sempre foram feitas
por servidores públicos, de modo que a situação continuará sendo realizada da
mesma forma como ela já existe há décadas, sem prejuízo para quem quer que
seja.
Dispositivo
Diante do exposto, DEFIRO o pedido de liminar para
determinar a suspensão da aplicação da Resolução nº 466/2013, do CONTRAM
e, consequentemente, da Lei Estadual nº 10.380/2016 (revogou a Lei Estadual
nº 9636/2011), no que tange ao exercício da atividade de vistoria de
identificação veicular a ser realizada por pessoas jurídicas de direito privado,
habilitada para a prestação dos serviços de vistoria veicular.
Cumpra-se imediatamente a liminar, sendo nula toda e
qualquer vistoria feita em desobediência a ela, além de ficar desde já
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estipulada a multa de R$ 100.000,00 para cada vistoria que seja feita da forma
aqui proibida, até o julgamento final da demanda.
Citem-se e intime-se.
Superada a fase de contestação e de impugnação que se fizer
necessária (preliminares, defesa indireta de mérito, documentos), dê-se vista
ao Ministério Público Federal para manifestação (art.5º,§1º, da Lei 7.347/85),
encerrando-se a fase postulatória.
Após e considerando que o feito encerra questão apenas de
direito, caso não haja requerimentos específicos das partes e/ou do MPF que
precisem ser analisados previamente, façam-se os autos conclusos para
sentença.”
Entretanto, num exame mais aprofundado vejo que há um
ponto que merece revisão nesse raciocínio inicial.
Apesar do poder de polícia não poder realmente ser delegado,
pode conviver bem com a possibilidade de se usar particulares para fornecer
estudos e dados técnicos, os quais irão instruir o exercício do poder de polícia.
É perfeitamente possível que a administração se valha de particulares para
coletar dados ou fazer uma análise técnica dos mesmos, a fim de serem
posteriormente usados pelo poder público para então decidir, com base
naqueles dados, sobre a emissão de documentos, concessão de licenciamentos
ou autorização de transferências.
O poder de polícia se constitui exatamente nesta decisão, a
qual, apesar de baseada em dados ou estudos coletados por empresa
terceirizada, é proferida pela própria administração pública, sem qualquer tipo
de delegação.
No caso em apreço, observa-se que a Associação Nacional das
Empresas de Perícias e Vistorias descreveu exatamente as suas atribuições,
quais sejam, vistoria acerca da existência ou não de itens obrigatórios e
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lançamento das informações coletadas no sistema. Não são estas empresas
que tomam a decisão acerca do licenciamento ou não do veículo, mas apenas
realizam procedimento instrumental e prévio à aprovação ou não do
requerimento de transferência do veículo, o qual continua exclusivamente com
os órgãos de trânsito e seus servidores.
Como devidamente esclarecido na petição de fls. 156/68, a
atividade da empresa terceirizada diz respeito exclusivamente à verificação de
itens obrigatórios no veículo, à colheita de fotografias, bem como ao registro
de tais informações no sistema, se resumindo, portanto, à parte operacional.
Ela não licencia o veículo, nem toma qualquer decisão a partir dos dados
coletados, mas apenas coleta-os para instruir a decisão que será tomada pela
própria administração.
Ademais, importa ressaltar que, mesmo delegados os atos
meramente materiais, ainda assim aos órgãos de trânsito competem monitorar
todo o processo de vistoria, fiscalizando as empresas habilitadas, bem como
punindo-as com advertência, suspensão ou cassação, em caso de
irregularidades praticadas. É o que prevê a Resolução nº 466, de 11/12/2013,
do Contran:
“Art. 6º Compete aos órgãos e entidades executivos de
trânsito dos Estados e do Distrito Federal:
(...)
IV – monitorar e controlar todo o processo de vistoria de
identificação veicular, inclusive a emissão do laudo e qualquer
documento eletrônico disponível na central SISCSV, seja
quando realizada por meios próprios ou por meio de pessoa
jurídica de direito público ou privado, utilizando-se de
tecnologia da informação adequada que realize a integração
dos dados necessários, conforme regulamentação específica
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do DENATRAN;
V – fiscalizar, anualmente, a pessoa jurídica habilitada no
exercício da atividade de vistoria de identificação veicular, ‘in
loco’ e por meio do SISCSV, independentemente de solicitação
do DENATRAN ou de notificação judicial ou extrajudicial,
podendo requisitar documentos, esclarecimentos, e ter livre
acesso a todas as instalações da empresa;
(...)
VII – advertir, suspender ou cassar a pessoa jurídica habilitada
nos casos de irregularidades previstas nesta Resolução,
informando antecipadamente ao DENATRAN, por meio de
ofício, a data de início e término da imposição da penalidade;
(...)”
Tais disposições corroboram ainda mais o fato de que o poder
de polícia continua com o órgão de trânsito, no caso o Detran, que não apenas
delega atos executórios, permanecendo com a palavra final no processo de
vistoria, mas também, e sobretudo, exerce a fiscalização e o controle desses
atos executórios.
O site oficial da ANPEVI ainda esclarece: “E para aqueles que
ainda confundem o poder de polícia de titularidade exclusiva dos órgãos de
trânsito e portanto indelegável, já nos antecipamos em esclarecer que a
atividade das ECV´s não se confunde com o poder de polícia, sendo processo
antecedente, material, instrumental e técnico realizado antes do
encaminhamento do processo de vistoria ao DETRAN, continuando o órgão de
trânsito com a prerrogativa exclusiva de analisar via sistema, comparar com o
processo físico e dados, dando a palavra final sobre a aceitação ou reprovação
do processo de transferência dos veículos”.
Desta forma, vê-se que não há delegação do poder de polícia,
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não havendo que se falar, então, em ilegalidade da Resolução nº 466/2013 do
Contran. O que é delegado é o ato material de vistoria, não o ato de
licenciamento, privativo dos servidores do Detran e que se constitui em ato de
poder de polícia.
Pontuo, por fim, que a situação se mostra análoga a do Juiz
que nomeia peritos para colher e tratar dados técnicos, como para avaliar um
imóvel, por exemplo, ou emitir um laudo médico ou antropológico. Não é o
perito o julgador nesse caso, pois o julgamento é atividade própria e exclusiva
do Juiz, que, todavia, poderá se valer de dados técnicos, bem como de
pareceres científicos, coletados ou produzidos por outro profissional com vistas
a subsidiar sua decisão. Nem por isso há delegação da atividade de julgar.
Superado o debate entre as partes, hoje vejo que esta é a real
situação da vistoria na forma idealizada pela nova norma e atacada na inicial.
DISPOSITIVO
Desta forma, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, revogando a
liminar concedida, e extingo o processo com exame do mérito, nos termos do
art. 487, I, do CPC.
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Condeno a parte autora ao pagamento de custas e de
honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, nos
termos do art. 85, § 2º, CPC.
Oficiem-se aos relatores dos agravos de instrumento
interpostos, encaminhando cópia desta sentença.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Cuiabá(MT), 7 de abril de 2017.
CESAR AUGUSTO BEARSI
Juiz Federal da 3ª Vara Federal/MT
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