Ação civil pública por corte irregular de vegetação nativa
1. ESTADO DE SANTA CATARINA
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Autos n° 0902000-54.2014.8.24.0020
Ação: Ação Civil Pública/Flora
Autor: 'Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Réu: Valmir Zocche
Vistos etc.
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do
Estado de Santa Catarina, representado pelo Promotor de Justiça em exercício neste juízo, em
face de Valmir Zocche, aduzindo, em síntese, que o réu praticou crime contra a flora ao
promover corte de vegetação secundária do bioma da Mata Atlântica em estado médio de
regeneração, a qual estava localizada em sua propriedade na localidade do bairro Cedro Alto,
em Nova Veneza, conforme apurado no Inquérito Cívil Público n. 06.2013.00009145-3,
requerendo a procedência do pedido para determinar que o réu: a) promova a elaboração de
Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD –, por responsável técnico habilitado,
acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), no prazo de 30 dias, a ser
aprovado pela Fundação do Meio Ambiente (FATMA), objetivando a integral recuperação da
área degradada; b) a implantação do PRAD assim que aprovado o projeto pela FATMA, não
podendo a execução do projeto ultrapassar 06 (seis) meses a partir da aprovação; c) a
demarcação, medição e averbação da reserva florestal de 20% (vinte por cento), caso o imóvel
possua área considerada Reserva Legal e ainda não tenha sido demarcada/averbada; d)
determinar a indisponibilidade de bens do réu, como forma de salvaguardar a satisfação da
medida; e) averbar a existência da presente ação na matrícula dos imóveis sub judice; f)
condenar o réu ao pagamento de indenização pelos danos morais coletivos, revertendo o valor
da condenação ao Fundo para a Reconstituição dos Bens Lesados, nos termos do artigo 13, da
Lei n. 15.694/2011, regulamentada pelo Decreto n. 808/2012; nos exatos termos da inicial.
A liminar foi deferida.
Citado, o réu apresentou contestação arguindo, em preliminar,
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ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, alegou que adquiriu a propriedade em questão
para exercício da agricultura, conforme sua função social, sendo que o corte havido não
acarretou danos à flora local, requerendo a improcedência do pedido.
Após nova manifestação do Ministério Público, e outras providências,
os autos vieram conclusos.
É o breve relatório.
Decido.
Julgo antecipadamente a lide por serem suficientes as provas
produzidas nos autos.
Inicialmente, afasto de plano a preliminar arguida, uma vez que:
"[...] Em razão da natureza propter rem da obrigação de reparar
dano ambiental, o novo proprietário de imóvel que sofreu o referido dano também é
responsável pelo dano, ainda que o dano tenha sido causado pelo antigo proprietário."
(STJ. REsp 1.056.540/GO. Rel. Ministra Eliana Calmon. Data do Julgamento: 25.08.2009).
Portanto, sendo o autor proprietário da área degradada, tem o mesmo
legitimidade para figurar no pólo passivo da presente ação.
Resolvida a preliminar, passo à análise do mérito da quaestio.
A Constituição Federal, nos termos do art. 225, garante a todos o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo tanto ao Poder Público, como
à coletividade, o dever de zelar pela sua conservação e preservação, in verbis:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as
presentes e futuras gerações."
Além disso, nos termos do §4º, do art. 225, da Constituição Federal, "A
Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-
Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma
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da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive
quanto ao uso dos recursos naturais".
Da mesma forma, a Constituição do Estado de Santa Catarina insere a
Mata Atlântica como uma das “áreas de interesse ecológico, cuja utilização dependerá de
prévia autorização dos órgãos competentes homologada pela Assembleia Legislativa.”
(art. 184, I).
A Lei Federal n. 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção
da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, estabelece, em seu artigo 14, que “A
supressão de vegetação primária e secundária no estágio avançado de regeneração
somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública, sendo que a vegetação
secundária em estágio médio de regeneração poderá ser suprimida nos casos de
utilidade pública e interesse social, em todos os casos devidamente caracterizados e
motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica
e locacional ao empreendimento proposto, ressalvado o disposto no inciso I do art. 30 e
nos §§ 1o e 2o do art. 31 desta Lei”.
Em ambos os casos, a supressão dependerá de autorização do órgão
ambiental estadual competente, nos termos do §1º do art. 14 da Lei n. 11.428/2006.
Ademais, sabe-se que a legislação pátria impõe restrição ao direito de
construir em áreas fronteiriças a cursos d'água naturais e no entorno das nascentes,
estabelecendo um recuo mínimo para a edificação.
Dentro desse limite a área é considerada non aedificandi, ou seja, não é
permitida a edificação por se tratar de faixa de preservação permanente. A intenção do
legislador foi de proteger e preservar os recursos naturais encontrados às margens de rios,
riachos, etc.
Nesse sentido, dispõe o novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012):
"Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais
ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
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I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda
da calha do leito regular, em largura mínima de:
"a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez)
metros de largura;
[...]
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes,
qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;"
Tais recuos mínimos já estavam especificados no antigo Código
Florestal (Lei n. 4.771/1965). Veja-se:
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito
desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível
mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez)
metros de largura;
[...]
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos
d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50
(cinquenta) metros de largura;
In casu, conforme se verifica nas páginas 26/33, em 23-9-2012, a
Guarnição do 2º Pelotão da 3ª Companhia do Batalhão de Polícia Militar Ambiental, em
atendimento à denúncia anônima recebida pela Guarnição, se deslocou à Estrada Geral Cedro
Alto, no Município de Nova Veneza/SC, a fim de verificar possível ocorrência de crime
ambiental contra a flora.
Na ocasião, foi relatado pela Guarnição Ambiental:
"[…] pode-se afirmar que a área florestal em questão constitui
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vegetação secundária do Bioma Mata Atlântica em estágio médio de regeneração,
podendo alguns pontos isolados estarem já apontado para estágio avançado. Na área
vistoriada observou-se que ocorreu um desmatamento recente, sendo que a área
desmatada divide-se em duas glebas, unidas por um acesso criado por meio de
derrubada da mata nativa. Primeiramente, após percorrer um caminho que fora aberto
com a derrubada da vegetação, a Guarnição encontrou a gleba 1, onde houve o corte
raso da vegetação em uma área de cerca de um hectare. […] A partir da gleba 1,
observou-se o início de uma passagem com cerca de três metros de largura que seguia
em direção ao sul. Ao final desta pequena trilha, a Guarnição deparou-se com a gleba 2,
uma área de cerca de um hectare onde também ocorreu o corte raso da vegetação
nativa. Ao longo do limite sul da gleba 2 foi constatada a presença de um curso de água
com cerca de dois metros de largura, que se mostrou como a extrema sul do
desmatamento. O corte foi visualizado até o limite do curso de água em questão.
Portanto, na gleba 2, a destruição da vegetação nativa deu-se também em área
considerada de preservação permanente, nos termos da legislação florestal federal."
(páginas. 27/28).
Dando sequência ao atendimento da ocorrência, a Guarnição da Polícia
Militar Ambiental entrou em contato com o Sr. Valmir Zocche, ora réu, proprietário da área
em questão, que admitiu “ser o responsável pelo desmatamento verificado na gleba 1,
declarando que o efetuou com o intuito de ali construir um pequeno sítio para sua
família” (fl. 29). Por outro lado, segundo o Relatório de Fiscalização Ambiental, “quanto
à área 2, neste momento o senhor Valmir negou que a tivesse desmatado, alegando já tê-la
comprado desta forma” (página. 29).
Conforme se extrai dos documentos nas páginas 37/40, em razão dos
fatos alhures mencionados, foram expedidos os Autos de Infração Ambiental n. 19914-A e
19915-A em desfavor do réu, por destruir vegetação nativa em estágio médio de regeneração
do Bioma Mata Atlântica, não passível de autorização para exploração ou supressão, e por
destruir vegetação, situada em área considerada de preservação permanente, sem autorização
do órgão ambiental competente.
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Além das informações colhidas pela Polícia Militar Ambiental, o
Laudo Pericial n. 9113.13.00064, elaborado pelo Instituto Geral de Perícias, confirma que
“no local examinado ocorreu a supressão (corte raso) de vegetação nativa e exótica, em
02 (duas) áreas distintas” (página. 107), sendo que, “em meio à 'Área 01' havia uma
nascente difusa, formando uma área alagadiça, ocupada por espécies vegetais típicas
deste tipo de ecossistema, sendo que a supressão de vegetação ocorreu sobre e
imediatamente o entorno desta nascente” (página 108).
No que se refere à “Área 2”, o laudo pericial relatada que “na
extremidade sul da 'Área 02' havia um curso d'água, que media largura máxima de
aproximadamente 2,0m (dois metros), sendo que a supressão de vegetação ocorrida
atingiu imediatamente a margem esquerda do referido curso d'água” (página 108).
Diante desse cenário, e conforme já assinalado na liminar concedida
nestes autos, entendo que os elementos sub judice comprovam que, na área de terras
pertencente ao requerido, localizada na Estrada Geral Cedro Alto, em Nova Veneza, foi
realizada a supressão de vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, bem como a intervenção
em área de preservação permanente, em desconformidade com a legislação ambiental.
Por oportuno, mostra-se irrelevante a afirmação do réu de que é
agricultor e utilizaria a área devastada para o exercício da agricultura, tendo em vista que,
conforme já dito, não há autorização do órgão ambiental competente para explorar, ou mesmo
suprimir, a vegetação existente naquele local.
Sendo assim, de rigor julgar procedente o pedido para determinar que o
réu providencie, no prazo de 90 dias, a elaboração de Plano de Recuperação de Área
Degradada – PRAD –, por responsável técnico habilitado, acompanhado de Anotação de
Responsabilidade Técnica (ART), a ser aprovado pela Fundação do Meio Ambiente
(FATMA), objetivando a integral recuperação da área degradada no imóvel de sua
propriedade, localizado na Estrada Geral Cedro Alto, Bairro Cedro Alto, no Município de
Nova Veneza, e promova a implantação do PRAD no prazo de 06 (seis) meses, a partir da sua
aprovação, tornando definitiva a liminar deferida nos autos.
Com relação ao dano moral coletivo colimado, o ora subscritor tem
entendimento que para a configuração do chamado dano moral coletivo é necessário que
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exista o abalo anímico como constitucionalmente relevado, nos termos do inciso X do art. 5º
da CR.
O fato é que, no caso dos autos, embora os atos praticados pelo réu
tenham causado certo impacto no meio ambiente, não havendo, por parte dos órgãos
competentes, licença ambiental para tal fim, não restou configurado a existência concreta de
prejuízo a terceiros, ou mesmo ofensa ao sentimento difuso ou coletivo, não podendo estes
prejuízos serem presumidos.
Desta forma, entendo da não configuração dos danos morais coletivos,
não sendo, portanto, o caso de condenar o réu em valor pecuniário, conforme já decidiu o e.
TJSC:
"O dano moral ambiental caracteriza-se quando, além dessa
repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou
coletivo - v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da
comunidade de determinada região, que como v.g.; a supressão de certas árvores na
zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano. Consectariamente, o
reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão
física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento
coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de
determinada lesão ambiental" (REsp n. 598.281/MG, Relator para o acórdão: Ministro
Teori Albino Zavascki, j. 2-5-06) (destaque não constante do original)". (Embargos
Infringentes n. 2013.007541-6, da Capital. Relator: Des. Cesar Abreu).
Assim de rigor julgar improcedente o pedido de danos morais
coletivos.
No mais, e conforme já esclarecido na liminar deferida nos autos,
desnecessária a determinação para que o réu promova a “demarcação, medição e averbação da
reserva florestal de 20%”, conforme requerido no item 2.3 da inicial (página 14), pois não há
nos autos comprovação de que o imóvel em questão possui área considerada Reserva Legal.
Do mesmo modo, não há razão para a anotação de pendência desta ação
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civil pública na matrícula de outros imóveis pertencentes ao réu, muito menos de
indisponibilidade dos bens móveis e imóveis pertencentes a ele, pois não houve, ainda, o
dimensionamento dos valores a serem despendidos pelo réu com a recuperação da área
degradada.
Ademais, valido salientar novamente que “A decretação da
indisponibilidade e o seqüestro de bens, por ser medida extrema, há de ser devida e
juridicamente fundamentada, com apoio nas regras impostas pelo devido processo legal,
sob pena de se tornar nula”. (AgRg no REsp 433357/RS).
Assim, continua sendo temerário tornar indisponíveis todos os bens
móveis e imóveis do réu, pois, além de configurar medida excessivamente gravosa ao
demandado, o pedido não veio devidamente fundamentado, inexistindo elementos nos autos
que indiquem a intenção do réu de se desfazer de seu patrimônio para frustrar a execução do
título judicial.
Por fim, e no que tange a multa arbitrada, a mesma deveria ser
discutida através de procedimento/recurso próprio, não havendo motivos plausíveis para
reanalisá-la em sede desta sentença.
Com relação aos ônus sucumbenciais, e tendo o réu decaído da maior
parte do pedido, deve ele arcar com estes ônus.
No entanto, ressalto que:
"PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS - MINISTÉRIO PÚBLICO AUTOR E VENCEDOR."Na ação civil
pública, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo
disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85, com a redação dada ao art. 17 pela
Lei 8.078/90. "Somente há condenação em honorários, na ação civil pública, quando o
autor for considerado litigante de má-fé, posicionando-se o STJ no sentido de não impor
ao Ministério Público condenação em honorários. "Dentro de absoluta simetria de
tratamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na
ação civil pública. "Recurso especial improvido. (STJ - REsp 493823/DF, Rel. Ministra
Eliana Calmon, julgado em 09.12.2003)." (Apelação Cível n. 2014.028267-4, de Imbituba.
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Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz).
Nestes termos, não há condenação em honorários advocatícios.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para,
tão somente, determinar que o réu promova, no prazo de 90 dias, a elaboração de Plano de
Recuperação de Área Degradada – PRAD –, por responsável técnico habilitado, acompanhado
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Ambiente (FATMA), objetivando a integral recuperação da área degradada no imóvel de sua
propriedade, localizado na Estrada Geral Cedro Alto, Bairro Cedro Alto, no Município de
Nova Veneza, e promova a implantação do PRAD no prazo de 06 (seis) meses, a partir da sua
aprovação, tornando definitiva a liminar deferida nos autos.
Tendo o réu decaído da quase integralidade do pedido, com base no
princípio da causalidade, de rigor CONDENÁ-LO ao pagamento das custas processuais.
Em reexame necessário.
P. R. I.
Criciúma, 25 de novembro de 2014.
Pedro Aujor Furtado Júnior
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