Cidades participação e futuro noites na pólis mangualde 20 setembro_vf
Pontualidade
1. O escrito
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diferença entre os pontuais e os não pontuais
é que os primeiros têm medo de que não es-
perem por eles e os segundos sabem que vão
esperar por eles.» É com graça que a jornalis-
A médic
ta Fernanda Câncio justifica a fronteira entre noções de
tempo que leva meio mundo, ou um pouco mais, a espe-
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rar horas pelo outro meio mundo, ou um pouco menos,
dependendo da região do globo em que nos situemos.
A jorn equim éu Sa
Portugal (continental), a 38º 43’ N 09º 09’ O, é uma loca-
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lização desequilibrada também nesta matéria. Os espe-
cialistas nisto da pontualidade chamam-lhe cultura po-
an
licrónica, na qual o tempo assume uma natureza mais
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flexível («por volta das duas»), por oposição à monocró-
nica, na qual prevalece uma visão fixa («às duas»). E se-
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rá isso que tem permitido a Câncio, e a todos os que, co-
mo ela, têm dificuldade em acompanhar os ponteiros do
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relógio, ser reincidente, como a própria reconhece: «Na
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verdade, tenho tido sempre a sorte de raramente os meus
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atrasos me provocarem dissabores e provavelmente é
por isso que continuo a atrasar-me.»
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Já o ex-jornalista, ex-assessor de imprensa e atual con-
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sultor para assuntos europeus, Henrique Burnay, que
durante anos ouviu invariavelmente a advertência «és
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sempre a mesma coisa» de todos com quem se compro-
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o heg metia, não teve outro remédio senão emendar-se desde
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que foi trabalhar para Bruxelas. «Aqui existe um enor-
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me rigor com o tempo e se uma reunião está marcada para
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as nove é às nove. Se chegar atrasado já não vale a pena ir.
Este ambiente inflexível foi a pedra de toque para mim
r d ab ada e, portanto, hoje, no trabalho, sou absolutamente rigoro-
oe alha ao l so. Por outro lado, também percebi que, para a defesa dos
nte r p ança interesses nacionais, é fundamental mudar a má repu-
s à ara a mento do pr rio livro.
corbis
tação dos portugueses em termos de pontualidade.»
um e óp
a da stilista Fátima Lopes.
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manh 35 NOTÍCIAS Magazine
ã.
2. comportamento
Como é que alguém, que teve uma namorada que, por precaução,
comia uma sopinha antes sempre que tinha jantar marcado com ele,
consegue mudar? Não é fácil. De tal forma que, na vida pessoal, con-
fessa, ainda não se emendou completamente. Mas trata-se de alterar
a perspetiva. «Comecei a andar com as horas para trás para planear
chegar a tempo em vez de pensar qual é a hora limite.»
A médica Maria do Céu Santo, ginecologista e obstetra no Hospi-
tal de Santa Maria, com consulta privada em Lisboa e Almada, au-
tora de livros e figura assídua em programas de televisão, é que, por
mais que delineie estratégias e todos os anos novos estabeleça como
objetivo ser pontual, não consegue vencer a batalha com o tempo.
Maria do Céu considera a pontualidade uma caraterística essencial,
«que melhora o estado de espírito das pessoas e a rendibilidade das
organizações», mas lembra, em seu abono, que «a definição de saúde,
segundo a Organização Mundial de Saúde, tem que ver com o bem-
-estar físico, psíquico e social, e para satisfazer estes três itens é pre-
ciso dar mais tempo aos doentes». É o que faz e, não raras vezes, isso
significa, para eles, horas na sala de espera. Nada que a boa disposi-
ção da médica, aliada a uma mestria intuitiva da psicologia cogniti-
va, não dirima. «As minhas doentes sabem que as vejo sempre, nem
que seja à uma da manhã. A verdade é que se me telefonam com um
problema, não tenho coragem de dizer não e enfio-as no espaço que
deixo sempre livre para as urgências, mas em medicina é difícil pro-
gramar o tempo e basta uma demorar mais para atrasar as outras to-
reinaldo rodrigues/global imagens
das. O que vale é que normalmente me entram stressadíssimas no
gabinete e saem calmíssimas porque converso com elas e lhes dou
o tempo de que precisam para expor as suas dúvidas e ansiedades
e acabam por perceber a demora. Os minutos não são todos iguais.
Quando uma pessoa está a sofrer parece que duram uma eternidade,
quando está feliz passam a correr. O tempo é um estado de espírito.»
Tempo é dinheiro
dr
Arménio Rego, professor de gestão na Universidade de Aveiro, tem
uma noção menos subjetiva do tempo. Uma das suas 13 ideias para mu-
dar Portugal, defendidas num artigo de opinião no DN, passa preci-
samente pela pontualidade e o académico expli-
ca porquê: «É uma questão de respeitar e de evi-
Henrique Burnay, que durant e anos «sofreu» de falta A maioria das pessoas que
tar desperdiçar o tempo dos outros – e o nosso.
É paradoxal que as pessoas que mais perdem
de pontualidade crónica, não teve outro rem édio senão emendar-se combina coisas com Fátima Lopes
tempo no nosso país são as pontuais, porque têm
de esperar!» Há anos a estudar como tornar Portugal mais produtivo e
desde que foi tr abalhar para Bruxelas. pensa que vai esperar. Engana-se.
eficiente, considera este um dos aspetos fundamentais a transformar.
«Quando o líder de uma reunião de vinte pessoas se atrasa 15 minutos,
o resultado são cinco horas (repito: cinco horas) perdidas. Multiplique realizar e, no entanto, a perceção da pontualidade muda consoante Detesta esperar e por isso não faz esperar ninguém. Cinco a dez A estilista faz, no entanto, distinções. Se a convidam para uma fes-
este desperdício pelos milhões de atrasos que ocorrem diariamente o prisma de observação. Apesar de só 5,4 por cento acharem que os minutos é a sua tolerância máxima na vida pessoal, que passa a ta ou um evento não é a primeira a chegar e encara a hora de início
no nosso país e percebe a dimensão. Mas a pontualidade também evita portugueses são pontuais (habitualmente ou sempre), 86,6 por cen- zero na profissional: «Comigo é impensável uma manequim che- com maior descontração, se for um jantar em casa de alguém ou uma
a perda de tempo dos fornecedores e dos clientes, assim como permi- to afirmam-se como tal. Para José Carlos Mota, também professor gar atrasada, não volto a contratar, já aconteceu. Em trabalho é reunião de trabalho então é absolutamente pontual.
te fazer o trabalho em menos tempo, facilitando a conciliação traba- da Universidade de Aveiro e mentor da campanha cívica lançada re- fácil, porque se corta, na vida pessoal é mais complicado, mas aí E se, por alguma razão alheia à sua vontade, falhar, avisa logo,
lho-família. Ora, não faz sentido cortar feriados e aumentar o horário centemente 2013 – Tolerância Zero à Falta de Pontualidade [ver caixa], tenho uma técnica, dou um desconto. Se sei que a pessoa é atrasa- mesmo que o atraso seja de cinco minutos. Sempre foi assim e consi-
de trabalho sem, antes, mexer nestas práticas!», alerta o investigador. estes dados mostram, de forma clara, «a dificuldade que temos em da combino para meia hora antes ou atraso-me propositadamen- dera que não perde nada, só ganha, em tranquilidade. «É uma ques-
De facto, segundo o único estudo realizado sobre a Pontualidade gerir e planear o tempo e em cumprir horários e prazos, o que se tra- te para não ter de esperar. É uma questão de adaptação.» Se não tão de respeito por mim e pelos outros. Mas deixe-me que lhe diga:
em Portugal (2006), pela AESE – Escola de Direcção e Negócios e a duz em fortes penalizações na vida dos cidadãos, organizações, em- consegues vencê-los, junta-te a eles (mas só a eles). Situações de- pensava que os portugueses não eram pontuais até conhecer África.
AD CAPITA Executive Search, coordenado por Clive Bennett e Rui presas e no país com consequências económicas e sociais, nomeada- sagradáveis nunca teve, porque simplesmente não espera, apesar Não somos os piores, pode crer.»
Borges, 95 por cento dos portugueses não são habitualmente pon- mente na produtividade nacional». de se mover num mundo onde os ponteiros do relógio não têm a O escritor angolano José Eduardo Agualusa é a exceção que con-
tuais; dois terços das reuniões começam depois da hora; cinquenta mesma importância para todos. «O mundo da moda era péssimo firma a regra. E confirma mesmo: «Em Angola é bem pior do que em
por cento não têm ordem de trabalhos distribuída atempadamente Uma questão de respeito neste aspeto, mas está em grande mudança. Curiosamente, ou Portugal, mas para portugueses, brasileiros, angolanos, o problema
e a mesma percentagem não cumpre os objetivos; sessenta por cen- Fátima Lopes, empresária e designer de moda, raramente se atra- talvez não, a maior parte das pessoas que combina coisas comigo da falta de pontualidade é cultural, ou então acreditam mesmo que
to das pessoas agendam mais tarefas do que as que sabem conseguir sa e não tolera a falta de pontualidade de quem trabalha para ela. pensa que vou chegar atrasada.» E fica surpresa, claro. o tempo dilata com o calor.» A fama de pontual precede-o, mas rejei-
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3. comportamento
ta o epíteto de «extremamente», porque para ele ou se é ou não se é,
os advérbios de modo não são chamados ao caso. Justifica a pontua-
lidade com a importância do tempo, que não gosta de perder, porque
a vida é muito curta, e explica-a pela educação: «Nunca vi os meus
pais chegarem atrasados a nenhum compromisso.» Já ao escritor,
acontece sempre alguma coisa que o faz chegar sempre antes da ho-
ra marcada. E nunca lhe aconteceu chegar depois. Resultado: «Já de-
vo ter passado muitas horas da minha vida à espera. No Rio, combi-
no todos os encontros na Livraria da Travessa, porque posso ver os
livros enquanto espero. Em Lisboa, no Chiado, porque posso ver as
passantes.» O género é fator de diferenciação relativamente à tole-
rância do escritor: «Espero dez minutos pelos homens. Vinte, no má-
ximo, por uma mulher. E depois vou-me embora. Bem, se a mulher
for muito bonita, espero um pouco mais.»
Considera que não se ganha nada em ser pontual, «nem sequer o
respeito dos outros. É a mais ingrata e desprezada das virtudes. Pro-
vavelmente a mais odiada», e que se perde tempo, claro. Mas não é
isso que o faz render-se.
Como não se rende Paulo Furtado – também conhecido como Le-
gendary Tigerman – apesar de, no meio artístico, a batalha das ho-
ras ser muito dura. Como Fátima Lopes, o cantor, guitarrista, bate-
rista e produtor considera a pontualidade uma questão de respeito
pelos outros e assim como não gosta de esperar, também é inconce-
bível deixar alguém à espera, coisa que, só de pensar, lhe causa ansie-
dade e stress. «É natural em mim, nunca me atraso e acho que traba-
orlando almeida/global imagens
lho a solo porque me fartei de esperar pelos outros. Tive bandas des-
rui coutinho/global imagens
de adolescente e acabaram todas por causa disso. Desisti.»
Normalmente, chega um pouco antes ou à hora marcada graças a
um processo de cálculo do tempo que nunca falha, mas se por algum
imponderável prevê que vai atrasar-se, avisa com antecedência para
que não percam tempo à sua espera. Já o inverso é mais complicado:
«A maioria das pessoas, em Portugal, tem instituídos os 15 minutos
de atraso como perfeitamente aceitáveis. Acho muito, mas consigo
O marido de Maria do Céu Santo diz que ela fu nciona sempre A pontualidade de Paulo Furtado
em serviço de urgência. A médica justifica os atrasos com a dificuldad e em dizer não. ganhou fama. E isso agrada ao músico.
viver com isso, os recorrentemente atrasados é que me tiram abso- a uma reunião marcada para as dez, impôs-se uma conversa defini-
2013 Tolerância Zero À Falta de Pontualidade lutamente do sério. Estar em dado sítio, a dada hora, implica não es- tiva e chegou-se a um compromisso: reuniões em que estivessem os
A campanha cívica que os congéneres portugueses é quase genética, impossível pela tomada de conhecimen- tar noutro. O tempo que perdemos à espera podia ser passado a fa- dois passariam a ser marcadas para depois do almoço. «A partir daí,
se iniciou no fim do ano por causa da falta de de mudar e que até to do já referido estudo zer outra coisa, de que gostamos ou que precisamos de fazer. O tem- as coisas começaram a correr bem. Há que estabelecer consensos.
passado, e que está a pontualidade, sentimento tem alguns aspetos positivos. sobre a pontualidade po é precioso.» O que perco em ser pontual? Nada. O que ganho? Fama de pontu-
decorrer no Facebook, foi partilhado por outros colegas Para além disso, como em Portugal, levou o Apesar de ainda ser visto como uma exceção, considera que tam- al. E agrada-me que me vejam como alguém profissional que cum-
ideia de José Carlos Mota, estrangeiros. «Esta questão investigador da área professor a passar a ação bém no meio musical estão a ocorrer mudanças e a notar-se um pre quando assume um compromisso. É essa a minha recompensa.»
docente e investigador despertou-me preocupação do planeamento do território e, aproveitando a comemora- maior esforço em relação à pontualidade. O cada vez mais elevado
do Departamento de Ciências para o assunto e deixou-me e da participação cívica, ção em 2013 do Ano Europeu grau de profissionalismo e exigência a isso obriga e quem tem expe- A relatividade do tempo
Sociais, Políticas e do angustiado pensar que identifico padrões comporta- do Cidadão, lançar a riência de tournées internacionais, por exemplo, sabe que não há hi- É atrás dessa recompensa que a médica Maria do Céu Santo anda
Território (DCSPT) da a próxima geração pode vir mentais que contribuem campanha cívica 2013 – póteses de atraso. O tempo é contado ao minuto. «Acho que quan- há anos. E, de certa forma tem-na, mas não à hora marcada. O ma-
Universidade de Aveiro, a reproduzir o mesmo tipo para a nossa deficiente Tolerância Zero à Falta de do se tem ritmos elevados de vida, dá-se mais valor à pontualidade. rido costuma dizer que ela funciona sempre em serviço de urgên-
após uma conversa com de comportamentos que gestão do tempo individual Pontualidade. Objetivo: criar Felizmente aqueles que trabalham comigo, talvez pelo meu rigor, cia e a própria revê-se na descrição de uma amiga que diz que ain-
uma aluna Erasmus a anterior, acentuando e coletivo e para o nosso e estimular uma cultura de são pontuais.» A última situação complicada que teve foi na primeira da não chegou e já está atrasada para sair. A única hora sagrada pa-
que lhe confidenciou a a noção de que esta atitude défice de pontualidade.» rigor na gestão do tempo indi- semana com o atual manager, que vive num «fuso horário» diferen- ra si é a do bloco operatório, à qual não se atrasa nem um minuto.
dificuldade em trabalhar com de desleixo com a pontualidade A reflexão, enriquecida vidual e coletivo. te do seu, que começa de manhã cedo. Ao terceiro atraso consecutivo De resto, reconhece que se perde, mas sempre com a melhor das
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4. comportamento
intenções. Pode ser alguém com quem se cruza e percebe que pre-
cisa mesmo de falar ou pode ser uma (ou duas ou três) paciente que
telefona com um problema a que não pode deixar de atender ou po-
de ser um parto ou uma cirurgia que demora mais do que o previs-
to ou pode até ser tudo isto ao mesmo tempo. «Na verdade, não te-
nho coragem de dizer não quando precisam de mim e o dia só tem
24 horas, por isso é difícil gerir. Claro que quando um trabalho de
parto se prolonga, o que devia fazer era alterar as consultas, mas
quando penso que as pessoas as marcaram há imenso tempo não
tenho coragem. Mais vale esperarem umas horas do que mais não
sei quantos dias. Opto por gerir o tempo mais em função das prio-
ridades do que dos horários.» Apesar de perseguir a pontualidade,
para ela mais importante do que ver uma doente à hora marcada é
não a ver à pressa. Aliás, pressa e stress são sentimentos que não fa-
zem parte do seu dia a dia. «Sou elétrica, mas não tenho stress. Te-
nho é de sair do consultório com a consciência de que fiz tudo o que
podia fazer. Vou dar-lhe um exemplo: tenho uma afilhada ao ani-
versário de quem nunca chego a horas, mas houve um ano em que
decidi que ia ser pontual e programei tudo para isso. Entretanto,
liga-me uma doente aflita. Era sexta-feira, e não tive coragem de
a deixar passar o fim de semana ansiosa. Vi-a, cheguei mais uma
vez atrasada ao aniversário da minha afilhada, mas cheguei feliz.
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A pontualidade é importante, mas não é tudo. E acho que é por isso
que tenho o consultório que tenho.»
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Quem ultimamente se tem esforçado por alterar o modus ope-
randi e chegar a horas é Fernanda Câncio: «Se tenho uma pes-
soa sozinha à minha espera, tento despachar-me, às vezes até sou
pontual, mas acho que realmente não é de bom-tom atrasarmo-
-nos. Se calhar, estou a ficar mais madura, porque é um bocado
infantil acharmos que vão esperar por nós.» Em regra, por ela es-
peram, como esperou António Barreto que ia apresentar o seu li-
vro, Cidades sem Nome, em 2008. «Foi de um cavalheirismo inex-
cedível, tenho uma eterna dívida de gratidão para com ele. Acho
que foi inacreditável chegar meia hora atrasa-
da ao lançamento do meu próprio livro. A mi- A grande dificuldade da jornalist a Fernanda Câncio tem José Eduardo Agualusa espera dez
nha única desculpa era que tinha um tendão
rebentado e custava imenso vestir-me, mas
que ver com o cálculo das horas. «Acho se mpre que tenho imenso minutos pelos homens,
mesmo assim.»
Bom, o avião para a Austrália não esperou,
tempo, que te nho tempo para tudo.» vinte, no máximo, por uma mulher.
mas com um extenso historial de chegar aos check-ins em cima
da hora, muita sorte tem tido a jornalista em não perder mais
voos. Histórias não lhe faltam, também como vítima. Se no seu muitas coisas que pensa sempre conseguir encaixar nesta limi- tenho de acabar uma série de outras. Depois cumpro o compro- uma das explicações avançadas para o atraso crónico, sobretu-
restaurante favorito, quando chega alguém que diz que vai jan- tada linha cronológica em que vivemos, de umas míseras 24 ho- misso. Não é bem à hora marcada, mas acabo por cumprir.» do dos cariocas, remonta ao desembarque da corte portuguesa,
tar com ela, recebe um sorriso piedoso dos empregados e é servi- ras, mas o facto de ter crescido «em dois meios péssimos para a em 1808, «acontecimento histórico que teria sido o estopim des-
do de uma bebida para acompanhar a espera, também já apanhou pontua idade, que são a política e o jornalismo», ajudou. E nem
l O exemplo vem de cima se comportamento repassado ao longo de gerações. Ciosos da sua
secas enormes: «Uma vez, quando acabei de jantar, a pessoa com a educação da mãe, que se irritava imenso com o incumprimen- O professor Arménio Rego encontra várias explicação para a fal- posição superior na hierarquia político-social da colónia, nobres
quem tinha combinado ainda não tinha chegado. E não foi atro- to de horários, o salvou. Não é que não tenha a consciência pe- ta de pontualidade endócrina dos portugueses. Desde logo, o va- e membros da alta burocracia valiam-se de uma série de medidas
pelada nem assassinada nem nada.» sada, porque reconhece que «é uma falta de respeito pelo tem- lor que damos à conversa e ao relacionamento. «Preferimos man- para reforçar essa condição. Uma delas era fazer que os súbditos
O grande dificuldade de Fernanda Câncio, que confessa não po dos outros e a ideia de que o nosso tempo é mais importante, ter a “conversa em dia” com os nossos amigos, mesmo que algo tomassem chá de cadeira antes de serem atendidos, mesmo que
raras vezes ser atrasada também no trabalho (mas, lembra, «co- o que é muito irritante», mas relativiza: «Uma coisa é fazer espe- esteja a ficar para trás ou alguém esteja à nossa espera.» Por ou- não houvesse nada na agenda do figurão. O gesto era uma mera
mo dizia o sueco Stig Dagerman, “ser jornalista é chegar atrasa- rar alguém, e sim, eu fazia isso, muito tempo, muitas vezes, outra tro lado, «somos uma cultura policrónica, pouco orientada para afirmação de poder».
do assim que possível”»), tem que ver com a noção do tempo e a ca- é combinar aparecer num jantar com mais gente e chegar atrasa- o mérito, para o desempenho e para os resultados e em que é cul- De volta a Portugal e ao século xxi, Arménio Rego considera
pacidade de o calcular. «É mais facil chegar a horas se for de ma- do. É chato, mas não é uma irresponsabilidade e tem que ver com tivada uma grande “distância de poder”, em que algumas che- que, apesar de o país ter evoluído muito nesta matéria, em virtu-
nhã, se for à tarde e tiver tempo para fazer outras coisas começo a a dificuldade em dizer não», argumenta Henrique, que chegava a fias se pavoneiam e os chefiados bajulam. Ora, uma boa maneira de da influência das multinacionais e dos gestores com experiên-
dispersar-me. Acho sempre que tenho imenso tempo, que tenho marcar três jantares no mesmo dia com o resultado que se imagi- de “manter as distâncias” e o status é… chegar atrasado, fazendo cia internacional, cabe aos líderes («incluindo os professores!»)
tempo para tudo.» na. Melhorou, mas na vida pessoal não está completamente cura- o outro esperar.» Procedimento com raízes históricas, de acor- dar o exemplo. «Mas, sobretudo, cada um de nós tem de mudar,
Também a falta de pontualidade de Henrique Burnay tem que do e para isso contribuirá o facto de, na verdade, sentir que faz, e do com uma reportagem da revista brasileira Veja sobre a pon- antes de esperar que os outros mudem. Se continuarmos à espe-
ver com uma noção otimista do tempo e com o desejo de fazer sempre fez, o melhor que pode. «Combino uma coisa, mas antes tualidade no país irmão. Parece que do outro lado do Atlântico ra, nada se alterará!»
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