Este documento discute a gagueira como uma deficiência a partir de uma perspectiva feminista interseccional. Apresenta como a busca por controle da fala através de técnicas e remédios é uma forma de capacitismo que marginaliza pessoas que gaguejam. Defende que a gagueira deve ser entendida como uma variação natural da fala, não como algo a ser corrigido.
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#ÉCapacitismoQuando – Contribuições para um debate entre Gênero e Deficiência
1. COM A DIFERENÇA TECER A RESISTÊNCIA
3º Seminário Internacional Desfazendo Gênero
10 a 13 de outubro de 2017
Campina Grande, Paraíba
Simpósio Temático nº ST 62. Feminismos Interseccionais
#ÉCapacitismoQuando – Contribuições para um debate entre Gênero e Deficiência
Alexandra Martins Costa1
Introdução – contextualizando o local de fala
Em meados dos anos 80, a fonoaudióloga Silvia Friedman inicia uma troca de
cartas com um paciente gago, utilizando a escrita como uma relação que caminha para
além do tratamento. Mas a escrita como terapia. Penso a escrita como um encontro
consigo mesmo, que produz um silêncio tão grande por dentro ao ponto de abrir brechas
que produzem feridas porque o encontro é uma ferida. Uma ferida que, de uma maneira
tão delicada quanto brutal, alarga o possível e o pensável, sinalizando outros mundos e
outros modos para se viver juntos (FIADEIRO, 2017) num processo de
autoconhecimento onde escrevo para os outros para escrever para mim.
Há um discurso que perpassa a experiência de pessoas que gaguejam da busca
incessante pelo controle do seu próprio modo de fala. E quando isso não acontece, é
como se traíssemos a nós mesmo. Ou como escreve esse paciente que troca cartas com a
fonoaudióloga: “é difícil falar de algo que nos oprime” (FRIEDMAN,1986) ainda mais
quando somos criados a acreditar que aquilo que nos oprime é a própria voz.
No Brasil, a relação da gagueira com a deficiência ainda é ruidoso na medida
que esse tema não é um consenso entre as instituições. De um lado temos a legislação
brasileira que não considera a gagueira uma deficiência. Do outro lado, a Organização
Mundial da Saúde, por meio da Classificação Internacional de Funcionalidade e
Incapacidade, coloca a gagueira como uma deficiência da fluência de fala. Esse
desentendimento não impede que as pessoas que gaguejam tenham suas vidas marcadas
pelo capacitismo, pela rejeição, pelo silêncio e pela inexistência de direitos que as
resguardem.
Há ainda uma parte considerável de pessoas que gaguejam e consideram a
gagueira como uma deficiência. Bem, eu sou uma delas que escrevo o presente artigo a
partir da necessidade de ter alguma documentação sobre gagueira que seja escrita por
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Formada em Comunicação, especialista em Artes Visuais e mestranda pelo PPG-NEIM/UFBA.
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pessoas que gaguejam e, tão ou mais importante, que não esteja exclusivamente
vinculado ao campo da fonoaudiologia.
É uma escrita feita de lembranças de infância e vivências atuais diante de
incômodos pela busca por uma fala “perfeita” em detrimento de meu modo particular de
falar que por vezes escapa às normas. Tomo como base as epistemologias feministas
que permitem apresentação de distintos olhares a partir dos saberes localizados e
conhecimentos situados (HARAWAY, 1995) a partir dos conhecimentos construídos de
nossas próprias experiências de vida.
Epistemologia feminista na discussão sobre deficiência
O movimento feminista tem sido uma referência para vários segmentos da
sociedade civil que percebem a necessidade de questionar as relações de poder
existentes em seus círculos sociais. Assim como marcar as especificidades de cada
segmento, reconhecendo que as opressões não são as mesmas e construindo um
ambiente saudável de convivência. Como consequência, isso tem levantado discussões
que reforçam a complexidade da categoria de gênero e cada vez mais desnaturalizando a
categoria “mulher” como elemento universal.
Segundo Campbell (2001, p. 44, apud Dias, 2013, p. 2) o capacitismo está para
o segmento da pessoa com deficiência, assim como o que racismo significa para os
negros ou o machismo para as mulheres e o que haveria de comum entre essas
opressões é a produção de poder em prol de uma norma do corpo, de uma forma de
viver a partir de um padrão que carrega uma série de opressões em sua estrutura.
Podemos inferir que o quadro se torna mais complexo quando intersecionamos as
identidades e entrecruzamos as experiências de opressão, fazendo com que os
indivíduos vivenciem diferentes processos de discriminação, sendo difícil de identificar
onde um começa e outro termina.
No Brasil, mesmo que os Estudos sobre Deficiência sejam muito pouco
reconhecidos2
, há uma recente produção e tradução advinda de teóricas que tem se
debruçado em refletir a experiência da opressão pelo corpo deficiente a partir da
2
Nos Estados Unidos já existe uma forte vertente de estudos feministas dentro dos chamados disability studies onde
emerge uma visão teórica social da deficiência a partir das críticas epistemológicas feministas, inclusive envolvendo
outras categorias como classe, raça, gênero e sexualidade. Tal articulação tem incentivado estudos menos
essencializantes sobre a deficiência conhecida como "Teoria Crip" onde se pretende desestabilizar a análise do binário
capacitado/discapacidado (abled/disabled) e partindo do princípio que a deficiência seja uma categoria não fixa
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convergência de outras variáveis de desigualdade, como raça, gênero, sexualidade ou
geracional.
As lutas dos movimentos sociais de pessoas com deficiência guardam um
ponto em comum com os movimentos feministas e de lésbicas, gays,
bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTTTI),
que é o de questionar o construto do corpo como um dado natural que
antecede a construção dos sujeitos. (MELLO, 2012, p.320)
Para Diniz (2003), os Estudos sobre Deficiência partem do mesmo pressuposto
político e teórico do feminismo: a desigualdade e a opressão contra grupos vulneráveis
devem ser combatidas - e de que o início da estruturação dos Estudos sobre Deficiência
pautou-se no modelo analítico dos estudos de gênero que supunham a diferenciação
entre sexo (natureza) e gênero (social), o que, no campo da deficiência, passou a ser
compreendido como a diferença entre lesão (natureza) e deficiência (social). Assim
como os Estudos Feministas separaram gênero/sexo, o Modelo Social da Deficiência3
que separa lesão/deficiência: E assim como o papel de gênero que cabe a cada sexo é
resultado da socialização, a significação da lesão como deficiência é um processo
estritamente social. (DINIZ, 2003, p. 2).
Há um discurso em comum quando se analisa as táticas sobre o controle dos
corpos enquanto instancia de poder que vai se repetir nas experiências de várias
mulheres: seja a necessidade de controlar o corpo quando se criminaliza o aborto, a
proposta de estupro corretivo para lésbicas como forma de “curar” o desejo que
mulheres sentem por outras mulheres e até mesmo a reabilitação de corpos e
experiências deficientes, através de intervenções médicas, com a finalidade de se
aproximar de um estado mais próximo do que se considera como “normal”. Essas
constantes (des)autorizações da experiência sobre os próprios corpos e sobre as escolhas
individuais da vida, aparece como uma constante luta das mulheres com o campo
biomédico.
Deficiência e Gagueira: uma discussão em ruídos
Na década de 60, nos Estados Unidos e no Reino Unido, surge o Modelo Social
da Deficiência como reação crítica às abordagens biomédicas de reparação do corpo.
Enquanto a sociedade médica defendia que a limitação corporal era a resposta para a
3
A ideia básica do modelo social é de que a deficiência não deve ser entendida como um problema individual, mas
como uma questão eminentemente social, transferindo a responsabilidade pelas desvantagens dos deficientes das
limitações corporais do indivíduo para a incapacidade da sociedade de prever e ajustar-se à diversidade [Oliver (1990)].
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exclusão, o movimento de deficientes questionava esse argumento ao reconhecer que as
barreiras sociais e insensibilidade diante da diversidade corporal era o grande mote para
suas opressões4
. Começaram a se dar conta que a deficiência não se encontra apenas nos
corpos, mas nas estruturas sociais que não conseguem dar conta de suas reais
necessidades, havendo uma compreensão da deficiência não mais como um defeito
individual, mas como um fenômeno que revela uma discriminação pela dificuldade de
aceitar as diversas variações humanas.
Sugere-se que a gagueira possa ser compreendida como uma deficiência que
aparece quando se fala e assim como as outras deficiências, ela também é uma
manifestação que se dá no corpo e na “produção social e cultural que define
determinadas variações corporais como inferiores, incompletas ou passíveis de
reparação/reabilitação quando situadas em relação à corponormatividade” (MELLO,
2012, p. 636).
Por muitos anos de minha vida acreditei que a busca por uma “fala ideal” seria a
solução dos meus problemas pois esse era o discurso que ouvia tanto no consultório
como fora dele: seja apresentando trabalhos orais e ser vista como ineficiente diante dos
outros modos de fala, assim como retornar ao consultório fonoaudiológico (passei por
cinco profissionais) e novamente passar pela bateria de técnicas vocais.
Também reconheço essa prática como uma dominação de uma língua selvagem
(ANZALDÚA, 2007). Ou seja, o sentimento de decepção de não se encaixar numa fala
fluente, se torna instrumento de controle para domar a gagueira como fala que não
corresponde ao sistema de produção capitalista. Como pessoa que gagueja me vejo
numa situação de “fronteira” (ANZALDÚA, 2005) e nessa necessidade de dominar a
mim mesma trago reflexão da feminista chicana Gloria Anzaldúa quando diz: “E eu
penso, como você doma uma língua selvagem, adestra-a para ficar quieta, como você a
refreia e põe sela? Como você faz ela se submeter ?”
É muito comum que as narrativas em torno da gagueira surjam na esfera do
sofrimento. Tenho acompanhado essas histórias e por vezes leio e ouço sobre a
prescrição de remédios como forma de amenizar esse modo de fala. O uso de
tratamentos farmacológicos (como risperdal, pagoclone, clozapina e entre outros) que
mudam reflexos no humor e que, teoricamente, traria uma forma mais fluente de fala
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Infelizmente, até hoje a deficiência é vista como uma questão individual, como algo a ser tratado e relacionado às
incapacidades corporais.
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fazem parte de uma “ideologia corretivo-normatizadora centrada no corpo e seus
desvios” (FRIEDMAN, 1994, p.9) contra os modos de fala fora do padrão.
Essa estratégia perversa e de controle dos corpos apenas coloca a gagueira na
esfera da marginalização onde os usos desses remédios causam efeitos colaterais com
caros prejuízos para a saúde em prol de uma ideologia de fala.
Esse é um campo pouco explorado no Brasil não apenas porque a deficiência
ainda não se libertou da autoridade biomédica, com poucos cientistas sociais
dedicando-se ao tema, mas principalmente porque a deficiência ainda é
considerada tragédia pessoal, e não uma questão de justiça social”. (DINIZ,
2007, p 11)
A constante repetição dos exercícios articulatórios como a repetição de fonemas,
técnica do cancelamento e outras mais que inferem sobre a previsão da chegada do
momento da gagueira, assim como o conhecimento dessas técnicas não necessariamente
significam a superação da gagueira como se espera do tratamento.
Ao analisar o discurso de pacientes que gaguejam, percebe-se que o que há em
torno é a preocupação com a imagem do “bom falante”, constituída na subjetividade,
mas também decorrente de pressões coercitivas da sociedade. Novamente, a ideologia
de fala aparece como componente estruturante da marca fundamental do funcionamento
psíquico dos gagos.
Sempre que a situação de comunicação os leva a se preocuparem com sua
imagem, antecipam a gagueira e, para escondê-la, tentam controlar o
espontâneo. A conseqüência disso - como vimos - é ficarem aprisionados a
uma fala com gagueira. Mesmo que os truques funcionem muito bem e
"driblem" todas as gagueira previstas, internamente, sabem que não foram
livres para falar as palavras que queriam. Já quando a situação de
comunicação não lhes trouxer nenhuma preocupação com a imagem de si,
não há antecipação da gagueira e conseqüentemente a fluência tem lugar. A
compreensão desse modo de funcionamento da gagueira sustenta uma
proposta de tratamento apoiada em dois princípios: parar de tentar o
espontâneo e aceitar a gagueira. Se o falante puder aceitar sua gagueira,
cessará o efeito de tentar o espontâneo, os truques perderão o sentido e
desaparecerão as tensões que o corpo apresenta ao falar. (FRIEDMAN, 1994,
p.94)
Em recente estudo sobre a produção científica fonoaudiológica brasileira acerca
da gagueira constatou-se que a temática mais abordada em artigos e capítulos de livros
deste campo, entre os anos de 1980 a 2008, ainda é sobre abordagens clínicas: quanto à
vertente epistemológica, 74% era positivista, 22,2% dialético histórica e 3,8%
fenomenológica.
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Isso quer dizer que falta aos estudos fonoaudiólogos, e consequentemente à
formação acadêmica, uma preocupação sociocultural e filosófica sobre as experiências
de vida e subjetividade das pessoas que gaguejam, pois, “a preponderância da vertente
positivista na produção dos trabalhos sobre gagueira indica que os estudos têm
explicado o fenômeno mais do ponto de vista do organismo que do sujeito”
(DAMASCENO, 2011, p.5). E mesmo que a produção intelectual sobre a gagueira
tenha crescido consideravelmente no período proposto pela pesquisa, percebe-se que em
todos os anos, as epistemologias positivistas é a que mais tem ganhado espaço.
A ditadura da cura e os malefícios do ex-gago
Não me recordo quando comecei a gaguejar. Mas lembro de quando tive que
frequentar fonoaudiólogos porque alguma coisa haveria de ser corrigida na minha forma
de falar. Com o tempo percebi que fazer tratamento não necessariamente impede a
gagueira. O que acontece em várias ocasiões é que nos utilizamos, em maior ou menor
grau, de técnicas para manter a fluência e diminuir o medo de gaguejar a partir de
exercícios de respiração e motricidade.
Lembro que a preocupação sobre “a origem da gagueira” importava mais aos
fonoaudiólogos do que para mim, que sempre me incomodava com essa necessidade de
descoberta na medida que a própria questão limita as potencialidades da resposta. Quer
dizer, a insistência por uma descoberta da origem da gagueira não dá margem para
inferir as influencias sociais em cima da gagueira. Em especial quando se trata de
analisar os discursos fono-reabilitadores que colocam esse modo de fala como defeito
biológico e sem problematizar as pressões coercitivas da sociedade.
Fazendo uma rápida busca pela internet é possível encontrar várias respostas
biológicas sobre a origem da gagueira e técnicas de tratamento. Infere-se que há uma
busca incessante por esse tema diante do malefício das experiências de capacitismo pelo
qual pessoas que gaguejam sofrem. A própria existência do termo “ex-gago” demonstra
uma necessidade de apagamento dessa categoria pois mesmo que a pessoa consiga
controlar a língua e manifestar pouca gagueira, ainda assim ela vai continuar sendo
gaga.
A lógica da “cura”, de algo que está “errado” e, portanto, deveria ser eliminada
mantêm esse modo de fala numa situação marginalizada. Tal experiência demonstra que
há um modelo de comunicação verbal, fundamentado em ideias capacitistas que
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inferioriza os outros modos de falas, aqueles desviantes que, com medo de escapar da
norma, comumente se retraem.
O grupo Di I Stutter? 5
, projeto acadêmico de ativistas gagos, chama atenção
sobre o perigo incessante pela cura. Em países onde a gagueira é considerada uma
deficiência, grande parte das instituições que lidam com a chamada “comunidade gaga”
recebe financiamento para pesquisas advinda de conhecimentos especializados para
investigar qual fonte genética deste modo de fala:
It is not gene therapy but selective abortion that is the most worrying issue.
Consider that while the genetic structure of Down’s syndrome was
discovered already in 1959 by Marthe Gautier, research into gene therapy for
Down’s still remains in its infancy. However, selective abortions via prenatal
screening have been a reality for a long time, and the rate of selective
abortion against Down’s is alarming (between 70-90% across different
countries). This is a form of “eugenics” which, as I have explained before on
the blog, is the attempt to improve the genetic stock of humanity—literally to
create “better people” 6
Para esses ativistas, as consequências da busca por um “gene gagueira” esconde
uma preocupação capacitista que implicaria numa seleção prévia de corpos não
deficientes.
Conclusão
Pretendeu-se chamar atenção sobre a lógica do discurso reabilitador construído
dentro dos consultórios fonoaudiólogos, assim como pensar a necessidade de uma
perspectiva de saúde mais humanizada, procurando articular a subjetividade do paciente
em questão e muito menos o modelo de padrão de fala. É importante ressaltar que parte
significativa dos estudos sobre gagueira ainda são produzidos no campo fonoaudiólogo,
fortalecendo uma hegemonia desses saberes ditos “especializados”. Não se pretende
deslegitimar as reflexões das áreas citadas, mas de articular as subjetividades e
resultados das pressões coercitivas da sociedade as quais pessoas que gaguejam sofrem
na busca de uma fala ideal, como desafio ético e metodológico para o campo de Estudos
5
Para saber mais acessar o link: http://www.didistutter.org/blog/the-future-of-the-national-stuttering-association-or-on-
having-ones-cake-and-eating-it-too. Acessado em 24/11/2016.
6
“ Não é a terapia de gene, mas aborto seletivo, que é a questão mais preocupante. Considerando que, embora a
estrutura genética da síndrome de Down já tenha sido descoberta em 1959, por Marthe Gautier, as pesquisas sobre a
terapia genética para Down ainda permanece nas crianças. No entanto, os abortos seletivos por meio de triagem pré-
natal tem sido uma realidade há muito tempo, e a taxa de aborto seletivo contra Down é alarmante (entre 70-90% em
diferentes países). Esta é uma forma de "eugenia", que, como já explicado anteriormente no blog, é a tentativa de
melhorar o estoque genético da humanidade, literalmente para criar “pessoas melhores”. (Tradução livre).
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da Gagueira.
É importante ressaltar que além de pessoa gaga também sou lésbica. E
conversando com outras pessoas que gaguejam e também são homossexuais, como é
curioso perceber que na vida dessas pessoas (assim como na minha) foi mais fácil se
assumir gay ou lésbica do que aceitar que gagueja. E a contradição está na própria
construção da identidade. Quero dizer, pessoas gagas não são assassinadas por serem
gagas. No entanto, sabe-se que gays e lésbicas são assassinadas por serem gays e
lésbicas. O local dessa contradição está na construção negativa da identidade da
gagueira e a constante insistência, por meio das pessoas que gaguejam, em manter a
gagueira como elemento que nunca deveria as pertencer. Para tanto, procura-se os
consultórios de fonoaudiologia como único local de conforto, mas também de
confronto.
Para tanto, espera-se que o presente documento possa colaborar nas reflexões
sobre a construção da gagueira enquanto deficiência e/ou enquanto categoria política na
medida que essas experiências nunca são produzidas fora do corpo, mas sempre a partir
e dentro dele.
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sin frontera: antología vintage español de literatura mexicana y chicana contemporánea.
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DAMASCENO WA, FRIEDMAN S. Análise da produção científica fonoaudiológica
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DIAS, Adriana. 2013. “Por uma genealogia do capacitismo: da eugenia estatal a
narrativa capacitista social”. In: Anais do I Simpósio Internacional de Estudos sobre a
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DINIZ, Debora. Modelo Social Da Deficiência: A Crítica Feminista. Série bAnis 28,
Brasília, Letras Livres, 1-8, julho, 2003.
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Brasiliense, 2007.
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FIADEIRO, João; EUGÊNIO, Fernanda. “O Encontro é uma Ferida”. 2013. Ver em: <
https://ladcor.files.wordpress.com/2013/06/o-encontro-c3a9-uma-ferida.pdf >. Acesso
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FRIEDMAN, S. A construção do personagem bom falante. São Paulo: Summus; 1994.
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gagueira. 1. ed. São Paulo: EDUC, 1986. 71 p.
HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o
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Studies, v.14, n.3, 1988]. Cadernos Pagu, Campinas, n.5, p.7-42, 1995b
MELLO, A. G. ; NUERNBERG, A. H. . Gênero e Deficiência: interseções e
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OLIVER, M. The politics of disablement. London: MacMillan, 1990.