Este documento discute as relações entre o desempenho escolar, as estações do ano e a depressão. Apresenta como a cronobiologia pode ajudar a entender os altos e baixos no desempenho dos alunos ao longo do ano letivo, e como a depressão sazonal, mais comum no outono e inverno, pode afetar o rendimento escolar nesses períodos. Também discute os sintomas da depressão sazonal e a importância do diagnóstico precoce para apoiar os estudantes.
Relacao entre desempenho_escolhar_estacoes_e_ano_depressao
1. Arq. Apadec, 6(2): ju l.-dez., 2002 5
RELAÇÕES ENTRE DESEMPENHO ESCOLAR,
ESTAÇÕES DO ANO E DEPRESSÃO
M arcilio Hubner de M iranda Neto.
M IRANDA-NETO, M .H. Relações entre desempenho escolar, estações do ano e depressão. Arq. Apada, 6(2): 5-7,2002.
RESUM O. Os estudos cronobiológicos em muito têm contribuído para a compreensão das influências de fatores ambientais sobre o
funcionamento do organismo humano. No tocante às questões que e!lvolvem a aprendizagem, têm permitido novas interpretações
e/ou ,motivado novas formas de analises e resoluções de problemas q~I': afetam o desempenho dos alunos. No presente trabalho,
apresentamos uma reflexão pautada nos conhecimentos cronobiológicos dos cIi~sicos "altos e baixos" que acontecem com o desem-
penho dos alunos no decorrer do ano letivo, alcrtando para a necessidade de se investigar em quais períodos do ano ocorre o menor
rendimento e suas possíveis relações com a depressão sazonal, condiçã') relativamente comum no outono e no inverno.
PALAVRAS-CHAVE: Cronobiologia; depressão sazonal; desempen'lO escolar; dificuldades de aprendizagem
INTRODUÇÃO atividades orgânicas com os ciclos do ambiente. Para a maioria
Diversas áreas do conhecimento humano têm procurado dos seres vivos, o principal sincronizador é a luz, enquanto para
contribuir com a solução e/ou amenização dos problemas de o homem, além da luz, as relações sociais e de trabalho são
aprendizagem, dentre elas: a psicologia; a pedagogia; a fundamentais para sua sincronização.
psicopedagogia; a neuropsicologia, a neurolo gia, e a Alterações no funcionamento dos relógios biológicos
fonoaudiologia. Cabe ressaltar que, além doS' J-abalhos relacionadas à organização das atividades escolares e de
clássicos de profissionais das áreas mencionadas, grande trabalho ou, ainda, induzidas por alterações do fotoperíodo
contribuição pode ser oferecida pela cronobiologia para a (duração do dia em relação a noite) podem levar ao
compreensão da aprendizagem e de algumas de suas desenvolvimento de doenças genericamente denominadas de
dificuldades. Assim, como as demais áreas, a cronobiologia cronopatologias.
quando aplicada às questões escolares, não consegue resolver Dentre as cronopatologias destacamos a depressão
todos os problemas do processo de escolarização, mas, com endógena ou síndrome afetiva sazonal, um tipo de depressão
certeza, constitui-se numa ferramenta que não pode ser que não é causada por problemas nas relações interpessoais e
desprezada. Afinal, quando o assunto é a dificuldade de sim por alterações no funcionamento cerebral desencadeadas
aprendizado, bem como os transtornos e os sofrimentos por elas pela redução da luminosidade ambiental. Seus sintomas e
gerados, todas as contribuições, em especial as cientificamente possíveis formas de tratamento são temas freqüentes de
pautadas, são bemvindas. pesquisas (ZERSSEN, 1988;WEHR, 1988;LEWYetal., 1990;
No presente trabalho apresentamos uma reflexão pautada MORENOetal., 1997) .
nos conhecimentos cronobiológicos com o objetivo de buscar A depressão sazonal foi reconhecida pela associação
novas formas de interpretação para os clássicos altos e baixos psiquiátrica americana como uma forma particular de depressão
que acontecem com o desempenho de alguns alunos no decorrer em 1987. Nesta ocasião, foi incluída como um diagnóstico
do ano letivo. separado no manual diagnóstico e estatístico, que é usado pelos
especialistas em Saúde M ental para diagnosticar
adequadamente os distúrbios psiquiátricos.
A depressão sazonal ocorre em pessoas de todas as idades,
DES ENVOLVIMENTO
inclusive em crianças. Em mulheres a incidência é quatro vezes
Vários ramos das ciências biológicas contemporâneas têm se
maior do que em homens, havendo fortes indícios de
preocupado com o estudo da organização temporal dos seres
predisposição genética. Portanto, pessoas com um ou mais
vivos. Este conjunto de estudos, uma vez que implica
familiares acometidos por esta cronopatologia têm maior
metodologia e objeto próprios, está agrupado num ramo
probabilidade de também serem afetadas.
científico denominado Cronobiologia (CIPOLLA NETO &
Embora os mecanismos das desordens afetivas sazonais
CAM PA, 1991).
ainda não estejam completamente esclarecidos, os
Com o avanço da Ciência Cronobiológica, ficou de- pesquisadores concordam que a redução ou a falta de exposição
monstrado que os seres vivos possuem genes que determinam o à luz forte atua como desencadeante (ROSENTHAL et aI.,
funcionamento de diversas estruturas, desde o nível celular até o
1984). A menor intensidade luminosa e o encurtamento dos dias
nível do organismo como um todo as quais promovem uma verificado no outono e
organização temporal de suas atividades fisiológicas,
funcionando como verdadeiros relógios biológicos. Esta mesma
Ciência demonstra que os seres vivos, de maneira geral,
sincronizam suas
'Coordenador do Centro Interdisciplinar de Ciências e docente do Deparamento de Ciências Morfofisiológica da Universidade Estadual
de Maringá
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inverno intensificam a ocorrência desta síndrome nestas de sintomas leves, fáceis de convjver no dia a dia a fortes
estações, sendo, por este motivo, denominada "s índrome mudanças no humor e comportamento com problemas
afetiva sazonal". Entretanto sua ocorrência não é restrita significativos em suas vidas. Seus sintomas podem ser típicos ou
ao inverno. Pode ocorrer também em outras épocas do ano atípicos.
em pessoas que passam os dias em amb ientes fechados,
com poucas janelas e mal ilu minados. Pessoas com Sinto mas típicos:
limitações físicas que permanecem por períodos prolon- - mudanças nos hábitos: dormir por mais horas no inver
gados fechadas em casa sem dar u m bom passeio por am- nc e mesmo assim sentir-se cansado e apresentar dificu
bientes ensolarados também podem desenvolver os sin- làade para acordar de manhã;
tomas. O "incô modo" sentido por algumas pessoas, após - m'Jdanças nos hábitos alimentares: aumento do apetite,
vários dias chuvosos ou nublados, também escl relacio- em especial pelos carboidratos; rápido aumento de peso;
nado com o mesmo t ipo de alteração. - n :udanças na energia e motivação: dificuldade para con
A ocorrência da depressão sazonal está intimamente Ceatrar-se e para executar tarefas de rotina, fadiga, isola
associada a altàáções de produção, do hormônio mento social, diminuição do impulso sexual;
melatonina pela glândula pineal. Este hormônio é - mudanças no humor: irritabilidade ou apatia, baixa auto
secretado na fase de escuro do dia, ou seja, durante a noite. estima, sensação de depressão, tristeza e, em alguns ca
Entre as suas diversas funções está a atuação como sos, idéias suicidas;
regulador do sono e como u m sinalizador hu moral que - maior intensidade da tensão pré-menstrual.
permite ao organismo avaliar o co mprimento do dia e da
noite e ajustar seu funcionamento às variações do Sinto mas atípicos:
amb iente. - mudanças nos hábitos de sono: desperta muito cedo,
A lu z que é captada pelos olhos, além de servir para a apresenta insônia e intranqüilidade;
visão, serve, também, para informar a u ma área do cérebro - mudanças nos hábitos alimentares: diminu ição de ape
denominada "núcleo supraquiasmático" do hipotálamo tite e perda de peso;
sobre a luminosidade amb iental. Este, por sua vez, - maibr suscetibilidade a resfriados e infecções.
comunica-se com outras estruturas neurais fazendo a Quando se analisa o desempenho anual de alguns estudantes
informação chegar até a glândula pineal, responsável pela é comum verificar um bom desempenho no primeiro bimestre
produção de melatonina. seguido de queda do rendimento no segundo e no terceiro
A melatonina é u m hormôn io co m mú ltip las funções bimestres. Em uma análise que clas sificaríamos como simplista,
positivas em nosso organismo: o aumento de sua produção chega-se à seguinte interpretação: no primeiro bimestre o aluno
no período noturno nos ajuda a ter uma boa noite de sono. se saiu bem porque estava empolgado; no segundo e no terceiro,
Entretanto, seu excesso no período diurno pode causar relaxo~; no último bimestre, ante a ameaça de reprovação, empe-
sensações de cansaço, fadiga e sonolência e, inclu sive, nhou-se nos estudos, voltando a obter boas notas. É também
causar depressão. Por outro lado, a serotonina, comum o seguinte comentário: "Viram como ele éinteligente?
neurotransmissor que regula o humor, a energia e o apetite Só não se sai bem em todas as provas porque não quer'"
atinge nível de pico quando a pessoa está exposta à luz Por outro lado, se pensarmos que estes estudantes estão
brilhante. Pessoas com síndro me depressiva sazonal, du- expostos a possibilidade de desenvolvimento de depressão
rante o episódio depressivo, têm menos serotonina e mais sazonal, outra interpretação poderá ser dada ao seu desempenho
melatonina de que pessoas que não estão deprimidas. anual: no primeiro bimestre, saem-se bem porque estam os no
Quando a pineal é informada sobre a redução da verão, o que favorece a sua interativjdade; no segundo bimestre,
lu minosidade ambiental ela au menta a produção de com a chegada do outono, podem desenvolver uma desordem
melatonina: quanto mais longas forem as noites, maior afetiva de caráter sazonal com sintomatologia de intensidade
será o período de produção deste hormônio. À medida que variada. A depressão toma o estudante menos interativo, com-
caminhamos do verão para o outono, seguindo para o promete a sua afetivjdade para com diferentes ativjdades,
inverno, os dias vão se tornando cada vez mais curtos e as interfere na sua atenção e reduz suas possibilidades de
noites mais longas, com a conseqüente redução do período aprendizagem, sendo esta uma das principais causa da queda de
de lu minosidade. No outono e, especialmente, no in verno seu desempenho no segundo e terceiro bimestres. O quarto
podem surgir as man ifestações da desordem afetiva bimestre ocorre na primavera em direção ao verão, ocasião em
sazonal. que a duração do dia (fotoperíodo) está aumentando e que as
É interessante notar que a população pode responder condições ambientais favorecem a remissão dos sintomas
de maneiras d istintas ao encurtamento do fotoperiodo. depressivos, melhorando a interação do sujeito e conse-
Para alguns, a chegada do inverno não causa qualquer alte- qüentemente a sua vontade de aprender.
ração do humo r, podendo, às vezes, representar um me lhor M uitas vezes pais e professores, por desconhecerem este
período para dormir, tornando-as mais bem dispostas para tipo de desordem afetiva endógena vinculada às estações do ano,
as atividades fisicas e mentais. Uma outra parcela da discriminam o aluno/filho, assumindo uma postura de cobrança
população apresenta uma certa sensação de desconforto e frente ao seu menor rendimento aca
uma angústia que não chega a afetar significat ivamente
suas ativjdades. Em outra parcela, a mais sens ível, as
alterações do fotoperiodo desencadeiam a depress ão sa-
zonal.
Pessoas com depressão sazonal podem apresentar des
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dêmico e de recriminação pelas alterações comportamentais, em CONS IDERAÇÕES FINAIS
detrimento do apoio de que ele está necessitando. Isto geralmente As desordens afetivas sazonais podem ocorrer em qualquer
ocorre porque, dentro de suas limitações, nem a escola nem a momento da vida, comprometendo as relações interpessoais.
família conseguem encontrar um motivo que lhes pareça Quando ocorrem na idade escolar podem levar a redução do
plausível e que justifique o que está Qcorrendo com o aprendiz. desempenho acadêmico, especialmente no outono e no inverno.
Estas cobranças podem aumentar a angústia do aluno e in- Quando suas manifestações são intensas, o diagnóstico é
tensificar sua depressão, pois a pressão psicológica iráconstituir realizado mais facilmente. En tretanto, quando suas
um fator psíquico que irá somar ao orgânico, afetando então as manifestações são mais amenas ou subclínicas o problema pode
duas vertentes formadoras da mente. Intensifica-se, desta forma, passar despercebido por vários anos, gerando rótulos negativos
o quadro de depressão que agora passa de meramentef>rgânico para o estudante. A presença na escola de profissionais como o
para orgânico e psíqUIco. psicólogo ou psicopedagogos preparados para detectar o
Vale salientar que nem sempre a desordem afetiva sazonal problema pode resultar em encaminhamentos mais precoces para
irá interferir nas notas obtidas pelos alunos nas avaliações profissionais aptos a realizarem o diagnóstico, evitando a pror-
formais. M uitas vezes, apesar da redução nas interações, rogação do sofrimento para o estudante.
sonolência e/ou irritabilidade, entre outros sintomas típicos, o
aluno pode direcionar suas energias para os estudos.
Qual postura então deve ser assumida frente a este tipo de
desordem e às dificuldades de aprendizagem por REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS CIPOLIA-NETO,].;
ela geradas? A cobrança ou o apoio? .I
CAM PA, A Ritmos biológicos. In: AIRES, M .M . Fisiologia. Rio
Primeiro é preciso realizar o d iagnóstico desta doeÍ1 de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. p.1719.
LEWY, A].; WHER, T.A; GOODWIN, F.K Light suppress
ça. Neste, deve-se levar em consideração os sintomas' e a
mcIatonin secretion in humans. Science, 210:1267-1269,
possível ocorrência deste tipo de desordem em outras 1990. M AINARDES, J. Cenários de aprendizagem: instâncias
pessoas da família, u ma vez que existem fo rtes indícios de interativas na sala de aula. In: M ARTINS,].B.; PIM ENTEL,A.;
predisposição genética. É também interessante analisar o MAINARDES,].; CAMARGO,].S. Na perspectiva de Vigotsky.
histórico escolar verificando se nos anos anteriores as notas São Paulo: Quebra Nozes, 1999. p.27-49.
apresentavam o mes mo padrão de distribuição. MORENO, c.; FISCHER, EM .; M ENNA-BARRETO, L.
Uma vez diagnosticada, se necess ário, o méd ico po- Aplicações da cronobiologia. In: M ARQUES, N.; M ENNA-
derá realizar tratamento psicofarmacológico visando nor- BARRETO (Orgs.) Cronobiologia: princípios e aplicações. São
malizar os níveis de serotonina. Quando se trata de crian- Paulo: EDUSp, 1997. p.240-254. .
ças, geralmente emprega-se um in ibidor da recaptação de ROHDE, L.A.; BARBOSA, G.; TRAM ONTINA, S.;
serotonina, uma vez que nelas nem sempre se obtém u ma POLANCZYK, G.; Transtorno de déficit de atenção/
hiperatividade. Rev. Bras. Psiquiatr., 22(supl 11):7-11,2000.
boa resposta no tratamento da depress ão com
ROSENTHAL, N.E.; SACK, DA; GILLIN,].C.; LEWY,A],;
antidepressivos tricíclicos (ROHDE et aI., 2000). Trata
GOODWIN, F.K.; DAVENPORT, Y.; M UELLER, P.S;
mentos especializados utilizando exposição controlada NEWSOM E, DA.; WHER, T.A. Seasonal affective disorder: a
àluz art ificial de alta intensidade tem p roduzido resulta- description ofthe syndrome and prcliminary findings with light
dos satisfatórios (ROSENTHAL et aI., 1984). therapy. Are/I. Gen. Psychiatry, 41:72-80, 1984.
O psicólogo poderá contribuir para a amenização do ZERSEN, D. Circadian phenomenon in depression: theoretical
quadro, tratando possíveis problemas da dinâmica fami- concept~ and empirical findings. In: HEKKENS, WTHJ.M .;
liar que estejam associados e contribuindo para agravar o KERKHOF, G. A ; RIETVELD, w'J.(Orgs.) Trends in
problema, bem co mo para que o paciente e a família en- cronobiology. O xford: Pergamon Press, 1988. p.357-366.
tendam e aceitem que esta é u ma desordem bioquímica WEHR, TA CronobioJogy of affective illness. In: HEKKENS,
relacionada à intensidade da lu minosidade ambiental que WTH],M .; KERKHOF, G. A; RIETVELD, W],(Orgs.) Trellds in
cronobiology. Oxford: Pergamon Press, 1988. p.367-379.
poderá repetir-se todos os anos e que isto não significa
uma insatisfação com a v ida.
Estas pessoas devem evitar os ambientes mal
ilu minados e a colocação de cortinas pesadas nas janelas.
Devem procurar realizar atividades físicas em amb ientes
abertos, pois isto colabora no combate a depress ão
sazonal.
Acreditamos que no ambiente familiar e escolar
devese assumir a conduta reco mendada para qualquer
caso de dificu ldade de aprendizagem, ou seja, o apoio.
Pois, conforme argu menta MAINA RDES (1999) a
cobrança aumenta o grau de angústia decorrente da
imperícia, podendo ocasionar um forte sentimento de
incapacidade para aprender. O apoio, por sua vez,
aumenta a autoconfiança, a d isposição para o aprendizado
e mediações do professor ou mes mo dos colegas de
ISSN 1414-7149
classe.
Revista indexada no Periodica, índice de revistas Latino
Americanas em Ciências http://www.dgbiblio.unam.mx