Este documento descreve a jornada de Irene Fonseca, uma cientista portuguesa que se tornou diretora de um centro de análise não-linear nos Estados Unidos. Inicialmente estudou artes, mas depois se interessou por matemática na universidade em Lisboa. Ela fez doutorado nos EUA, onde construiu uma carreira de sucesso. Atualmente lidera um centro de pesquisa na Universidade Carnegie Mellon.
A experiência amorosa e a reflexão sobre o Amor.pptx
A trajetória inesperada de uma matemática portuguesa
1.
2. Recanto do departamento de Matemática, Universidade de Carnegie Mellon, 2007 Foto: Joana Barros
Portugal
Irene
TEXTO ANA SOUSA DIAS
Matemática
DATA DA REPORTAGEM 12/2007
Fonseca
p111
3.
4. Irene Fonseca no seu escritório da Universidade de Carnegie Mellon, 2007 Foto: Joana Barros
5. Irene
Fonseca
/ UNIVERSIDADE DE CARNEGIE MELLON, EUA
TEXTO ANA SOUSA DIAS
Era uma miúda sardenta e de olhos muito Marinha, sempre tinha querido ter uma
vivos, que desenhava lindamente. Todos filha matemática e as mais velhas já tinham
em volta acharam normal quando optou seguido outros rumos. E foi assim que
pela Escola de Belas-Artes de Lisboa, para «nasceu» Irene Fonseca, a cientista que
estudar Arquitectura. Mas a revolução de desde 1998 dirige o Centro de Análise Não-
Abril de 1974 trocou-lhe as voltas e dei- -Linear, do Departamento de Matemática
xou para trás a veia artística. Para ser mais da Universidade de Carnegie Mellon,
exacta, a agitação que se seguiu levou ao em Pittsburgh, nos Estados Unidos. Ao
encerramento da Escola, durante um ano chegar a esta universidade, foi aluna de
e meio. Irene Maria Quintanilha Coelho doutoramento de David Kinderlehrer que
da Fonseca tinha 18 anos e muito tempo a descreve com uma frase bem curta: «She
livre, todo o tempo livre. O pai, oficial da was the best».
Tem uma segurança que é própria das pes- Irene na construção e no crescimento do
soas que avançaram com muito trabalho, Centro e do próprio Departamento.
construindo opiniões fortes e procurando Comecemos pelo princípio, pela fase em
o nó do problema. Sempre impecavel- que a jovem artista passou para a Faculdade
mente arranjada e com vivíssimo sentido de Ciências de Lisboa para ocupar o tempo.
de humor, chegou à fase da vida em que os Ela própria conta que nesses primeiros
filhos saem de casa – é assim nos Estados meses ficou a conhecer, sobretudo, o bar
Unidos, onde o ensino universitário não da Faculdade, com uma amiga que a acom-
rima com a casa dos pais. panhou naquele «entretém» proposto pelo
As funções de Irene obrigam-na a um pai. Mas chegaram as primeiras frequências
intenso trabalho no Centro de Análise Não (exames semestrais), e pareceu-lhe que
-Linear, perto da casa onde se instalou há não seria boa ideia aparecer em casa com
largos anos em Pittsburgh, mas levam-na maus resultados.
também a viajar constantemente, cru- Fecharam-se em casa a estudar e fizeram
zando fusos horários a desafiar as 24 horas todos os exames. Irene estranhou não ver
de cada dia. Trabalha com papel e lápis, e o os resultados na pauta afixada e foi per-
terceiro instrumento necessário é … tempo. guntar o que se passava. «Ah, você é que
Habituou-se a tornar úteis as horas gastas é a Irene Fonseca? Tem de fazer todas as
em aviões e aeroportos. Faz investigação, orais.» Pareceu-lhe normal. O que não
dirige o Centro onde tem 30 investigadores sabia era que a dúvida dos professores se
e estudantes, e sempre em ritmo de cor- devia aos extraordinários resultados das
rida para conseguir financiamentos. Tanto provas escritas, principalmente porque
David Kinderlehrer como Roy Nicolaides, o vinham de uma estudante que não conhe-
qual dirige o Departamento de Matemática ciam nem de vista. Confirmou as notas nas
de Carnegie Mellon, sublinham o papel de orais e foi por aí fora até terminar o curso
6. IRENE FONSECA, MATEMÁTICA, p115
Foto: arquivo pessoal de Irene Fonseca
Irene Fonseca com 6 anos de idade, 1962
com 19 ou 20 valores, já não se recorda tração da Agência Nacional de Compras
bem, em Julho de 1980. O grande incêndio Públicas]. Um e outro foram os primeiros
que destruiu os edifícios da antiga Escola portugueses a doutorar-se em Matemática
Politécnica, na madrugada de 18 de Março em universidades norte-americanas.
de 1978, apanhou-a em pleno curso. Alu- E foi por causa deles que Irene Fonseca
nos e professores passaram para instala- não seguiu os passos habituais dos licen-
ções precárias, e só em 1985, já Irene estava ciados do mesmo curso, que se doutoravam
do outro lado do Atlântico, a Faculdade de em França.
Ciências se mudou para o Campo Grande. «Quando chegou a altura de fazer o
doutoramento, fui para os Estados Unidos
Paris fora do caminho um bocadinho por acaso. Só não fui para
Matemática era nessa época um curso França porque o meu cunhado e o meu
maioritariamente feminino. Segundo Ire- primo estavam nos Estados Unidos e dis-
ne, em Portugal há uma grande tradição seram-me que fosse para lá. Eu ainda não
de as mulheres fazerem Matemática, en- tinha a minha vida delineada. O meu primo
quanto nos países anglo-saxónicos isso não estava na Universidade de Brown, em
é usual. «Há uma explicação para isto, não Providence, Rhode Island, e o meu cunha-
é um milagre: as saídas profissionais eram do na Universidade de Minnesota, em
muito poucas, o habitual era ficar profes- Minneapolis, com a minha irmã. Do ponto
sor de liceu.» de vista científico, eu não tinha preferência
Nessa altura, os rapazes que se interessa- por Minneapolis, escolhi ir para lá por
vam por Matemática seguiam Engenharia, razões familiares.»
como aconteceu com um primo de Irene, Mas Paris acabou por se meter no caminho
Luís Magalhães [presidente da UMIC, dela, e da pior maneira. Dez anos de vida uni-
Agência para a Sociedade do Conhecimen- versitária, em Lisboa e em Minneapolis, não
to, e ex-presidente da FCT, Fundação para a tinham preparado para o ambiente que
a Ciência e a Tecnologia] e com o cunhado veio a viver no coração da Europa. «Em 85
Manuel Ricou [do Conselho de Adminis- casei-me com Luc Tartar, um matemático