O documento discute como resíduos de piscicultura e de culturas como algodão e mamona estão sendo usados para produzir biodiesel de forma sustentável. Pescados de uma cooperativa no Ceará extraem óleo de vísceras de peixe antes descartadas e o vendem para biodiesel. O caroço de algodão também é fonte de óleo para biodiesel após a produção de farelo. Já a mamona inicialmente incentivada pelo governo não se mostrou viável economicamente.
Como o aproveitamento de subprodutos da piscicultura e do algodão gera renda extra e ajuda o meio ambiente
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RIQUEZA DAS SOBRAS
J.F.Diorio/AE
SOBRAS Caroço de
algodão é esmagado para
produzir farelo destinado
à ração animal. O óleo
restante é transformado
em biodiesel
A cooperativa de Curupati, que reúne 53 fa-
mílias de pescadores do Açude do Castanhão,
em Jaguaribara, Sertão do Ceará, produz 50
RESTOS DO ALGODÃO Óleo de soja
toneladas de tilápias em tanques-rede por
mês. Cinco toneladas, ou seja, 10% são de vís-
ceras. No início do projeto, cinco anos atrás, o
resíduo era enterrado no entorno do açude, ge-
rando problemas ambientais como a imper-
meabilização do solo. Nos últimos dois anos,
E DA PISCICULTURA não é viável,
diz economista
VIRAM BIODIESEL
os cooperados acharam um fim mais rentável
e menos impactante: a extração de óleo, vendi- O crescimento da produção do biodiesel no
do a usinas de biodiesel e fábricas de sabão. País não pode se basear apenas no aumento
O trabalho é artesanal. As vísceras são cozi- da sua principal matéria-prima, que é a soja,
das, permitindo a separação da parte sólida responsável por mais de 80% de tudo que é
(35%), destinada à ração ou à adubação. O transformado no biocombustível. “Essa expan-
que resta, o equivalente a 65% do volume, é são não é sustentável”, define o economista
óleo bruto. O litro é vendido a R$ 0,50. A ren-
da mensal média dos cooperados, segundo o
pescador Francisco Lopes, é de R$ 1.100. “A
gente vende todo o peixe e o óleo, cerca de 2
mil litros por mês, e divide a renda.”
O aproveitamento do óleo feito de vísceras de
peixe e do caroço de algodão, assim como
o porquê do fracasso da mamona, são os destaques
(PNPB), em 2003. Hoje, a planta perdeu espaço não
apenas para outras oleaginosas, principalmente a soja,
como para subprodutos da pecuária e da indústria. O
da Associação Brasileira da Indústria de Óleos
Vegetais (Abiove), Daniel Furlan Amaral.
A falta de sustentabilidade ocorre porque da
extração do óleo de soja – que é a matéria-pri-
ma para o biodiesel – sobra o farelo. “Não
Para o engenheiro de pesca Oswaldo Segun- do último dia da série Riqueza das sobras, assinada biodiesel é menos poluente que o diesel. Enquanto o tem como todo esse farelo ser absorvido pelo
do, responsável pelo projeto na Secretaria de mercado”, comenta Amaral, acrescentando
Desenvolvimento Agrário do Ceará, o lucro se- por Angela Fernanda Belfort e Verônica Falcão. O combustível fóssil leva milhões de anos para ser que o excesso de farelo também jogaria o pre-
rá ainda maior quando os pescadores refina- governo federal priorizou a mamona no início do formado, o óleo vegetal e o animal se originam de ço do produto para baixo, o que traria prejuí-
rem o óleo e passarem a vendê-lo direto às usi- zo aos plantadores da oleaginosa.
nas e fábricas. “Por enquanto, eles destinam Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel fontes renováveis. Para cada tonelada de soja esmagada, são
o óleo a atravessadores”, justifica. produzidos 190 quilos de óleo e 780 quilos de
O óleo de peixe, comprovam testes da Fun- farelo. Atualmente, esse farelo é vendido para
dação Núcleo de Tecnologia Industrial do Cea- a indústria de ração de animais. A sugestão
rá (Nutec), é eficiente. “O problema é a estabi- do economista é para que sejam aproveitados
lidade, que é menor. Mas isso pode ser resolvi- os resíduos e intensificadas as pesquisas com
do misturando com óleos mais duráveis, co- as lavouras de girassol e colza. O teor de óleo
mo o da mamona”, explica o químico da Nu- da soja é de 19%, enquanto o girassol e a col-
tec, Jackson Queiroz. za têm, respectivamente, 41% e 40%. “É por is-
Fotos: Oswaldo Segundo/Divulgação
As misturas são comuns em usinas de bio- so que está se falando sobre o biodiesel brasi-
diesel. “A exemplo do óleo da mamona, uns leiro ter várias matérias-primas”, diz.
são mais viscosos do que a Agência Nacional O governo federal concentrou esforços para
de Petróleo (ANP) permite, outros se degra- a mamona ser a fonte do biodiesel, inserindo
dam mais rápido”, exemplifica James Melo, o cultivo na agricultura familiar. A experiên-
coordenador da usina de Caetés, em Pernam- cia não deu certo. Muitas fábricas que funcio-
buco, ligada ao Centro de Tecnologias Estraté- nam à base de mamona pararam por falta de
gicas do Nordeste (Cetene-MCT). matéria-prima. “Não fazemos biodiesel com
A usina de Caetés opera com óleo de fritura mamona, pois ela tem custo muito elevado”,
(5%) e de algodão (95%, que também é consi- diz o diretor de produção da Serrote Redondo,
derado um subproduto). Depois de retirados Evânio Oliveira, em São José do Egito, Sertão
os pêlos, sobra o caroço, que é esmagado para de Pernambuco. Atualmente, a sua fábrica
a produção de farelo. “Aproximadamente 85% também está parada por falta de matéria-pri-
são de farelo para ração animal, 11% de óleo ma. Oliveira usa o caroço de algodão como
e o restante é perdido por causa da umidade”, fonte.
avalia o empresário José Cavalcanti da Silva O óleo de mamona é o que tem o preço
Júnior, que produz ração em Garanhuns. mais elevado entre todos os óleos que podem
“Vendo o litro a R$ 1,40, tanto para a usina ser usados para fazer biodiesel no País. O bio-
de biodiesel de Feira de Santana (BA) quanto diesel feito com a mamona também apresen-
para a indústria alimentícia.” ta alta viscosidade, ficando fora dos critérios
Sobra do processo de fabricação industrial definidos pela Agência Nacional do Petróleo
do óleo de palma, a borra é responsável por (ANP).
0,37% de todo o biodiesel do País. É fabricada “A mamona ficou inviável para a agricultu-
numa empresa chamada Agropalma, no Esta- ra familiar e o preço não foi satisfatório para
do do Pará. De toda a sua produção, 4% eram o produtor”, resume o diretor de políticas agrí-
a borra do óleo que é transformada em biodie- colas da Federação dos Trabalhadores na Agri-
sel, o que corresponde a 20 milhões de litros cultura (Fetape), Adelson Freitas. No Agreste
de biodiesel por ano. A empresa, que processa Meridional de Pernambuco, mais de 5 mil
mais de 90% de todo o óleo de palma do País, produtores plantavam a oleaginosa em 2007.
usa uma patente do pesquisador da UFRJ Do- Hoje, quase não existe mais pequeno agricul-
nato Aranda. ANTES E DEPOIS Vísceras do peixe cultivado no açude cearense do Castanhão eram enterradas. Agora servem para fazer biodiesel tor cultivando a planta na região.