1. Aprender Química para o exercício da cidadania
Para a população em geral, uma expressão do tipo “pão sem química” transmite a ideia de um pão
isento de substâncias prejudiciais à saúde. Tentando transmitir a ideia desejada, essa expressão é,
além de infeliz, totalmente incorreta, porque a produção do pão utiliza a farinha de trigo como
matéria-prima e parte dela sofre uma reação química (denominadafermentaçao). Mesmo sem
saber Química, o padeiro executa, todos os dias, essa reação.
Ao utilizar a expressão “pão sem química’ uma pessoa revela desconhecer várias coisas:
● a Química não é um objeto para que possa ser colocada em um pão. A Química é uma ciência,
ou seja, um ramo do conhecimento humano que visa compreender melhor alguns fenômenos
que ocorrem na natureza e/ou em laboiatório, estudando-os com uma linha organizada de
trabalho, denominada método científico;
● ao fazer o pão, o padeiro utiliza processos químicos (reações químicas);
● todos os objetos e materiais existentes na Terra (incluindo os pães) são constituídos por
substâncias químicas.
Assim, o “pão sem química” é, na verdade, um pão obtido a partir de substâncias e reações
químicas, mas sem a adição de substâncias que possam ser nocivas à saúde.
Analogamente, frases como “não tomo remédios, pois contêm muita química’“alimentos enlatados
fazem mal porque os fabricantes adicionam muita química” ou “instalei em minha piscina um novo
sistema de tratamento totalmente isento de química” também estão incorretamente elaboradas,
pois confundem uma importante ciência com substâncias tóxicas ou com produtos e processos
maléficos ao ser humano.
Em nosso dia a dia é muito frequente encontrarmos indicações de substâncias químicas nas
embalagens de alimentos, nos frascos de cosméticos, nos rótulos de produtos de limpeza, nas
etiquetas de roupas, nas caixas e bulas de remédios e em tantos outros objetos.
2. Da imensa variedade de produtos colocados à venda, a maioria deles, se não
todos, provém de indústrias químicas ou, então, entrou em contato durante sua
manufatura com produtos delas provenientes (por exemplo, sabões,
detergentes, remédios, cremes dentais, cosméticos, plásticos, borracha, metais,
papel, colas, tintas, álcool, sal, açúcar, vinagre, aditivos alimentares,
refrigerantes, CDs e DVDs etc.). Virtualmente, tudo o que encontramos à venda
se relaciona de alguma forma com a indústria química. O produto usado nas
embalagens — papel, plástico, vidro ou metal — e a tinta nelas utilizada são
obtidos por meio de processos químicos.
Os materiais empregados na construção de casas, prédios, automóveis, aviões,
embarcações, computadores e eletrodomésticos constituem outros exemplos
que se relacionam com as indústrias de processos químicos, nas suas mais
diferentes modalidades e especialidades.
3. Os medicamentos são substâncias químicas devidamente extraídas
da natureza ou fabricadas artificialmente, purificadas, dosadas e
comercializadas.
Do mesmo modo que substâncias químicas podem contribuir para o
bem-estar da humanidade, elas também podem — se usadas
incorretamente (por ignorância, incompetência, ganância ou ideologias
duvidosas) — acarretar doenças, poluição do ar e das águas,
desequilíbrios ecológicos e mortalidade de plantas e animais.
Assim, apesar de toda a importância desta ciência e de suas
aplicações, há muita confusão no que diz respeito à palavra química.
É comum ouvirmos seu nome sendo usado impropriamente como
sinônimo de “substâncias tóxicas”. “veneno” ou “poluição”.
4. Aprender Química é se envolver num apaixonante estudo das
substâncias ao nosso redor, de onde vêm, quais suas propriedades,
que utilidades possuem e quais as vantagens ou os problemas
que.eventualmente podem trazer à humanidade. A principal meta
deste livro é ajudá-lo a compreender melhor alguns conceitos
fundamentais da Química e sua relação com o cotidiano.
Um cidadão participativo e capaz de tomar as melhores decisões
para si e para sua comunidade precisa, entre outras coisas, ter
noções claras sobre Ciência e Tecnologia. Assim, dominar os
conceitos científicos e compreender os fenômenos que nos rodeiam
são importantes condições para o exercício da cidadania.
Os vários aspectos da Química
A Química envolve uma linguagem própria
Diversos ramos do conhecimento humano, por vezes, se utilizam de
códigos para expressar as ideias de maneira concisa.
A Química, assim como a Música, a Computação e a Eletrônica (apenas
para citar alguns poucos exemplos), utiliza-se de representações que
podem ser entendidas por qualquer pessoa familiarizada com elas. Ao
longo deste curso de Química você vai adquirir informações que lhe
permitirão entender essa linguagem. Assim, por exemplo, você em breve
fará leituras do tipo:
5. Uma sonata para piano escrita por Mozart (músico austríaco) pode ser entendida e
interpretada tanto por um pianista chinês quanto por um brasileiro porque a
linguagem das partituras musicais é universal. O mesmo acontece com a linguagem
química. Isso é importantíssimo no que diz respeito à comunicação científica ao
redor do mundo.
A Química utiliza ferramentas de outras áreas
No decorrer deste curso, você perceberá que, muitas vezes, a Química utiliza
conceitos de outras áreas, principalmente da Matemática e da Física. Quando
necessário, faremos um comentário preliminar sobre eles, para que você possa
dominar todos os pré-requisitos necessários e entender a Química do ensino médio.
O caráter experimental da Química
Assim como acontece com as outras Ciências Naturais (Física, Biologia etc.), a
Química baseia-se na observação de acontecimentos (fenômenos) da natureza. Mais
do que isso, a pesquisa química envolve a execução de experiências em laboratório
e a cuidadosa observação e interpretação dos resultados.
Quando um cientista idealiza algumas experiências e obtém resultados importantes,
geralmente ele os publica em revistas especializadas de circulação mundial. Sua
descrição deve ser precisa o suficiente para que outros cientistas possam reproduzi-
las e chegar aos mesmos resultados. Caso contrário, suas conclusões não serão
aceitas pela comunidade científica mundial. Assim, uma preocupação importante
relacionada com as experiências é a sua reprodutibilidade.
6. O caráter puro e aplicado da Química
Uma pesquisa química pode estar voltada apenas para o melhor entendimento de
algum fato da natureza; nesse caso temos uma pesquisa pura. Por sua vez, ela
pode estar focada em resolver um problema prático, tratando-se, então, de uma
pesquisa aplicada.
7. O caráter interdisciplinar da Química
Como já dissemos, essa ciência possui caráter aplicado. Muitas vezes,
para a resolução de um problema prático, é necessário que ela atue em
conjunto com outras ciências.
Ao se aliar à Engenharia, a Química tem propiciado a elaboração de novos
materiais, como, por exemplo, as cerâmicas que suportam altas
temperaturas, os plásticos altamente resistentes e os materiais
supercondutores.
A Medicina, talvez a mais antiga das ciências associadas à Química, é uma
das maiores beneficiadas com os modernos avanços dessa área.
Anualmente, são descobertas centenas de novas substâncias que podem
atuar como medicamentos.
Todas essas fascinantes aplicações que descrevemos representam apenas
parte do que existe em termos de avanço científico e tecnológico ligado à
Química.
É importantíssimo salientar que nenhum progresso nesse campo será
possível se os conceitos básicos da Química não forem bem
compreendidos. São esses conceitos, discutidos ao longo deste livro, que
formam o alicerce de todo o conhecimento químico atual. Embora se trate
de conhecimentos básicos, você poderá perceber a grande diversidade de
aplicações práticas que eles possuem.
8. 3. Breve panorama histórico
Entre as Ciências Naturais, pode-se dizer que a Química é uma das mais recentes. Astronomia,
Física e Matemática têm uma história que remonta a muitos séculos antes de Cristo.
Não há uma data específica que possamos estabelecer como “início” da Química. Podemos dizer,
entretanto, que ela só se firmou como ciência no transcorrer dos séculos XVII e XVIII.
Vamos, a seguir, dar uma ideia sobre isso.
3.1 A Antiguidade
Há mais de 3.500 anos, os egípcios já utilizavam técnicas em que estavam envolvidas
transformações químicas. Dentre elas, podemos citar a fabricação de objetos cerâmicos por meio
do cozimento da argila, a extração de corantes de certos animais e vegetais, a obtenção de
vinagre e bebidas alcoólicas não destiladas (vinho, cerveja) e a produção de vidro e de alguns
metais. Destaca-se também a arte da conservação das múmias, na qual os egípcios atingiram alto
grau de perfeição.
Por volta de 478 a.C., o filósofo grego Leucipo, que vivia na costa norte do Mar Egeu, apresentou a
primeira teoria atômica de que se tem notícia, e seu discípulo Demócrito a aperfeiçoou e propagou.
A ideia envolvida era a seguinte: considere, por exemplo, a areia de uma praia. Vista de longe ela
parece contínua, porém, observada de perto, notamos que é formada por pequenos grãos. Na
realidade, todas as coisas no universo são formadas por “grãozinhos” tão pequenos que não
podemos enxergar e, dessa forma, temos a impressão de que elas são contínuas. A esses
“grãozinhos” foi dado o nome de átomos (do grego a, que significa “não’ e tornos, que quer dizer
“divisível”).
Contudo, entre os gregos, acabaram predominando as ideias de outro filósofo, Aristóteles (384-322
a.C.). Segundo ele, tudo é constituído de quatro “elementos” básicos:fogo, terra, ar e água. Essa
maneira de pensar influenciou muito a evolução da Ciência ocidental, que conseguiu desvencilhar-
se totalmente dessas ideias somente no século XVI, a partir do qual a Química teve considerável
impulso.
9. 3.2 Alquimia, a precursora da Química
Após Aristóteles, a Grécia passou por um agitado período
político e, gradualmente, a cidade egípcia de Alexandria
assumiu a liderança científica da época. Lá, encontraram-se
frente a frente a f ilosofia grega, a tecnologia egípcia e as
místicas religiões orientais.
Disso tudo nasceu a Alquimia, uma mistura de ciência, arte e
magia, que floresceu durante a Idade Média, tendo uma dupla
preocupação: a busca do “elixir da longa vida”, que garantiria a
imortalidade e a cura das doenças do corpo, e a descoberta de
um método para a transformação de metais comuns em ouro
(transmutação), que ocorreria na presença de um agente
conhecido como “pedra filosofal”.
A procura pelo ouro não era motivada por razões econômicas, mas porque ele,
devido à resistência à corrosão, represeiitava a perfeição divina. Contudo, muitos
charlatães se aproveitaram de encenações simulando a transmutação para
enriquecer à custa da boa-fé de alguns adeptos da Alquimia.
Na China, as especulações dos alquimistas conduziram ao domínio de muitas
técnicas de metalurgia e à descoberta da pólvora. Os chineses foram os inventores
dos fogos de artifício e os primeiros a usar a pólvora em combates no século X.
10. Nenhum dos dois objetivos da Alquimia foi atingido, contudo, muitos
progressos no conhecimento das substâncias provenientes de minerais e
vegetais foram obtidos no Ocidente e no Oriente. Prepararam-se substâncias
como, por exemplo, ácido nítrico (chamado na época de aquafortis) e ácido
sulfúrico (oleum vitriolum). Materiais de laboratório foram sendo
gradualmente aperfeiçoados.
No século XVI, o suíço Theophrastus Bombastus Paracelsus propôs que a
Alquimia deveria preocupar-se principalmente com o aspecto médico em
suas investigações. (Isso ficou conhecido como latro química.) Segundo ele,
os processos vitais podiam ser interpretados e modificados com o uso de
substâncias químicas. Sua contribuição no diagnóstico e no tratamento de
alguuas doenças foi digna de nota.
3.3 Da Alquimia surge a Química
Em 1597, o alemão Andreas Libavius publicou o livro Alchemia, no qual
afirmava que a Alquimia tem por objetivo a separação de misturas em seus
componentes e o estudo das propriedades desses componentes.
Em 1661, o irlandês Robert Boyle publicou The sceptical chemist (O químico
cético — cético significa desconfiado, que só acredita mediante provas), no
qual atacava violentamente a concepção aristotélica de quatro “elementos”.
Para Boyle, elemento é tudo aquilo que não pode ser decomposto por
nenhum método conhecido. Esses dois livros são considerados, por alguns
estudiosos, o marco inicial da Química.
11. Há outros estudiosos que creditam a Antoine Laurent Lavoisier o mérito de ser o
“pai” da Química. Os trabalhos desse cientista francês, realizados no século XVIII,
deram à Química bases mais sólidas. Ele realizou experimentos controlados
envolvendo medidas da massa de frascos (incluindo a dos materiais neles contidos)
antes e depois de acontecerem reações químicas dentro deles. Uma de suas
conclusões, a de que a massa se conserva durante as reações químicas, é
considerada por alguns o marco inicial da Química.
No século XIX, os trabalhos de Gay-Lussac, Dalton, Wõhler, Avogadro, Kekulé e
outros, cujas conclusões também estudaremos neste livro, deram origem à
chamada Química clássica.
No século XX, com o grande avanço tecnológico, presenciou-se uma vertiginosa
evolução do conhecimento químico. O átomo teve sua estrutura interna pesquisada,
elementos artificiais foram sintetizados e modernas técnicas de investigação foram
desenvolvidas, utilizando conceitos de Química, Física, Matemática, Computação e
Eletrônica.