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Félix, 93

             O Edifício Mamphs não era uma instituição grandiosa, porém, seus serviços eram
mais baratos e de qualidade reconhecida internacionalmente. O edifício fora construído no ano
de 1969 e antes de tornar-se uma casa de repouso para portadores de “comportamentos
diferenciados”, era um grande hotel, com quartos cheios de luxo e sempre era notícia dos
jornais que reportavam as visitas de grandes ícones nacionais e internacionais.

             Entretanto, o hotel que outrora era reconhecido por seus bons serviços e
funcionários tornou-se conhecido após o assassinato de um de seus hóspedes. As reservas
diminuíram pouco a pouco e nada se sabe sobre a família que era dona do Hotel Mamphs.
Então, em 1987, reformaram a estrutura da construção, pintaram suas paredes e colocaram
em funcionamento o Edifício Mamphs.

             Possuía quatrocentos pacientes, entre eles Amelíe, na casa dos vinte e um estava
reclusa há quase nove meses. Com o tempo resolveu aceitar sua situação e entregar-se de
fato ao que não mais poderia resistir. Ficaria ali, presa por mais alguns intermináveis anos.

             Após nove meses e quinze dias de Outubro do ano de 1995, corria pelos
corredores a notícia de que um novo interno seria recebido. Não era nenhuma grande
novidade, porém, Amélia interessava-se por tais comentários já que nada sabia sobre o que
acontecia além das altas paredes de seu “hotel”. Conseguira apenas averiguar que o nome do
rapaz era Ryan e que estava chegando aos seus vinte e três conturbados anos.

               - Amelíe, está na hora dos seus remédios.

             - Já decorei os horários, Laura. Dê-me logo esta dose de felicidade encapsulada.
– Engoliu os antidepressivos e retomou a conversa. – Mas antes, fale-me mais sobre o novo
interno que receberemos.

             - Ah, sobre o tal Ryan?! Bom, até nós funcionários, sabemos pouco sobre o
indivíduo. Foi nos informado que é jovem e hospedar-se-á no quarto de número 2.20 e que
tomará remédios mais fortes que os seus... – A enfermeira fez menção de continuar, mas foi
interrompida.

               - Compreendo. Mas, diga-me, qual foi o motivo da internação?

              - Amelíe, como eu disse anteriormente, pouco nos foi passado sobre o ser em
questão. Corre a largos passos o boato de que o mesmo tem alucinações e que durante este
período de transe, comete assassinatos brutais e não se lembra de nada do que faz. Internou-
se por livre e espontânea vontade, diferentemente de sua pessoa que foi traga aos gritos para
cá. Agora me deixe ir, pois tenho outros internos para visitar. Boa noite.

               - Laura, é minha última pergunta. Quando ele chega?

               - Amanhã antes do almoço. Com licença, boa noite. – Disse fechando a porta
atrás de si.

           Um assassino inconsciente chegaria e traria consigo as mais terríveis lembranças
de Amelíe, Ryan era seu companheiro de fardo, parecia voltar no tempo e estagnar-se no
momento em que se “hospedara” no grande Mamphs.

             Aos internos eram permitidos apenas cinqüenta minutos semanais de banhos de
sol. Por volta das onze da manhã uma ambulância chegava ao portão do edifício, Ryan
chegara trazido por ela.

                    “Internos do Edifício Mamphs, por favor, dirijam-se aos seus respectivos
                                            aposentos.”
Era o fim de mais um banho de sol e o início de uma oportunidade para conhecer
o tão comentado interno.

             Foram todos convidados para almoçar, isto queria dizer que até o novato também
confraternizar-se-ia com os veteranos.

              Amelíe correu com os olhos todas as mesas e nada parecia diferente. A louca do
5.01 permanecia na mesma cadeira com a mesma sopa. O pedófilo do 7.04 atirava-se à
loirinha do 2.03. Até depositar seu olhar na terceira mesa da terceira fileira, lá estava o loiro de
cabelos quase rebeldes de olhos claros e pele branca. Estava ali o ponto diferente dos rostos e
restos velhos conhecidos.

             Ryan.

            Olhava para um ponto do nada, como se louvasse aquele lugar singular que fixara
sua atenção. Até que suas observações foram interrompidas.

             - Olá. – Amelíe tentou sorrir.

             O rapaz retribui com um sorriso mais verídico, porém muito discreto.

             - Não fala muito, não é? – Insistiu a moça.

          - Sim, Amelíe, não sou de falar muito. Mas agradeço pelo comitê de boas vindas.
– Comeu um pedaço do seu lanche.

             - Como sabe meu nome?

            - Uma das internas que mais dão trabalho, que está reclusa aqui há exatos nove
meses e dezesseis dias. Conhecida também por delirar à noite e invadir o quarto dos outros
pacientes. O que mais eu descobri? Você não se internou por vontade própria e seus gritos
puderam ser ouvidos além das paredes do Mamphs e ainda preciso ressaltar que foram
necessários dez homens para colocá-la onde está hoje...

             - Imagino que sei minha própria história, ainda não perdi minha lucidez. – Exaltou-
se.

            - Amelíe, minha querida, já que tem o costume de invadir o quarto dos outros
pacientes, estou hospedado no de número 2.20, garanto que faremos algumas loucuras
durante a noite, perdoe-me o trocadilho infame. – Sorriu irônico.

            Irritada, levantou-se de imediato, sem que houvesse movimento para volta. Ryan a
segurou pelo pulso.

            - Anjo, sente-se, por favor. Perdoe-me, prometo não importuná-la, não quero lhe
passar uma má impressão. Fique aqui comigo, acompanhe-me nesse almoço caríssimo que
acabo de providenciar para nós.

            - Tudo bem, estou aqui. – Sentou-se novamente. – Agora pode, por favor, me
contar como conseguiu tantas informações sobre mim?

             - Não devia se preocupar tanto querida. – Sorriu despreocupado.

             Amelíe fez menção de levantar-se.

              - Tudo bem, eu contarei. Descobri parte de sua história enquanto uma das
enfermeiras me acomodava em meu quarto, não foi difícil ler as informações de alguns
pacientes daqui. Mas interessei-me particularmente pela sua ficha, eu confesso. E sobre seus
gritos, eu presenciei quando você foi internada. Tão jovem... – Acariciou-lhe o contorno do
rosto. – Tive pena de você, acredite. Satisfeita?

             - Bastante, mas porque veio para este lugar nojento?
- Além da boa comida, dos bons serviços, das belas funcionárias e internas como
você, achei sensato com o meu próprio ser. Não consigo me lembrar de boa parte dos delitos
que cometi. Recordo-me apenas de expressões de dor, de ódio, de vingança e do meu rosto
quando me olhava no espelho e encontrava pequenos resquícios de sangue. Sempre achei
que eram acnes que estouravam... – Contou esta última parte rindo, mas encontrou a
expressão séria de Amélia.

            - Continue.

             - Então numa certa manhã após uma noitada daquelas, me deparei com policiais à
minha porta perguntando o que eu havia feito na noite anterior. Expliquei a eles que não me
lembrava de boa parte da noite, e de fato, eu não sabia o que havia acontecido. Mostraram-me
fitas de segurança de um estacionamento. Fui capaz de estraçalhar o corpo de uma prostituta
local como se existisse dentro de mim um animal. Revoltei-me com o que vi e decidi aceitar o
acordo que me propuseram.

            - Qual foi o acordo Ryan?

              - Propuseram a mim que me internasse aqui no Mamphs para me reabilitar e
tentar sair deste lugar um novo homem.

                   “Internos do Edifício Mamphs, por favor, dirijam-se aos seus respectivos
                                           aposentos.”

            - Não se esqueça do meu convite, minha doce Amelíe. – Beijou- lhe a mão direita
e piscou para ela.

             As horas pareciam passar mais devagar do que o de costume. Não possuía em
suas mãos seu próprio controle enquanto dormia. Tudo o que Ryan dissera era verdade, ela
invadiu vários quartos dos outros internos, tentou matá-los e ficou sabendo do que fizera
apenas nos dias seguintes às invasões. Passaram então a trancafiá-la em seu cubículo, com
suas camisolas, o seu diminuto guarda roupas e sua rosa vermelha que nunca resistia a mais
que sete curtos dias. Já evitava se lembrar de seus familiares, fazia muito tempo que não os
via.

           Respirou fundo e observou Laura se aproximar com seus remédios. Pegou o
pequeno copo e virou de olhos fechados sua felicidade encapsulada.

          Não engolira, decidiu não estar sob efeitos de algo que há tempos a desmaiava e
acabava com seus sonhos. Já não sabia o que eram sonhos, sentia-se triste e solitária por
isso.

           Às vinte e duas horas soou o toque para recolher e trancar as portas dos
pacientes mais perigosos. Amelíe virou-se para encarar o teto.

            ---------

            - Não sabia que os novatos podiam ter janelas em seus quartos...

           Ryan virou-se para encarar Amelíe, nada surpreso por receber tal visita, já
possuía a mais terna ideia de que sua companheira o visitaria no silêncio da noite.

             - Talvez queiram que eu me adapte rápido às supostas tristezas que todos dizem
viver por aqui. – Disse sentando-se na cama. – O colchão é até melhor do que o que eu tinha
em casa. Venha, sente comigo.

            - Prefiro ficar de pé, obrigada Ryan.

              - Tudo bem, mas diga-me querida, como conseguiu entrar aqui? Parece-me tão
sã, foi malcriada e não tomou seus remédios? Que coisa feia anjo.

            Amelíe andava quase impaciente pelo quarto.
- Quando se está aqui há muito tempo você acaba aprendendo a se adaptar a
certas coisas. Até entrar aqui eu não reconhecia a utilidade de um grampo.

            Quando a silhueta magra passou ao lado da cama de lençóis brancos, a mão forte
segurou o diminuto pulso, para que mais nenhum passo fosse dado.

           - Aquiete-se anjo, não quero prejudicá-la por me visitar hoje. Sente-se comigo,
prometo me manter distante de você. Só me aproximarei se pedir.

           - Ryan, não vou pedir nunca que se aproxime mais de mim. Só cheguei até aqui
por que achei justo tentar saber mais sobre você, sua história já que tanto sabe sobre mim.
Quero que me conte tudo.

             - Tudo bem Amelíe, contarei tudo a você. Mas primeiro sente-se comigo, insisto,
pois até que saiba de tudo o dia já terá começado a raiar.

             Amelíe sentou-se ficando de frente para Ryan, cobriu suas pernas com a ponta
restante dos lençóis com os quais ele também se cobria.

           Enquanto Ryan encarava as poucas estrelas, Amelíe fixou seu olhar no rosto de
expressões fortes, buscando encontrar semelhanças com alguém que conhecera há algum
tempo, mas a princípio não encontrara grandes resultados. Vira vários rostos mesclados num
só e uma mesma expressão de dor e cansaço por conviver com algo que tentava se livrar a
tempos.

             - Então você saberá apenas uma parte do tudo. Quero garantir que terei suas
visitas por muitas e muitas noites. Mas não se preocupe, também farei visitas a você, não
quero que se arrisque tanto por saber minha história.

            - Não me enrole Ryan, conte.

             - Se é assim que quer, então o farei Amelíe. Venho de uma família nobre, meus
pais são franceses e eu sou inglês, visitei diversos países durante minha infância e parte de
minha adolescência. Quando cheguei à casa dos treze anos, meus pais começaram a notar
minha rebeldia na escola e a violência com que tratava não só meus colegas de classe como
aos familiares. Levaram-me a todos os ramos da Medicina, desde os clínicos gerais até
psiquiatras e psico-educadores, mas parecia não haver solução.

             Alguma coisa estava errada, mas o que? Revoltado por ser submetido a tantos
constrangimentos diante de tanta gente, procurei algo que me satisfizesse. Meu gatinho era
lindo Amelíe, afagava-me dia e noite. Mas começava a me irritar o fato de um animal ser
carinhoso com a minha pessoa e os meus próprios semelhantes me ignoravam. Matei meu
gato e o expus no portão de casa, com um bilhete dizendo para que parassem de fazer
brincadeiras com o meu problema desconhecido. Sim, eu fiz isso. E não me arrependi.

             Eis ai o ponto, comecei com o meu gato, passei para o poodle da vizinha, coloquei
fogo na gaiola de ratinhos da minha prima. Parti os peixinhos do aquário de casa com minhas
próprias mãos. “Basta!” disse meu pai, e então me enviou a um abrigo inglês para que lá eu
ficasse preso até a maioridade.

             Aos dezoito, me expulsaram de lá. Cansaram dos meus atentados e de minha
impaciência perante o tempo. Morei nas ruas e depois consegui pelo governo a casa em que
residia até ontem.

            - Mas e como surgiram esses seus lapsos de memória Ryan?

           - É uma ótima pergunta querida, - disse olhando para a noite que se tornava ainda
mais densa – admito não saber o que ocorreu. Como eu disse na outra vez que conversamos,
eu apenas acordava com o rosto sujo de sangue e nu. Mas orgulhava-me por achar que
alguma prostituta havia passado por ali. Até a manhã em que os policiais me surpreenderam,
mostrando-me a fita de vídeo do estacionamento em que destrocei o corpo daquela mulher que
se vendia. E não me mostraram apenas esse tal vídeo, entregaram-me também um dossiê
sobre mim mesmo.

              - O que constava nele?

            - Todas as mortes que causei, foram 23 no total. Tirei a vida de outros assassinos,
de alguns imorais, de mulheres da vida e de pedófilos. Tecnicamente, disseram que eu fiz uma
grande limpa em relação aos que sujavam a imagem da sociedade. A partir deste dia descobri
que imoral era o governo e a tal política de segurança pública que nos trata como porcos que
os servem.

             - Você disse durante o almoço, que presenciou o dia em que fui jogada neste
lugar. É verdade?

          - Sim, Amelíe. Mas isto vou lhe contar em uma próxima noite. Já está quase
amanhecendo, vá para o seu quarto e descanse, não quero prejudica-la.

              - Tudo bem, nos veremos amanhã. Bom fim de noite. Descanse, e seja bem vindo
ao inferno.

            Três dias se passaram desde a primeira fuga noturna, Amelíe não repetiu o que
fizera apenas por falta de coragem, mas não lhe faltava vontade. Ryan era apenas mais um
incompreendido da sociedade, que tem muito a dizer sobre tudo o que vivera, só não havia
pessoas que quisessem ouvi-lo. Mas ela queria, queria saber de tudo o que ele passara.

           - Sinto-me profundamente sozinho quando não me visita Amelíe. – Disse Ryan
enquanto sentava-se ao lado da moça de olhos claros.

              - Não disse que iria visita-lo todos os dias. Ou disse e não me recordo?

              - Aproveite o almoço que pedi para nós. Sopa de macarrão com legumes e outras
coisas nutritivas. – Sorriu simpaticamente.

              - Providencie outro almoço, estou farta desta sopa!

              - Sinto cheiro de tensão pré-menstrual? – Sorriu ironicamente.

             Amelíe não se deu ao trabalho de responder tal provocação. Apenas levantou-se e
foi para o quarto, sentiu que estava sendo seguida, mas não se importou. Fixou seu destino em
sua cama, mas foi segurada pela cintura, apenas sentia e ouvia uma respiração quase
ofegante ao pé dos seus ouvidos.

              - Se afaste Ryan. – Disse segurando seus pulsos lutando para se soltar.

            - Você não quer que eu me afaste Amelíe, temos pouco tempo e preciso lhe
contar o que fiquei devendo outra noite. Não se afaste de mim, amo seu cheiro, preciso senti-
lo.

              - Ryan...

            Ele a virou para encará-la, para que ela sentisse que seria sincero em suas
próximas declarações. Tirou-lhe aquela mecha de cabelo que tampava parte da imensidão
daquele azul céu. Tentava controlar sua respiração, mas era algo impossível, quando estava
perto dela.

            - Já a conheço há muito tempo Amelíe. Na verdade li muito sobre você e sua
família. E antes de você ser jogada aqui no Mamphs aos gritos, eu andei te observando,
acompanhando seus passos, sei de todos os seus passos nos últimos dois anos anjo. Sei de
coisas que você com toda certeza não se lembra.

              - Ryan, se afasta, por favor.
- Tudo bem, desculpe. – Disse se afastando. – Sei que estava errado, mas te
observei, assim como adorava sentar na praça que havia debaixo do seu quarto, todas as
manhãs. Seu pai, o Sr. Polain, cheguei a conversar com eles várias vezes. Sua família toda me
conhecia, eu seria o jardineiro de sua casa.

            - Como assim? – Indagou assustada.

            - Isso mesmo Amelíe, - disse se aproximando da rosa vermelha – eu queria estar
perto de você, queria saber como era...

            - Como se interessou por mim?

           - Não sei. Você sempre me encantou indo à loja de calçados que trabalhei, não se
lembra, mas me fez descer quase todos os calçados que estavam disponíveis e me compro
uma bota cano longo preta. Lembra-se dela?

             Lágrimas vieram aos olhos de Amelíe, lembrava-se com perfeição deste dia em
especial. Divertia-se em vê-lo descendo com quatro caixas de calçados diferentes em busca de
algo que a agradasse.

                  “Internos do Edifício Mamphs, por favor, dirijam-se aos seus respectivos
                                          aposentos.”

            - Saia Ryan.Não quero vê-lo.

           Ryan saiu cabisbaixo e foi para os seus aposentos como mandava aquela fria voz
mecânica. Mas não queria voltar, queria ficar ali parado, esperando que ela o pedisse para não
ir.

            E não foi o que aconteceu.

             Um ano se passara desde o dia em que tiveram a conversa que revelara tantas
coisas. Amelíe não voltara a visitar Ryan, já estavam no dia trinta de novembro de 1996,
aniversário dela. Vira entrar por debaixo de sua porta um bilhete.

                  “Desculpe-me incomodá-la depois de tanto tempo e
também por essa letra horrorosa. Enfim, eu não poderia esquecer-me
                       desta data, feliz aniversário anjo.

                                                                                    Ryan.”
             Era ele, Amelíe já sabia que aquele bilhete seria dele. E lhe doera no coração não
poder retribuir o que ele sentia. Ela se lembrava do jovem que fingia ler o jornal todas as
manhãs naquela praça tentando disfarçar que olhava, na verdade, para a janela do quarto dela.

            “Ah Ryan, perdoe-me...”.

            - Amelíe, posso entrar?

            - Por favor, entre Laura. – Disse cabisbaixa.

             - Eu juro que quis te livrar da sua felicidade encapsulada de todos os dias nesta
data especial, mas não consegui. Desculpe-me querida, eu juro que tentei! – Abraçou-a
apertado. – Feliz aniversário!

            - Obrigada por tudo. – Tentou sorrir.

            - Vou ver os outros pacientes. Até mais tarde.
Encontrava com Ryan todos os dias na hora do almoço, do jantar e também nos
banhos de sol. Seus olhares se cruzavam sempre, tentavam evitar, mas era impossível. Várias
vezes Amelíe, durante as refeições, sentava-se com outros pacientes do Mamphs apenas para
evitar que ele se sentasse na mesma mesa que ela. Era evidente a decepção que habitava os
olhares de ambos.

             O tempo se passava. Ryan completara dois anos de internação e recebera visitas
dos policiais e agentes, corriam novos boatos de que logo ele receberia alta por bom
comportamento e também por apresentar avanços em seu quadro psiquiátrico, não era um
homem violento e nunca tentara algo contra os pacientes.

            Tornara-se tão bonito, de expressões ainda mais fortes, deixava a barba por fazer
e isso acentuava ainda mais seus olhos claros e o sorriso branco que tanto encantava Amelíe,
mas ela não o veria mais. Ryan receberia alta no dia seguinte.

             “É o último bilhete que lhe deixo anjo, o segundo depois de
 quase dois anos, venho incomodá-la novamente. Perdoe-me, mas é
  apenas para me despedir e dizer que ficarei inteirado sobre tudo o
   que acontece com você, e a esperarei no dia que sair deste lugar.
   Passe o tempo que passar eu a esperarei. Vou estar parado ali do
  outro lado destes muros para abraçar a mulher que amei a vida
                                     toda. Até mais.

                                                                                       Do seu,

                                                                                       Ryan.”
             O último bilhete que Ryan lhe enviara antes de vê-lo acenar em despedida. Saiu
do Edifício Mamphs com um terno preto, com uma blusa azul clara por baixo combinando com
o também azul de seus olhos. Amelíe não conseguiu sorrir ou acenar de volta. Apenas
resignou-se ao seu direito de ficar inexpressiva e vê-lo entrar no carro e continuar a encarando.
Engoliu a seco enquanto ouvia o toque de recolher do banho de sol.

             Teve vontade de correr, de ir com ele ou de segurá-lo, de gritar que nesses anos
de convivência apaixonara-se por ele, mas teria de comportar e esperar até que conseguisse
sair do seu pior pesadelo.



             Amelíe foi chamada pelo Dr. Lewis. No tempo que se passara desde o dia em que
Ryan foi embora, recusara cortar os cabelos e sua rosa parou de ser trocada, suas pétalas já
eram quase pó após outros dois longos anos. A jovem já estava com vinte e seis anos,
portanto, há cinco anos reclusa.

            - Tenho boas notícias Amelíe. – Dr. Lewis disse sorrindo.

            - Existem boas notícias para mim Dr?

            - Sim, sugiro que corte seus cabelos, os arrume do jeito que mais gosta.

            - Por que eu deveria? – Disse enquanto brincava com uma das canetas.

           - Porque hoje você recebeu alta e me parece que já tem alguém que estará te
esperando. Providenciamos para nossa interna mais querida, uma cabeleireira e também pedi
a Laura que comprasse roupas novas para você, esperamos que goste. O mundo está tão
diferente Amelíe, espero que não se assuste. Agora vá querida, e pode ter certeza que a
visitarei sempre que puder.

            Amelíe não conseguia falar, viu-se sendo levada para uma sala, seu cabelo sendo
cortado e roupas muito diferentes das que vestia antes foram colocadas nela. Despediu-se de
Laura e parou na porta do Edifício Mamphs.

            O portão parecia ainda maior do que antes, mas estava ainda menor do que
quando entrou no Mamphs carregada pela população local por ter assassinado seus pais
inconscientemente.

            Os portões foram se abrindo lentamente. E seu medo crescia tão rápido que mal
conseguia respirar. Deu dois passos para trás tentando voltar, estava insegura, com medo do
que encontraria pela frente.

            A primeira imagem que conseguiu ver em sua frente foi a de Ryan, ele cumprira
sua promessa, estava lá, esperando por ela. Com um terno ainda mais elegante, no mesmo
preto de outrora e agora com uma camisa lilás. Os cabelos loiros bem cortados e molhados
como se ele acabasse de sair do banho.

            - Venha Amelíe, não se acanhe. Estou te esperando. Venha. – Abriu os braços
para mostrar confiança.

             Este era o momento que ela tanto esperara, correu para os braços de Ryan e o
abraçou o mais forte que pôde, parecia sentir-se em seu lugar. Respirou fundo e viu os portões
do Mamphs se fecharem atrás dela. Mas, pouco se importara, encontrou seu lugar. Encontrou
os beijos perfeitos que tanto esperava e os abraços mais aconchegantes.

            - Vamos querida, vamos para casa.

            - Casa?

              - Sim. Tomei a liberdade de preparar minha casa para que você viesse viver
comigo. A princípio tenho dois quartos, um para você e um para mim. Depois caso tudo corra
como espero e quero apenas um quarto será necessário para vivermos e outro vamos deixar
para visitas.

            - Meu Deus Ryan, acalme-se.

             Entraram no carro e foram para a casa que Ryan agora era proprietário. Uma bela
propriedade, diga-se de passagem. Depois que saíra do Mamphs fez um curso e conseguiu
entrar para a polícia, agora era um daqueles que o perseguiam antes.

            - Não repare meu amor, mas quero lhe fazer uma surpresa por isso vou lhe vendar
os olhos.

            - Ryan, não...

            - Por favor, querida. – Disse já vendando os olhos dela.

              Ultrapassaram a porta e subiram as escadas. E viraram à direita, Amelíe pode
perceber o som de mais uma porta sendo aberta. Ryan fez com que ela se sentasse em uma
cadeira e tirou a venda de seus olhos.

            - Tenho que lhe contar outra coisa, minha vida. Eu te observei esse tempo, pois
você seria minha próxima e última vítima. E eu não posso deixar de terminar meus sacrifícios.

            Amelíe não teve tempo para dizer nada, fora surpreendida por um tiro que lhe
atravessou o crânio. Fora encontrada morta no dia seguinte, o próprio Ryan telefonou a polícia
e confessou seu crime dando fim ao quebra cabeças do Satanista da Rua Félix, 93.
Thaís Domingues.

01 de Junho de 2012.

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A visita de Amelie ao novo interno Ryan no Edifício Mamphs

  • 1. Félix, 93 O Edifício Mamphs não era uma instituição grandiosa, porém, seus serviços eram mais baratos e de qualidade reconhecida internacionalmente. O edifício fora construído no ano de 1969 e antes de tornar-se uma casa de repouso para portadores de “comportamentos diferenciados”, era um grande hotel, com quartos cheios de luxo e sempre era notícia dos jornais que reportavam as visitas de grandes ícones nacionais e internacionais. Entretanto, o hotel que outrora era reconhecido por seus bons serviços e funcionários tornou-se conhecido após o assassinato de um de seus hóspedes. As reservas diminuíram pouco a pouco e nada se sabe sobre a família que era dona do Hotel Mamphs. Então, em 1987, reformaram a estrutura da construção, pintaram suas paredes e colocaram em funcionamento o Edifício Mamphs. Possuía quatrocentos pacientes, entre eles Amelíe, na casa dos vinte e um estava reclusa há quase nove meses. Com o tempo resolveu aceitar sua situação e entregar-se de fato ao que não mais poderia resistir. Ficaria ali, presa por mais alguns intermináveis anos. Após nove meses e quinze dias de Outubro do ano de 1995, corria pelos corredores a notícia de que um novo interno seria recebido. Não era nenhuma grande novidade, porém, Amélia interessava-se por tais comentários já que nada sabia sobre o que acontecia além das altas paredes de seu “hotel”. Conseguira apenas averiguar que o nome do rapaz era Ryan e que estava chegando aos seus vinte e três conturbados anos. - Amelíe, está na hora dos seus remédios. - Já decorei os horários, Laura. Dê-me logo esta dose de felicidade encapsulada. – Engoliu os antidepressivos e retomou a conversa. – Mas antes, fale-me mais sobre o novo interno que receberemos. - Ah, sobre o tal Ryan?! Bom, até nós funcionários, sabemos pouco sobre o indivíduo. Foi nos informado que é jovem e hospedar-se-á no quarto de número 2.20 e que tomará remédios mais fortes que os seus... – A enfermeira fez menção de continuar, mas foi interrompida. - Compreendo. Mas, diga-me, qual foi o motivo da internação? - Amelíe, como eu disse anteriormente, pouco nos foi passado sobre o ser em questão. Corre a largos passos o boato de que o mesmo tem alucinações e que durante este período de transe, comete assassinatos brutais e não se lembra de nada do que faz. Internou- se por livre e espontânea vontade, diferentemente de sua pessoa que foi traga aos gritos para cá. Agora me deixe ir, pois tenho outros internos para visitar. Boa noite. - Laura, é minha última pergunta. Quando ele chega? - Amanhã antes do almoço. Com licença, boa noite. – Disse fechando a porta atrás de si. Um assassino inconsciente chegaria e traria consigo as mais terríveis lembranças de Amelíe, Ryan era seu companheiro de fardo, parecia voltar no tempo e estagnar-se no momento em que se “hospedara” no grande Mamphs. Aos internos eram permitidos apenas cinqüenta minutos semanais de banhos de sol. Por volta das onze da manhã uma ambulância chegava ao portão do edifício, Ryan chegara trazido por ela. “Internos do Edifício Mamphs, por favor, dirijam-se aos seus respectivos aposentos.”
  • 2. Era o fim de mais um banho de sol e o início de uma oportunidade para conhecer o tão comentado interno. Foram todos convidados para almoçar, isto queria dizer que até o novato também confraternizar-se-ia com os veteranos. Amelíe correu com os olhos todas as mesas e nada parecia diferente. A louca do 5.01 permanecia na mesma cadeira com a mesma sopa. O pedófilo do 7.04 atirava-se à loirinha do 2.03. Até depositar seu olhar na terceira mesa da terceira fileira, lá estava o loiro de cabelos quase rebeldes de olhos claros e pele branca. Estava ali o ponto diferente dos rostos e restos velhos conhecidos. Ryan. Olhava para um ponto do nada, como se louvasse aquele lugar singular que fixara sua atenção. Até que suas observações foram interrompidas. - Olá. – Amelíe tentou sorrir. O rapaz retribui com um sorriso mais verídico, porém muito discreto. - Não fala muito, não é? – Insistiu a moça. - Sim, Amelíe, não sou de falar muito. Mas agradeço pelo comitê de boas vindas. – Comeu um pedaço do seu lanche. - Como sabe meu nome? - Uma das internas que mais dão trabalho, que está reclusa aqui há exatos nove meses e dezesseis dias. Conhecida também por delirar à noite e invadir o quarto dos outros pacientes. O que mais eu descobri? Você não se internou por vontade própria e seus gritos puderam ser ouvidos além das paredes do Mamphs e ainda preciso ressaltar que foram necessários dez homens para colocá-la onde está hoje... - Imagino que sei minha própria história, ainda não perdi minha lucidez. – Exaltou- se. - Amelíe, minha querida, já que tem o costume de invadir o quarto dos outros pacientes, estou hospedado no de número 2.20, garanto que faremos algumas loucuras durante a noite, perdoe-me o trocadilho infame. – Sorriu irônico. Irritada, levantou-se de imediato, sem que houvesse movimento para volta. Ryan a segurou pelo pulso. - Anjo, sente-se, por favor. Perdoe-me, prometo não importuná-la, não quero lhe passar uma má impressão. Fique aqui comigo, acompanhe-me nesse almoço caríssimo que acabo de providenciar para nós. - Tudo bem, estou aqui. – Sentou-se novamente. – Agora pode, por favor, me contar como conseguiu tantas informações sobre mim? - Não devia se preocupar tanto querida. – Sorriu despreocupado. Amelíe fez menção de levantar-se. - Tudo bem, eu contarei. Descobri parte de sua história enquanto uma das enfermeiras me acomodava em meu quarto, não foi difícil ler as informações de alguns pacientes daqui. Mas interessei-me particularmente pela sua ficha, eu confesso. E sobre seus gritos, eu presenciei quando você foi internada. Tão jovem... – Acariciou-lhe o contorno do rosto. – Tive pena de você, acredite. Satisfeita? - Bastante, mas porque veio para este lugar nojento?
  • 3. - Além da boa comida, dos bons serviços, das belas funcionárias e internas como você, achei sensato com o meu próprio ser. Não consigo me lembrar de boa parte dos delitos que cometi. Recordo-me apenas de expressões de dor, de ódio, de vingança e do meu rosto quando me olhava no espelho e encontrava pequenos resquícios de sangue. Sempre achei que eram acnes que estouravam... – Contou esta última parte rindo, mas encontrou a expressão séria de Amélia. - Continue. - Então numa certa manhã após uma noitada daquelas, me deparei com policiais à minha porta perguntando o que eu havia feito na noite anterior. Expliquei a eles que não me lembrava de boa parte da noite, e de fato, eu não sabia o que havia acontecido. Mostraram-me fitas de segurança de um estacionamento. Fui capaz de estraçalhar o corpo de uma prostituta local como se existisse dentro de mim um animal. Revoltei-me com o que vi e decidi aceitar o acordo que me propuseram. - Qual foi o acordo Ryan? - Propuseram a mim que me internasse aqui no Mamphs para me reabilitar e tentar sair deste lugar um novo homem. “Internos do Edifício Mamphs, por favor, dirijam-se aos seus respectivos aposentos.” - Não se esqueça do meu convite, minha doce Amelíe. – Beijou- lhe a mão direita e piscou para ela. As horas pareciam passar mais devagar do que o de costume. Não possuía em suas mãos seu próprio controle enquanto dormia. Tudo o que Ryan dissera era verdade, ela invadiu vários quartos dos outros internos, tentou matá-los e ficou sabendo do que fizera apenas nos dias seguintes às invasões. Passaram então a trancafiá-la em seu cubículo, com suas camisolas, o seu diminuto guarda roupas e sua rosa vermelha que nunca resistia a mais que sete curtos dias. Já evitava se lembrar de seus familiares, fazia muito tempo que não os via. Respirou fundo e observou Laura se aproximar com seus remédios. Pegou o pequeno copo e virou de olhos fechados sua felicidade encapsulada. Não engolira, decidiu não estar sob efeitos de algo que há tempos a desmaiava e acabava com seus sonhos. Já não sabia o que eram sonhos, sentia-se triste e solitária por isso. Às vinte e duas horas soou o toque para recolher e trancar as portas dos pacientes mais perigosos. Amelíe virou-se para encarar o teto. --------- - Não sabia que os novatos podiam ter janelas em seus quartos... Ryan virou-se para encarar Amelíe, nada surpreso por receber tal visita, já possuía a mais terna ideia de que sua companheira o visitaria no silêncio da noite. - Talvez queiram que eu me adapte rápido às supostas tristezas que todos dizem viver por aqui. – Disse sentando-se na cama. – O colchão é até melhor do que o que eu tinha em casa. Venha, sente comigo. - Prefiro ficar de pé, obrigada Ryan. - Tudo bem, mas diga-me querida, como conseguiu entrar aqui? Parece-me tão sã, foi malcriada e não tomou seus remédios? Que coisa feia anjo. Amelíe andava quase impaciente pelo quarto.
  • 4. - Quando se está aqui há muito tempo você acaba aprendendo a se adaptar a certas coisas. Até entrar aqui eu não reconhecia a utilidade de um grampo. Quando a silhueta magra passou ao lado da cama de lençóis brancos, a mão forte segurou o diminuto pulso, para que mais nenhum passo fosse dado. - Aquiete-se anjo, não quero prejudicá-la por me visitar hoje. Sente-se comigo, prometo me manter distante de você. Só me aproximarei se pedir. - Ryan, não vou pedir nunca que se aproxime mais de mim. Só cheguei até aqui por que achei justo tentar saber mais sobre você, sua história já que tanto sabe sobre mim. Quero que me conte tudo. - Tudo bem Amelíe, contarei tudo a você. Mas primeiro sente-se comigo, insisto, pois até que saiba de tudo o dia já terá começado a raiar. Amelíe sentou-se ficando de frente para Ryan, cobriu suas pernas com a ponta restante dos lençóis com os quais ele também se cobria. Enquanto Ryan encarava as poucas estrelas, Amelíe fixou seu olhar no rosto de expressões fortes, buscando encontrar semelhanças com alguém que conhecera há algum tempo, mas a princípio não encontrara grandes resultados. Vira vários rostos mesclados num só e uma mesma expressão de dor e cansaço por conviver com algo que tentava se livrar a tempos. - Então você saberá apenas uma parte do tudo. Quero garantir que terei suas visitas por muitas e muitas noites. Mas não se preocupe, também farei visitas a você, não quero que se arrisque tanto por saber minha história. - Não me enrole Ryan, conte. - Se é assim que quer, então o farei Amelíe. Venho de uma família nobre, meus pais são franceses e eu sou inglês, visitei diversos países durante minha infância e parte de minha adolescência. Quando cheguei à casa dos treze anos, meus pais começaram a notar minha rebeldia na escola e a violência com que tratava não só meus colegas de classe como aos familiares. Levaram-me a todos os ramos da Medicina, desde os clínicos gerais até psiquiatras e psico-educadores, mas parecia não haver solução. Alguma coisa estava errada, mas o que? Revoltado por ser submetido a tantos constrangimentos diante de tanta gente, procurei algo que me satisfizesse. Meu gatinho era lindo Amelíe, afagava-me dia e noite. Mas começava a me irritar o fato de um animal ser carinhoso com a minha pessoa e os meus próprios semelhantes me ignoravam. Matei meu gato e o expus no portão de casa, com um bilhete dizendo para que parassem de fazer brincadeiras com o meu problema desconhecido. Sim, eu fiz isso. E não me arrependi. Eis ai o ponto, comecei com o meu gato, passei para o poodle da vizinha, coloquei fogo na gaiola de ratinhos da minha prima. Parti os peixinhos do aquário de casa com minhas próprias mãos. “Basta!” disse meu pai, e então me enviou a um abrigo inglês para que lá eu ficasse preso até a maioridade. Aos dezoito, me expulsaram de lá. Cansaram dos meus atentados e de minha impaciência perante o tempo. Morei nas ruas e depois consegui pelo governo a casa em que residia até ontem. - Mas e como surgiram esses seus lapsos de memória Ryan? - É uma ótima pergunta querida, - disse olhando para a noite que se tornava ainda mais densa – admito não saber o que ocorreu. Como eu disse na outra vez que conversamos, eu apenas acordava com o rosto sujo de sangue e nu. Mas orgulhava-me por achar que alguma prostituta havia passado por ali. Até a manhã em que os policiais me surpreenderam, mostrando-me a fita de vídeo do estacionamento em que destrocei o corpo daquela mulher que
  • 5. se vendia. E não me mostraram apenas esse tal vídeo, entregaram-me também um dossiê sobre mim mesmo. - O que constava nele? - Todas as mortes que causei, foram 23 no total. Tirei a vida de outros assassinos, de alguns imorais, de mulheres da vida e de pedófilos. Tecnicamente, disseram que eu fiz uma grande limpa em relação aos que sujavam a imagem da sociedade. A partir deste dia descobri que imoral era o governo e a tal política de segurança pública que nos trata como porcos que os servem. - Você disse durante o almoço, que presenciou o dia em que fui jogada neste lugar. É verdade? - Sim, Amelíe. Mas isto vou lhe contar em uma próxima noite. Já está quase amanhecendo, vá para o seu quarto e descanse, não quero prejudica-la. - Tudo bem, nos veremos amanhã. Bom fim de noite. Descanse, e seja bem vindo ao inferno. Três dias se passaram desde a primeira fuga noturna, Amelíe não repetiu o que fizera apenas por falta de coragem, mas não lhe faltava vontade. Ryan era apenas mais um incompreendido da sociedade, que tem muito a dizer sobre tudo o que vivera, só não havia pessoas que quisessem ouvi-lo. Mas ela queria, queria saber de tudo o que ele passara. - Sinto-me profundamente sozinho quando não me visita Amelíe. – Disse Ryan enquanto sentava-se ao lado da moça de olhos claros. - Não disse que iria visita-lo todos os dias. Ou disse e não me recordo? - Aproveite o almoço que pedi para nós. Sopa de macarrão com legumes e outras coisas nutritivas. – Sorriu simpaticamente. - Providencie outro almoço, estou farta desta sopa! - Sinto cheiro de tensão pré-menstrual? – Sorriu ironicamente. Amelíe não se deu ao trabalho de responder tal provocação. Apenas levantou-se e foi para o quarto, sentiu que estava sendo seguida, mas não se importou. Fixou seu destino em sua cama, mas foi segurada pela cintura, apenas sentia e ouvia uma respiração quase ofegante ao pé dos seus ouvidos. - Se afaste Ryan. – Disse segurando seus pulsos lutando para se soltar. - Você não quer que eu me afaste Amelíe, temos pouco tempo e preciso lhe contar o que fiquei devendo outra noite. Não se afaste de mim, amo seu cheiro, preciso senti- lo. - Ryan... Ele a virou para encará-la, para que ela sentisse que seria sincero em suas próximas declarações. Tirou-lhe aquela mecha de cabelo que tampava parte da imensidão daquele azul céu. Tentava controlar sua respiração, mas era algo impossível, quando estava perto dela. - Já a conheço há muito tempo Amelíe. Na verdade li muito sobre você e sua família. E antes de você ser jogada aqui no Mamphs aos gritos, eu andei te observando, acompanhando seus passos, sei de todos os seus passos nos últimos dois anos anjo. Sei de coisas que você com toda certeza não se lembra. - Ryan, se afasta, por favor.
  • 6. - Tudo bem, desculpe. – Disse se afastando. – Sei que estava errado, mas te observei, assim como adorava sentar na praça que havia debaixo do seu quarto, todas as manhãs. Seu pai, o Sr. Polain, cheguei a conversar com eles várias vezes. Sua família toda me conhecia, eu seria o jardineiro de sua casa. - Como assim? – Indagou assustada. - Isso mesmo Amelíe, - disse se aproximando da rosa vermelha – eu queria estar perto de você, queria saber como era... - Como se interessou por mim? - Não sei. Você sempre me encantou indo à loja de calçados que trabalhei, não se lembra, mas me fez descer quase todos os calçados que estavam disponíveis e me compro uma bota cano longo preta. Lembra-se dela? Lágrimas vieram aos olhos de Amelíe, lembrava-se com perfeição deste dia em especial. Divertia-se em vê-lo descendo com quatro caixas de calçados diferentes em busca de algo que a agradasse. “Internos do Edifício Mamphs, por favor, dirijam-se aos seus respectivos aposentos.” - Saia Ryan.Não quero vê-lo. Ryan saiu cabisbaixo e foi para os seus aposentos como mandava aquela fria voz mecânica. Mas não queria voltar, queria ficar ali parado, esperando que ela o pedisse para não ir. E não foi o que aconteceu. Um ano se passara desde o dia em que tiveram a conversa que revelara tantas coisas. Amelíe não voltara a visitar Ryan, já estavam no dia trinta de novembro de 1996, aniversário dela. Vira entrar por debaixo de sua porta um bilhete. “Desculpe-me incomodá-la depois de tanto tempo e também por essa letra horrorosa. Enfim, eu não poderia esquecer-me desta data, feliz aniversário anjo. Ryan.” Era ele, Amelíe já sabia que aquele bilhete seria dele. E lhe doera no coração não poder retribuir o que ele sentia. Ela se lembrava do jovem que fingia ler o jornal todas as manhãs naquela praça tentando disfarçar que olhava, na verdade, para a janela do quarto dela. “Ah Ryan, perdoe-me...”. - Amelíe, posso entrar? - Por favor, entre Laura. – Disse cabisbaixa. - Eu juro que quis te livrar da sua felicidade encapsulada de todos os dias nesta data especial, mas não consegui. Desculpe-me querida, eu juro que tentei! – Abraçou-a apertado. – Feliz aniversário! - Obrigada por tudo. – Tentou sorrir. - Vou ver os outros pacientes. Até mais tarde.
  • 7. Encontrava com Ryan todos os dias na hora do almoço, do jantar e também nos banhos de sol. Seus olhares se cruzavam sempre, tentavam evitar, mas era impossível. Várias vezes Amelíe, durante as refeições, sentava-se com outros pacientes do Mamphs apenas para evitar que ele se sentasse na mesma mesa que ela. Era evidente a decepção que habitava os olhares de ambos. O tempo se passava. Ryan completara dois anos de internação e recebera visitas dos policiais e agentes, corriam novos boatos de que logo ele receberia alta por bom comportamento e também por apresentar avanços em seu quadro psiquiátrico, não era um homem violento e nunca tentara algo contra os pacientes. Tornara-se tão bonito, de expressões ainda mais fortes, deixava a barba por fazer e isso acentuava ainda mais seus olhos claros e o sorriso branco que tanto encantava Amelíe, mas ela não o veria mais. Ryan receberia alta no dia seguinte. “É o último bilhete que lhe deixo anjo, o segundo depois de quase dois anos, venho incomodá-la novamente. Perdoe-me, mas é apenas para me despedir e dizer que ficarei inteirado sobre tudo o que acontece com você, e a esperarei no dia que sair deste lugar. Passe o tempo que passar eu a esperarei. Vou estar parado ali do outro lado destes muros para abraçar a mulher que amei a vida toda. Até mais. Do seu, Ryan.” O último bilhete que Ryan lhe enviara antes de vê-lo acenar em despedida. Saiu do Edifício Mamphs com um terno preto, com uma blusa azul clara por baixo combinando com o também azul de seus olhos. Amelíe não conseguiu sorrir ou acenar de volta. Apenas resignou-se ao seu direito de ficar inexpressiva e vê-lo entrar no carro e continuar a encarando. Engoliu a seco enquanto ouvia o toque de recolher do banho de sol. Teve vontade de correr, de ir com ele ou de segurá-lo, de gritar que nesses anos de convivência apaixonara-se por ele, mas teria de comportar e esperar até que conseguisse sair do seu pior pesadelo. Amelíe foi chamada pelo Dr. Lewis. No tempo que se passara desde o dia em que Ryan foi embora, recusara cortar os cabelos e sua rosa parou de ser trocada, suas pétalas já eram quase pó após outros dois longos anos. A jovem já estava com vinte e seis anos, portanto, há cinco anos reclusa. - Tenho boas notícias Amelíe. – Dr. Lewis disse sorrindo. - Existem boas notícias para mim Dr? - Sim, sugiro que corte seus cabelos, os arrume do jeito que mais gosta. - Por que eu deveria? – Disse enquanto brincava com uma das canetas. - Porque hoje você recebeu alta e me parece que já tem alguém que estará te esperando. Providenciamos para nossa interna mais querida, uma cabeleireira e também pedi
  • 8. a Laura que comprasse roupas novas para você, esperamos que goste. O mundo está tão diferente Amelíe, espero que não se assuste. Agora vá querida, e pode ter certeza que a visitarei sempre que puder. Amelíe não conseguia falar, viu-se sendo levada para uma sala, seu cabelo sendo cortado e roupas muito diferentes das que vestia antes foram colocadas nela. Despediu-se de Laura e parou na porta do Edifício Mamphs. O portão parecia ainda maior do que antes, mas estava ainda menor do que quando entrou no Mamphs carregada pela população local por ter assassinado seus pais inconscientemente. Os portões foram se abrindo lentamente. E seu medo crescia tão rápido que mal conseguia respirar. Deu dois passos para trás tentando voltar, estava insegura, com medo do que encontraria pela frente. A primeira imagem que conseguiu ver em sua frente foi a de Ryan, ele cumprira sua promessa, estava lá, esperando por ela. Com um terno ainda mais elegante, no mesmo preto de outrora e agora com uma camisa lilás. Os cabelos loiros bem cortados e molhados como se ele acabasse de sair do banho. - Venha Amelíe, não se acanhe. Estou te esperando. Venha. – Abriu os braços para mostrar confiança. Este era o momento que ela tanto esperara, correu para os braços de Ryan e o abraçou o mais forte que pôde, parecia sentir-se em seu lugar. Respirou fundo e viu os portões do Mamphs se fecharem atrás dela. Mas, pouco se importara, encontrou seu lugar. Encontrou os beijos perfeitos que tanto esperava e os abraços mais aconchegantes. - Vamos querida, vamos para casa. - Casa? - Sim. Tomei a liberdade de preparar minha casa para que você viesse viver comigo. A princípio tenho dois quartos, um para você e um para mim. Depois caso tudo corra como espero e quero apenas um quarto será necessário para vivermos e outro vamos deixar para visitas. - Meu Deus Ryan, acalme-se. Entraram no carro e foram para a casa que Ryan agora era proprietário. Uma bela propriedade, diga-se de passagem. Depois que saíra do Mamphs fez um curso e conseguiu entrar para a polícia, agora era um daqueles que o perseguiam antes. - Não repare meu amor, mas quero lhe fazer uma surpresa por isso vou lhe vendar os olhos. - Ryan, não... - Por favor, querida. – Disse já vendando os olhos dela. Ultrapassaram a porta e subiram as escadas. E viraram à direita, Amelíe pode perceber o som de mais uma porta sendo aberta. Ryan fez com que ela se sentasse em uma cadeira e tirou a venda de seus olhos. - Tenho que lhe contar outra coisa, minha vida. Eu te observei esse tempo, pois você seria minha próxima e última vítima. E eu não posso deixar de terminar meus sacrifícios. Amelíe não teve tempo para dizer nada, fora surpreendida por um tiro que lhe atravessou o crânio. Fora encontrada morta no dia seguinte, o próprio Ryan telefonou a polícia e confessou seu crime dando fim ao quebra cabeças do Satanista da Rua Félix, 93.
  • 9. Thaís Domingues. 01 de Junho de 2012.